A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 20
Capítulo XIX - O palácio de Kalevala


Notas iniciais do capítulo

Voltei, meus amores e amoras ♥

Me desculpem pela demora!

Espero muito que gostem!



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Da mesma forma que não havia neve em Draboon, não havia chuva. Mas a ausência dessa não era indicativo de que uma tempestade não estava se desenrolando do lado de fora da nave. Ventos a uma altíssima velocidade circundavam a nave e toda a superfície era coberta por nuvens escuras que despejavam raios a todo instante.

Mas, apesar do clima apocalíptico, nem Obi-Wan nem Satine pareciam se importar. Com as pernas nuas entrelaçadas embaixo das cobertas, ela tinha a cabeça apoiada no peito dele, sendo envolvida em um abraço forte e confortável enquanto seus dedos acariciavam gentilmente o abdome dele. Um abraço que parecia ser capaz de protegê-la de qualquer mal que pudesse existir em Draboon ou em qualquer outra parte da galáxia, por mais inóspita que fosse.

Ali, naquela cabine, envolta no abraço de Obi-Wan e deitada naquela que lhe parecia a cama mais confortável de toda a galáxia, a Duquesa de Mandalore se sentia a pessoa mais poderosa do universo. Não temia nada e nem ninguém. Ali, perdida no fim de mundo que era Draboon, ela se sentia mais em casa do que jamais se sentira em qualquer outro lugar em toda a sua vida. Ela queria que aquele momento congelasse e que ela jamais tivesse que sair daquela cama.

— Eu fui a primeira mulher com que você já esteve, não fui? – ela sussurrou curiosa, mas já muito certa de qual seria a resposta.

Houve um rápido momento de silêncio antes que Obi-Wan respondesse.

— Eu fui tão mal assim que ficou óbvio desse jeito?

Mesmo imaginando que o rapaz deveria estar se sentindo frustrado consigo mesmo, Satine não conseguiu evitar que uma curta risada escapasse dos seus lábios. Ela se virou na cama e o encarou por alguns segundos antes de, por fim, beijá-lo apaixonadamente nos lábios.

— Você foi incrível – ela respondeu, sorrindo e deslizando a sua mão pelo rosto dele. – Mas pode melhorar um pouco...

— Prometo me esforçar mais da próxima vez, milady— Obi-Wan respondeu pomposamente.

Dito isso, os dois riram.

— O que me denunciou? – o rapaz perguntou.

— Você estava nervoso – Satine respondeu, voltando a ocupar seu lugar sob o peito dele. – E teve alguns momentos que você parecia que não sabia o que estava fazendo. Mas você foi muito cortês, delicado e sutil.

— “Cortês” – Obi-Wan repetiu, ajeitando-se na cama. – Vou levar isso como um elogio.

— E foi um elogio.

Novamente, houve alguns segundos de silêncio.

— Posso te confessar uma coisa? – o Padawan perguntou, prestes a rir, ao que Satine respondeu com um “Uhum”. – Eu realmente não tinha idéia do que eu estava fazendo.

E, nesse momento, Satine não conseguiu conter uma gargalhada e Obi-Wan gargalhou junto com ela. Novamente, ela se virou e o beijou nos lábios.

Quase que instantaneamente, o rapaz se levantou da cama e passou a caçar suas roupas, caídas pelo chão do quarto, e a se vestir. Em seu rosto, a Duquesa ainda via traços de dor conforme ele se movimentava, uma sequela temporária das múltiplas picadas dos ácaros venenosos. Durante todo o tempo, Satine apenas o observava.

— Você tem que ir meditar justo agora? – ela resmungou.

— Não vou meditar – ele se explicou. – Vou ver se ainda tem alguma coisa na cozinha pra gente comer.

Apenas nesse momento, Obi-Wan percebeu que Satine ainda o olhava, devorando-o com a visão.

— Dez créditos pelos seus pensamentos – ele ofereceu.

— Infelizmente, não posso falar – foi a resposta de Satine, finalmente desviando o olhar do corpo do rapaz e olhando diretamente para seu rosto. – São todos indecentes, imorais e impróprios.

Obi-Wan riu sozinho, finalmente fechando suas vestes, e, finalmente, respondendo com um “Exatamente por isso mesmo eu gostaria de saber”. Ele, enfim, adiantou-se até a cama e se inclinou para Satine para beijá-la.

Mas não foi um beijo rápido. Ela o segurou pelo pescoço e se deixou se perder nos lábios do rapaz, o único lugar da galáxia onde ela queria estar. E Obi-Wan parecia tão empolgado quanto ela, retribuindo o beijo na mesma intensidade. Um beijo que durou alguns segundos, mas que, para os dois, parecia ter durado uma eternidade.

— Eu volto logo – Obi-Wan sussurrou para ela quando, finalmente, os dois se separaram.

— Já estou com saudades – Satine respondeu enquanto ele se afastava, saindo do quarto, tão baixo que acreditava que o rapaz nem sequer havia ouvido.

Ainda descrente com tudo o que havia acontecido, ela rolou na cama e encarou o teto de sua cabine.

Onde estava com a cabeça?

 

O aroma do café ainda sendo coado impregnou a cozinha da nave. Parado em frente ao bule de porcelana, Obi-Wan sentiu braços o envolvendo por trás, abraçando seu abdome enquanto uma cabeça pousava sutilmente em suas costas. O toque delicado daquelas mãos arrepiaram todos os pelos do corpo do rapaz, e ele precisou de alguns segundos até se acostumar com a sensação e recuperar o dom da fala.

— Eu senti que você estava vindo – ele comentou. – Você tem uma assinatura bem intensa na Força, sabia?

— Sim – Satine respondeu. Era óbvio que ela não sabia. – Eu posso ser bem intensa as vezes.

Obi-Wan se virou para encará-la. Satine levantou as mãos, passando a envolver o pescoço do Padawan e gentilmente o forçando para baixo para um beijo.

— Você está ansiosa – disse Obi-Wan quando os dois se afastaram.

Satine mordeu os lábios. Sim, ela realmente estava. Não sabia como dizer aquilo a ele. Mas precisava ser dito. Ela precisava fazer aquilo, mas seria muito mais difícil sem a aprovação de Obi-Wan. Não que ela precisasse disso, é claro. Mas ainda precisava da proteção que ele fora incumbido de lhe fornecer. Principalmente no local onde planejava ir.

