Meu Pequeno Milagre escrita por Mayfair


Capítulo 1
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Olá!!!!
Como eu disse na última história, eu decidi reativar essa conta postando as histórias que eu já tenho no spirit.
Essa fanfic surgiu originalmente como uma história de Natal e começou a ser postada nessa data ano passado. A ideia era ser uma one shot levinha, apenas para não passar o aniversário do Allen em branco, mas eu acabei me empolgando um pouco kkkkk

Perdoem novamente a sinopese ruim e a capa meia boca. Na próxima vez vou tentar pedir para algum amigo fazer, porque sem condições comigo.

E mais uma vez perdoem por qualquer erro.
Espero que gostem e boa leitura!!



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Kanda POV

Kanda teve certeza de que algo estava muito errado no momento em que colocou os pés na cozinha do apartamento que dividia com o irmão mais velho e viu que seu pai estava ali. Froi Tiedoll nunca levantava antes das 8 da manhã aos domingos e muito menos para preparar seu café da manhã, pelo menos não em muito tempo.

− Pai? – chamou confuso, checando o relógio da cozinha e confirmando que sim, ainda era 5 da manhã.

− Yu! Bom dia! – o mais velho cumprimentou sorridente, puxando um banco em frente ao balcão que dividia a sala da cozinha – Venha, sente-se, eu fiz seu café!

Olhou desconfiado para a arrumação à sua frente. Havia alguns croissants de quatro queijos dispostos em uma cestinha de vime (os reconheceu como aqueles que sempre deixava congelados para o irmão assar quando sua noiva vinha visita-lo. Fez uma nota mental de fazer mais para repor) e uma chaleira com chá verde, acompanhado de creme e pouco açúcar, do jeito que gostava.

− O que aconteceu? - perguntou direto, enquanto se servia do chá.

− Não aconteceu nada! – Froi disse com tom defensivo, sentando-se ao lado do filho – Não posso vim te visitar?

− São 5 da manhã de um domingo e Marie não está aqui. Isso não é uma visita normal. – Encarava o pai de forma séria, puxando um croissant da cestinha.

− Você me pegou. – Seu pai riu, daquela forma que sempre fazia antes de soltar uma bomba – Link pediu uma licença de seis meses, para fazer aquela viagem pra França que ele vinha planejando.

Howard Link era seu “colega” na cozinha da cafeteria em que seu pai era sócio. Geralmente ficava responsável pela parte de confeitaria e era realmente talentoso no que fazia. Eles haviam se formado juntos no curso de gastronomia há cerca de um mês, e desde de então o loiro estava organizando as coisas para ir nessa viagem, que planejara durante toda a faculdade, pretendendo enriquecer suas técnicas culinárias.

− Eu já esperava por isso, ele não parava de falar sobre essa viagem um minuto sequer. – Contrariando seu tom indiferente, estava contente pelo outro. Não que fossem grandes amigos, longe disso, estavam mais para rivais que trabalhavam bem juntos, mas era bom ver que ele estava avançando, pois isso o incentivava a fazer o mesmo. – Isso significa que eu vou ter que trabalhar sozinho nos próximos meses e ficar encarregado da parte dele também.

Embora fosse um excelente chef e sempre fosse elogiado por tudo o que cozinhava, admitia que confeitaria não era seu forte, justamente por não gostar de doces. Mas exatamente por esse motivo via ali a oportunidade de melhorar e colocar em prática tudo o que aprendeu na faculdade e nos cursos extras que fizera. Se queria realmente abrir seu próprio restaurante em alguns anos, tinha que servir sobremesas perfeitas aos seus clientes.

− Mas eu já sabia disso. Você não precisava vir até aqui para me falar. – Olhou desconfiado para Froi – A menos que isso não seja tudo.

− Você nunca deixa passar nada, não é? – outra risada – Se lembra do sobrinho do Cross? O que estuda música?

