Meu Pequeno Milagre escrita por Mayfair


Capítulo 3
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Mais uma vez me desculpem por qualquer erro.

Boa leitura!



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Allen POV

Um mês havia se passado desde que Allen havia chego ao Japão e finalmente havia começado a estabelecer sua nova rotina. Trabalhava na cafeteria se segunda à sexta o dia todo e sábado até na hora do almoço. Tentou até argumentar contra, mas Kanda fora completamente firme com relação a essa decisão. Disse que ele deveria ter pelo menos um dia e meio de folga, já que tinha que descansar e estudar. Mas se a provocação e a preocupação velada surpreenderam Allen, a forma como Kanda o “comunicou” sobre isso, não.

No primeiro sábado em que fora trabalhar, quando chegou o horário do almoço Kanda simplesmente o expulsou da cozinha dizendo que não queria ver sua cara antes de segunda de manhã. Ficou uns bons 5 minutos encarando as portas duplas, tentando entender o que havia feito de tão grave a ponto de ter sido colocado pra fora, quando o moreno apareceu na janela.

− O que você ainda está fazendo aqui? Eu já não mandei você pra casa? – seu tom de voz era sério, diferente de quando ele ficava irritado por qualquer coisa. Era o sério que ele usava quando tinha que explicar alguma coisa pela segunda vez, usado algumas vezes naquela semana.

− Kanda eu não sei o que eu fiz de errado, mas me desc... – Não conseguiu terminar de se desculpar, porque foi interrompido por um estalar de língua do mais velho.

− Você não fez nada errado, moyashi. – As palavras pareciam ser sinceras, mesmo que tivessem sido ditas a contra gosto, o que deixou Allen ainda mais confuso – Você precisa de um tempo para poder se dedicar aos seus estudos, então vou te dar folga nos sábados à tarde e aos domingos.

− Eu agradeço a preocupação Kanda, mas posso estudar a noite. – Ainda estava em choque, mas tinha que admitir que estava feliz com a preocupação do outro – Não preciso de um dia todo de folga.

− Eu não estou perguntando se você precisa ou não, eu estou dizendo que é assim que as coisas vão ser. Nada de bom vai vim de você forçar seu corpo e sua mente além dos seus limites. Você precisa terminar de compor as suas músicas e isso requer tempo. – Talvez, apenas talvez, Allen tivesse notado um pouco de constrangimento na voz do Kanda nessa hora, principalmente porque toda a conversa dos dois estava tendo Lavi e Krory como expectadores. O mais alto ainda tentava disfarçar, mas o ruivo os encarava descaradamente – E eu já te disse antes, minha cozinha, minhas regras. Então é bom que você suma daqui e não ouse a dar as caras até segunda de manhã.

− Mas você nunca tem folga! Se eu estiver aqui posso te ajudar e você vai se cansar menos! – sabia que era uma batalha perdida, já que quando Kanda colocava uma coisa na cabeça ele não mudava de ideia, mas não ia desistir sem lutar.

− Mas eu vou ter a minha folga! – o pequeno sorriso demoníaco na face do moreno o fez questionar internamente se aquilo era de fato, um sorriso – Vou ter um dia e meio de descanso de você e todo o seu barulho. É mais do que o suficiente. – Allen sabia que aquilo não era de fato uma ofensa, pois durante os últimos 5 dias havia deixado sua caixinha de som ligada, tocando todas as suas composições, e em nenhum momento Kanda reclamou ou pediu para que ele desligasse. Lavi tinha inclusive uma teoria de que Yu gostava das suas músicas em segredo, já que era a primeira vez que ele deixava alguém ligar alguma música dentro da cozinha. – Agora vá para cima antes que eu mesmo te arraste até lá! – Kanda finalizou de forma ameaçadora, voltando para a cozinha antes que Allen pudesse acrescentar qualquer coisa.

Ainda sentia vontade de rir toda vez que se lembrava disso, e também da provocação que recebera na segunda de manhã, quando foi tentar mais uma vez argumentar com o moreno. “Você não vai ter utilidade alguma se colocar fogo na cozinha porque está exausto demais ou preocupado com as coisas da faculdade, moyashi”.

Enquanto tomava seu café da manhã lentamente, naquele domingo nublado, Allen não podia deixar de lembrar de todos os acontecimentos do último mês. Claro que 4 semanas era pouco tempo para conhecer alguém, mas já podia se gabar por pelo menos começar a entender a caixinha de surpresas que era Yu Kanda.