— Eu queria te falar da conversa que tive com Almec – disse Satine. – Antes de sermos atacados pelos ácaros...

— Claro – disse Obi-Wan, finalmente se desvencilhando de Satine e enchendo duas xícaras com café enquanto ela se sentava à mesa.

O Padawan ocupou o assento diametralmente oposto e entregou uma das xícaras para Satine, que respondeu com um tímido “Obrigada”. Ela observou o líquido preto fumegante por vários segundos, tentando imaginar como começar aquela conversa.

— Eu imagino que você deva ter ouvido algumas notícias de Mandalore pela Holonet, não?

— Sim – Obi-Wan confessou após alguns instantes de hesitação. – Não quis comentar com você porque não sabia se você já tinha ouvido também ou como reagiria se...

Satine levantou a mão, educadamente pedindo para que ele se calasse. Obi-Wan obedeceu.

— Almec me deu detalhes – ela prosseguiu. – E a coisa é bem mais caótica do que parece. Você ouviu falar do ataque à Botajef, não? – Obi-Wan fez que sim com a cabeça. – Enfim... dentre tantas coisas envolvidas nesse ataque... aparentemente uma delas era a minha irmã. E com a benção de Yarsek.

Obi-Wan arqueou as sobrancelhas, surpreso com a informação.

— Zaar demitiu Yarsek após isso – Satine informou. – E, alguns dias depois, ocorreram ataques terroristas em Sundari e, de alguma forma, Yarsek parece estar envolvido. Mandalore está mergulhando em um caos definitivamente muito maior do que já estava quando fomos embora. Almec não me deu detalhes das investigações porque estávamos em uma transmissão que poderia ser rastreada em qualquer ponto da galáxia, mas disse que poderia me dar detalhes se tivéssemos uma conversa pessoalm...

— Não – Obi-Wan a interrompeu.

O queixo de Satine caiu.

— Você nem me deixou terminar de falar! – ela rebateu, indignada.

— Você quer voltar pra Mandalore – Obi-Wan já havia concluído tudo o que Satine queria dizer em meio a um rodeio imenso de palavras. – Minha resposta é não. Eu não vou te levar de volta pra lá. Não enquanto não houver confirmação de que você estará em segurança por lá e, sinceramente, essa é uma situação que fica cada dia mais improvável. Me desculpe, mas eu ainda tenho um trabalho a fazer aqui e nisso eu não pretendo falhar.

Satine se calou e se jogou contra o encosto da cadeira, mais furiosa consigo mesma do que estava com Obi-Wan, pois ela sabia que o rapaz tinha razão em cada palavra do que dizia. Mandalore se tornava um lugar cada vez mais inseguro e voltar para lá era uma loucura impensável.

E ela ficou ainda mais furiosa quando Obi-Wan se inclinou sobre a mesa e segurou a sua mão com delicadeza. Por tudo o que era mais sagrado na galáxia, Satine odiava que fossem condescendentes com ela.

— Eu entendo que você acredita que uma conversa pessoal com Zaar pode ajudar a colocar as coisas nos trilhos – começou ele. – E, realmente, podem. Talvez não consertar tudo, mas ser o começo de uma mudança. Mas eu não posso correr o risco de te levar de volta pra Mandalore. Não no meio desse caos todo. Você já pensou que, talvez, seja exatamente isso que os terroristas queiram? Você de volta? Em Mandalore, você é um alvo fácil. Aqui, você nem mesmo é um alvo porque ninguém na galáxia faz a menor idéia de onde você está. Eu lamento, Satine, mas eu não vou te levar de volta pra Mandalore. Isso está fora de cogitação.

Satine queria gritar. Gritar de frustração e, principalmente, de raiva. Mais uma vez, Obi-Wan mostrava um comportamento muito mais maduro e sensato do que ela, e isso a deixava possessa de ódio. Será que isso era ser um Jedi? Ponderar riscos e benefícios de todas essas situações diplomáticas complicadíssimas e optar pela melhor via? Se fosse, Obi-Wan estava fazendo isso muito bem.

Satine estava prestes a se levantar e deixar Obi-Wan sozinho na cozinha da nave. Em sua raiva, ela não queria nem sequer mais olhar no rosto dele, mesmo sabendo o quanto infantil isso fosse soar. Mas, antes que pudesse executar esse movimento, uma idéia surgiu em sua mente. Ainda perigosa, claro. Mas uma alternativa que, talvez, Obi-Wan pudesse cogitar discutir.

— E se nós nos encontrássemos com eles em outro lugar que não Mandalore?

 

A primeira coisa que a Duquesa Satine Kryze fez quando a nave saiu do hiperespaço não foi fixar seus olhos na imensa superfície de Kalevala, seu planeta natal, imediatamente logo a frente dela. Seus olhos estavam fixos na escuridão da galáxia, onde ela reconheceu um distante ponto acinzentado como Mandalore. Ao lado dela no cockpit, Obi-Wan reconheceu esse conflito. Estava tão próxima de Mandalore, mas sem conseguir chegar lá. Uma frustração e uma impotência que se convertiam em um grave sofrimento.

— Você está bem? – ele perguntou, pousando a mão sobre o ombro dela.

— Não – Satine respondeu, sem tirar os olhos de Mandalore. – Mas vou ficar.

Em silêncio, Obi-Wan conduziu a nave para dentro da atmosfera de Kalevala. Ultrapassando a grossa camada de nuvens, uma imensa superfície florestal se tornou evidente. Muito semelhante a Naboo, Kalevala era coberto por extensas florestas, todas recortadas por largos rios e grandiosas cachoeiras. As cidades nada mais eram do que pequenos pontos cinzas em meio a toda aquela exuberante vegetação.

Mas o palácio não era apenas um pontinho cinza. Obi-Wan o localizou no horizonte muito minutos antes de ele ser mostrado no radar do painel. Tratava-se de uma imensa construção em concreto e vidro, porém sem janela alguma, mas muitos terrações. Uma fortaleza, um calabouço, um surto megalomaníaco de algum arquiteto... várias eram as formas de descrever a construção. Difícil chamar de belo, mas, com certeza, imponente.

