Mirror Myself In You escrita por LadyDelta


Capítulo 5
Umbrella


Notas iniciais do capítulo

Olá, você estão prontas crianças?????
E vem aí POV dela, Galateia!! Lencinho na mão? aconchegada aí em uma posição boa? Hum? Senta direito aí, ou deita direito, só concerta essa postura, anda logo.
Como vai? Tudo bem com vocês? Pra quem lê o que minha ilustre pessoa diz aqui. Pov da Galateia agora serão 1 de 3/4 seguidos, ainda não decidi se coloco 4 ou 3 antes de voltar para o momento atual da Fic.
Enfiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim, vocês sabem como eu sou, pra meter 5 capítulos custa nada, se bem que todos são grande... Mas foda-se.

Ovelhas antigas, estão hidratadas? Vão precisar, acho.

Bora, todo mundo que meu tempo é curto e eu faço isso em três plataformas diferentes. 3 abas abertas aqui.

Galateia POV 1/??

Música do capítulo: Ember Island - Umbrella

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~Boa leitura.



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Nove anos atrás – Cemitério central - Galateia Pov. 

— Eu sinto muito. – Minha mãe falou em pé ao meu lado enquanto eu olhava para lápide com a coroa de flores e meu buquê, que havia colocado há dez minutos.

— As coisas vão ser legais! Agora você vai ir morar com a gente e se quiser, pode ficar no meu quarto. – Liane falou pegando minha mão e me puxando um pouco distante do tumulo. – Eu tenho um montão de ursos de pelúcia. – Abriu os braços tentando mostrar a quantidade e olhei para trás, vendo o nome do meu pai recém gravado na pedra.

— Eu não quero ir embora. – Sussurrei e Liane entrou na minha frente com a expressão triste.

— Hã... Vai ficar tudo bem, eu vou fazer companhia pra você. A gente pode fazer aulas de karatê juntas agora e eu posso te ensinar a tocar contrabaixo, nunca tive tempo o suficiente para te ensinar, mas agora teremos tempo de sobra. – Tentou e olhei para a grama no chão.

— Vamos, eu estarei ocupada pela parte da noite e não posso levar mais tempo que o necessário aqui. – Mãe falou saindo na frente e indo até seu carro, que estava estacionado na entrada do cemitério.

— Você vai gostar, nossa casa é enorme, tem um jardim lindo. – Liane falou pegando minha mão e me puxando levemente em direção ao carro.

— Eu posso voltar? – Perguntei entrando junto dela no carro, vendo sua expressão culpada.

— A viagem pra cá é longa e eu não disponho de tanto tempo assim, fora que não tem ninguém da família aqui, sinto muito. – Mãe falou ligando o carro e me encolhi.

— Vai ser divertido, eu prometo. – Liane alertou se inclinando para passar o cinto ao redor do meu corpo. – Lá em casa tem cinco cachorros. – Contou animada e me abraçou de lado. – Bom, estão mais para cães de guarda, mas eles vão adorar você. – Garantiu e olhei para o espelho retrovisor, vendo meu próprio reflexo. Quando papai dirigia o reflexo era sempre ele, para que eu pudesse ver suas caretas durante a viagem. – A gente também tem um lago no quintal. – Contou e arregalei os olhos, me encolhendo mais só de imaginar a quantidade de água. Eu amava lagos e tudo que tinha a ver com água, mas depois que ela levou meu pai embora... Tudo o que sinto é medo.

— Não quero ir lá. – Pedi e foi sua vez de arregalar os olhos.

— Meu Deus! Claro, eu nunca vou te levar lá. – Alertou e olhei pela janela ao passar em frente a casa de cor branca, vendo-a sentada na escada com a cabeça escondida entre os joelhos.

— Por favor, para o carro. – Pedi e minha mãe me olhou rapidamente.

— O quê?

— Por favor, eu não me despedi e ela é minha única amiga. – Avisei e ela suspirou diminuindo a velocidade até dar ré, parando frente a minha antiga casa. Tirei o cinto rapidamente e abri a porta descendo do carro, correndo até as escadas. – Hey... – Chamei baixo e ela ergueu a cabeça, logo dando um salto para vir até mim, me abraçando.

— Eu sinto muito. – Falou chorando e lhe abracei de volta, fechando os olhos por seus braços apertados ao meu redor.