Após a pequena “briga” do primeiro dia, o moreno passou a ser mais ele mesmo, o que significava que eles discutiam sobre tudo o tempo todo. Conforme os dias foram passando e Allen começou a realmente entender sobre o que estava acontecendo na cozinha e a aprender mais sobre confeitaria, não conseguiu mais controlar sua língua. Como grande consumidor de doces, tinha uma forte opinião, baseada em todo o seu conhecimento acumulado comendo em todas as docerias que teve acesso, e achou que poderia dar algumas ideias para Kanda. Obviamente o chef descartava várias coisas que ele dizia no começo, alegando que eles tinham um perfil de clientes diferentes do seu.

Ainda lembrava de ter chego no seu apartamento bufando há uma semana atrás, em um sábado pós expediente, amaldiçoando Kanda até a décima geração. Tomou um banho, sentou-se na frente do seu notebook e fez o que havia criado o hábito de fazer sempre que tinha algum problema envolvendo a cafeteria: ligou para Link. Deveria ser por volta das 5:00 da manhã em Paris, que era o horário em que costumavam se falar.

− Allen? – Link atendera no terceiro toque da chamada de vídeo – Aconteceu alguma coisa? Pensei que iria estudar hoje.

− Kanda simplesmente se recusa a ouvir qualquer coisa que eu diga! – Soltou de uma vez o que estava preso em sua garganta. Tinha certeza de que estava soando mal educado e mimando, mas nessas três semanas de amizade, havia criado uma certa intimidade com o loiro.

− O que aconteceu dessa vez? – Viu Link se sentar de forma mais confortável na frente da câmera do notebook, enquanto penteava os cabelos e os prendia em uma trança. Foi só então que se deu conta de que ele parecia ter acabado de levantar.

− Minha nossa Link! – disse envergonhado – Eu te acordei? Me desculpe!

− Eu já estava acordado, não se preocupe. – O loiro ainda trançava o cabelo – Apenas estava com preguiça de levantar. O clima está esfriando rápido por aqui.

− Aqui também está esfriando bem rápido! – Allen sorriu. Sempre adorou o frio – Mal posso esperar pela neve!

− Eu também, mas agora, senhor britânico – Link disse com um pequeno sorriso nos lábios, prendendo um lacinho no final da trança – Pare de se distrair com o clima e me conte o que aconteceu.

Allen riu um pouco antes de começar a falar. Havia trocado poucas palavras com o amigo, mas já se sentia menos estressado.

− Estávamos recheando alguns éclairs para colocar na vitrine, usando aquele recheio de creme de lavanda complicado que o Kanda faz. – Começou percebendo que Link havia assumido sua postura séria de ouvinte e analisador – Foi quando eu disse que podíamos usar Nutella como recheio e ele simplesmente me ignorou! – ainda estava indignado – Veja bem, eu já comi doces com Nutella perto de casa, e fica muito bom! Não vejo porque não podemos usar isso na cafeteria!

− E Kanda não te disse mais nada? – sentiu um bico se formar em seus lábios. Sabia que sempre que Link usava aquele tom de voz manso, era porquê havia uma razão plausível por trás de alguma atitude do moreno, o que resultaria em um Allen ainda mais irritado por não ter razão para fazer birra.

− Ele disse que a cafeteria tem clientes com paladar mais exigentes do que o meu. – Ainda estava emburrado. Qual é, todo mundo ama Nutella!

− Você sabe que ele tem razão, Allen. – E lá estava, o tom sério e condescendente que Link sempre usava quando lhe explicava alguma coisa – Não estou dizendo que usar Nutella como recheio é algo ruim. Até mesmo aqui há alguns lugares que usam, mas Kanda tem como um tipo de política da empresa não usar recheios prontos. E eu concordo plenamente com ele.

− Eu entendo que ele queira ser diferente das outras cafeterias do mercado, mas sinceramente Link, ele está se desgastando muito. – Suspirou, chegando finalmente na raiz da sua irritação – Talvez usar algumas dessas coisas mais práticas possam dar alguma folga pra ele.

− Eu sei que você está preocupado, Allen, mas ele vai sempre ser irredutível com relação aos seus princípios. – O loiro também suspirou. Allen sabia que mesmo longe a pouco tempo, ele também estava preocupado com o moreno – Eu fico feliz por você estar tentando ajudar, mas talvez esteja indo pelo caminho errado.

− E por qual caminho eu devo seguir?

Depois de conversarem vários minutos sobre as possibilidades, Allen concluiu que a melhor maneira seria que sugerisse coisas simples, mas que fossem feitas completamente por eles. Como usar geleias de frutas da estação, ou cremes aromatizados com folhas de chá. Tinha dúvidas de que Kanda aceitaria alguma das suas ideias, mas indo contra tudo o que imaginou, ele havia aceitado.

“Ele pode ser um pouco arrogante e manter aquele ar superior, mas Kanda tem bom senso. Se você sugerir coisas cabíveis e dentro daquilo que ele tem segurança de fazer, não há razão para ele não aceitar.” Havia sido o que Link havia lhe dito, e como em todas as vezes, ele tinha razão.

