A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 18
Capítulo XVII - Draboon


Notas iniciais do capítulo

Meus queridos, voltei!

Acabei de descobrir que recebi MUITOS comentários desde a última vez que entrei no Nyah. Prometo que irei responder todos ao longo do final de semana, ok? Por enquanto, deixo vocês com um capítulo novo em que VAMOS FINALMENTE VER COMO A SATINE CONEGUIU A SUA CICATRIZ EM DRABOON!

Espero muito que gostem ♥



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Ao saírem do hiperespaço, Obi-Wan e Satine tiveram a sua primeira visão sobre Draboon, ficando tão empolgados quanto ficaram ao ver Dagobah pela primeira vez. Draboon era tão pequeno que mais parecia um asteróide de grandes proporções do que um planeta. Sua superfície era arroxeada e a sua atmosfera escurava dava a impressão de que o planeta estava sempre imerso em uma imensa noite. As árvores em sua superfície eram ressecadas e quase nenhuma forma de vida era avistada em lugar nenhum, com exceção de algumas aves e pequenos mamíferos. Crateras expeliam uma fumaça amarelada, como se fossem pequenos vulcões prestes a entrarem em erupção, intoxicando todo o ar ao redor.

Era mais do que nítido porque os registros de bordo da nave não indicavam a presença de nenhuma forma de vida senciente. Absolutamente ninguém com um pingo de preservação de suas faculdades mentais iria para aquele lugar de livre e espontânea vontade. Ninguém, exceto uma duquesa fugitiva e seu guarda-costas Jedi. E, exatamente por isso, aquele lugar perdido na galáxia, além da Orla Exterior, já em Espaço Aberto.

— E quanto tempo planeja que vamos ficar aqui? – quis saber Satine, olhando desgostosa pela janela do cockpit e observando a superfície deprimente do planeta, sem conseguir esconder o seu descontentamento.

— Não pensei muito nisso – assumiu Obi-Wan, manejando os controles para pousar a nave em segurança. – Mas espero que seja pelo menor tempo possível...

Finalmente, a nave tocou o solo e algo dizia para Obi-Wan que os dias ali seriam os mais longos de sua vida...

 

... e também os mais frios.

Por algum motivo que Obi-Wan não conseguia entender, não havia neve. Mas os sensores térmicos da nave indicavam temperaturas absurdamente negativas na maior parte do dia (com exceção de um momento muito específico, cerca de cinco-horas padrões após o amanhecer, quando o sol se encontrava perpendicularmente acima deles, permitindo que temperaturas menos extremas fossem desenvolvidas).

Por esse motivo, eram raras as vezes em que qualquer um dos dois ocupantes da nave se aventuravam em seu exterior. Apenas o faziam quando estavam inquietos demais, incapazes de continuar parados e confinados no mesmo espaço. As horas se tornaram dias e não havia sinal algum de Qui-Gon. Por meio dos comunicadores, o Jedi parecia haver desaparecido da galáxia. A Obi-Wan, portanto, restava a meditação, uma tentativa constantemente frustra de encontrar seu mestre no vazio. À Satine, leituras ininterruptas de livros que trazia em seu datapad, seu conseguir desligar os pensamentos do que pudesse estar acontecendo em Mandalore ou com Bo-Katan.

Dia após dia...

— Será que podemos praticar um pouco?

O pedido de Satine quebrou a monotonia de dias longos e conversas vazias. Retirado de sua meditação, Obi-Wan olhou para trás e viu a jovem Duquesa segurando um blaster em suas mãos. O blaster que ganhara de presente do conde Dookan na tarde antes de deixarem Serenno.

— Claro – o Padawan respondeu, um pouco hesitante. – Mas por que esse pedido agora?

— Bem, não tive muitas oportunidades para praticar desde Alderaan, tive? – Satine se justificou. – Logo depois, tivemos nosso acidente em Corellia e, quando achávamos que as coisas estavam começando a entrar nos eixos, mestre Qui-Gon foi sequestrado. E, depois que resgatamos ele, ele estava todo diferente, meio paranóico com a própria morte ou sei-lá-o-quê. E, se vou continuar fugindo pela galáxia para me proteger, acho que eu realmente preciso aprender a usar um desses.

Claramente, Obi-Wan não disse exatamente o que se passou em sua cabeça. Mas, para a pacifista tão radical que havia conhecido alguns meses antes, aquela Satine estava bem diferente. Não havia abandonado o seu ideal principal (e nem Obi-Wan nem Qui-Gon queriam isso), mas, aparentemente, ela havia, enfim, entendido que, em algumas situações, esse radicalismo poderia colocá-la em perigo.

— Então, vamos atirar em alguma coisa – disse Obi-Wan, levantando-se do chão e se dirigindo para fora da nave.

Satine o seguiu.

— Aliás, por que vocês, Jedis, meditam tanto? – ela questionou no momento em que passaram pela cozinha, ode Obi-Wan recolheu garrafas de vidro vazias.

— São vários os motivos – o rapaz respondeu, avançando pelo corredor da nave, com Satine logo atrás. – É a forma que temos de nos comunicar com a Força. É a forma que temos de tentar entender o que devemos fazer, se o que estamos fazendo é o certo ou não.

— E quando você fala em comunicação, você diz... uma conversa? – Satine parecia preocupada.

Com a rapa da nave abaixada, Obi-Wan se dirigiu para fora da nave.

— Você quer saber se eu escuto vozes? – ele riu, sentindo o frio do fim da tarde de Draboon arrepiar a sua pele. – Não. Quer dizer, mais ou menos. Não são exatamente vozes – Obi-Wan tentou se explicar sem passar a impressão de que fazia parte de uma sociedade de loucos. – São mais como... sentimentos... é estranho, mas é mais ou menos como funciona. É como a Força tenta nos mostrar qual o nosso propósito.

— Como o propósito da vida?

Obi-Wan começou a dispor as garrafas vazias a uma distância de vinte metros da nave, onde Satine esperava pacientemente.

— Quase isso – ele respondeu. – É por meio da meditação que nós podemos sentir a Força. E ela nos faz sentir coisas de volta. Sentimentos bons e ruins. E é assim que supomos que estamos no caminho certo ou não.

— E quando vocês tem certeza?

— Não temos – Obi-Wan respondeu e ele se divertiu ao ver Satine arquear as sobrancelhas. – E essa talvez é a parte mais absurda e instigante de tudo isso. A Força tenta se comunicar com a gente e somos nós que precisamos traduzir o que está sendo mostrado pra nós.

Nesse momento, Satine não parecia mais curiosa. Parecia confusa.

— Então, se a mesma mensagem for passada para vários Jedi diferentes...