— Eu vou ter de ir embora. – Avisei e seu corpo se afastou do meu no susto.

— Embora? Por quê? Pra onde?

— Eu não tenho nenhum familiar aqui e não posso ficar sozinha. Minha mãe veio me buscar. – Contei e olhei para trás por Liane descer do carro. – Aquela ali é a minha irmã. – Mostrei com um sorriso fraco. – Eu vou morar com elas na cidade.

— Não... Você pode ficar na minha casa, não precisa ir embora. – Falou segurando minha mão e me puxando levemente em sua direção. – Vamos, eu peço para minha mãe e ela deixa.

— Vick... Eu não posso. – Lamentei. – Eu vim me despedir.

— Não! Eu não quero me despedir. Não vai embora não, fica. – Pediu com os olhos marejados e mordi o lábio inferior por todo choro que segurei na presença da minha mãe romper a barreira.

— Eu sinto muito, eu não quero, mas... Me desculpa. – Pedi me deixando chorar e seu corpo voltou para perto do meu e sua testa se encostou na minha em carinho.

— Está tudo bem. A culpa não é sua. – Sussurrou e seus polegares limparam as lágrimas em meu rosto. – Está tudo bem, eu vou ficar bem. Não chora. – Me abraçou de novo. – Meu pai mora na cidade! Eu vou na casa dele e visito você. – Falou e lhe olhei esperançosa.

— De verdade?

— Sim, de verdade. Eu não quero te perder. – Voltou a me abraçar e ouvi a porta do carro se abrir, indicando que era minha mãe.

— Galateia, realmente precisamos ir. – Alertou e Vick afastou o rosto do meu, o suficiente para que me olhasse de perto.

— Nunca esqueça de mim. – Pediu beijando meu rosto com carinho e se afastou sorrindo. – Eu vou visitar você. – Acenou e sorri levemente. Eu nunca mais vou poder voltar, mas está tudo bem, ela vai me visitar.

— Certo, eu vou esperar você. – Garanti dando passos para trás em direção ao carro.

— Tudo bem, eu não vou demorar. – Prometeu e assenti, olhando para o lado por Liane pegar minha mão.

— Ela vai me visitar. – Falei contente com a informação e ela sorriu. – Como vai me achar? – Perguntei arregalando os olhos e Liane olhou para o chão em confusão.

— Nossa mãe é Scarlet Merok Maiden. Ela acha a nossa casa com esse nome. – Falou abrindo a porta do carro de novo e fui entrar no mesmo, me pendurando na porta para olhar para Vick, que acenava da escada.

— Quando for me visitar, a minha mãe é a Scarlet Merok Maiden! – Falei alto para ela escutar e ela assentiu várias vezes.

— Tá! Scarlet Merok Maiden, não vou esquecer. – Garantiu e sorri entrando no carro, colocando o cinto e olhando para janela quando minha mãe ligou o motor de novo. Acenei para Vick à medida que me afastava. Está tudo bem, ela vai me visitar.

XxX

Desci do carro fechando a porta e olhei em volta de onde minha mãe mora. Só esse jardim é do tamanho do bairro onde eu morava. Como uma pessoa pode viver em um lugar tão grande assim?

 - Vamos, você precisa ver o meu quarto. – Liane chamou empolgada, passando correndo por mim carregando uma das minhas malas e subi as escadas que davam para entrada da casa, lhe seguindo para dentro, me encolhendo por parecer ter acabado de entrar em um palácio. Só essa escada que leva para o segundo andar é maior que a minha antiga casa todinha.

— Fredo, tire as malas da Galateia e leve para o quarto dela, por favor. – Mãe pediu e olhei para trás ao ver um senhor de uniforme assentir e sair da casa. Desviei minha atenção para ela e a mesma estava focada no celular. – Liane vai te mostrar o seu quarto e o resto da casa então... - Olhou para mim por um momento e suspirou. – Eu preciso resolver umas coisas, vejo vocês mais tarde. – Se virou de costas para sair da casa e dei um sobressalto por uma mão tocar meu ombro.

— Ela só vai voltar de noite. Vem comigo, vou te mostrar tudinho. – Liane alertou e pegou minha mão me puxando para subir as escadas com ela.