Não pode evitar torcer o nariz ao ouvir o nome do amigo de seu pai. Nunca entendeu direito como um artista igual a seu pai, com sua própria galeria de arte, resolveu abrir uma cafeteria em sociedade com alguém como Cross. Ele podia ser encontrado a qualquer hora do dia com um cigarro na boca e uma taça de vinho na mão e as circunstâncias sobre as quais ele foi aposentado do seu cargo de delegado, nunca foram realmente esclarecidas. Tudo o que envolvia o passado e a vida pessoal de Cross Marian antes de se tornar sócio na cafeteria, era um completo mistério para todos, tendo como única exceção, o grupo de amigos do seu pai. Nem mesmo conseguia entender a dinâmica da amizade deles. Embora desconfiasse que não era apenas amizade o que havia entre eles. Mais de uma vez os viu trocando olhares mais demorados do que o necessário e desde que se tornaram vizinhos, o ruivo praticamente morava na casa do seu pai.

− Não me lembro, mas o que tem ele? – pousou delicadamente sua xícara na mesa, sentindo que finalmente haviam chego no real tópico da conversa.

− Não te culpo por não lembrar. Acho que a última vez em que se viram você tinha uns 10 anos. – Não entendia porque seu pai sempre ficava tão nostálgico quando falava da sua infância. Não se lembrava de muita coisa dos seus primeiros anos de vida, só de estar em um orfanato até os cinco anos, quando Froi apareceu junto com Noise Marie, seu irmão mais velho, e disse que o levaria para casa. Os próximos anos foram agitados, com eles se mudando de cidade com frequência, até finalmente se fixarem em Tokyo, quando já tinha 10 anos. Viu muitos lugares e conheceu muita gente durante esse período, então era quase impossível se lembrar de todos. – Ele é filho do Mana, aquele meu amigo que vive na Inglaterra. Ele costumava passar os finais de ano aqui, antes de Mana se mudar para Londres. Allen está no último ano da faculdade de música e decidiu transferir o curso pra cá. Ele vai ficar no apartamento em cima do café e quando eu comentei que estaríamos sem um funcionário nos próximos meses ele se ofereceu para ajudar.

− Esse Allen por acaso tem alguma experiência com cozinha? – perguntou irritado. Não gostava ensinar, não gostava de desconhecidos na sua cozinha e muito menos tinha paciência para qualquer coisa que envolvesse outras pessoas.

− Bem, Mana disse que ele ama comer, principalmente doces! – a risada do seu pai fez uma veia saltar na sua testa.

− Não. – Seu tom de voz era firme – Não preciso de um assistente, principalmente um que não saiba cozinhar.

− Sinto muito filho, mas vim apenas para te avisar. Isso já foi decidido. – Viu Froi levantar e se dirigir até a porta, sempre com aquele sorriso irritante nos lábios – Allen está chegando hoje e vai começar amanhã de manhã. Ele é um garoto muito especial que está passando por um momento delicado e difícil, então é bom que você seja educado com ele. – A ameaça por trás das palavras do seu pai fez um arrepio correr por sua espinha.

Allen POV

Allen não estava esperando uma recepção calorosa por parte de Kanda, mas aquilo já beirava o absurdo. Não que conhecesse o moreno muito bem, já que a última vez em que se viram já tinha mais de 13 anos, no último Natal que passou com seu pai no Japão, antes que Mana se mudasse de vez para Londres, quando sua mãe morreu em um acidente de carro. Na época ele tinha 9 anos e Kanda 10. Mana, Cross, Froi e Nea costumavam se reunir no final do ano, na tentativa de manterem os laços já que a vida adulta e suas rotinas sempre acabava os arrastando para lugares distantes uns dos outros. Mana e Froi ficaram ainda mais empolgados com isso quando Froi adotou Yu, acreditando que ele e Allen se tornariam bons amigos, mas isso nunca aconteceu. Lembrava-se de mais de uma vez tentar puxar aquele menino calado para brincar, mas ele sempre franzia o nariz para si e ia para perto do irmão mais velho, Marie, que ao contrário de Yu, sempre fora simpático com ele.

Dado esse histórico é claro que não esperava que o moreno soltaria fogos de artifício para celebrar sua chegada, mas obviamente não esperava ser ignorado daquela forma. Seu avião pousou em Tokyo às 8 da manhã e ele ficou completamente aliviado ao encontrar Froi esperando por ele no aeroporto. Se lembrava pouco da cidade e tinha receio de se perder tentando chegar na cafeteria de seu padrinho. Sim, Froi Tiedoll era seu padrinho e essa era a única razão pela qual ele aceitou morar no apartamento na parte de cima da cafeteria sem pagar aluguel, embora tivesse insistido em trabalhar no local em troca da moradia. Mas assim que colocou os pés no local, carregando sua mala, desejou ter conseguido convencer o padrinho a lhe cobrar o aluguel e ter uma desculpa para arrumar um emprego em outro lugar.