Ele havia passado a sua folga toda praticando vários tipos de recheios que seriam fáceis o suficiente para ele fazer e que não diminuiriam a qualidade dos produtos da cafeteria. Depois de dezenas de tentativas e o domingo todo dentro da cozinha do apartamento, finalmente havia chego em algum lugar. E na segunda de manhã, quando mostrou seus resultados para Kanda, ele havia concordado em usar suas receitas nos doces, e inclusive o agradeceu pelo esforço. Se Lavi não estivesse presente no momento do ocorrido e tivesse ouvido a mesma coisa, Allen até pensaria que estava delirando. Mas Yu Kanda realmente o havia agradecido pela ajuda! Bem, pelo menos era o mais próximo de um agradecimento que ele poderia sonhar em receber.

− Então, esses são os três tipos de recheio que eu consegui pensar para usarmos em alguns dos nossos doces. – disse apontando para os bows em cima da mesa, cada um deles contendo um tipo de creme diferente (limão, gengibre e chocolate branco) – Como você viu, eu posso preparar esses cremes sozinho e posso testar outros sabores também. – Mantinha uma expressão séria, olhando para Kanda, que estava experimentando cada um dos recheios – Ainda não consigo fazer a massa dos macarons e a massa choux sozinho, mas já consigo rechear os doces de forma descente. Se eu puder preparar os recheios também, vou conseguir ajudar mais.

O chef estava sério. Já havia experimentado os três cremes, mas ainda não havia falado nada.

− Se você não gostou, eu posso tentar coisas diferentes, Link disse que... – ia começar a tagarelar, como sempre fazia quando estava ansioso, mas nem teve a chance.

− Link te disse para fazer isso? – A pergunta do moreno o pegou de surpresa.

− Não! – Podia jurar que viu uma carranca na expressão de Kanda, mas como ainda era de manhã, podia ser apenas sono – Eu disse para ele que estava preocupado porque você estava com muita coisa para fazer e não aceitou minha sugestão de usar Nutella como recheio. – Agora tinha certeza de que era uma carranca – E ele me disse que você se recusa a usar recheios prontos. Então achei que o melhor caminho era tentar coisas que eu posso fazer sozinho, mas que ficassem descentes.

− Então você ficou o seu dia de folga todo enfiado dentro da cozinha para poder encontrar uma forma de me ajudar, quando eu não pedi ajuda, no horário que deveria estar usando para estudar? – Allen não entendeu aonde Kanda queria chegar. Estava nervoso por ele ainda não ter dito o que achava dos recheios.

− Sim! Não! – Começou a se embaralhar com as palavras – Sim, eu fiquei ontem o dia todo testando receitas, mas eu estudei no sábado, e sinceramente estou conseguindo acompanhar bem os outros alunos e não estou com dificuldades em nenhuma disciplina, então está tudo bem, eu juro.

− Tsc. – A expressão do moreno ficou um pouco mais suave – Você pode usar esses que já estão prontos para rechear os profiteroles que estão no forno e mais tarde podemos testar nos macarons.

− Então você gostou? – Sentiu um sorriso enorme se formar em seus lábios. E foi nesse momento que percebeu que na verdade todo o seu nervosismo era porque ansiava pela aprovação de Kanda.

− Estão um pouco doces demais e ainda falta um pouco de refinamento. – Sentiu seu sorriso murchar – Mas está razoável para um iniciante. Depois do almoço, quando o movimento estiver mais calmo, podemos fazer a nova remessa juntos e eu te mostro alguns truques para melhorar. – Nesse momento se encontrava surpreso demais até para sorrir. Era a primeira vez que Kanda dizia que fariam algo juntos – Mas depois disso a responsabilidade será sua. Você vai acrescentar isso na sua rotina e eu não vou mais te ajudar. Está pronto para lidar com isso?

− Estou sim! – Por trás do tom de desafio, conseguiu notar o orgulho na voz dele. Kanda parecia satisfeito e ao contrário da sua expressão séria, seus olhos brilhavam com algum sentimento diferente, como empolgação e até mesmo algo mais profundo, que não pôde identificar. Quanto mais convivia com o chef, mais fácil ficava notar essas sutilezas em suas falas e Allen achava isso emocionante – Muito obrigado por confiar em mim, Kanda. Prometo que não vou te decepcionar.

Nesse momento Lavi entrou na cozinha como um furacão, gritando que estava faminto e procurando alguma coisa para comer. Isso o fez se distrair um pouco, mas jurou ter escutado Kanda murmurar antes de se virar “Eu que agradeço, moyashi”. Achou que era sua imaginação, mas a cara de espanto do ruivo que estava ao seu lado o fez ter certeza de que havia escutado certo. Claro que quando Lavi contou a história mais tarde para Krory e pediu para Kanda confirmar que havia agradecido, ele negou e saiu de perto. Mas Allen sabia que era real e não um surto, e era só o que importava.