— Foi aqui eu nasci – comentou Satine.

Mas Obi-Wan quase não teve tempo de responder a isso: quase no mesmo instante, eles já estava sobrevoando os jardins do palácio. Detectados pela equipe de segurança, os portões de um hangar lateral se abriram e o Padawan pôde, finalmente, após quase três dias de viagem, pousar.

— Então, bem-vinda de volta ao seu lar – foi o que Obi-Wan, enfim, respondeu.

Satine respirou fundo e se levantou de seu assento no cockpit, sendo seguida de perto pelo seu segurança Jedi. A rampa foi baixada e, à sua frente, parado na plataforma, esperando por ela, estava Zaar. Almec, logo atrás. Ao redor deles, cinco soldados da Guarda Real, imóveis em posição de guarda.

Por alguns segundos, minutos ou horas (Satine não sabia especificar), a Duquesa de Mandalore se manteve imóvel, olhando-o. Durante todo esse tempo, ela e Zaar apenas se olharam, mantendo suas posturas.

Mas tudo isso mudou rapidamente.

Antes que Obi-Wan pudesse perceber, Satine saltou da plataforma e correu até Zaar, mergulhando sobre ele em um abraço apertado e repleto de lágrimas. O primeiro-ministro de Mandalore retribuiu o gesto, acariciando os cabelos da jovem e nenhum dos dois pareciam se importar com roupas amassadas ou penteados desfeitos.

— Eu achei que jamais ia te ver de novo – Zaar sussurrou, quase como um pai falando com a filha após anos sem se encontrarem. – Eu estava com saudades de você, pequena Tine.

Satine o abraçou ainda mais forte antes de por fim, se afastar. Havia lágrima dos olhos dos dois.

Zaar, quase que imediatamente, enxugou as lágrimas e refez sua postura, olhando para Obi-Wan.

— Bem-vindo a Kalevala, Padawan – disse o primeiro-ministro. – Onde está mestre Qui-Gon Jinn?

— Infelizmente, meu mestre não pôde se juntar a nós – Obi-Wan respondeu.

Indignado, Zaar olhou para Satine, deixando evidente em cada ruga de seu rosto o quanto aquilo o deixava apreensivo. Obi-Wan havia previsto isso, claro. Imaginava que a ausência de Qui-Gon poderia ser interpretada como uma falha na segurança de Satine. E, na opinião do próprio rapaz, Zaar não estava tanto errado assim: se as posições fossem invertidas, Obi-Wan também ficaria irritado.

— Você foi deixada para ser protegida apenas pelo aprendiz?

— Obi-Wan já provou sua competência e sua habilidade em me proteger mais de uma vez – Satine lhe assegurou, virando-se e olhando para Obi-Wan, sorrindo-lhe timidamente. – Acredite em mim quando digo que estou segura com ele, Zaar. Você não tem o que temer, eu te garanto.

Estava mais do que claro que aquelas poucas palavras não tinha sido suficientes para convencer Zaar, muito menos acalmá-lo. Mas, não querendo quebrar a felicidade daquele reencontro, o primeiro-ministro de Mandalore pareceu concluir que aquela era uma discussão que poderia ser retomada mais tarde.

Sutilmente, sua expressão mudou da indignação para a felicidade e, novamente, ele voltou a olhar para Satine e sorriu, ignorando completamente a presença de todas as outras pessoas no hangar. De forma muito gentil e íntima, ele pousou a mão sobre o ombro da Duquesa.

— Venha, minha querida – ele disse. – Deve estar cansada da viagem. Eu preparei seus aposentos pessoalmente.

E, assim, Satine o acompanhou para fora do hangar, sendo seguida de perto por Obi-Wan e Almec e esses, pelos soldados da Guarda Real.

 

Os cabelos loiros ainda discretamente úmidos pendiam pelo seu ombro. Envolta pela sua toalha de banho, Satine caminhou pelo seu quarto e parou diante de seu guarda-roupas. Era estranho ver aquelas peças ali. Pomposas, decoradas, cheias de detalhes e cortes diferentes. As roupas que usava em seus dias de princesa e Duquesa. Tão diferente das roupas que usara nos últimos meses, tão mais simples e (por que não?) confortáveis. Depois de tanto tempo, era como se as peças de roupas à sua frente pertencessem a uma Satine que não existia mais. Como se ela fosse uma pessoa completamente diferente daquela que havia saído de Mandalore, alguns meses antes.

Mas uma coisa chamou a sua atenção. No fundo do guarda-roupas, caído no chão, havia uma grande caixa de metal. Satine a olhou apreensiva, sabendo muito bem o tipo de coisa que se encontrava lá. A jovem hesitou um pouco. Assim como as roupas penduradas à sua frente, o conteúdo daquela caixa pertencia a uma Satine que não mais existia. A uma Satine que existira apenas muitos anos no passado e por um breve período de tempo, antes mesmo de ela começar a ser educada para que, um dia, ocupasse a posição à qual havia nascido para ocupar. A Duquesa puxou a caixa para fora do guarda-roupas e destrancou o cadeado pressionando a digital de seu polegar sobre a tela. Ela ouviu o mecanismo de segurança da caixa sendo acionado e, então, a tampa se abriu.

E lá estava ela: a armadura de Dagmar Kryze. A armadura que Satine recebera como herança após a morte de sua mãe.

A armadura era diferente de todas as outras. O beskar puro, obviamente estava intacto. Mas a pintura branca perolada estava desgastada devido às inúmeras batalhas em que aquela armadura estivera presente, cheia de falhas e riscos de um brilho metálico quase hipnotizantes. As runas mandalorianas entalhadas no beskar ainda eram perfeitamente legíveis.

Quase como se estivesse com medo de que a armadura fosse lhe arrancar os dedos, Satine hesitou um pouco antes de tocá-la. Por fim, ela segurou o capacete entre as mãos e olhou diretamente para o espaço da viseira. Uma lágrima escorreu pelos seus olhos quando ela se deu conta de que aquela visão era a que predominava na maior parte das memórias de sua falecida mãe: ela quase nunca vira a mulher sem a armadura. A consciência de que a Mandalore que sua mãe tanto amava era a mesma Mandalore que a havia assassinado lhe doía o peito mais do que ela conseguia descrever e era exatamente por isso que ela precisava estar ali. Para colocar ordem naquele caos. Para acabar com aquilo e poder voltar ao seu trono. Para fazer Mandalore prosperar de uma vez por todas.