No caminho para lá Froi havia lhe dito que só tinha contado seus planos para Kanda naquela manhã e que por isso seu filho ainda estava em choque, mas que logo isso passaria. Explicou toda a situação de Link e o motivo pelo qual ele se ausentaria naquele período e disse como Allen seria assistente de Yu na cozinha.

− Yu é muito regrado e costuma ter uma rotina rígida – o mais velho disse enquanto Allen observava a paisagem pela janela do carro – Se levanta todos os dias no mesmo horário, se exercita e então entra naquela cozinha e não sai enquanto ainda consegue se manter em pé. – Havia um misto de orgulho e preocupação em sua voz, o que chamou a atenção de Allen – Ele tenta manter nosso cardápio bem variado e sempre atende os pedidos mais exigentes dos nossos clientes, mesmo que estes peçam por itens que não estão no menu. Ele diz que isso o faz exercitar seus conhecimentos. E quando o expediente encerra, ela ainda fica lá por várias horas. Além de repor os itens que tenham esgotado durante o dia também fica testando várias receitas diferentes. Ele planeja abrir seu próprio restaurante em alguns anos, e para isso já está montando um cardápio.

− Você está dizendo que a vida dele se resume a cozinhar? – perguntou espantado. As pessoas da idade deles costumavam ter uma vida social mais agitada, e até mesmo ele, que se considerava caseiro, saía aos finais de semana com seus colegas da faculdade. Era estranho conhecer alguém tão recluso.

− Sim. – Froi suspirou – Mesmo na época em que ainda estava na faculdade Yu dificilmente saía de casa para algo além de estudar e ir para a cafeteria trabalhar. Raramente Marie conseguia arrastá-lo para ir ao cinema ou ao shopping e desde que ele e a noiva resolveram começar os preparativos para o casamento, Yu sempre usa a desculpa de que não tem paciência para ficar ouvindo sobre essas coisas e que não vai sair para ficar de vela. Então ele se tranca naquela cozinha o tempo todo. – Mais um suspiro e uma pequena pausa – Obviamente eu estou mais do que orgulhoso da determinação do meu filho. Que pai não estaria? Mas eu temo que ele esteja perdendo uma parte importante da vida sendo assim. Eu queria que ele voltasse a sorrir enquanto cozinha, como ele fazia na infância.

Allen conseguia entender a preocupação do padrinho. Todo pai quer, acima de tudo, a felicidade dos filhos. Pelo menos era assim que deveria ser. Sabia disso bem, já que era a razão pela qual seu pai havia aceitado a sua decisão de se mudar.

− Eu espero que possa ajudar o Kanda a se abrir um pouco e que possamos nos tornar amigos. – disse sorrindo para o padrinho.

Mas assim que cumprimentou o moreno, que havia se tornado um homem completamente diferente do menino de feições fofas (mesmo que sempre estivesse sério), que havia conhecido na infância, e fora descaradamente ignorado, desejou não ter dito aquilo para Froi.

− Vamos lá Yu, diga oi para o Allen! – Froi disse mais alto, enquanto o filho estava quase passando pelas portas duplas que levavam até a cozinha, fazendo-o virar momentaneamente de frente para eles, dando tempo para que Allen conseguisse o observar melhor. Kanda tinha olhos afiados e traços marcantes. Sua expressão era dura e mal humorada, como se ao invés de cortar comida, ele desejasse poder fatiar as pessoas ao seu redor. Ele parecia ainda mais sério vestindo uma doma branca impecável, com o nome da cafeteria bordado no lado direito e seu nome do lado esquerdo. E para fechar o pacote, havia aura assustadora que ele emanava, principalmente sendo bons 20 cm mais alto do que Allen. A única coisa que suavizava um pouco sua imagem, eram seus fios pretos e longos, delicadamente presos em um rabo de cavalo com uma fita vermelha.