— Aqui é grande. – Comentei ao chegarmos no corredor e ela riu divertida.

— Sim, muito grande. Se precisar beber água de noite, me chama que eu te levo. – Avisou e assenti lhe vendo abrir uma porta branca. – Esse aqui é o meu quarto. – Revelou e olhei de um lado para o outro por ver tantos ursos de pelúcia espalhados pelo local. – Você gosta de ursinhos, então ontem eu comprei mais um montão. Você pode dormir aqui no meu quarto hoje e pelo resto do ano se quiser, eu não me incomodo de dividir, na verdade vai ser muito divertido se ficar. – Falou carinhosa e assenti agradecida. Em casa eu dormia com o papai todos os dias, quando não era assim eu estava na casa da Vick. – A gente pode fazer um montão de coisa se você quiser. Eu costumo ficar entediada de fazer tudo sozinha, mas agora vai ser tudo muito divertido. – Liane falou jogando minha mala na cama e abrindo a janela do quarto. – Vem aqui, quero te mostrar. – Chamou e me aproximei curiosa, vendo um parque infantil completo, com direito a casa na árvore, barraca e uma grande caixa de areia.

— Isso tudo é seu? – Perguntei surpresa ao notar que aquilo fazia parte do quintal da casa.

— É sim, mas agora é seu, se quiser. Eu nunca dei muita importância mesmo. Meu pai me dá coisas ao invés de me dar amor. Do outro lado da casa tem meio que uma pista de corrida e essas coisas.

— Com cavalo? – Perguntei empolgada e ela me olhou com uma sobrancelha erguida.

— Não... Mas você quer um? Se você quiser eu peço e ele compra pra mim, é só eu falar que estou me sentindo triste. – Falou e só então associei isso a sua frase anterior.

— O que quis dizer com ele te dá coisas? – Perguntei confusa.

— Ah... Eles não são como o seu pai era, nem mesmo 1%. Meus pais acham que substituem afeto com presentes e que eles são o suficiente para me deixar bem. – Alertou e lhe olhei em silêncio por alguns segundos. Isso significa que minha mãe também é desse jeito? – Mas não precisa fazer essa carinha triste, eu vou te dar todo afeto que não recebi. – Me abraçou de lado e voltou a olhar para o jardim. – E finalmente brincar vai se tornar divertido.

— Por isso gostava de passar metade das suas férias comigo? – Questionei e um sorriso se formou em seus lábios.

— Eu passaria todo o meu tempo com você, porque é a coisa mais fofa que eu conheço. - Apertou meu nariz em brincadeira e encostou a testa na minha. – Ficar com você aquece o meu coração, porque sei que se importa comigo. Se eu tenho isso direcionado a mim pela coisa mais inusitada que poderia ter acontecido, porque não seria meu lugar favorito no mundo? – Falou carinhosa e afastou a testa da minha. – Seu pai me disse o quanto a música parecia ter influência na minha vida e depois disso tudo o que eu quero fazer é tocar. Eu amo música, e amo o fato de que conhecer você, me fez enxergar isso com tanta clareza. Eu amo você. – Beijou minha testa e puxou meu corpo para um abraço, me fazendo fechar os olhos com o carinho.

XxX

Me sentei na cama por sentir sede e olhei para Liane ao meu lado. Estiquei a mão na intenção de lhe chamar, mas vê-la abraçada ao próprio travesseiro e ressonando me levou a voltar a mão para junto do corpo. Será que faz mal se eu for sozinha? Não acho que me perder seja o caso, já que ela me mostrou onde ficava cada coisa e minha memória não é ruim, fora que o escuro nunca me deixou com medo.

Suspirei saindo lentamente da cama e olhei para Liane que tinha coberta jogada nos pés. Sorri e puxei o tecido para cima, cobrindo seu corpo direito. Andei em passos lentos até a porta para não fazer nenhum barulho pra lhe acordar e desci a grande escada com cuidado. Fui em direção ao que me lembro ser a cozinha, andando com um pouco mais de maestria já que a lâmpada acesa de um cômodo estava deixando o caminho mais visível.

— E você acha o quê? Que eu quero a filha de outro homem dentro da minha casa? – A voz soou grave e parei de andar subitamente por me assustar, olhando em direção ao único local que tinha a luz acesa.