— Vamos ter várias interpretações diferentes – Obi-Wan concluiu a frase do exato jeito que Satine planejava, deixando-a ainda mais intrigada. – O fato é que, com os anos e com a experiência, os Jedi aprendem melhores formas de interpretar as mensagens da Força. Mas variações de interpretações podem surgir a qualquer momento, algumas mais certas, outras não. Como você acha que os Siths surgiram?

A pergunta retórica fez Satine refletir por um instante.

— Por meio de uma interpretação errada da Força? – ela arriscou, mesmo o tom de voz de Obi-Wan já tendo deixado claro que essa era a resposta mais segura.

— Os Jedi mais puristas diriam que sim – o aprendiz se explicou. – Outros diriam que não foi uma interpretação necessariamente errada, mas uma interpretação diferente. Aplique essa forma de pensar para infinitas questões relacionadas a Força e você vai entender o porquê de alguns Jedi não serem tão queridos pelos mestres do Conselho.

— Como o mestre Qui-Gon.

— Exatamente.

Um longo silêncio se fez entre os dois enquanto Obi-Wan terminava de ajeitar as garrafas. Satine o observou por um instante, vendo como a menção ao mestre Jedi deixou o aprendiz um pouco desconfortável, em silêncio, evitando olhar para trás.

— Você tem meditado muito em relação a ele, não? – ela, enfim, quebrou o silêncio.

— Não só – respondeu Obi-Wan. – Mas sim, tenho meditado sobre ele. Venho tentando encontrá-lo na Força. Para saber se está bem, se está seguro. Digo, imagino que ele sabia o que estava fazendo quando resolveu nos deixar para trás, mas... ele não parecia ele mesmo, entende? Não sei se estava no juízo perfeito dele. Às vezes... as vezes eu acho que devia ter impedido ele de ir.

— Você poderia ter tentado, mas não ia conseguir – Satine emendou. – Digo... Eu reconheci o olhar dele. O olhar de alguém determinado a fazer o que acha que precisa ser feito. Você não ia conseguir impedi-lo mesmo que quisesse. Acredite, eu já vi aquele olhar na minha irmã diversas vezes.

Obi-Wan sorriu para Satine, mas sem dizer mais nada. Para ele, a conversa havia se encerrado ali. Não queria dar prosseguimento aquele assunto e Satine pareceu entender. Enfim, ele se posicionou ao lado dela e apontou para as garrafas.

— Mantenha o braço firme – ele disse. – Mas não rígido, ou o ricochete da arma vai te machucar quando puxar o gatilho.

Satine apontou para frente e fechou um olho na tentativa de limitar o seu campo visual apenas ao seu alvo. Ela manteve os braços apontado para frente, mirando uma das garrafas de vidro.

Atirou.

O disparo luminoso do blaster cruzou o ar entre ela e seu alvo em uma fração de segundos, passando a poucos centímetros da garrafa e morrendo no solo de Draboon, levantando um pouco de terra com o impacto.

— Muito bom! – Obi-Wan quis encorajá-la.

— Muito bom? – ela se lamentou. – Eu errei!

— Por muito pouco! – o Padawan tentava se mostrar mais animado do que realmente estava em uma tentativa de estimular Satine. – Vamos tentar mais uma vez, mas com mais calma. Pode ser?

Satine, um pouco desanimada, fez que sim com a cabeça e voltou a assumir sua posição de tiro, apontando o blaster para frente e o segurando com as duas mãos.

Nesse momento, ela sentiu Obi-Wan logo atrás dela, sussurrando em seu ouvido.

“Respire”, ela ouviu ele dizer.

Satine inspirou fundo, focalizando seu alvo. Novamente, ela fechou um olho, acreditando que isso a ajudaria.

— Se serve de conselho, atire quando expirar – Obi-Wan sugeriu. – Vamos lá... Inspire...

A Duquesa obedeceu.

A garrafa estava sob a mira do blaster. Bastava puxar o gatilho. Por que raios parecia fácil demais?

— Expire...

Ela obedeceu novamente. Mas, dessa vez, durante o movimento, ela puxou o gatilho.

E, dessa vez, ela foi premiada com o som e com a visão do vidro se estilhaçando.

— É, você está melhorando – Obi-Wan parecia animado, afastando-se dela, mas sorrindo um sorriso amigável que fez Satine corar. – Vamos de novo.

 

“O jantar está pronto”, Satine ouviu a voz de Obi-Wan, vinda do interior da nave.

Ela, sentada em uma das poltronas do cockpit com os pés descalços estendidos sobre o painel, teve tempo apenas de desligar o datapad em suas mão, calçar suas pantufas e fechar o seu robe antes que o Padawan surgisse no local com uma bandeja.

— Achei que era para eu ir até a copa – ela disse.

— Jamais faria uma Duquesa ter esse árduo trabalho – Obi-Wan rebateu em ironia e Satine sorriu, voltando a se sentar. – Eu fiz o meu melhor, mas não sei se foi o suficiente. Mas acho que vai ser melhor do que comer um daqueles pacotes de comida liofilizada. De novo.

— Com certeza! – Satine concordou, aceitando uma das tigelas de sopa e a fatia de pão que Obi-Wan lhe entregara. – Obrigada.

Com a sua própria tigela de sopa e a sua própria fatia de pão, o Padawan assumiu outra poltrona do cockpit.

— Estava ocupada? – ele indicou o datapad com a cabeça antes d elevar a primeira colherada de sopa à boca.

— Lendo – Satine respondeu. – Tentando me distrair, tentando não pensar muito em casa... Essas coisas...

— O que estava lendo?

Satine terminou de mastigar um pedaço de pão antes de responder.

— Uma história besta – foi a resposta dela. – Tem um autor coruscanti que eu gosto muito. Só escreve coisa boba, sabe... Histórias nada edificantes e que nada acrescentam na vida das pessoas. Bem bobinho, bem água-com-açúcar. Mas que eu adoro ler pra me distrair de vez em quando. E, ultimamente, eu tenho precisado me distrair muito.

Obi-Wan, então, avançou até o painel. Ele apertou alguns botões e, em instantes, o receptor da nave conseguiu sintonizar uma frequência de rádio: uma música alegre e animada começou a tocar.

— Música te ajuda a se distrair? – ele perguntou.

— Muito! – Satine respondeu. – Ainda mais uma animada como essa. Obrigada.

— E por que você diz que anda precisando se distrair? – Obi-Wan questionou, mas, imediatamente, emendou, achando que poderia estar cruzando limites ainda não estabelecidos entre os dois. – Digo, não precisa responder se não quiser... Mas, se quiser conversar...

Satine desviou o olhar dele por um instante, perguntando-se se seria uma boa idéia conversar sobre aquilo. Não sabia se queria. Achava que poderia não haver vantagem alguma. Mas, que outra oportunidade teria para desabafar?