Fora da cafeteria as coisas também estavam entrando nos eixos. Apesar de ter se transferido no começo de outubro, o que marcava praticamente metade do semestre letivo, não demorou muito para se adaptar. Todos os professores foram muito compreensivos e seus colegas bem receptivos. Tinha conhecido Lenalee, que cursava o último ano da faculdade de Psicologia e era a namorada de Lavi. Costumavam passar o intervalo das aulas juntos, já que os três estudavam no mesmo bloco na universidade.

Também tinha conhecido Daisya Barry, que trabalhava na cafeteria junto com Lavi e Krory e estava de folga no seu primeiro dia. Ele tinha a sua idade e fazia de faculdade de Educação Física. Era extrovertido e de humor sarcástico. Passava metade do tempo reclamando que estava entediado e a outra metade xeretando na cozinha para atormentar o Kanda. O que sempre resultava em ele ser chutado pra fora com o moreno o ameaçando com uma panela em mãos. Quando perguntou para Lavi como ele havia sido contratado descobriu que Kanda o chamou quando Marie disse que conhecia Daisya de um orfanato onde fazia trabalho voluntário junto com Miranda. Ele era o mais velho de três irmãos e usava o dinheiro para ajudar em casa. Na época Barry estava desempregado e mesmo assim ia sempre que possível ao orfanato para brincar com as crianças. Seu sonho é abrir uma escola para crianças carentes, mas primeiro tinha que se formar. Depois de conhecer a história de Daisya, Kanda lhe ofereceu um emprego na cafeteria e com seu esforço, ele conseguiu uma bolsa na universidade. Desde então haviam se passado dois anos, e os dois haviam desenvolvido uma amizade estranha. Lavi disse que Kanda tratava Daisya como um irmão mais novo problemático e era engraçado ver os dois juntos. Allen achava que eles realmente pareciam irmãos, sempre brigando e implicando.

Após o longo café, finalmente criou coragem para ir até o piano e começar a tocar. Essa era a única coisa que ainda continuava difícil. Estava no meio de um enorme bloqueio e nesses 30 dias em que estivera ali, não conseguiu compor uma única linha. Marie havia lhe dito que isso era normal e que ele não deveria se preocupar, mas já estavam entrando em novembro e sabia que a partir dali as coisas seriam ainda mais complicadas. Sempre ficava pra baixo perto do Natal, e embora estivesse com as músicas quase prontas, se não conseguisse terminar em breve acabaria deixando para janeiro, o que significava apenas um mês até ter que entregar seu trabalho final. E com isso, nem com um milagre iria ter tempo de terminar tudo.

Quando seus dedos tocaram as teclas, as lágrimas imediatamente se formaram em seus olhos. Sentiu o misto de emoções o invadirem e formarem um bolo em sua garganta. Medo, ansiedade, saudades, tudo misturado em uma coisa só, o sufocando e dificultando o ar de entrar em seus pulmões. Seus olhos ardiam e as mãos começaram a tremer. Era sempre assim que começava. Quando sua cabeça começou a girar soube que era hora de sair dali. Suas crises estavam mais frequentes e ficava piores sempre que sentava naquele maldito banco se lembrava da mãe e tudo o que estava acontecendo em Londres.

Com muita dificuldade chegou na cozinha e se obrigou a beber um copo de água. Fez o exercício de respiração que era seu companheiro fiel ao logo desses anos e quando finalmente conseguiu normalizar a respiração, vários minutos depois, se jogou na cama e ligou para a única pessoa com quem conseguia conversar quando isso acontecia: Tyki Mikk.

Conheceu o português na sua única noite de rebeldia, aos 17 anos. Havia saído com os amigos da escola para beber, aproveitando que seu pai havia viajado a trabalho e que não tinha ninguém em casa para ver o horário que voltaria. Seu pai confiava plenamente que Allen já era responsável o suficiente para se cuidar por um final de semana inteiro, e bem, no geral ele era, mas naquele sábado a noite, após uma semana infernal na escola devido a um maldito colega que tinha espalhado um boato sobre ele ser gay, achou que merecia uma bebida mais forte.