− Tsc. – O estalar de língua e um olhar cortante foram as únicas respostas que eles receberam antes que Kanda entrasse na cozinha deixando as portas batendo a suas costas.

− Ele deve estar com pressa – disse para o padrinho, que olhava feio por onde seu filho havia passado – Deve ter muito trabalho na cozinha, já que está quase na hora de abrir. – Olhou no relógio e viu que já era quase 9 horas, o horário em que a cafeteria abria aos domingos, já que não havia aula na universidade que ficava há uma quadra de distância, a mesma na qual Allen começaria a estudar no dia seguinte, e o fluxo de pessoas era menor.

− Isso não é desculpa para ser grosseiro. – Froi disse baixo, tirando os óculos do rosto e limpando as lentes. Ação que sempre fazia quando estava chateado – Vamos lá, vou te ajudar a levar suas malas para cima e te mostrar o apartamento.

Mas antes que pudessem se mover, ouviram as portas duplas da cozinha se abrindo novamente, e por ela passou um homem alto e loiro, com seus longos fios presos em uma trança que caía por suas costas.

− Bom dia Froi. – disse educadamente – É raro vê-lo aqui tão cedo. E bom dia... – o loiro olhou para si, franzindo um pouco o cenho, tentando reconhece-lo.

− Bom dia! – respondeu sorrindo e estendendo a mão para um aperto – Sou Allen Walker, muito prazer.

− O prazer é todo meu. – O loiro tinha um aperto de mão firme, embora pudesse sentir o quanto suas mãos eram suaves – Eu sou Howard Link. Você deve ser o afilhado do Froi que vai se mudar para cá e ajudar no café enquanto eu estiver fora.

Apenas anuiu a cabeça em concordância, feliz que pelo menos alguém ali era educado.

− Se vocês quiserem – Link começou a falar para seu padrinho, que já havia voltado a assumir uma postura relaxada, mas depois voltou a olhar para si – Podem subir para levar as malas enquanto eu preparo algo para comerem. Tenho certeza de que você deve estar faminto depois de tantas horas de voo e de sobreviver apenas com a comida que eles oferecem no avião.

− Isso seria perfeito! – sentiu seus olhos brilharem, e como que para dar mais razão ainda para Link, ouviu seu estômago roncar – Realmente estou com fome, mas não quero atrapalhar seu trabalho.

− Fique tranquilo, Allen – foi Froi quem respondeu – Link não se oferece para fazer algo que possa atrapalhá-lo. – a risada que seu padrinho soltou no final fez com que as bochechas do loiro adquirissem um tom rosado.

− Além disso o movimento costuma ser um pouco mais fraco nesse horário – Link complementou, depois de soltar um leve pigarro e voltar a assumir sua postura neutra – Então não tem problema.

− Já que é esse o caso, eu agradeço muito. – Fez uma leve reverência em agradecimento, como seu pai o havia ensinado – Nos vemos daqui a pouco então.

Se despediram com um aceno de cabeça e ele subiu com o seu padrinho, para aquele que seria o seu lar até a sua formatura.

Havia passado muito da hora do almoço quando Allen finalmente guardou a última peça de roupa. Depois de um café da manhã demorado na companhia de Link, onde haviam conversado sobre música e confeitaria, havia subido para começar a organizar as suas coisas. Seu padrinho havia ido embora no meio da conversa, após receber uma ligação de um Cross cheio de ressaca, dizendo que não conseguia achar o remédio para dor de cabeça e implorando pela ajuda de Froi. Esse que deixou a cafeteria resmungando que o ruivo não tinha jeito, e que todo dia era a mesma coisa.

O apartamento já estava todo mobilhado e equipado, já que era a moradia de seu padrinho até pouco tempo atrás, antes do mesmo se mudar para uma casa mais afastada da cidade, com o intuito de ter mais tranquilidade para se dedicar a sua arte. Então basicamente o que precisava fazer era organizar as coisas que havia trazido em suas malas, que consistia nas suas roupas, alguns livros e materiais do seu curso e alguns poucos objetos pessoais, como porta retratos com fotos dos seus pais. E tinha também verificar como estava o antigo quarto de visitas do apartamento, que carinhosamente Froi tinha reformado para se tornar sua sala de música. Sentiu seus olhos marejarem quando viu que havia até mesmo um piano no centro do cômodo. Embora soubesse tocar vários instrumentos, aquele era de longe, seu favorito.