— Eu ando preocupada com a minha irmã – a Duquesa respondeu. – Ela é muito cabeça dura. Você vai dizer que é de família.

— Tirou as palavras da minha boca – Obi-Wan rebateu e Satine riu.

Logo, os dois voltaram a assumir um tom sério.

— Ela não gostou nem um pouco de eu ter ido embora de Mandalore – disse Satine. – Eu imagino que, mais cedo ou mais tarde, a população vai se dividir. Quando a notícia de que eu fugi vazar – e isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde –, eu espero um caos político e social em Mandalore. E, no meio disso tudo, vai estar a minha irmã. A única integrante da família real em solo mandaloriano. Querendo ou não, ela vai acabar se tornando o centro das atenções e, de algum forma, vai responder pelas ações da irmã dela. E são ações que, desde o começo, minha irmã deixou bem claro de que era contra. Eu só... eu não sei se ela tem maturidade pra enfrentar esse tipo de situação sozinha.

— Mas ela não está sozinha, está? – perguntou Obi-Wan. – Ela está com Zaar. E eu me lembro muito bem de já ter ouvido você dizer que confiava a sua vida a ele.

— E confio – Satine confirmou. – Mas a relação da minha irmã com o Zaar é um pouco diferente. Não sei se ela vai ser tão aberta aos conselhos dele quanto eu sou. Às vezes, por pura birra, é capaz de ela fazer exatamente o contrário do que ele disser. E é ai que entra o meu medo quanto à falta de maturidade dela. Minha irmã está sendo jogada no meio de um conflito que ela não entende e eu tenho medo que ela seja manipulada por um dos lados. Ou pior... que usem ela pra me atingir. Pensar nisso tem tirado o meu sono quase todas as noites.

Obi-Wan ficou em silêncio por alguns segundos. Pela Força, ele conseguia sentir o quanto esse tipo de pensamento atormentava Satine. Uma ansiedade que não descansava dia ou noite. Mas havia mais alguma coisa que atormentava a Duquesa. E Obi-Wan achava que sabia o que era.

— E você se sente culpada por isso – ele arriscou a afirmação.

Com os olhos lacrimejando, Satine fez que sim com a cabeça.

— Eu fico pensando o que eu poderia fazer para evitar esse tipo de coisa se eu estivesse lá – ela concluiu. – Se a minha presença em Mandalore mudaria as coisas. E se eu estando lá deixaria a minha irmã livre de sofrer com esse tipo de coisa.

O sofrimento de Satine era muito real para ela e Obi-Wan queria ajudá-la a se sentir melhor. Havia técnicas Jedi para isso. Podia transferir a ela bons sentimentos através da Força, como já fizera tantos meses antes para ajudá-la a dormir. Mas aquilo era artificial demais. Não era algo que ele queria para aquele momento.

Então, só lhe restava uma arma nessa situação. O diálogo.

— Eu não sei exatamente como você se sente, mas imagino o quanto esse tipo de pensamento pode estar te atormentando agora – ele começou. – Mas, em primeiro lugar, você não tem certeza se esse tipo de coisa está ou não acontecendo. E, em segundo lugar, vem um ensinamento dos Jedi que é passado pra nós desde que somos pequenos Iniciandos.

Satine, que até então mantinha a cabeça baixa, evitando contato visual, olhou para Obi-Wan. As lágrimas escorrendo no rosto da Duquesa cortaram o coração de Obi-Wan. Mas, apesar disso, ela estava atenta.

— É impossível saber o que teria acontecido se tivéssemos optados de formas diferentes – o rapaz continuou. – Podemos ter idéias e sugestões do que poderia ter acontecido, mas nunca a certeza. Quando você deixou Mandalore comigo e com o mestre Qui-Gon, você fez porque, naquele momento, te pareceu a escolha mais acertada. Coisa diferentes poderiam ter acontecido se você ficasse? Sim. Você poderia estar mais próxima da sua irmã e aconselhar e proteger ela. Mas você também poderia estar morta a essa altura. Não temos como saber. Nós só temos o aqui e o agora, e essa é a nossa única certeza.

A Duquesa parecia entender aonde o aprendiz queria chegar.

— Em outras palavras, não vale a pena se torturar por escolhas passadas – Obi-Wan concluiu. – São águas que não voltam mais e não estão mais sob o nosso poder.

— Caramba... – balbuciou Satine. – Eu esperava algo profundo assim vindo do mestre Qui-Gon, mas não de você. Sem ofensas... – ela emendou e os dois riram. – Obrigada.

— Estou às ordens – Obi-Wan disse em tom formal, mas piscou para Satine e ela riu. – Belo colar – ele apontou com a colher.

Satine, então, olhou para o próprio pescoço.

— Bem, já que estávamos falando indiretamente da minha família, deixe-me apresenta-los a você – ela disse, retirando o colar. – Acabo usando isso mais quando estou com esse sentimento de nostalgia. Foi um presente da minha mãe, sabe...

Por fim, ela estendeu o colar para Obi-Wan, abrindo o pingente que pendia e revelando duas facetas, cada uma com pequenos holograma que funcionavam como fotografias. Do lado direito, um homem alto e de porte atlético, com cabelos ruivos preso em coque atrás da cabeça. Do lado esquerdo, uma mulher ainda mais imponente, com seus cabelos loiros esvoaçando ao vento e vestindo uma belíssima armadura mandaloriana.

— Esse é meu pai, Adonai – disse Satine, apontando para o homem. – Acho que você deve se lembrar dele.

— Sim – confirmou Obi-Wan, sem retirar os olhos da imagem. – A foto dele estava em todos os noticiários da Holonet quando ele morreu. Estou enganado ou você alguma vez já comentou que ele também tinha essa sua veia pacifista?

— Não, você não está enganado – disse Satine. – Foi ele quem me ensinou quase tudo o que eu sei hoje. Ele só não tinha coragem de aplicar o que pensava. Sabe, muito do poder dele era sustentado por acordos com a antiga nobreza e com a elite em Mandalore. Ele até queria fazer algumas coisas, mas não tinha apoio político e nem poder para isso. Eu só consegui fazer as coisas que estava fazendo porque dissolvi esses acordos quando me tornei Duquesa. Talvez por isso tanta gente queira me ver morta, não é?

Obi-Wan concordou com um “Talvez” tímido, esperando que Satine continuasse.

— E essa é a minha mãe, Dagmar Kryze – ela apontou para a mulher. – O completo oposto do meu pai. Ela é a mais perfeita definição de um guerreiro mandaloriano que você vai ter na sua vida. Corajosa, destemida, forte, impulsiva e... violenta. Eu diria que ela era muito intensa, na verdade. Morreu como uma verdadeira guerreira, em combate.