— Me desculpe, mãe – ela sussurrou para o elmo. – Mas eu não posso compactuar com você. Jamais.

Em um gesto furioso, Satine devolveu o capacete para o interior da caixa e a fechou, torcendo para que jamais voltasse a abri-la. Ela recolocou a caixa nos fundos do guarda-roupas e, então, voltou-se para suas roupas, penduradas logo acima.

Em instantes, ela não era mais Satine. Vestida com um pomposo vestido vermelho metálico, ela era a Duquesa de Mandalore. Não a Mand’alor. A Duquesa. Ela ajeitou o cabelo em frente ao espelho e respirou fundo. Muito havia o que ser discutido e ela tinha obrigações para cumprir. Enquanto se maquiava (com bastante dificuldade de cobrir – do rosto e, principalmente, dos braços – algumas das marcas ainda discretamente remanescentes das mordidas dos ácaros venenosos de Draboon), Satine repassou na cabeça uma lista mental das coisas que queria perguntar.

— Entre – ela disse quando bateram à porta.

No instante seguinte, Zaar estava dentro do quarto. Entre as rugas do rosto do homem, Satine via uma alegria genuína. De fato, era um pai que havia recuperado a filha. Mas também havia preocupação, e ele não fazia questão alguma de esconder isso.

— Como você está, meu amor? – ele perguntou.

O coração de Satine derreteu nesse instante. As vezes, ela acreditava que o homem a amava mais do que seus próprios pais já a amaram um dia. Mas Zaar apenas usava a expressão “meu amor” para se referir a ela quando estava emocionalmente ferido. E Satine sabia exatamente porque ele se sentia assim.

— Eu vou ficar bem, Zaar – ela preferiu responder dessa forma.

Ela não dizia que estava bem, o que seria uma mentira. Ela jamais teria coragem de menir para ele. Mas, ao mesmo tempo, não dizia a ele que estava apreensiva, preocupada, ansiosa e incapaz de organizar seus pensamentos, o que certamente iria deixar o homem ainda mais abalado.

— Tem sido difícil, sabe – Satine tentou se explicar. – Ouvir notícias de Mandalore apenas pela Holonet, sem conseguir entrar em contato para confirmar a veracidade delas ou obter detalhes. E essa falta de notícias me deixa angustiada. Em consigo controlar essa angústia na maior parte do tempo, mas, eu sempre acabo pensando nas pessoas que deixei pra trás... você, a Bo... e acaba que eu devo ter chorado na cama praticamente todas as noites no último mês antes de dormir.

Quase que imediatamente, Satine viu os olhos de Zaar lacrimejarem. O homem suspirou e ela soube que havia falado demais. Querendo desfazer o seu erro, a jovem se levantou e caminhou até ele, abraçando-o. Um abraço apertado no qual, pela milésima vez em sua vida, Satine percebeu o quanto aquele homem realmente a amava. Para ele, Satine era muito mais do que uma filha, era o seu projeto de vida no qual sempre trabalhou para ver florescer e, quando isso finalmente seria possível, ela precisou se afastar para não ser morta. A simples idéia de ver Satine morta era um pesadelo abominável que ele precisava encarar todos os dias, mas, ao mesmo tempo, sabia que mantê-la longe de Mandalore era a melhor forma de evitar que esse destino se cumprisse.

Zaar beijou o topo da cabeça da jovem e atine se afastou. Ela sorriu para ele e, com um lenço, limpou s lagrimas de seu rosto.

— Acho que temos uma reunião pra ir, não? – ele disse.

— É... acho que temos... – Zaar forçou um sorriso e, então, estendeu o braço para a porta, indicando o caminho para Satine, da forma mais pomposa que conseguiu, mas sem parar de sorrir. – Depois de você, milady.

E assim, Satine avançou, grata por não ter que ficar mais um segundo naquele quarto ou ela seria a próxima a começar a chorar.

No corredor, Obi-Wan e dois soldados da Guarda Real aguardavam imaculadamente imóveis. Satine caminhou com Zaar ao seu lado e com seus três seguranças logo atrás até chegarem a um elevador.

Ela estava nervosa. Poucas vezes na sua vida se sentira tão nervosa assim antes de uma reunião. Geralmente, sempre antes de precisar tomar medidas drásticas ou decisivas, como logo após a invasão ao palácio em Sundari, no dia em que ela decidiu abandonar Mandalore com Qui-Gon e Obi-Wan. Que tipo de coisas seriam decididas? Ela resolveria o problema? Ou continuaria tudo piorando até Mandalore chegar ao seu colapso e sua extinção? Essas questões metralhavam a mente de Satine e ela estava em estado de alerta, seu coração batendo velozmente, suando frio, as pernas tremendo, os dedos formigando e sentindo as veias em seu pescoço pulsarem.

Sua visão estava começando a ficar embaçada, quase como se estivesse prestes a desmaiar. Nesse instante, ela sentiu alguém tocar a sua mão. Lenta e discretamente, sem que ninguém mais no elevador visse, Obi-Wan deslizava seus dedos por entre os dela antes de, por fim, fechá-los ao redor da mão da Duquesa em um aperto forte e reconfortante, tentando lhe passar alguma forma de segurança. “Nada de ruim vai te acontecer enquanto eu estiver do seu lado, confie em mim”, Satine conseguia ouvir a voz de Obi-Wan dentro da sua cabeça. Era mais do que óbvio que ele sentia toda a sua agitação através da Força ou seja lá que bruxaria os Jedi faziam. Mas Satine soube que ele falava a verdade.

Ela confiava nele.