— Ela é a minha filha e eu não vou colocá-la em um orfanato se sou a mãe dela. – Mãe falou e me encolhi por saber que estavam falando de mim.

— Eu não a quero dentro dessa casa, para me mostrar diariamente que você teve um caso com um italiano meia boca quando estávamos separados. – A voz masculina bradou de volta.

— Você querendo ou não, ela vai ficar. É minha filha e não vou jogá-la em um orfanato e se preciso te lembrar, querido. Essa casa é minha. Você não tem de se sentir incomodado. – Rebateu e olhei para o chão.

— É tudo o que você quer, não é? A casa, meu dinheiro, meu status. – A voz se elevou mais e olhei em direção a cozinha. Se eu passar para lá agora eles vão me ver?

— Vamos entrar nesse assunto de novo? A casa é minha, eu não preciso do seu status, tenho o meu e se acha que preciso do seu dinheiro também, está muito enganado. Então a regra é clara, eu nunca discuto com você por nada porque gosto de você, mas a minha filha vai ficar, pelo menos até que ela tenha idade o suficiente para decidir o que quer. Até lá, ela não vai sair daqui. Você pode espumar o quanto quiser.

— Mande-a para casa de algum parente, não a quero aqui, infectando a minha filha com a moral duvidosa que ela herdou do pai dela. – Praticamente gritou e me encolhi mais. O que é moral?

— Eu não vou fazer isso com uma criança de oito anos! – A voz da minha mãe também se elevou e arregalei os olhos por um par de mãos cobrir meus ouvidos. Olhei para cima assustada e vi que era Liane. Abri a boca para me desculpar por estar fora da cama e sua cabeça deitou sobre a minha com carinho.

— Você não precisa ouvir isso. – Alertou e me puxou para me afastar de perto da porta e dar a volta no cômodo para me levar até a cozinha. – Você ficou com sede, não ficou? – Perguntou e assenti. – Podia ter me chamado, eu teria vindo com você.

— Eu não quis te acordar. – Expliquei e ela sorriu acendendo a luz e entrando na cozinha.

— Você me cobriu e isso me acordou. Ninguém entra no meu quarto para nada, então você fazer isso me surpreendeu. – Encheu um copo com água e me entregou com um sorriso. - Não se preocupe em me acordar das próximas vezes. Eu não ligo de te trazer, pode ser a hora que for, não importa se estou ou não dormindo.

— Tudo bem, obrigada. – Agradeci terminando a água e olhei para porta quando ouvi passos, vendo minha mãe surgir ali com o celular na mão.

— Deveriam estar na cama. – Alertou com desgosto.

— Galateia sente sede durante a noite, sempre. – Liane avisou e sorriu carinhosa em minha direção.

— Entendi. Certo, como vai morar aqui agora, amanhã começam as suas aulas de etiqueta. – Alertou olhando diretamente para mim e franzi as sobrancelhas.

— Ela acabou de chegar. – Liane reclamou e lhe olhei confusa. O que são aulas de etiqueta?

— Quanto mais cedo melhor, esteja acordada as sete. – Voltou a olhar para mim e assenti várias vezes.

— Mãe! Ela sempre acorda as nove ou as dez. Não é justo, deixa ela se adaptar primeiro. – Liane voltou a falar e veio para meu lado.

— As pessoas se adaptam se adaptando. Sete horas, as duas. – Alertou antes de se virar para sair da cozinha. Olhei para Liane confusa e ela suspirou cansativa.

— Que merda. – Sussurrou fechando os olhos brevemente.

— O que são aulas de etiqueta? – Perguntei.

— Uma senhora virá aqui em casa com mais cinco pessoas da equipe dela e elas vão te atazanar o dia todo para fazer as coisas do jeito que querem, como sentar, comer, andar, falar, dormir e até respirar. – Explicou.

— Por quê? – Perguntei surpresa.

— Por que nossa mãe é perfeccionista e... – Abriu os braços mostrando ao redor. – Rica. Você vai ter que mudar seu jeito de se vestir também. – Apontou para meu pijama de pequenas vacas e o olhei procurando algo de errado.

— O que tem de errado comigo? – Questionei e franzi as sobrancelhas por seus olhos marejarem. – Liane?