— Eu lamento – foi o que Obi-Wan conseguiu dizer.

— Não lamente – Satine rebateu, um pouco seca demais, fechando o pingente e recolocando o colar em seu pescoço. – Eu devia ter menos de dez anos quando ela morreu. Foi há muito tempo. Quase não tenho lembranças dela...

Dito isso, ela levou uma colher de sopa à boca. Satine, então, observou Obi-Wan por alguns instantes, curiosa.

— O que foi? – ele perguntou, um pouco sem jeito por estar sob a mira do olhar da Duquesa, mas sorrindo de forma desajeitada.

— Como é crescer sem notícias da sua família? – Satine perguntou.

— Os Jedi são a minha família – Obi-Wan respondeu e Satine se lembrou de que eles já haviam tido essa conversa antes.

— Não, digo... da sua família de sangue? – ela se corrigiu. – Você não sabem nada mesmo sobre eles?

Obi-Wan engoliu em seco antes de responder.

Formalmente, não – ele disse, e a ênfase que dera à frase fez Satine rir. Estava mas do que claro que havia um “porém” a ser debatido ali. – Mas acho que faz parte do desenvolvimento de todo Padawan pesquisar sobre suas famílias de origem em algum momento. Não conheço nenhum Padawan que não tenha feito isso.

— Inclusive você – dessa vez, foi Satine quem arriscou a afirmação, rindo.

— Inclusive eu – Obi-Wan confirmou.

— E então? – Satine questionou.

Nesse momento, Obi-Wan reuniu em sua cabeça tudo o que sabia sobre sua família. Não era muito. Talvez, nem perto do suficiente para matar a curiosidade da Duquesa. Mas, com certeza, tinha sido o suficiente para matar a sua curiosidade, anos atrás, quando foi atrás desse tipo de informação.

— Stewjon não é necessariamente um lugar muito grande, então não foi difícil rastrear a minha família – ele começou. – Até onde eu sei, meu pais são comerciantes de especiarias. Sei que tenho um irmão mais novo que está preso em algum lugar na Orla Média por contrabando... aparentemente ele contrabandeava peles ou algo assim... e sei que tenho uma irmã mais velha que é casada com um dono de uma rede de casas noturnas que atua em Corellia e Coruscant. Mas é só isso o que sei. Pesquisei sobre eles uma única vez na vida e nunca mais fui atrás de atualizações ou novas notícias.

— Por quê? – Satine quis saber.

— De que isso ia me servir? – Obi-Wan a respondeu com um novo questionamento. – Não ia mudar em nada a minha vida e só ia encher a minha cabeça com ansiedades sobre o que poderia ter acontecido comigo se as coisas tivessem sido diferentes. – Um silêncio constrangedor se fez entre os dois por alguns segundos antes que Obi-Wan concluísse seu pensamento. – E só agora eu percebi como isso tudo o que eu falei foi uma coincidência terrível e indelicada. Me desculpe.

— Não se preocupe – rebateu Satine.

Os dois se olharam por um breve momento e, no instante seguinte, estavam gargalhando.

E, talvez, aquela era a primeira gargalhada sincera que os dois dividiam, mesmo após meses de convivência.

— Mas eu acho que você devia entrar em contato com Mandalore – disse Obi-Wan, após os dois conseguirem se recompor. – Digo, é arriscado? É. Podem rastrear a nossa localização? Podem. Mas já escapamos de coisas piores. Podemos desaparecer de Draboon rapidinho, se for o caso. E, se ter notícias de casa pode te ajudar a se sentir um pouco melhor, então, acho que você poderia tentar conversar com Zaar ou com a sua irmã.

Satine o observou pensativa por um instante, imaginando se aquela era uma boa idéia. Sabia que mestre Qui-Gon iria desaprová-la imediatamente se estivesse ali. Mas ele não estava. No lugar dele, o próprio Jedi havia colocado Obi-Wan, incumbindo-o de proteger a Duquesa. Naquele momento, Obi-Wan a estava autorizando a isso.

— Vou considerar – ela disse, enfim.

 

Em Takodona, fora diferente. Maz Kanata havia lhe garantido que a sala dispunha de mecanismos para evitar que a fonte do sinal fosse detectada. Mas, ali, em Draboon, não havia uma sala igual. Havia apenas aquela nave velha que haviam conseguido em Corellia. Nada mais. Qualquer mensagem enviada dali poderia ser facilmente rastreada.

Claro. Era uma pensamento quase paranoico que, dentre as milhares de mensagens que percorriam a galáxia, seus algozes iriam rastrear, justamente, a dela. Mas não era algo que se podia desconsiderar. Naquela viagem de quatro meses, até então, pequenos erros haviam resultados em catástrofes. Seria esse apenas mais um pequeno erro que ela estava prestes a cometer?

Mas, dentre todos aqueles meses, Satine apenas entrara em contato com seu lar uma única vez. Uma única vez fora capaz de receber notícias oficiais, sem ser ludibriada pelos noticiários sensacionalistas que via na Holonet. E chegara o momento de tentar mais uma vez.

Sozinha no cockpit, ela acionou o comunicador no painel. Esperou alguns poucos segundos até que uma imagem se formasse. Mas não era o homem velho que ela esperava ver. No lugar de Zaar, Satine viu o seu auxiliar.

— Bom dia, Duquesa – disse o homem sorridente. – Que surpresa... e que honra!

— Muito bom dia, Almec – Satine retribuiu o carinho com um sorriso. – Imagino que Zaar esteja ocupado.

— Infelizmente, sim – o sorriso no rosto de Almec morreu. – Alguns eventos muito recentes exigem atenção integral dele nesse momento. Mas fique tranquila, assim que eu o vir, irei transmitir o seus cumprimentos a ele.

— Eu fico muito feliz – foi a resposta. – E obrigada. Mas, agora, eu gostaria que você me falasse mais desses “eventos muito recentes”. Pode ser?

 

A rampa da nave foi baixada e Satine desceu por ela antes que terminasse seu movimento. Ela caminhava rápido e com passos pesados, quase como se marchando, sem fazer questão alguma de esconder as lágrimas que escorriam de seu rosto. Atrás dela, passos que a seguiam.

— Eu quero ficar sozinha! – ela se virou por um momento, dirigindo-se a Obi-Wan com um grito.

O aprendiz, assustado, recuou por um breve momento, vendo Satine se afastar no ar cada vez mais gélido do fim da tarde em Draboon. Satine, por sua vez, não se importava se havia sido grossa com ele ou não. Não se importava com mais nada, na verdade. Não diante do caos que sua vida estava se tornando. Seu trono ameaçado, seu planeta entrando em uma guerra civil, ela fugindo como uma covarde, sua irmã indisciplinada. Tudo estava ruindo aos poucos diante dos seus olhos e ela não estava fazendo nada – inclusive, ela constantemente se perguntava se a sua presença em Mandalore estaria deixando tudo mais tranquilo ou apenas acelerando a sua inevitável destituição.