Allen não tinha problemas com sua sexualidade, mesmo preferindo não colocar um rótulo nela. Inclusive já havia conversado com o pai anos atrás sobre isso e recebeu todo o apoio do mesmo e do tio. Mas na escola as coisas sempre eram complicadas. Adolescentes podem ser cruéis, e o que começou com “Allen Walker gosta de garotos” em poucas horas se tornou “Allen Walker fica espiando os outros garotos no vestiário”. Claro que isso resultou em várias brigas dos seus amigos com qualquer um que ousasse fazer algum comentário maldoso, vários alunos expulsos e um Nea Walker completamente fora de si na sala do diretor, ameaçando processar a escola e todos os funcionários. Resumindo: uma semana de merda. Então achou que identidades falsas, um copo de whisky e fichas de poker, eram uma recompensa mais do que merecida por ter aguentado tudo sem surtar.

E foi em um pub qualquer, em algum beco de Londres, que conheceu Tyki em uma mesa de poker. Assim que colocou os pés no estabelecimento soube que era aquele moreno de cabelos compridos e aparência exótica que comandava o lugar. Enquanto estava sentado no balcão com seus colegas, observou o quanto ele se divertia enganando os pobres coitados que apostavam todas as suas fichas, inocentemente enganados pela aura dominante daquele homem. Quando um lugar ficou vazio na mesa, viu sua oportunidade. Havia aprendido a jogar anos atrás, enquanto passou uma de suas férias com Cross Marian, viajando pela Índia. Apesar do riso de escárnio do mais velho assim que se sentou para jogar, não precisou de mais do que poucas jogadas para dominar o ambiente e fazer com que até mesmo Tyki não tivesse mais o que apostar.

Quando o jogo acabou e estava na hora de ir, o moreno ofereceu carona para eles. Sendo o único sóbrio da turma, negou prontamente, mas quando Tyki apontou a dificuldade que seria levar os outros três rapazes completamente bêbados até em casa, resolveu aceitar. Mas apenas após avisar que tinha um tio policial (aposentado, mas não menos perigoso) e que ficaria com o número de emergência na discagem do celular. Recebendo apenas uma risada como resposta, entrou no carro e na amizade mais estranha que tivera até então. No caminho para casa descobriu que Tyki era psicólogo, embora isso não fizesse o mínimo sentido para Allen, e que o mesmo havia estudado junto com seu tio Nea. Ele até mesmo conhecia seu pai e haviam se visto algumas vezes quando Allen era menor. Por esse motivo Tyki não havia dito que ele estava trapaceando no jogo e nem dedurou os quatro menores de idade para os seguranças do pub. Quando chegaram na casa de Allen, Tyki lhe entregou um cartão e disse para que ele lhe ligasse sempre que tivesse problemas. Duas semanas depois Allen teve uma crise, e querendo não preocupar o pai, ligou para o primeiro número que encontrou na agenda do celular. Aquela foi a primeira vez que conversou sobre seus problemas com alguém fora da sua família, e por fim acabou virando seu pequeno ritual. Sempre que tinha uma crise era a Tyki que recorria e em nenhuma vez o homem havia deixado de lhe ouvir.

Quando dezembro chegou, Allen começou a realmente ficar desesperado. Embora a relação com Kanda melhorasse a cada dia, com eles se tornando algo próximos de amigos, tudo o que não envolvia confeitaria, estava indo de mal a pior. No último mês havia ligado para Tyki todas as semanas, o que mostrava o quanto seu psicológico estava acabado. Com o aumento das crises, dos trabalhos da faculdade e das noites mal dormidas, não conseguia tempo para conversar com seu pai, o que acabava consigo. E mesmo os encontros com seu padrinho e Cross, que estavam acontecendo pelo menos a cada quinzena desde que se mudara, já haviam sido remarcados duas vezes porque se sentia indisposto demais para sair da cama nos dias de folga. Embora ainda conversasse quase que diariamente com Link, o loiro estava cada vez mais ocupado com seu curso e o estágio que estava fazendo, então as ligações passaram a ser cada vez mais breves. Seu único refúgio havia se tornado a cozinha da cafeteria, e quando se levantou naquele sábado, desejou que algo acontecesse e não precisasse voltar para o apartamento na hora do almoço.

E como se o Universo tivesse atendido suas preces, mas da sua própria forma, quando o relógio marcou 8 da manhã, Lavi entrou na cozinha como um furacão.

− Yu, a madame Louise está no telefone perguntando se está tudo certo para o motorista dela buscar a encomenda às 18:00.

Como se em câmera lenta, Allen viu Kanda empalidecer e soltar o fuê que estava segurando, deixando-o cair no chão produzindo um som metálico estridente.

− Ela deve ter se enganado Lavi, a encomenda é para o mês que vem. – Imediatamente Kanda foi até pequeno balcão que ficava no canto da cozinha, onde ficava a agenda com os pedidos. Allen tinha certeza de que ele estava fazendo alguma prece, mas estava longe demais para diferencias os pequenos murmúrios. Ele podia estar xingando também.