A porta do elevador se abriu e, instantaneamente, as mãos dos dois se separaram. Satine avançou pelo corredor e, em instantes, estavam em uma imensa sala. A disposição dos objetos na sala ela semelhante ao do palácio de Sundari: uma mesa central com inúmeros projetores. Mas todo o local era feito em cimento queimado, como o restante do palácio; sendo uma sala sem janelas, essa característica lhe dava o aspecto de uma prisão impenetrável. Ao redor da mesa, cadeiras estavam dispostas e havia três integrantes: Almec, o ministro Eldar e uma mulher imensa e corpulenta trajando uma armadura mandaloriana (faziam armaduras daquele tamanho?) e com uma trança pendida no ombro.

Os três presentes se levantaram no momento em que Satine entrou na sala, mas tanto ela quanto Obi-Wan apenas conseguiram manter o olhar na mulher. Em pé, ela devia ter quase dois metros de altura e, com certeza, uns cento e cinquenta quilos, quase todo esse peso apenas de músculos.

— Duquesa, essa é Lady Myrcella – anunciou Zaar. – A nova chefe da Guarda Real.

— É um prazer servir, Duquesa – a mulher disse prontamente, fazendo uma reverência.

— Já ouvi muito bem falar de você – disse Satine. – Fico muito grata pela sua lealdade.

Sem dizer mais nada, Satine se sentou. Apenas quando ela se acomodou, os outros presentes se sentaram, obedecendo os protocolos da realeza. Zaar ao seu lado. Obi-Wan e os outros soldados logo atrás dela, a menos de um metro.

— Vamos começar – Almec disse, sussurrando quase que para si mesmo, no momento em que teclava alguns botões em seu datapad.

Quase que imediatamente, os projetores na mesa foram ligadas e um holograma das filmagens das câmaras de segurança mostraram a Satine um vídeo dos atentados terroristas. Em seguida, Yarsk se adiantou para a praça e proferiu o seu discurso.

— Para mim está mais do que claro o que aconteceu – disse Satine, indignada, logo que a projeção terminou. – Esse Olho da Morte... ou seja lá quem forem... organizaram esses ataques e planejaram essa abordagem extremamente conveniente para me acusar de negligência e se mostrarem para Mandalore como um grupo que cumpre com as funções que eu deveria estar cumprindo, na visão deles.

— Exatamente, Duquesa – foi o que Almec respondeu imediatamente. – Foi a primeira coisa que pensamentos e é a nossa principal linha de investigação, mas...

— Alguém acreditou nessa patifaria? – Satine não conseguia esconder a sua indignação, interrompendo Almec.

Houve um longo silêncio na sala e, na mesma hora, Satine soube qual seria a resposta.

— Alguém acreditou? – ela tornou a perguntar, mas, dessa vez, em um tom mais leve de quem fora surpreendida por uma informação absurda.

— A maioria das pessoas em Mandalore realmente acredita que isso tudo foi uma armação – Zaar começou. – Mas eu quero que se coloque na posição de amigos e familiares das pessoas que morreram nesses atentados... e, infelizmente, morreram muitas pessoas. Elas estão fragilizadas, sensíveis... muitas delas clamando por vingança a qualquer preço. E pessoas assim ficam suscetíveis, são fáceis de manipular. Nós somos políticos, sabemos muito bem disso. Mas o Olho da Morte também sabe. E eles conseguiram apoio de uma parcela significativa da população mandaloriana contra a senhora. A imensa minoria, felizmente, mas, ainda assim significativa. E isso sem contar as pessoas que já eram oposição a senhora e que, mesmo sem acreditar nessa encenação absurda e descabida – Zaar apontou para a imagem congelada projetada no centro da mesa – estão usando esses atentados como desculpa para atacar a senhora e a sua gestão.

Da forma como Zaar colocava, até havia algum sentido, mas não deixava de ser um absurdo.

— E com “significativa”, Zaar quer dizer que essas pessoas estão fazendo barulho – Almec continuou. – Relatos de desobediência civil e agitação aumentaram significativamente, chegando até a agressões físicas à polícia. Até agora, sete prisões já foram feitas, mas todos aparentemente sem nenhum vínculo formal com o Olho da Morte, todos civis descontentes.

— Até dois dias atrás – emendou Myrcella. – Uma bomba foi encontrada nos esgotos do palácio, mas foi desativada antes que explodisse. Pela forma como foi montada, não tinha potencial para causar grandes estragos e, por isso, acreditamos que essa bomba foi implantada no palácio pelo próprio Olho da Morte como uma forma de tentar nos passar uma mensagem.

— Dentro do palácio? – Satine mantinha as mãos juntas no ar, em frente ao rosto, enquanto pensava. – Vocês se lembram do dia em que Hoovar entrou no palácio? Da nossa reunião logo após o incidente? Mestre Qui-Gon levantou a possibilidade de haver pessoas infiltradas no palácio divulgando informações. Temos alguma linha de investigação nesse sentido?

— Sim – Zaar respondeu prontamente. – Os funcionários cujas famílias apresentam um histórico mais... instável... estão sendo prontamente investigados, com escutas colocadas em suas casas e...

— Não – Satine o interrompeu.

Novamente, houve silêncio.

— Perdão?

Todos os funcionários devem ser investigados – disse Satine, sem desviar o olhar do centro da mesa.

— Com “todos” a senhora quer dizer... – começou o ministro Eldar.

— Todos – repetiu Satine, desviando o olhar para eles. – Inclusive os presentes nessa mesa. Confio em vocês, mas se as pessoas não me respeitam pela minha posição, elas vão aprender a me temer para me respeitar. E, para isso, eu preciso passar uma imagem diferente da que venho passando antes. E condescendência não faz parte da imagem que eu quero ter de agora em diante.

— Claro, Duquesa – o ministro se recolheu na cadeira.

— O que mais? – perguntou Satine.

— É justamente sobre essa imagem que precisamos conversar – Zaar se adiantou.

— Prossiga.

Mas foi Almec quem o fez.

— Nós temos uma vantagem de a maior parte das pessoas acreditar que o Olho da Morte foi responsável pelo ataque – ele disse. – Mas a outra parte está conseguindo criar uma imagem da senhora e, pior, difundi-la. A Satine que eles estão construindo é uma governante fraca e omissa, incapaz de cuidar da própria população. Nossa idéia é mudar isso, intervir nessa questão o quanto antes para minar essa versão sua que eles querem propagar.

— E como vamos fazer isso?