A Duquesa caminhou sem rumo por vários minutos floresta adentro, afastando-se cada vez mais da nave e sem perceber que o seu guarda-costas Jedi a seguia, de longe e sem deixar ser notado, observando cada movimento dela. Mas, claro, sem saber a dor que destruía o peito da Duquesa, que arrasava com ela e que a deixava cada vez mais incerta do futuro. Às vezes, a jovem se perguntava se algum dia voltaria para Mandalore e, após aquela conversa com Zaar, ela tinha quase certeza de que a resposta era que não. Mandalore já não era mais seu lar: metade da população a queria morta e a outra metade a consideraria uma traidora covarde quando voltasse. Era apenas questão de tempo para que seu reinado, finalmente, chegasse ao fim.

Como se tivesse sido atingida por um blaster, Satine, enfim, cedeu: ela se deixou cair ao chão, apoiando-se em uma pedra. Alí, sozinha, ela não via necessidade alguma de enxugar as suas lágrimas. Cada uma delas parecia ferir a sua alma ao sair pelos seus olhos. Mas, em algum grau (distorcido, enfraquecido), ela gostava daquilo, porque, naquele momento, toda aquela dor e apatia pareciam ser os únicos sentimentos existentes na galáxia e deixar ser tomada por toda aquela dor, física ou não, era a forma que ela havia encontrado de saber que ainda estava viva. Por enquanto, claro.

E, nesse momento, a imagem do rosto de Bo-Katan veio à sua mente. Era claro que a princesa não era culpada pelo que estava acontecendo em Mandalore. Ela não tinha papel nisso, era uma figura pequena demais para ter qualquer responsabilidade. Mas estava se deixando levar como uma massa de manobra e, na falta de alguém para culpar e odiar por tudo o que estava acontecendo, Satine tinha apenas a própria irmã para ocupar essa função. A Duquesa sabia que toda a sua raiva era irracional e motivada por seus conflitos pessoais prévios. Sabia que não havia justificativa plausível para todo o amargor que sentia contra Bo-Katan. Mas, céus, como a odiava naquele momento!

Tomada pela fúria, a Duquesa se levantou e chutou o objeto mais próximo a ela que viu: uma pequena pedra (arredondada demais). Mas, diferentemente do que esperava, a pedra não quicou. Ela se partiu em dezenas de fragmentos menores e liberando seu conteúdo ao longo de todo o seu trajeto no ar: minúsculos pontinhos pretos de tamanho variado caíram ao chão.

Satine, curiosa, aproximou-se, querendo entender o que via. Ela apertou os olhos e conseguiu ver que o conteúdo estava se movendo. Apenas quando se aproximou foi que a jovem percebeu que se tratavam de pequenos artrópodes que (aparentemente, furiosos), iam em direção a ela, emitindo pequenos sons com suas patas batendo contra o piso pedregoso de Drabbon e emitindo um som semelhante a um cricrilar. Um pouco assustada, Satine recuou e, por fim, pisou em algo. Embaixo de seu sapato, ela sentiu a vibração de algo se partindo e, instantes seguintes, sentiu sua perna ser tomada pela sensação de que pequenos insetos caminhavam por ela.

Ao olhar para baixo, a Duquesa viu os pequenos insetos subindo pela sua perna. Pega de surpresa, ela agitou a perna e deu pequenos tapas para retirar os insetos do tecido. Mas era tarde demais: alguns haviam sido rápidos o suficiente para morderem a sua pele. Uma mordida terrivelmente dolorosa e que fazia sua perna coçar beirando ao nível do insuportável.

Apenas quando se viu livre de todos os insetos, que mais pareciam ácaros, ela olhou ao redor. Seus olhos se arregalaram quando ela percebeu que não estava em uma parte tão desabitada da floresta, mas sim cercada por dezenas de estruturas arredondadas que se assemelhavam a pedra que ela havia chutado. Mas, observando-as mais atentamente, era nítido que não se tratavam de pedras. Eram emaranhados de um tecido fibroso que muito se assemelhava a um ninho de aranhas. E havia dezenas deles ali. De inúmeros tamanhos. Alguns, inclusive, maiores do que ela.

E o cricrilar dos ácaros parecia estar acordando os seus irmãos. Um a um, os ninhos eram rompidos e mais e mais ácaros se juntavam na caçada por Satine. Alguns deles, do tamanho de pequenos animais, sendo possível até mesmo ver detalhes de suas poderosas mandíbulas. Nesse momento, mancando devido as dores que sentia após as picadas iniciais, Satine pensou que aqueles ácaros finalmente conseguiriam o que Hoovar não havia conseguido. Alí, naquele pedaço de planeta esquecido nos confins mais remotos da galáxia, chegava ao fim definitivo o legado e o reinado da Duquesa de Mandalore.

Satine recuava o mais rápido que conseguia, mas não sendo o suficiente para impedir a aproximação dos ácaros. Em breve, estaria cercada e era questão de tempo até que virasse uma chique refeição. E, para piorar, além da dor crescente nos locais das picadas, Satine estava começando a se sentir enjoada e com tontura. Aparentemente, os pequenos ácaros não tinham uma mordida apenas dolorosa, mas também venenosa.

Um lampejo azul surgiu ao seu lado. Ela virou a cabeça a tempo de ver Obi-Wan passar por ela, brandindo o sabre de luz acima da sua cabeça, pisando nos ácaros menores e golpeando os maiores com a lâmina de plasma azul. A essa altura, o cricrilar havia tomado uma altura absurda, a ponto de Satine não conseguir ouvir mais nada do que estava acontecendo. Sua visão começava a embaçar, mas ela ainda conseguiu entender o que Obi-Wan lhe dizia quando ele se aproximou e, tomando a sua mão, disse: “Corra!”.

Ele a empurrou para frente, por um trecho ainda livre de ácaros. Satine arrastou a sua perna ferida o mais rapidamente que pôde. Atrás dela, o sabre de luz de Obi-Wan dançava ao seu redor, atingindo os ácaros e deixando um cheiro enjoativo de queimado no ar. Mas ela parou quando ouviu o rapaz soltar um gemido de dor.