− É o aniversário de casamento dela Yu, tenho certeza de que ela não se enganou. – Agora era Lavi que parecia desesperado. Allen apenas ficou em silêncio, observando a cena, levemente nervoso. O palavrão que Kanda soltou lhe deu certeza de que madame Louise não havia se enganado. E presenciando um enorme marco histórico, arregalou os olhos quando percebeu o que aconteceu: Yu Kanda tinha cometido um erro, e isso era extremamente raro, principalmente um tão grande.

− Ela faz o mesmo pedido, na mesma data, há 3 anos. – Kanda bufou inconformado – Não acredito que eu simplesmente esqueci.

− O que eu digo para ela Yu? – Era a primeira vez que Allen via o ruivo tão sério.

− Diga que eu... – Mas Allen não podia deixar Kanda terminar aquela frase. Não iria se perdoar se deixasse.

− O que é o pedido? – Perguntou olhando para o chef, que estava escorado na parede como alguém que havia perdido o chão.

− 700 macarons variados. – Ouviu um suspiro – Sem o Link eu nunca...

− Não se atreva a terminar essa sentença, bakanda! – Então a surpresa se tornou irritação. Obviamente ninguém esperava que Kanda errasse, principalmente ele mesmo, mas ele era apenas humano, e nos últimos dois meses vinha trabalhando mais do que o saudável. Na verdade, um erro era apenas questão de tempo, e ninguém tinha o direito de julgá-lo por isso – Lavi, diga à cliente que a encomenda ficará pronta no horário.

− Allen eu sou o primeiro a ser otimista, mas nesse caso eu preciso concordar com o Yu, mesmo com a sua ajuda nem um milagre faria vocês terminarem a tempo. – O ruivo parecia desolado.

− Não precisamos de um milagre, Lavi. – Disse enquanto se aproximava com passos firmes do chef, lhe encarando nos olhos – Nós temos Yu Kanda, um dos melhores chefs dessa cidade. Não precisamos de mais nada. – Viu o choque percorrer o moreno, que o olhava de boca aberta, sem saber o que falar – Agora vá lá falar com a cliente, ela está esperando. - Seu tom de voz foi tão firme que Lavi não ousou contestar.

− Allen, eu aprecio a sua confiança, mas isso é mesmo impossível. – Kanda parecia tão devastado ao falar isso que partiu o seu coração.

− Yu, em todos esses seus anos trabalhando aqui, quantas vezes você deixou de entregar uma encomenda? – Embora seu tom ainda fosse firme, manteve o volume mais baixo, apenas para o moreno pudesse ouvir. Aproveitou a proximidade e sua súbita coragem para levar suas duas mãos até o rosto do chef, o forçando a olhar um pouco para baixo para encará-lo.

− Nunca. – A resposta saiu em um sussurro.

− E hoje não vai ser a primeira vez. – Sentiu um arrepio percorrer seu corpo com aqueles olhos azuis tão profundos o encarando, mas teve certeza de que era apenas a adrenalina do momento – Agora eu preciso que você vá ao depósito e faça uma lista bem detalhada de tudo o que vamos precisar. Enquanto isso eu vou limpar tudo aqui e avisar os meninos que a cozinha está fechada hoje. Vamos atender apenas com o que tiver pronto no balcão lá de fora.

− Allen, isso é loucura! – Kanda ainda tentou contestar, mas bastou apenas um olhar para ele entender que Allen Walker também é irredutível quando coloca algo na cabeça.

Kanda POV

Gastou cerca de 15 minutos para calcular tudo o que precisaria para aquela empreitada e montar a tal lista que Allen havia pedido. Ainda não havia entendido o que se passava na cabeça do albino ao topar aquela loucura, mas se viu impossibilitado de negar quando viu tanta confiança estampada nas orbes prateadas. O menor estava confiando em si em um momento que nem mesmo ele cofiava, e isso despertou algo no fundo da sua alma. Era um sentimento diferente do que estava acostumado, não queria se provar para seu pai ou deixa-lo orgulhoso. Quando ouviu as palavras do assistente, olhando no fundo de seus olhos e sentindo o toque gentil de suas mãos contra sua face, havia decidido que não queria decepcioná-lo e daria tudo de si para isso.

− Está tudo aqui? – Allen perguntou assim que voltou para a cozinha, lhe entregando a lista. Respondeu apenas com um aceno de cabeça. − Ótimo! – Viu que ele pegou o celular e começou a discar – Você organiza o nosso cronograma, porque sinceramente Kanda, nem sei por onde começar – Não conseguiu evitar bufar, só não sabia se era pelo “Kanda”, que estava de volta, ou pelo excesso de sinceridade – Enquanto isso eu vou conseguir o que precisamos.