Pôde sentir as lágrimas quentes escorrerem por sua face enquanto suas mãos percorriam as paredes à prova de som e sentiu um nó e sua garganta quando finalmente tocou as teclas do instrumento. Escutou o próprio soluço enquanto puxava o banco para se sentar, sentindo suas emoções à flor da pele. Já fazia seis meses que não tocava, desde que toda aquela confusão havia começado. Não havia desempacotado nenhuma das suas partituras ainda, mas não precisava. Sabia todas as suas músicas favoritas de cor, todas aquelas que havia aprendido com a sua mãe na infância. Passou horas chorando enquanto tocava, se lembrando de cada momento especial que havia passado com ela. Todo um passado feliz, cheio de memórias imaculadas ao lado daquela que sempre seria a mulher mais importante da sua vida. Enquanto seus dedos deslizavam pelas teclas, em uma melodia calma e suave, lembrou-se das palavras que seu pai lhe disse quando queria deixar de tocar, após a morte da sua mãe “A música sempre foi o maior vinculo que vocês tiveram, não deixe de tocar, não deixe que nada nem ninguém tire isso de você. O mundo pode tirar tudo de nós, mas não nossas memórias. Enquanto você tocar, enquanto mantiver a memória da sua mãe viva dentro de você, ela nunca terá partido realmente”. E ele não deixaria que ninguém tirasse isso dele. Não enquanto ainda tivesse forças para caminhar e seguir em frente.

Já era quase 4 da tarde quando Allen finalmente voltou para o andar de baixo. Ainda sentia as mãos levemente dormentes após tanto tempo tocando, e seus olhos ainda ardiam um pouco por causa do choro recente, mas se sentia infinitamente mais leve. Cumprimentou Lavi, o ruivo extrovertido e animado, estudante de história, que era um dos atendentes da cafeteria, juntamente com Krory, um cara alto com sotaque engraçado, que tinha postura de um lorde inglês mas era tão sensível e inocente como uma criança, que no momento estava atendendo um grupo de estudantes que eram os únicos clientes no local. Havia conhecido os dois durante seu café da manhã, mas não teve muito tempo para conversar com eles, já que de manhã havia muita coisa para organizar no salão.

− Achei que não ia te ver aqui hoje novamente! – Lavi disse enquanto passava um pano no balcão de vidro, onde havia vários tipos de doces e pães em exposição – Pensei que dormiria o restante do dia por causa do jet lag.

− A minha intenção era exatamente essa – suspirou em resposta, salivando ao observar a quantidade de bolos confeitados na vitrine. Link havia passado o dia todo trabalhando duro, já que de manhã aquele espaço estava quase vazio – Mas Link se ofereceu para me dar algumas dicas agora à tarde, já que começo a trabalhar amanhã e a única experiência que eu tenho com confeitaria é a de me encher de doces sempre que possível.

− Nossa, isso é raro! – Lavi exclamou surpreso, parando de deslizar o pano pela superfície já limpa – Link pode ser muito gentil, mas nunca ofereceria ajuda para um futuro assistente do Yu. Ele deve ter gostado muito de você.

− Por que ele não ofereceria ajuda? – questionou confuso – Eles não são amigos?

− Acho que é um pouco mais complexo do que isso. – Foi Krory quem respondeu, passando para dentro do balcão para preparar as bebidas da mesa, colocando a comanda dos pedidos das comidas, composta por itens fora do menu, mas que Kanda sempre preparava, no suporte que ficava na janela que dava para a cozinha e tocando a campainha para chamar a atenção do chef – Eles estudaram juntos e o fato de os pontos fortes de cada um serem exatamente os pontos fracos do outro fez com que eles começarem a competir entre si. Normalmente são disputas saudáveis, mas às vezes eles passam um pouco do limite e a coisa pode ficar fora de controle.

− E por que o padrinho resolveu colocar os dois na mesma cozinha se eles não se dão bem? – embora Froi fosse do tipo que acredita que as pessoas devem trabalhar juntas para resolverem seus problemas, não era do tipo que forçaria uma situação complicada por puro prazer.