Imediatamente, ela se virou. Aparentemente, um dos ácaros havia conseguido mordê-lo. Obi-Wan se afastou, agitando a mão para se ver livre de seu agressor. Ele recuou um pouco, tentando abrir espaço para realizar seus movimentos. Mas, quando finalmente olhou para frente, o Padawan foi pego de surpresa: um ácaro do tamanho de um cachorro pulou sobre ele, derrubando-o, desarmando-o e prendendo-o contra o chão. Obi-Wan gritava e se debatia, segurando com as mãos as duas quelíceras do carrapato, que pareciam mirar o seu pescoço em um movimento assassino. No instante seguinte, dezenas de pequenos ácaros começaram a subir no rapaz, tomando suas roupas. Quase que imediatamente, Satine percebeu que os gritos de Obi-Wan haviam mudado. Não era mais um grito de quem lutava, mas um grito de dor. Estava sendo comido vivo.

Tonta e com a vista embaçada, Satine retirou, de dentro de sua bota, o blaster que havia ganho de presente do conde Dookan. Era a primeira vez que precisaria usar a arma pra valer e, dessa vez, não podia errar. Diferentemente de Corellia, Qui-Gon não estava ali para consertar o seu erro. Era ela quem tinha que agir e não podia falhar.

O coração de Satine batia tão freneticamente em seu peito que ela achava rasgaria a sua pele e pularia para fora de seu corpo. Um correnteza de um suor gélido escorria por suas têmporas e ela conseguia ouvir o sangue pulsar em seu cérebro. Seu estômago rugia em um enjôo nunca antes sentido e ela não sabia se era o veneno dos ácaros ou o nervosismo. Mas ela mirou o blaster para frente, temendo puxar o gatilho e atingir Obi-Wan. Talvez, se fosse o caso, o sofrimento dele acabaria mais rápido, ela pensou, tentando encontrar uma mentira para contar a si mesmo enquanto enlouquecia pela culpa, caso errasse aquele tiro.

“Respire”, ela pareceu se lembrar da voz de Obi-Wan durante as poucas vezes em que treinaram tiro. “Mantenha o braço firme, mas não totalmente rígido.”

Ela apertou o gatilho.

O disparo luminoso saiu de seu blaster e atingiu o ácaro maior diretamente no rosto, estilhançando-o e banhando Obi-Wan com a sua linfa verde e gosmenta. Uma das quelíceras fragmentadas ainda estava na mão do Padawan quando ele se levantou. Correndo até Satine, o rapaz estendeu a mão para seu sabre de luz caído e, em instantes, a Força trouxera a arma até o seu dono. Por fim, Obi-Wan segurou a mão de Satine e a puxou para longe.

Mas, agora, não era apenas Satine que estava ferida. Seu próprio guarda-costas estava experimentando os efeitos do veneno dos ácaros. Ele mancava e parecia estar ficando tonto, correndo de forma cada vez mais lentificada.

— Vai na frente... – ele balbuciou.

Satine não sabia ao certo o que estava fazendo ou para onde corria, mas obedeceu. Obi-Wan ativou novamente o seu sabre de luz e Satine olhou para trás a tempo de vê-lo golpear e matar mais alguns ácaros maiores que se aproximavam. O cheiro dos ácaros mortos e queimados pela lâmina de plasma do sabre apenas deixavam Satine mais enjoada. Ela queria vomitar, mas tinha tempo para esse luxo.

Apesar de todos os esforços de Obi-Wan, os ácaros pareciam ser mais rápidos do que Satine e alguns, inclusive, já a cercavam pela lateral, aproximando-se. Em desespero, ela tentou correr mais rapidamente do que podia. Mas isso levou sua perna ferida ao máximo do estresse físico: um pisada em falsa e ela torceu o tornozelo, caindo ao chão e incapaz de correr. A dor que a consumiu naquele momento era imensa, fazendo-a gritar. Mas, de sua garganta, também saiu um grito de horror, ao ver que os ácaros estavam a uma distância perigosa demais dela.

A lâmina azul do sabre de luz de Obi-Wan atingiu o solo a menos de cinco centímetros do rosto da Duquesa em um movimento circular que, apesar das condições, conservava uma certa graciosidade, matando um ácaro que se aproximava, com o tamanho aproximado de uma laranja.

— Consegue andar? – Obi-Wan perguntou, arfando.

De perto, Satine conseguia ver as marcas das mordidas dos ácaros até no rosto do Padawan.

— Não – ela disse exasperada.

Com muito mais força do que Satine achava que ele ainda tinha, Obi-Wan a puxou para cima e a girou ao redor de seu próprio corpo. Curvado, Obi-Wan conseguiu colocar Satine em suas costas. “Segure-se”, ela ouviu o rapaz dizer enquanto começava a correr e Satine, nesse momento, envolveu os braços ao redor do pescoço dele.

Com Satine em suas costas, Obi-Wan tentava correr, brandindo o sabre de luz para atingir os ácaros mais próximo. Mas ele também estava ferido. Estava fraco e com uma tontura que nunca havia experienciado na vida, além da vontade quase incontrolável de vomitar. Os ácaros se aproximavam cada vez mais e não havia para onde correr: para onde quer que fossem, eles logo seriam alcançados.

Um dos ácaros (maior do que o que atacara Obi-Wan anteriormente) pulou contra os dois. O Padawan e a Duquesa caíram ao solo, mas, ao contrário do esperavam, não se estatelaram ao chão. Os dois rolaram por uma ribanceira, batendo contra pequenas pedra e galhos secos, abrindo feridas em suas peles enquanto mantinham o movimento.

Por fim, a ribanceira terminou. Deitada sobre galhos e folhas secas, Satine sentia cada uma de suas novas feridas, mas uma em especial lhe chamava a atenção. Seu joelho esquerdo doía terrivelmente ela sentia o tecido de sua calça ao redor úmido. O cheiro de sangue no ar lhe confirmava que a ferida era bem maior do que as outras. “Droga”, ela pensou, “vai deixar uma cicatriz.” E ela riu. Riu da incongruência ridícula desse pensamento numa situação de vida ou morte em que uma cicatriz, por maior que fosse, era o menor dos seus problemas.

Obi-Wan se rastejou ao lado dela. Olhando para a ribanceira, Satine via as folhas secas se mexendo no solo e ela sabia que se tratava dos ácaros se aproximando.

— Precisamos continuar... – Obi-Wan gemia de dor.

Com ele ao seu lado, Satine via que havia pontos de sangue nas roupas dele também. Mas, mesmo assim, o rapaz ainda conseguiu ajudá-la a se levantar. Mas ele já não tinha mais forças para levá-la nas costas, apenas para ajudá-la a caminhar. E a própria Satine quase não tinha mais forças nem mesmo para isso. Logo após conseguirem se colocar em pé, os dois sentiram alguns pequenos ácaros subindo por suas roupas, mordendo cada pedaço de pele exposta que conseguissem encontrar.