Antes que tivesse a chance de perguntar como diabos o menor faria isso, ouviu uma voz conhecida atender a chamada.

− Por que raios você está me ligando a essa hora da manhã, pirralho? – A voz grossa e embargada deixava claro que Cross Marian ainda estava dormindo.

− Tio Cross, eu preciso que você faça algo pra mim. – Admirou o fato de que Allen nem tremeu com a grosseria do ruivo. Ele com certeza já estava habituado com isso. Ouviu o barulho da câmera do celular, um grunhido que deveria ser um palavrão e o som de algo se quebrando, provavelmente alguma garrafa que havia ido para o chão quando o mais velho se levantou – Eu te enviei a foto de uma lista de compras. Preciso que você traga tudo o mais rápido possível.

− Espero que seja uma questão de vida ou morte, pirralho, ou eu vou te jogar dentro do forno assim que chegar aí. – Kanda estava completamente embasbacado com a facilidade que Allen havia conseguido que Cross aceitasse ajudar. Principalmente numa manhã de sábado em que seu pai estava ocupado na galeria de artes e não estava em casa para chutar o ruivo para fora da cama antes do almoço.

− Nós dois sabemos que o padrinho nunca deixaria você fazer isso! – A risada do assistente o trouxe de volta á realidade. Tinha que organizar os próximos passos, ou todo o esforço de Allen não iria servir de nada.

Mais alguns grunhidos e palavrões depois e a ligação foi encerrada. No momento em que Allen voltou seus olhos determinados para si, já tinha um plano de ação detalhado em mente.

− E como faremos isso? – Kanda achou fofa a forma como Allen podia assumir o comando com tanta facilidade em um instante, e no minuto seguinte o encarar com tanta expectativa enquanto esperava por instruções.

− Vamos fazer o seguinte...

E o restante do dia passou como um borrão. Em tempo recorde, viu Cross chegar com todos os itens da lista, mas estava atolado de massa até o pescoço e preferiu deixar que Allen conferisse tudo e agradecesse pela ajuda. Teve certeza de que em algum momento Daisya e Krory surgiram na cozinha com sanduiches e suco, exigindo que eles comecem alguma coisa antes de desmaiarem de fome. Viu Allen comer entre uma remessa e outra de recheios, e também deu algumas mordidas no próprio lanche, mas nem mesmo se lembrava do sabor. Quando finalmente se permitiu respirar, estava colando o último adesivo na última caixa de macarons. Olhou o relógio e suspirou aliviado ao ver que o mesmo marcava 17:45.

− Nós conseguimos, Yu! – Allen, que também havia olhado o relógio assim que terminaram, agora lhe encarava com um sorriso enorme. Ele estava com o avental e algumas partes do braço manchados de todas as cores possíveis, por causa dos corantes usados nos macarons, alguns fios da parte da franja caíam por seu rosto, seus olhos prateados brilhavam como os de uma criança, e mesmo com o cansaço evidente e toda sujeira do lugar, Kanda podia jurar que Allen Walker parecia uma obra de arte de tão perfeito.

− Sim, nós conseguimos Allen, e graças a você. – Se permitiu sorrir. Quando havia sido a última vez que sorriu de verdade? Já não se lembrava.

Mas o sorriso morreu ao perceber que o menor fechou os olhos levemente e esticou os braços para tentar se apoiar, quando suas pernas falharam pelo cansaço. Sem nem mesmo pensar no que fazia, segurou Allen pela cintura e o puxou para si. Como ele estava com os braços esticados, acabou enroscando as mãos em seu corpo e em um segundo, estavam abraçados.

− Você está bem? – Perguntou ainda mantendo o menor bem firme contra seu corpo. Tinha certeza de que ele estava exausto depois de passar o dia todo trabalhando em um ritmo tão frenético. Até ele, que já estava mais acostumado com isso, não via a hora de finalmente se jogar na sua cama.

− Estou apenas um pouco cansado, me desculpe. – A voz dele saiu abafada, já que ele estava com o rosto enterrado em seu peito. Mesmo com as camadas de tecido, podia sentir sua respiração contra seu corpo, mas não se moveu nenhum milímetro para tirá-lo de lá – Você tem um cheiro muito bom, Yu. – Sentiu seu rosto esquentar com o elogio, mas foi salvo de gaguejar uma resposta por Lavi, que entrou na cozinha naquele momento.

− Vocês conseguiram, eu não acredito! – ele parecia extasiado, e se achou estranho o fato de encontrar Allen e Kanda abraçados de forma tão íntima, guardou isso apenas para si próprio – Madame Louise acabou de ligar avisando que o motorista já está vindo.

− Isso é bom. – Disse ainda agarrado ao menor, que também não fazia o mínimo esforço para se soltar – Allen, você deveria subir e descansar. Eu vou terminar de limpar tudo aqui.