— Não tem nada de errado com você. – Falou e olhei ao redor, notando o tamanho da cozinha onde estávamos e como tudo parecia chique demais para mim.

— Então... Por que eu vou ter que mudar? – Perguntei e ela suspirou se aproximando de mim, fazendo um leve carinho em minha cabeça antes de segurar meu rosto entre as mãos.

— Você pode fazer tudo o que dizem e ainda sim, ser você mesma.

— Mas papai dizia que se eu não faço o que quero, mas o que esperam de mim, não estou sendo eu mesma e sim o que querem que eu seja. – Lembrei e ela sorriu fechando os olhos e negando com a cabeça. Fiquei lhe observando por alguns instantes e quando seus olhos se abriram uma lágrima veio junto.

— Eu sei. O que eu disse, é a mentira que conto para mim mesma para que tudo não pareça tão ruim. – Confessou e foquei nos seus olhos marejados.

— Você é você mesma comigo. – Alertei e ela sorriu.

— É! Eu sou. – Sussurrou e ergui a mão para limpar seu rosto.

— Então eu posso ser eu mesma com você. Assim faremos o que queremos juntas. – Alertei e seu sorriso cresceu.

— Sim, seremos nós mesmas juntas.

Sete anos atrás – Mansão Merok – 15h:23min.

Me sentei no início da escada para observar a chuva forte que estava caindo e suspirei ao ouvir passos atrás de mim, me virando para ver Liane colocar o suéter de frio e arrumando a fita do seu vestido preto na cintura. Sorri carinhosa para ela e seu olhar veio em minha direção.

— Está tudo bem? – Perguntou erguendo uma sobrancelha e assenti.

— Tudo bem. Você está bonita. – Falei e suas bochechas coraram suavemente pelo elogio.

— Só estou me vestindo de acordo. Eu acho que essas roupas ficam muito mais bonitas em você. – Murmurou e sorri.

— Acho que gosto delas, não o tempo todo, mas gosto. – Confessei.

— Pois eu odeio! Por isso ficam lindas em você, mas olha só pra mim. Tudo o que eu quero é o meu all-star e minhas calças rasgadas. O que eu não daria pela minha regata que mamãe queimou. – Fingiu limpar uma lágrima e ri baixinho.

— Ou aquela touca que seu pai jogou pela janela do carro. – Lembrei e sua boca se contorceu em um bico.

— Aquilo não foi justo! – Reclamou cruzando os braços e os separou logo depois, franzindo o cenho em minha direção. - Você quer que eu fique? – Perguntou e me encolhi virando para olhar a chuva de novo.

— Desde que eu vim para cá você tem feito de tudo por mim. – Comecei e a ouvi rir.

— Você é a minha irmãzinha. Sempre farei tudo o que eu puder por você. – Garantiu e foquei nos pingos grossos que caíam no porcelanato da escada.

— Eu me sinto triste com isso. – Confessei olhando a água escorrer para longe.

— Por quê? – Sua voz soou surpresa.

— Só você se importa. – Falei baixo e ela se sentou ao meu lado, tocando meu ombro com delicadeza.

— E isso não é o suficiente?

— Eu gosto de você, Liane. – Confessei sentindo o mesmo sentimento de sempre me consumir. – Quando você está comigo é legal, mas quando não está eu me sinto sozinha, triste e inútil. Eu não quero depender de você ou te fazer sentir como se eu fosse quebrar a qualquer instante. – Falei sentindo as lágrimas se juntarem em meus olhos. Eu já estou quebrada. - Mamãe quer que eu haja como ela espera de uma filha, mas eu não sei como fazer isso porque ela não me considera como uma. Como eu posso ser algo que ela nem sequer reconhece? – Limpei as lágrimas e me encolhi mais. – Com meu pai as coisas eram boas e eu nunca me senti menos do que eu era, mas aqui... Eu nem sei se sou algo. – Sussurrei por minha voz começar a mudar de tom por causa do meu choro.