Mas, em meio aos seus gritos de dor, os dois conseguiram ouvir um som. O som de uma correnteza, não muito longe dalí. Um rio que, com certeza, seria a forma definitiva de se livrarem daqueles ácaros. Finalmente, eles tinham um destino.

Enquanto mancavam o mais rapidamente que conseguia, os dois ainda sentiam novas picadas sendo feitas em seus corpos a cada instante. Mas a esperança de que sobreviveriam, finalmente, era maior do que toda a dor que sentiam. Se chegassem ao rio, poderiam entrar. Os ácaros não os seguiriam na água e eles poderiam se afastar em segurança (e, naquele momento, nenhum dos dois estava interessado nos tipos de animais potencialmente carnívoros que pudessem habitar os rios de Draboon).

A cada passo, o som da correnteza se tornava mais nítido. Cada vez mais alto, superando o insuportável cricrilar dos ácaros. Cada vez mais alto, cada vez mais perto. Até que, enfim, Obi-Wan e Satine chegaram ao rio...

...que estava dezenas de metros abaixo, no fim de um desfiladeiro.

Do alto, o Jedi e a Duquesa olharam para o rio lodoso e escuro, descrentes do que estavam vendo. Mas não havia outra opção. Ou eles seguiam diretamente ao rio ou, em questão de pouquíssimos instantes, os dois iriam se tornar jantar de ácaros.

— No três – disse Obi-Wan.

Satine olhou para ele desesperada, não acreditando ser capaz de sobreviver àquela queda de trinta... quarenta... ou seria cinquenta?... metros. Mas Obi-Wan parecia não se importar com o medo dela. Ele sabia que não havia outra opção.

— Um... – ele disse.

Mais uma vez, o coração de Satine vibrava em seu peito descompassadamente.

— Dois...

Nesse instante, Satine sentiu a mão de Obi-Wan envolver a sua. Ele havia identificado seu nervosismo e pretendia segurar sua mão como forma de lhe passar calma e confiança? Ou iria puxá-la junto com ele naquele pulo pois sabia que ela não teria coragem de pular sozinha? Satine preferia acreditar na primeira opção, embora algo em seu interior lhe disse que estava errada.

Nesse instante, Satine sentiu pequenas patas de ácaros voltarem a subir pelas suas pernas. Haviam sido alcançados.

— Três!

 

Tudo eram cenas desconexas para Satine. Em meio a toda dor que sentia em cada fibra de seu corpo, ela também conseguia sentir o cheiro do próprio sangue e do lodo preso em suas roupas encharcadas, além de um enjôo insuportável – havia também cheiro de vômito? Em um primeiro momento, ela acreditava estar sendo carregada nos braços de Obi-Wan, mas não sabia ao certo se era isso que estava acontecendo. O fato era que, através de suas pálpebras quase fechadas, ela conseguia ver que estava balançando suavemente e a nave, envolta pela noite, parecia cada vez mais próxima.

No instante seguinte, estava dentro da nave. A sua visão era turva e a iluminação ambiente era fraca, mas ela conseguiu identificar que estava deitada na cama de sua cabine, prestes a vomitar, mas parecendo não ter forças nem mesmo para isso. O cheiro de sangue havia desaparecido por completo e ela sentia algo envolvendo a sua perna, na altura do joelho... um curativo, talvez? Mas o cheiro de lodo ainda persistia. Não nela, mas impregnado nas roupas da pessoa imunda e suja sentada ao seu lado que, com muita dificuldade, parecia estar limpando os ferimentos dela e fazendo curativos. Também sofrendo com o veneno dos ácaros, Obi-Wan urrava de dor a cada movimento que fazia, mas ele não relutava um único instante. “Obi...”, ela sussurrou, mas o som saiu tão baixo de seus lábios que ele pareceu nem sequer ouvir.

Em seguida, ela ainda estava em sua cama. Mas estava imóvel e Obi-Wan parecia não mais estar trabalhando nos ferimentos dela. O Padawan, ainda imundo e cheio de ferimentos, estava caído ao chão no canto do quarto, imóvel. Estava morto? Estava dormindo? Satine não sabia diferenciar. Reunindo forças que não tinha, Satine tentou se movimentar para o alcançar, mas as dores em seu corpo a impediam: a simples idéia de se levantar repuxava cada centímetro de pele em uma dor descomunal que irradiava a partir dos pontos onde fora picada pelos ácaros para todo o restante dela, tirando-lhe o ar e fazendo seus olhos lacrimejarem. Ela desistiu logo após tentar.

Alguns minutos... ou horas... ou dias... poderiam ter se passado quando ela olhou ao redor novamente. Obi-Wan não estava mais lá. A Duquesa ainda sentia dores terríveis em seu corpo, mas já muito menos intensas do que antes, embora ainda estivesse terrivelmente enjoada. Agora, ela já conseguia se mover sem que isso afetasse sua respiração. Movimentos pouco amplos, sim, e ainda incapaz de vencer a força da gravidade. Mas já conseguia movimentar-se na cama. Como muito esforço, ela conseguiu se colocar de lado sobre o colchão.

Em algum momento, seu estômago começou a se manifestar. Estava com fome, mas mal tinha forças para se levantar e ir até a cozinha. Mesmo assim, a fome já a incomodava mais do que a dor, que parecia cada vez menor. Reunindo as poucas forças que havia recuperado desde que voltara para a nave, Satine se levantou. Descalça e à passos lentos, ela conseguiu sair de sua cabine e, apoiando-se nas paredes, conseguiu se dirigir até a cozinha. A ferida em seu joelho parecia gritar cada vez que ela pisava, apoiando o seu corpo sobre ela e sobre o seu calcanhar torcido; a cada passo, a sensação de que iria cair. Finalmente, quando chegou aonde queria, a jovem se jogou desajeitadamente em um banco, apoiando as costas na parede antes de, por fim, estender a mão para um pedaço de pão velho que repousava sobre a mesa.

Novamente, ela perdeu a noção de tempo, mas, em algum momento, Satine se levantou. Apesar de seu corpo ainda urrar de dor em cada uma de suas partes, já não era mais uma dor limitante. Horrível, sim, mas já menos intensa, o suficiente para que ela recuperasse um mínimo de autonomia. Autonomia essa que ela usou para caminhar de volta para o corredor. Mas ela passou reto pela sua cabine, avançando em direção à próxima. A Duquesa acionou a trava externa e a porta deslizou, revelando o interior da outra cabine.

Como esperava, ela encontrou Obi-Wan em seu interior. Mas, diferentemente da última vez que o vira (imundo, coberto de lodo e inconsciente no chão), a Duquesa encontrou o Padawan limpo, porém desfalecido sobre a cama em uma posição torta e desconfortável. Picado muito mais vezes do que ela, Satine imaginou que ele ainda poderia estar sentindo dores tão fortes como as que ela já havia sentido antes. Tão fortes que mal tinha energia para mudar de posição e achar uma que fosse mais confortável.