− Na verdade a ideia foi do Yu. – Lavi comentou agora debruçado sobre o balcão, apoiando o queixo em uma das mãos, completamente preparado para narrar uma história inteira – Como Yu, Link também é órfão, só que com o atenuante de nunca ter sido adotado. Assim que teve idade para ingressar em uma universidade, o orfanato onde vivia o colocou pra fora, apenas com suas roupas e um desejo de boa sorte. Ele tinha algumas economias dos trabalhos temporários que conseguiu na adolescência, além de uma bolsa de estudos para o curso de gastronomia. Mas era difícil conseguir um emprego de meio período em algum lugar próximo do alojamento e que pagasse o suficiente para se manter. Quando ele estava prestes a trancar a matricula para poder arrumar um trabalho de período integral e fazer uma poupança para estudar depois, Yu ofereceu uma vaga na cozinha.

− Isso foi muito gentil da parte do Kanda. – Estava realmente surpreso. O homem que viu de manhã não parecia com alguém que se preocupava com os outros.

− Eu não tiro o mérito do Kanda de que isso foi mesmo gentil – Krory falou enquanto organizava as bebidas do pedido na bandeja – Mas também foi uma grande oportunidade de ele observar mais atentamente todas as técnicas do Link.

− Isso é verdade. – Lavi concordou enquanto Krory se afastou para entregar o pedido – Depois de tanto tempo, mês passado finalmente o Yu fez uma remessa de profiteroles que não pareciam rocha e estavam até que gostosos.

Allen engasgou com sua risada, pois exatamente nesse momento Kanda apareceu na janela com os pedidos da mesa e fuzilou o ruivo com o olhar.

− Só vou aceitar que você critique minha comida, usagi maldito, quando você souber pelo menos a diferença entre ovo poché e ovo mollet.

− Os dois não são ovos cozidos com a gema mole? – perguntou de forma inocente, antes que Lavi pudesse ao menos processar a ofensa recebida.

− E os idiotas não param de aparecer. – Allen fechou a cara para a resposta dura que recebeu, mas antes que pudesse retrucar, Kanda já havia sumido de vista. Abriu a boca para dizer algo nada educado quando percebeu que as portas da cozinha estavam sendo abertas, achando que era o moreno, mas se interrompeu ao ver Link passando por elas.

− Imaginei mesmo ter ouvido a sua voz. – O loiro disse parando na sua frente – A principal diferença entre as técnicas é que em uma o ovo é cozido com casca e na outra cozido diretamente na água. – Allen franziu a testa em concentração tentando entender o que o outro disse – Eu posso te mostrar de forma prática lá dentro – Link complementou ao ver sua confusão – Enquanto preparo alguma coisa para você comer. Deve estar com fome, já que não desceu para almoçar.

− E pela segunda vez no dia você vai me alimentar, vou acabar ficando mal acostumado assim. – Sorriu amigavelmente para o loiro – Não estou tão faminto, graças aos petiscos que você preparou para eu levar pra cima de manhã, mas confesso que poderia comer um desses bolos incríveis que você faz, sozinho!

− Primeiro vamos preparar algo salgado para você comer. – Link começou em um tom de reprovação – Mas depois você pode comer o tanto de bolo que aguentar.

Allen achou que era sua imaginação lhe pregando uma peça por causa da fome, mas podia jurar que Link estava corado ao se virar para lhe guiar até a cozinha.

− Você podia fazer um daqueles lanches pra mim também! Faz tempo que você não cozinha nada pra mim. - Lavi pediu com olhos brilhantes e expressão manhosa.

− E você podia parar de confundir a profissão de historiador com a de fofoqueiro. Mas parece que nem um de nós vai ter o que gostaria hoje. - Link falou de forma séria, deixando claro que havia escutado o ruivo falando dele. Até mesmo Allen se sentiu desconfortável, já que fora ele quem começara o assunto. Mas antes que tivesse a chance de se desculpar, Link continuou a falar – Além do mais, ao invés de se preocupar em comer e falar da vida alheia, você deveria estar entregando aqueles pratos na mesa. Se a comida esfriar Kanda vai te servir de aperitivo pra os clientes.