— Você talvez ache que não é nada, mas é a minha irmã e mesmo que seja só por parte de mãe, eu te amo mais do que qualquer coisa. Eu cuido de você porque se eu não fizer... O que significa ser uma família? O que me faria diferente se eu te deixasse para que se cuidasse sozinha? Eu quero que você sinta que sempre pode contar comigo para o que precisar e saiba que nunca, em momento algum irei fazer algo para te magoar de forma intencional. Você está triste, eu sei que está. Perdeu seu pai, saiu da sua casa, veio morar aqui, com o meu pai de porteiro do inferno e hoje faz dois anos desde tudo isso, que tudo mudou e que sua melhor amiga disse que te visitaria. – Falou e abracei meus joelhos fechando os olhos. Vick não veio me visitar. - O tempo vai continuar a passar demorado, mas vai passar e com ele você vai descobrir a sua própria forma de lidar com essas mudanças. – Alertou e abraçou meu corpo de lado. – E se para fazer isso você precisa que eu fique aqui, eu fico. Se para se sentir bem, me ter do seu lado influencia, então não vou sair. Você é minha melhor amiga desde que soube que era minha irmã! E se tem uma coisa que me trouxe felicidade, foi você. – Falou e deitei a cabeça em seu ombro, voltando a olhar para chuva. – A chuva te acalma? – Perguntou baixo e assenti passando meu braço por suas costas para retribuir seu abraço.

— Meu pai dizia que a chuva forte leva embora a tristeza. – Contei e ela me olhou com as sobrancelhas franzidas. – Que quando a água caí com tanta força, está lavando todo sentimento ruim o levando para longe e que por isso se deve falar deles. – Continuei e ela sorriu. – E que quando se está feliz, você deve entrar nela, para que ela saiba que você está bem. – Falei baixo e suspirei. – Eu costumava sempre entrar na chuva. – Confessei e me encolhi. - Mas agora eu não tenho nem sequer contado para ela todo o tempo que fiquei triste. – Revelei.

— Você fez isso agora. – Alertou e lhe olhei. – Falou sobre os seus sentimentos e espero muito que a chuva realmente os leve para longe, porque assim, na próxima, nós entraremos nela. – Falou carinhosa e sorri. – Eu não vou mais. A gente vai entrar, eu vou fazer pipoca e vamos assistir desenho lá no meu quarto. Se a mamãe reclamar eu finjo que esqueci, porque... – Pegou o celular em sua bolsinha e apertou o botão de bloqueio até o desligar e jogar na chuva. Arregalei os olhos em descrença com sua atitude e ela se ergueu estendendo a mão para mim. – Eu perdi meu celular e não o encontrei em lugar nenhum, mesmo o procurando feito louca. – Falou divertida e peguei sua mão me levantando do chão. – Minha amiga Kate foi pro Brazil esses dias e aprendeu a fazer uma coisa chamada brigadeiro, é doce e ela me ensinou a fazer. – Começou e abri um sorriso. – Quer que eu faça pra você? É muito bom.

— Claro que eu quero. – Falei animada e seu braço passou por meu ombro, me puxando em sua direção para entrarmos em casa.

Seis anos atrás – Escola particular – 13h:01min.

Arrumei minha mochila ao lado da cadeira e apoiei o rosto em minhas mãos, olhando para porta ao avistar o primeiro professor do dia conversando com a diretora. Suspirei entediada e desviei a atenção para janela, observando o jardim deserto da escola, de onde eu podia ver o ginásio e a quadra de vôlei, onde os alunos do oitavo ano jogavam animados. Depois da escola eu terei aulas de Karatê e hoje Liane vai treinar comigo para sua competição á noite. Eu preciso me aquecer com Jude antes de poder treinar com ela.

— Tudo bem, larguem o celular. – Ouvi a voz do professor e continuei olhando para janela. Tenho quase certeza que mamãe só vai assistir ela por cinco minutos e isso vai deixa-la um pouco para baixo, por mais que finja que não se importa. Acho que diferente de mim ela tem muita sorte, porque se fosse eu competindo, ela nem se lembraria do evento. – Hoje uma aluna nova se transferiu para nossa escola e será nossa colega nos próximos anos. Prometo que é a última. – Alertou e revirei os olhos. Só essa semana entrou cinco pessoas novas nessa sala, o que só serviu pra torná-la mais barulhenta que o normal. – Vamos lá, se apresente. – Pediu.

— Pra quê? Eu não quero ser amiga de ninguém. – A voz da menina soou e sorri sem desviar minha atenção da janela. Bem-vinda ao clube.