— Um discurso – Zaar respondeu. – Temos diversas equipes trabalhando nisso nesse exato momento. O que deve ser dito, como deve ser dito, onde deve ser dito e quando. Mas a sua partida deve estar preparada para o momento logo após a transmissão. Se as suspeitas do mestre Qui-Gon forem corretas, algum funcionário da Coroa irá reconhecer o cenário do palácio e denunciar a Hoovar ou qualquer outro caçador de recompensas que possa estar envolvido, e então será questão de tempo até que cheguem aqui.

— Ótimo – Satine rebateu imediatamente. – Já temos algum rascunho?

— Ainda não, milady – Myrcella respondeu. – O texto ainda está sendo redigido, embora eu tenha dado a opinião de que...

— Aqui não, Myrcella! – Eldar a interrompeu. – Não é mais hora de discutir isso.

Satine, constrangida, levantou a mão, pedindo que Eldar se calasse.

— Eu quero ouvi-la – disse Satine, sem nem sequer olhar para Eldar. – Prossiga, Myrcella.

— Eu entendo que, em momentos como esses, discursos precisam ser escritos nas palavras que o povo deve ouvir, não nas palavras que o governante quer dizer – disse a chefe da Guarda-Real. – Mas a senhora tem levantado a bandeira pacifista em Mandalore desde que era adolescente. Se existe alguém que pode manipular aquele texto com as palavras certas para mantê-lo verdadeiro aos seus ideais, esse alguém é você, milady. Mesmo que não fique exatamente da forma como você gostaria que ficasse, ainda não seria um texto infiel à senhora.

— Um meio-termo – Satine concluiu.

— Exatamente, milady – Myrcella concordou.

Houve um longo período de silêncio na mesa. Um silêncio constrangedor que ninguém ousou quebrar em momento algum. Seria possível ouvir um fio de cabelo caindo ao chão.

— Pela forma como você reagiu à contribuição de lady Myrcella, ministro, eu só consigo imaginar o teor das palavras que estão sendo redigidas – Satine disse, enfim, inclinando o rosto discretamente na direção do homem, mas sem sequer se dar ao trabalho de olhá-lo nos olhos. Nesse momento, Obi-Wan congelou, lembrando-se da Satine furiosa e impassível do dia em que a conhecera. – Eu gostaria de ser levada até a equipe que está escrevendo o texto assim que essa reunião acabar. Fui clara?

— Inegavelmente, milady – Eldar respondeu.

— E a próxima vez que alguém interromper uma mulher nessa mesa será a última vez que essa pessoa interromperá alguém – Satine continuou. – Fui clara?

— Sim, milady – Eldar respondeu ainda mais baixo.

— Ótimo – Satine relaxou na cadeira. – Prossigam.

Todos na mesa pareceram um pouco constrangidos de falarem qualquer coisa naquele momento, não após a dura lição que Eldar recebera. Mas Satine não precisava ter acesso à Força para saber que um único sentimento tomava o coração de Myrcella naquele momento: gratidão. Estava gravado em cada traço de seu rosto e, principalmente, no sorriso tímido que ela esboçava.

— Se tudo ocorrer como estamos planejando, poderemos gravar o discurso e transmiti-lo em dois dias – disse Zaar. – Uma nave estará preparada para você partir no exato instante em que a gravação terminar. Uma nave melhor do que a que te trouxe até aqui.

Satine suprimiu uma risada, lembrando-se do estado de conservação deplorável da nave que havia conseguido em Corellia.

— Fico muito grata, Zaar – ela respondeu. – E quanto às investigações relacionadas à minha primeira tentativa de assassinato? Temos algum avanço? A última notícia que tive foi apenas que o assassino havia sido identificado, mas isso foi antes mesmo de eu deixar Mandalore. Não ouvi mais nada desde então.

— Temos, milady – Myrcella respondeu de imediato. – O Serviço Secreto identificou pequenos grupos rebeldes que planejavam agir contra a senhora. Na época em que tentaram te matar, esses grupos, aparentemente, estavam agindo de forma isolada, sem nenhum apoio externo. Ao que parece, com o advento do Olho da Morte, esses grupos estão se reorganizando em uma liderança central, aparentemente sob chefia do próprio Olho da Morte. Uma operação militar está sendo organizada para invadir Phindar e trazer ordem.

Imediatamente, Satine abriu a boca para protestar. Sabia exatamente o que o termo “operação militar” significava para um mandaloriano: destruição, sangue e morte. A antiga Satine rapidamente iria ter mil e uma objeções contra algo assim, mas não a Satine que recebera um imenso puxão de orelhas de Qui-Gon Jinn, logo após deixarem Corellia. As palavras do Jedi ainda ecoavam na mente da Duquesa como uma das maiores lições que já recebera na vida sobre política.

— Sem-mortes – Satine, por fim, ordenou, calma e pausadamente, com o dedo levantando e olhando seriamente para Myrcella, quase como uma bronca dada antes mesmo que algo fosse feito. – Apenas prisões. Interrogatórios só podem ser feitos se os prisioneiros estiverem vivos, e o que nós precisamos agora, mais do que nunca, é de informações.

— Será feito, milady – Myrcella concordou.

E, então, três horas de discussão se seguiram. Três horas em que cada um desses temas rapidamente apresentados foram detalhados. Após a primeira hora, a cabeça de Satine estava explodindo de dor e ela sentia em cada centímetro de suas costas o incômodo por estar sentada na mesma posição por tanto tempo. Logo atrás dela, Obi-Wan também não se sentia confortável: imóvel e em pé, seus pés estavam lhe matando e ele daria tudo na galáxia por uma cadeira. Ao final das três horas, não só os dois estavam exaustos, como todos os presentes. Talvez, aquela tivesse sido a mais longa de todas as reuniões de emergência desde a primeira tentativa de assassinato da Duquesa.

Ver o holograma no centro da mesa ser desativado foi um alívio para o coração de todos. Ao se levantar, Satine quase não sentia as suas pernas e ela precisou se acostumar com a sensação de formigamento.

— Bem, acho que um jantar está nos esperando agora – mencionou Almec.

— Não – rebateu Satine. – Vocês podem ir, se quiserem. Eu estou indo até a seja lá onde esse discurso esteja sendo escrito. Só depois eu vou jantar.