Allen precisou rir da cara desesperada que o ruivo fez antes de correr até a janela cozinha e pegar os pratos. Parece que por mais amigos que ele e o moreno pudessem ser, até mesmo Lavi tinha medo da fúria do Kanda.

Depois de algumas horas na cozinha, Allen já tinha entendido alguns conceitos básicos da confeitaria. Link o havia ensinado vários tipos de recheio e cobertura e até mesmo o deixou ajudar a decorar alguns cupcakes. Algumas receitas eram bem complexas e cheias de etapas, mas algumas eram simples o bastante para ele decorar.

− Não precisa se preocupar tentando decorar tudo, principalmente as partes mais complicadas. – Link lhe disse calmo – O importante é apenas você ter alguma noção do que está acontecendo e onde ficam as coisas na cozinha, para que possa auxiliar o Kanda.

Ao ouvir o nome do moreno, Allen não pode deixar de lhe dirigir o olhar. Já fazia ao menos 4 horas que estava ali, e em nenhum momento o outro se aproximou. Era como se a cozinha fosse dividida em duas partes: a do Link e a do Kanda. O espaço era grande e equipado o suficiente para separar o local de preparar sobremesas do de preparar as coisas salgadas. E um chef não adentrava o espaço do outro. Isso só acontecia, conforme Link lhe explicou, quando tinham alguma encomenda muito grande. Eles costumavam fazer docinhos e salgadinhos gourmet para celebrações, que era na verdade a maior fonte de renda da cafeteria. E às vezes, quando o tempo era curto e eles estavam com uma carga alta de trabalho, Link e Kanda acabavam se ajudando. Afinal os clientes eram mais importantes do que qualquer rixa entre eles.

− Eu fico aliviado de ouvir isso, mas não sei Link, isso aqui aprece tão complicado! – disse apontando para algumas receitas do livro apoiado no balcão à sua frente – Alguns doces tem tantas etapas e demoram tanto para ficarem pronto! Vai dar mesmo para ele fazer tudo?

− Kanda é um cozinheiro melhor do que aparenta. – Link respondeu com uma expressão contrariada, fazendo até mesmo o outro chef se virar para encará-lo – É incrivelmente metódico e atencioso, embora seja rígido demais para lidar com coisas tão delicadas quanto a confeitaria. Mas não se preocupe, ele vai conseguir, com a sua ajuda.

− Tsc. – Os dois puderam ouvir o estalar de língua vindo do outro lado da cozinha – Como se eu precisasse de ajuda para isso.

− Nem mesmo você pode abraçar o mundo com as mãos, Kanda. – Link suspirou – Enfim, Allen, não há com o que se preocupar. Eu vou deixar meu número com você, se tiver alguma dúvida, pode me ligar. Agora vamos arrumar tudo para irmos para casa, você deve estar exausto.

− Muito obrigado, Link. – Fez uma reverência delicada – Mas não precisa se preocupar, eu estou bem! Pode deixar a arrumação comigo, vou aproveitar para me familiarizar mais com as coisas aqui. Você deveria ir primeiro, já que seu voo é de manhã.

− Se você tem certeza disso, eu vou indo então. – Link disse com um pequeno sorriso, apesar das feições cansadas – Aqui está o meu número – lhe entregou um cartão – Pode me ligar ou enviar mensagens. Vou responder sempre que possível. – Allen não pôde evitar sorrir com a delicadeza do outro enquanto o via se dirigir até a porta – Se lembre de comer coisas salgadas e saudáveis também. E tente não morrer de fome até eu voltar. – Não conseguiu conter uma gargalhada com essa frase, fazendo com que até mesmo Link sorrisse.

− Vou fazer o meu melhor! – Allen respondeu sério, mas acabou voltando a rir em pouco tempo.

− Boa viagem. – Foi tudo o que Kanda disse, enquanto Link desaparecia. Depois de tudo o que aprendera naquele dia, aquelas duas palavras foram o que mais lhe surpreenderam.