— É um procedimento. – O professor alertou. – Só diga o seu nome, de onde veio e porquê, para que todo mundo possa te conhecer.

— E por que precisam me conhecer? – Questionou. – Eu não tenho interesse em falar com ninguém. – Reclamou.

— Essa escola é dividida em grupos de três, vai ter que falar com o seu grupo, por favor, se apresente. – O professor explicou e desviei a atenção para menina ao ouvir ela resmungar um “que caralho”. Assim que meus olhos pararam nela minha boca se entreabriu em descrença. Por um momento foi como se todo o resto ao meu redor estivesse embaçado e só existisse ela na minha frente. Eu não acredito nisso.

— Meu nome é Victória Frieck D’Ewder Klow. Vim do interior de Amsterdã para morar com o meu pai e minha irmã, não que isso interesse a alguém. – Resmungou e engoli em seco por estar lhe vendo depois de tanto tempo. Meu Deus, ela está linda! PORRA, É ELA.

— Hey Vick! Eu sou a Galateia Merok. – Falei animada, tentando chamar sua atenção para mim e os olhos verdes focaram nos meus. Meu Deus, ela está muito, muito linda. Eu sempre quis saber o que deu de errado por ela nunca vir me visitar, mas agora ela está aqui na minha sala. Como isso é possível?

— E daí? Eu não te perguntei. – Falou com indiferença e por um momento meu corpo pareceu perder toda a força que o mantinha em seu estado normal, minhas mãos tremeram e as juntei voltando a olhar para janela ao ouvir a risada baixa dos outros alunos. O que foi isso agora? Ela não se lembrou de mim ou do meu nome? Ou... Ela não se importa que seja eu? Não é possível que ela não se lembre, nem faz tanto tempo assim, então... Por que ela me respondeu desse jeito?

XxX

O sinal para o intervalo havia acabado de soar e olhei para minha mesa de forma fixa. Eu passei a aula toda olhando para ela, tentando entender o que tinha acontecido. Eu esperei o contato dela por três anos e ele nunca veio e agora ela magicamente entra na minha sala? Por quê?

— Quem não formar o grupo até o fim do dia, amanhã eu lhes colocarei em um querendo ou não. – O professor avisou saindo da sala e olhei para mesa dela pela milésima vez, vendo que lia uma revista em quadrinho. Movi as mãos nervosamente sobre a mesa e me ergui receosa, andando até ela em passos lentos.

— Hã... Victória. – Chamei baixo e apoiei ambas as mãos em sua mesa, colocando mais firmeza que o necessário para que elas não tremessem. – Você quer formar um grupo comigo? – Perguntei e ela continuou lendo o quadrinho sem nem sequer olhar para mim. – Sou eu de novo, a Galateia. Eu nunca chamo as pessoas para um grupo, mas eu pensei que talvez vo-.

— Não patricinha, eu não quero. – Negou mudando a página do que lia e fiquei alguns segundos na mesma posição, tentando processar o patricinha. Por que ela me chamou assim? É por causa da minha mãe? Foi por isso que ela não veio me visitar? Por que achou que eu tinha me tornado uma esnobe? – Você tá na frente da luz. – Alertou e pisquei algumas vezes antes de afastar minhas mãos da sua mesa e dar três passos para trás, me assustando por sem querer um aluno se esbarrar em mim por eu entrar na sua frente.

— Nossa, desculpa. – Pediu indo para seu lugar e voltei a olhar para Vick, que lia o quadrinho como se estivesse com tédio. Apertei as mãos ao lado do meu uniforme e foquei meu olhar no chão. Todo esse tempo eu estive esperando que ela viesse e ela... Ela não está nem aí pra mim. Eu provavelmente nem fiz falta. Ela talvez tenha sido a minha melhor amiga, mas eu certamente não era a dela.

— Hã... – Comecei e ela olhou para mim com a mesma expressão que minha mãe faz quando eu estou lhe incomodando. – Eu não vou mais incomodar você, desculpa. – Pedi me virando de costas e indo para minha mesa, sentindo meus olhos arderem antes de marejarem. Ela não se importa, nem um pouco. Por isso não me visitou, só disse que viria para que eu parasse de chorar, por que é o que eu sempre faço.


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Notas finais do capítulo

Gostasse?