— Duquesa, está tarde – insistiu Almec. – Tem certeza?

— Absoluta.

Satine se virou e caminhou em direção à porta, saindo da sala. Acompanhando a Duquesa com os outros soldados da Guarda Real, Obi-Wan não pôde deixar de se sentir frustrado naquele momento: sentar e comer alguma coisa – qualquer coisa que fosse, pela Força – àquela hora seria a maior benção possível. Mas, pelo visto, teria que esperar mais um pouco.

 

Não era apenas o cansaço físico. Na verdade, o cansaço físico era o menor de seus problemas. O que estava lhe matando era o cansaço mental: um desgaste tão intenso que ele não sabia lidar.

Não era apenas a complexidade da missão que atormentava Obi-Wan. Já havia feito a segurança de reis e rainhas antes e, meses antes, quando aquela missão havia sido passada para ele e Qui-Gon, tudo lhe pareceu apenas mais uma missão em que atuaria como guarda-costas. Como tantas outras. Mas o que parecia algo tão simples e corriqueiro havia se transformado em uma viagem interminável, uma luta constante pela sobrevivência enquanto Mandalore mergulhava em um conflito de proporções muito maiores que ele imaginava enfrentar um dia.

E, como se não bastasse, havia ela... a própria Satine. Dizer que nunca havia se interessado por uma mulher antes seria uma mentira – ele ainda tinha memórias muito vívidas de seu romance não-tão-platônico-assim com Siri Tachi. Mas aquilo havia sido muito diferente. Delírios de dois adolescentes jovens e inconsequentes que se sentiam atraídos um pelo outro (como milhares de outros casos entre os Padawans no Templo) e que evoluiu com o desfecho óbvio, a manutenção de uma amizade e um carinho recíproco. Mas apenas isso. Mas com Satine, a história era outra.

Durante toda a sua vida, a única coisa que Obi-Wan havia conhecido era o modo de vida Jedi. Viver pelo seu dever, dar a sua vida em nome de seguir os desígnios da Força. Desde que se conhecia por gente, era isso que ele conhecia, era isso que lhe era ensinado e era isso que ele considerava certo: pagar, na forma de trabalho e de uma vida monástica de dedicação e devoção, o dom da sensibilidade que a Força lhe julgou digno de ter. Sair da Ordem Jedi, por qualquer razão que fosse, seria a maior de todas as heresias possíveis. Um sacrilégio!

Mas, lá estava ele, sentado no chão, apoiado na porta fechada do quarto da Duquesa de Mandalore, sem conseguir tirá-la da cabeça. Aos poucos, Satine Kryze se infiltrara em sua mente, quase que como se o enfeitiçasse. E, quando finalmente ele percebeu onde estava se metendo, já era tarde demais: a Duquesa estava em seus pensamentos a todo e qualquer momento, sempre pensamentos de um sentimento que ele não conhecia. Talvez fosse um pouco demasiado dizer a si mesmo que não conhecia o amor (sim, ele já havia aceitado que o que sentia por ela era amor), mas não daquela forma. Um amor de querer estar com ela a todo momento (embora já estivesse), de querer ouvir a sua voz a todo instante (embora já ouvisse).

Obi-Wan ria da própria estupidez. Como se deixou chegar nesse ponto? Como não percebeu antes para onde todos aqueles sentimentos nebulosos estavam lhe levando? Como?! O fato é que já era tarde demais. Incapaz de tirar a Duquesa de seus pensamentos, ele começou pensar em algo que, até bem pouco tempo antes, lhe seria imperdoável: deixar a Ordem Jedi. Afinal, se estar longe de Satine (mesmo que separados apenas por um porta fechada) lhe deixava com o peito acelerado de tanta ansiedade (ou seria saudade?), deixar a Ordem por ela lhe parecia razoável. Pela Força, o que mestre Windu lhe diria se soubesse de todo esse conflito?

Ele se envergonhava daquilo. De ter cedido tão rápido e facilmente a esse tipo de sentimento. De, de forma tão ingênua e infantil, estar disposto a se desfazer de tudo o que conhecia como certo para abraçar um futuro incerto. Afinal, quais garantias ele tinha de que ele e Satine poderiam, um dia, realmente ficar juntos? Nenhuma. Na verdade, era o mais improvável: ele, enquanto Jedi, jamais poderia estar com ela. Essa era uma polêmica morta e enterrada pela Ordem há milhares de anos. Sua única chance seria, de fato, sair da Ordem e se arriscar em um relacionamento no qual havia mais incertezas do que certezas.

Mesmo assim, tolo e imprudente, ele conseguia imaginar um futuro com ela. Uma vida diferente. Longe do Templo, longe de Mandalore... Será que seria possível? Será que conseguiria viver como pessoas normais? Ter uma vida normal? Em seus mais juvenis delírios, Obi-Wan queria acreditar que sim. Versões diferentes de uma vida longe da Ordem já havia lhe passado pela cabeça, todas elas com Satine.

E ele se envergonhava disso. Talvez, o fato de ter cedido tão rapidamente... de estar questionando tudo o que foi ensinado durante a vida em troca de uma vida diferente... fosse a prova de que ele nunca foi o bom Padawan que Qui-Gon sempre lhe dizia que era. Caso fosse, todos aqueles ensinamentos já estaria tão consolidados em sua mente que ele jamais cogitaria deixar a Ordem porque jamais permitiria que esse sentimentos o controlassem dessa forma. Ele sentia culpa, um nojo de si mesmo que ele não conseguia se livrar. Era fraco. Fraco demais. E falho. Como raios Qui-Gon tinha coragem de lhe dizer que ele já estava pronto para passar pelos testes se ?

Nesse momento, a porta do quarto de Satine se abriu ligeiramente.

“Você pode entrar se quiser, Jedi”, ele ouviu a Duquesa sussurrar, cada uma de suas palavras parecendo um grito no silêncio da madrugada.

Sem questionar (e incapaz de conter um sorriso no rosto), Obi-Wan se levantou e entrou no quarto dela, fechando a porta atrás de si.

— Como sabia que eu estava sozinho no corredor? – ele perguntou, aproximando-se de Satine e envolvendo-a pela cintura com os braços.