Da mesma forma que ele cuidara dela, Satine resolveu ajudá-lo. Demandando muito de sua força, ela conseguiu virá-lo no colchão, colocando-o em uma posição mais ergonômica (não é claro, sem que ele resmungasse de dor a cada toque e movimentação). Logo em seguida, ela percebeu que a parte inferior da calça do Padawan estava manchada de sangue; ela levantou um pouco o tecido a, por fim, descobriu que a cicatriz deu seu antigo ferimento (que quase lhe custara a vida em Corellia) havia se rompido, provavelmente em decorrência de toda aquela caótica fuga dos ácaros. O próprio Obi-Wan já havia feito um curativo, mas as bandagens já estavam sujas de sangue e Satine achou por bem trocá-las; durante o processo, ela ouviu Obi-Wan gemer de dor.

Por fim, antes que pudesse perceber o que estava fazendo, Satine se deitou ao lado dele. Por alguns instantes, ela observou o rosto do rapaz, sem entender ao certo o que via. Por trás da expressão retorcida de dor, havia alguém que, aos poucos ela aprendeu a gostar. Alguém que ela conhecia. Não profundamente, não em detalhes. Mas o suficiente para aceitar a companhia naquela viagem absurda, perigosa e sem previsão de um término. Não que ela tivesse muita escolha, mas, mesmo assim, era alguém em quem ela confiava. E confiaria a sua vida, se fosse preciso.

E Obi-Wan já havia provado que estava disposto a protegê-la. Diversas vezes. Na mina de beskar. No palácio real em Sundari. Em Corellia. E enquanto enfrentava milhares de pequenos ácaros venenosos. Em nenhum momento, ele hesitou, recusou ou falhou. Às vezes, as custas de muito dano pessoal, como era exatamente aquele caso. Mas nunca a decepcionara. Nos momentos em que ela mais precisou, ele estava lá, ao seu lado. Inclusive, usando o próprio corpo para protege-la dos ácaros, recebendo o dobro (ou o triplo) de picadas.

Satine não sabia ao certo o que estava fazendo – muito menos, porque estava fazendo – mas ela se deitou ao lado dele. Ela ainda sentia os efeitos do veneno dos ácaros agindo sobre ela, uma dor absurda e um enjôo quase incontrolável. Mas a presença de Obi-Wan a acalmava de uma forma que ela não conseguia entender. Era como se a simples presença dele ao seu lado fosse a confirmação de que tudo ia ficar bem. Apesar das dores, apesar dos enjôos. Mesmo ele estando pior do que ela. Obi-Wan lhe passava essa confiança.

A jovem Duquesa levou a mão ao rosto dele, acariciando-o. Apenas nesse momento, ela percebeu que ele suava e sua pele estava pálida e terrivelmente gelada. Foi nesse momento que Satine puxou as cobertas (até então, desarrumadas no pé da cama) sobre os dois. Acomodado com o conforto e com o calor das cobertas, o Padawan pareceu parar de tremer e abriu os olhos. Os dois se encararam por alguns instantes, nos quais Obi-Wan parecia estar tentando decidir se a jovem que via à sua frente era uma alucinação ou não.

— Satine...? – ele sussurrou.

— Tudo vai ficar bem – Satine disse, querendo passar a ele a mesma sensação de confiança que ele lhe passava. – Eu estou aqui.

Dito isso, a jovem se aproximou dele, abraçando-o. Inesperadamente, Obi-Wan conseguiu se mover, abraçando ela também. Com a cabeça apoiada em seu peito, Satine conseguia ouvir o coração dele bater e isso a acalmou mais ainda. Prestes a dormir, a Duquesa percebeu que o rapaz (conscientemente ou não) acariciava o seu ombro com um movimento simples de seu polegar.

Satine não percebeu quando adormeceu...

 

... mas ela se lembrava muito bem do momento em que acordou.

A luz do dia em Draboon adentrava a janela da cabine de Obi-Wan e caia sobre a cama. Os dois estavam cobertos até o ombro, abraçados, suas testas se tocando. A luz permitia à Duquesa ter uma visão mais ampla dos estragos causados pelos ácaros na noite anterior: em cada centímetro de pele de Obi-Wan, Satine conseguia ver hematomas e pontos vermelhos, indicando os locais onde fora mordido pelos pequenos animais. Uma imagem quase fantasmagórica e muito assustadora, mas Satine sabia que ela mesma não deveria estar muito diferente dele.

Envolta nos braços do Padawan, Satine se sentia mais protegida do que jamais se sentira em toda a sua vida, mesmo com trinta soldados da Guarda Real de Mandalore ao seu redor. Os dedos da mão direita do rapaz estavam perdidos em seus cabelos e a sensação de prazer e calma que isso lhe passava era suficiente para transformar toda a sua dor e todo o seu enjôo em meros problemas triviais e desconsideráveis. Era como se nada mais importasse na galáxia.

A Duquesa deslizou os dedos pelo rosto dele e, antes que ela terminasse, Obi-Wan abriu os olhos. Sob a luz do dia, ela conseguia ver que ele já não mais estava tão pálido quanto na noite passada, embora ainda conservasse um pouco das expressões de dor que ela havia visto.

Em silêncio, os dois se observaram por alguns segundos. Como se estivessem contemplando um ao outro.

— Me beije.

Satine viu os lábios do aprendiz se movendo, mas demoraram alguns segundos até que ela, finalmente, conseguisse processar o que acabara de ouvir. Ela não fazia idéia do que estava acontecendo. Apesar de estarem sob o efeito do veneno dos ácaros, nenhum dos dois estava bêbado, como quando se beijaram em Naboo. Obi-Wan dizia aquilo plenamente consciente do que fazia.

— Por favor – ele acrescentou.

Satine adoraria saber o que estava se passando na cabeça de Obi-Wan naquele momento. Ela mesma tinha dezenas... não, centenas!... de dúvidas quanto àquilo. O próprio Obi-Wan já havia deixado claro o que pensava quanto àquilo em Takodona. Mas Satine sabia que, após tudo o que havia acontecido, ele não estaria pedindo aquilo levianamente. Ele havia tomado uma decisão.

Mas, e ela? Havia tomado uma decisão também? Antes mesmo que conseguisse responder, Satine beijou os lábios de Obi-Wan. E ele retribuiu não só com um beijo, mas puxando Satine para mais perto de si em um abraço apertado e aconchegante por debaixo dos cobertores.

E, naquele momento, não havia outro lugar na galáxia em que ela gostaria de estar.


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Notas finais do capítulo

Comentem o que acharam, meus queridos!

Beijinhos ♥



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