Deitado em sua cama, algumas horas depois, Allen repassava o dia que tivera em sua cabeça. Tanta coisa aconteceu em tão pouco tempo que ainda não havia conseguido processar todas as informações. Havia deixado sua casa, seu pai e tudo o que tinha construído por todos esses anos há pouco mais de 30 horas e se jogado em uma vida completamente diferente. Talvez a privação de sono o estivesse deixado elétrico, mas mesmo tão cansado, física e mentalmente, não conseguia dormir. Precisava falar com seu pai. Olhou para o relógio do celular, que indicava que já era 23:00 horas, horário local, o que significava que em Londres era 14:00 horas. Mana ainda estaria no trabalho, mas sabia que não ia conseguir dormir sem falar com ele.

Seu pai atendeu no segundo toque.

− Hello my dear, o que faz acordado tão tarde? – a voz do pai era sempre branda e fazia com que Allen relaxasse instantaneamente.

− Hello daddy! – pode sentir novamente o nó se formar em sua garganta – Estou te atrapalhando no trabalho?

− Você nunca atrapalha, Allen. E não se preocupe, não estou na empresa agora, estava almoçando com Nea.

− Como o tio Nea está? – suspirou – Ele deve estar furioso comigo, não é?

− Você sabe que ele não está bravo! Ele apenas ficou chateado por você ter ido para o Japão sem se despedir.

− Eu queria me despedir. – A primeira lágrima escorreu – Queria mesmo, daddy, mas não consegui.

− Eu sei, my dear, e Nea sabe também. Não fique se martirizando por isso. – Mais lágrimas vieram. Queria mais do que tudo no mundo, poder abraçar o pai. Desde que havia perdido sua mãe, era a primeira vez que ficava longe de Mana.

− Eu sinto muito por ter fugido e ter deixado vocês para resolverem tudo! – sua voz estava completamente embargada pelo choro – E-eu só não conseguia mais! – mais soluços. Levou a mão até o peito, agarrando a camiseta com firmeza, como se isso fosse diminuir a sua dor – Não podia mais ouvir eles dizendo tantas coisas ruins sobre ela.

− Não chore, my dear, isso parte meu coração! – seu pai também parecia ter a voz embargada, o que o deixou em uma situação pior ainda, porque Mana Walker nunca chorava – Se você não tivesse pedido para se mudar, Nea e eu o colocaríamos em um avião para longe de qualquer maneira. Sua mãe era uma mulher incrível que não merece o que eles estão tentando fazer com sua memória e seu filho, e você também não merece ter que presenciar tudo isso. Não se preocupe, seu tio e eu vamos resolver tudo.

− Mas eu ainda me sinto culpado! Deveria ter ficado e lutado ao lado de vocês! – tentava parecer firme, mas seu pai o conhecia bem o bastante para saber o quanto ele estava quebrado por dentro. Não era do tipo rancoroso ou que se magoava facilmente, mas sua mãe, Mary Campbell era uma mulher incrível, e ver o que sua “família” estava tentando fazer com a sua imagem por causa de dinheiro, havia o destruído completamente.

− Não se sinta, my love, Mary nunca iria querer que você presenciasse tanta baixaria. – Ouviu um leve fungar do outro lado da linha – Mas agora me conta, como foi o seu dia? E o apartamento, você gostou? Conheceu muita gente?

As perguntas desesperadas do seu pai fizeram com que soltasse uma risada. Mana nunca era sutil quando tentava mudar de assunto.

Passaram a próxima hora conversando sobre o seu dia, riram bastante enquanto contava sobre sua aventura na cozinha e voltaram a se emocionar quando Allen contou sobre o piano. Ao final da ligação, Allen prometeu que ligaria para o pai sempre que pudesse e que lhe enviaria fotos das suas “obras de arte culinárias”. E finalmente, com o relógio marcando 00:00, ele caiu em um sono sem sonhos.


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Notas finais do capítulo

A história já está completa em 6 partes, mas vou postar um capítulo por vez aqui, para não assustar, já que os capítulos ficaram ligeiramente grandes.

Particularmente essa história é o meu pequeno xodó, mas ela teve bem menos acssos do que a L&F no Spirt e apenas alguns comentários no Twitter, então realmente espero que vocês gostem dela aqui.

Podem me mandar qualquer crítica, sugestão, dúvida... eu prometo que respondo todos.

O próximo capítulo vai ser postado no sábado ou domingo.

Até mais ;-)



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