A jovem laçou Obi-Wan pelo pescoço e o puxou para um beijo nos lábios.

— Não sabia – foi a resposta e os dois riram juntos.

E ela voltou a beijá-lo. Pela Força, ele estava apaixonado! Por mais abalado que todo aquele conflito estivesse lhe deixando, tudo isso parecia desaparecer quando Satine o abraçava e o beijava. Problemas que se desintegravam e só voltavam a atormentá-lo na ausência dela. E era por isso que ele jamais queria sair do lado dela novamente. Queria passar o resto dos seus dias ao lado dela, tivesse ele mais um ou um milhão de dias pela frente.

— Você está fedendo – ela sussurrou, rindo.

— Desculpe, milady – ele respondeu. – Mas eu não tenho à minha disposição uma banheira chique e elegante igual a da senhora. E eu passei todo o meu dia sem descanso e sem a chance de tomar um banho, apenas protegendo a senhora. Posso ser perdoado por esse delito apenas dessa vez?

Imediatamente, Satine o afastou com a mão.

— Você pode usar a minha banheira – a jovem rebateu, sorrindo para ele e se jogando na cama, embaixo das cobertas. – E depois se junte a mim para o seu merecido descanso, meu nobre Jedi.

 

Havia algo que estava causando arrepios em Obi-Wan. Não eram os beijos de Satine, disso ele tinha certeza. Mas, com certeza, ele desejava que ela estivesse sentindo a mesma coisa, porque aquilo era... bom.

— O que é isso? – ela perguntou.

E, nesse exato instante, as mãos da jovem (que antes deslizavam pelas costas do rapaz) pararam seu movimento. O arrepio cessou quase que instantaneamente e, apenas aí, Obi-Wan soube que ele era causado pela fricção dos dedos de Satine contra a sua pele. Consciente disso, ele a apertou ainda mais naquele abraço, trazendo-a para mais perto de si (se é que aquilo era possível), deslizando suas mãos pelas costas dela. Embaixo das cobertas, ela beijou o ombro nu de Satine, fazendo um estalido quando afastou a boca.

— Uma cicatriz – Obi-Wan respondeu calmamente, finalmente se lembrando de que Satine havia feito uma pergunta. – Foi uma missão em Hosnian Prime há uns quatro anos. Eu cai do telhado enquanto perseguia um traficante de pessoas. O curandeiros do Templo achara que eu nunca mais ia andar, mas não existe ferida que um tanque bactha não resolva.

Satine riu, mas foi um riso curto e discreto.

Ali, envolta nos braços do Jedi, ela se sentia mais segura do que em qualquer outro lugar da galáxia. E isso a relaxava. Sonolenta, ela mantinha os olhos fechados, pronta para adormecer a qualquer instante. Mesmo assim, ela ainda acariciava as costas de Obi-Wan, que soltou um longo suspiro quando ela pousou a mão sobre a sua cintura.

— E essa? – ela quis saber, identificando mais uma cicatriz.

— E-Essa... – Obi-Wan gaguejou, o toque de Satine arrepiando cada centímetro de pele de seu corpo, tirando-lhe o ar e o dom da fala. – Essa... Essa eu me recuso a contar...

— Por quê?

— Porque é vergonhoso – ele respondeu.

— Por favor – ela pediu. – Eu prometo não contar pra ninguém...

Obi-Wan hesitou. Mas ele conseguia negar algo a ela naquelas condições?

— Uma briga com alguns Padawan mais velhos muitos anos atrás – ele, finalmente, decidiu contar. – Eu devia ter uns catorze anos, não muito mais do que isso... Um dele encostou o sabre de luz em mim só pra me assustar e me afastar. Com medo de pedir ajuda porque eu teria que contar a verdade sobre a briga e todos nós iríamos nos dar mal, eu fiquei quieto. Eu só contei pro mestre Qui-Gon quando a ferida infeccionou e eu comecei a me sentir realmente mal.

— Você é orgulhoso – ela respondeu, ainda sem abrir os olhos. – Mas eu gosto disso em você.

— Gosta? – ele perguntou, deslizando o seu rosto pelo dela. – O que mais você gosta em mim?

— Da sua dedicação – Satine respondeu, deixando que os lábios de Obi-Wan se perdessem em seu pescoço enquanto as suas mãos se perdiam nos curtos cabelos dele. – Do seu jeito de sempre querer fazer o seu melhor. Da sua lealdade a tudo que você acredita. Da forma como você encara os seus deveres. E do jeito que você me beija.

Nesse momento, Obi-Wan deslizou a mão pela perna de Satine, trazendo-a para cima enquanto beijava novamente o ombro dela. Dessa vez, foi a jovem quem suspirou.

— E essa aqui? – Obi-Wan perguntou, passando a mão no joelho dela.

— Um Jedi desastrado me derrubou uma vez enquanto fugíamos de alguns ácaros – Satine respondeu, rindo, olhando diretamente para os olhos dele. – História longa, não vale a penas ser contada...

— Mas eu imagino que esse Jedi deva ter sido muito corajoso, não é? – ele rebateu. – Com certeza, ele deve ter te salvado.

— Salvou – ela confirmou. – E me deixou essa marca para me lembrar dele para sempre.

Assim, Satine avançou os poucos centímetros que a separava de Obi-Wan na cama para beijá-lo. Ela, então, se virou sobre o colchão, dando as costas para ele e deixando que os braços do Padawan envolvessem o seu corpo em um abraço apertado. Aquecidos pelas cobertas e pela lareira acesa, os dois se deixaram descansar. Lentamente, suas pálpebras começaram a ficar pesadas e toda a musculatura deles começou a relaxar.

Prestes a adormecer, Satine ouviu Obi-Wan murmurar alguma coisa. Ele, já mais inconsciente do que consciente, parecia não ter mais controle sobre o que dizia e Satine ficou aliviada por ele não ter acordado com a gargalhada que ela deu ao ouvir sua voz sonolenta sussurrar em seu ouvido “Pela Força, eu faria amor com você pelo resto da vida...”


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Notas finais do capítulo

Comentem o que acharam, meus queridos ♥

Beijinhos e até o próximo ♥



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