− De maneira alguma! – Allen se afastou apenas o suficiente para encará-lo – Eu não vou deixar que você faça tudo sozinho, eu te ajudo!

Antes que pudesse argumentar que ele mal estava parando em pé, Lavi bufou na porta.

− Vocês dois estão indo para casa agora! – Seu tom de voz anormalmente sério chamou a atenção de ambos – Nenhum dos dois está em condições de fazer qualquer coisa aqui. Os meninos e eu limpamos tudo. Não vamos destruir a cozinha em uma única noite.

− Certo. – Com muita relutância, afastou-se de Allen e precisou conter um sorriso ao ver o bico fofo que ele fez – Você pode ir então, eu vou tomar um banho e descansar um pouco na sala dos funcionários antes de ir. Não confio o bastante nas minhas atuais condições para me equilibrar na moto até chegar em casa.

− Você pode descansar lá em casa. – Allen disse firme, segurando sua mão – Vai ser mais confortável do que a sala dos funcionários. Juro que está tudo limpinho.

− Eu não sei se... – Mas mais uma vez naquele dia, Allen assumiu a liderança deixando-o sem ter como argumentar.

− Eu não vou aceitar um não como resposta! – Sentiu o menor puxar sua mão, arrastando-o até a sala dos funcionários e pegando sua mochila – Você pode deixar o capacete aqui mesmo.

− Eu vou precisar dele para ir embora depois de descansar. – Ainda se deu ao trabalho de argumentar, enquanto mais uma vez era arrastado para a cozinha. Lançou seu olhar mais cortante para Lavi, que ainda estava lá e parecia fazer um esforço descomunal para não rir.

− Você não vai embora hoje Kanda, vai dormir na minha casa. – Recebeu mais um dos olhares sérios do menor, que deixavam claro que não era uma discussão e que Allen já havia decidido tudo.

− Tsc. – Estalar a língua foi sua única resposta, enquanto era arrastado como uma boneca de pano por toda a cafeteria, sob os olhares incrédulos de Daisya e Krory.

Assim que entraram, Allen finalmente soltou a sua mão e imediatamente a sentiu vazia demais. Notou que como ele havia lhe dito, o apartamento realmente estava muito organizado e limpo. Não esperava isso da casa de um jovem adulto que tinha uma rotina tão corrida e que precisava fazer tudo sozinho.

− Eu vou pegar uma toalha limpa para você. – Allen seguiu para o quarto, deixando-o na sala – Não preciso te mostrar onde ficam as coisas, porque você deve conhecer aqui até melhor do que eu, então por favor, sinta-se em casa.

− Você pode tomar banho primeiro, moyashi. - Disse pegando a toalha que o outro lhe estendia. O tecido estava imaculadamente limpo e cheiroso, o que o fez sorrir – Eu posso preparar alguma coisa para jantarmos enquanto isso, já que não vai me deixar ir embora.

− Eu vou aceitar a oferta da comida, mas você deveria tomar banho primeiro, já que é visita. – Apesar do cavalheirismo do rapaz, podia ver no fundo dos seus olhos o quanto ele estava desesperado por um banho.

− Pensei que você tinha dito para que eu me sentisse e casa. – Falou sorrindo enquanto se dirigia para a cozinha. Até mesmo ousou piscar de forma cumplice para o outro, enquanto o ouvia rir gostosamente.

− Você me pegou, Yu! – Allen ainda ria, erguendo os braços em rendição – Eu não vou demorar.

− Não tenha pressa, esses corantes são chatos de sair da pele. – Apontou para todas as manchas nos braços do menor e sorriu mais uma vez ao reparar no tom rosado que atingiu as bochechas do mesmo, que só agora havia notado sua real situação. Allen correu para o banheiro sem falar mais nada, completamente envergonhado.

Enquanto adentrava a cozinha, pensando no que o menor gostaria de comer foi que percebeu o quanto havia sorrido e se divertido durante o dia. Era a primeira vez que isso acontecia, e quando se pegou agradecendo ao seu eu do passado por cometer o maior erro da sua carreira até então, que percebeu as malditas borboletas no estômago.

− Mas que merda! – sussurrou com olhos arregalados, levando uma das mãos até a boca, sentindo-se subitamente enjoado, e outra até o mármore da pia para se apoiar – Eu estou muito ferrado!


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Notas finais do capítulo

Depois que eu li a história completa, achei que esse capítulo ficou meio "corrido" e cheio de informações, mas eu queria dar um background para o Allen e acabei me empolgando um pouco. Então me desculpem se a leitura ficou meio pesada.

Espero que tenham gostado e me deixem saber a opinião de vocês para me ajudar nas próximas histórias.

Até mais ;-)



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