Sequin Smile escrita por Chloe Less


Capítulo 1
Capítulo Um


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá! Mais um POSO pra chamar de nosso! Esta fic é dedicada a minha amiga secreta Jojo @sadward, espero muito que você goste!



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Ele tinha levado as coisas dele há mais de uma semana e na hora não tinha feito muita diferença, minhas coisas ocupavam tanto espaço que a casa não parecia vazia. Mas após encaixotar todos os meus pertences, a realidade me atropelou.

Meu casamento havia acabado.

Não houve discussão, não houve conversa, muito menos uma tentativa de consertar as coisas. Só as palavras dele antes de ir.

— Você é demais, Isabella. Inteligente demais, decidida demais, lutadora demais. Quer salvar o mundo — disse ele olhando em meus olhos. — Você sempre foi assim, intensa demais e eu sonhei que poderia me acostumar com isso, mas a realidade é que eu não consigo. Nenhum homem gostaria de ter uma mulher com você ao lado, tão cheia de opiniões.

Na hora sua fala não pareceu me afetar, já havia escutado tantas coisas piores em toda a minha vida, que mais um comentário atravessado não devia fazer diferença. Mas suas palavras voltaram para mim durante toda a semana, pesadelos sobre ficar sozinha para sempre enquanto ele passeava com sua nova companheira, uma que se encaixava nos padrões que ele queria.

E depois de embalar todas as minhas coisas, comendo uma pizza sozinha com um champanhe que ele havia deixado para trás, me sentindo desprezada, eu não conseguia afastar os meus próprios questionamentos.

A culpa era realmente minha? Eu era tão ruim assim? Devia ter me esforçado mais para salvar nosso casamento?

Os ‘e se’ tomaram conta de minha mente. E se eu tivesse tomado outras decisões? E se eu não tivesse ficado com ele no início de tudo? E se ele tivesse tomado outras decisões?

*

1986

Estar na faculdade era animador e assustador ao mesmo tempo.

Eu tinha crescera ouvindo as histórias dos meus pais sobre a época deles, como as lutas por liberdade, paz e amor das quais eles fizeram parte. As manifestações, os saraus, a arte, a música e todos os movimentos que levaram a geração deles a se tornar uma marca na história, um exemplo de revolução.

Eu os amava porque não pararam no tempo, continuavam usando suas vozes para expressar suas opiniões e influenciar pessoas — Charlie era escritor e Renée vocalista de uma banda —, não haviam deixado com que a onda do conformismo os abraçasse.

Desde que eu me entendia por gente, sonhei que faria como eles, lutaria pelos meus direitos, pelo que eu acreditava e mudaria a vida de pessoas. E não havia outro lugar além da faculdade para mim, o lar de todas as revoluções. A voz de Renée era clara ao me dizer que esses dias eram tão importantes, e terminavam tão rápido. Eu deveria aproveitar cada segundo.

Mas a universidade também era sinal de que eu finalmente era uma pessoa adulta. Todas as minhas decisões teriam consequências — não que eu fosse qualquer coisa perto de problemático, nunca havia dado problema para os meus pais —, agora eu estava por conta própria.

Eu morava em um dormitório feminino e dividia o quarto com uma garota chamada Rosalie, ela era mais velha dois anos, estudava para entrar na escola de direito e era bem séria, fechada. Tentei fazer amizade com ela, mas nada funcionou nos primeiros dias, até que encontrou meu inseparável caderno de couro, lotado de adesivos com os ideais que eu acreditava e comentou o quão legal era.

Aquilo foi o suficiente para ela começar a falar comigo nos dias seguintes e depois de uma conversa profunda sobre a importância de se fazer ouvido, ela me disse que iria apresentar os amigos dela.

— Nem todos são como nós — me adiantou ela. — Gente que quer mudança, mas você vai gostar deles.

Era a minha primeira saída com pessoas da faculdade, então não consegui evitar a animação e me controlar sobre me vestir. Um vestido preto de alças largas, com uma saia bufante e polainas cor de rosa que combinavam com a scrunch do meu cabelo. Havia até me arriscado com uma maquiagem fluorescente nos olhos e um batom preto.

A fachada do bar era estreita e simples, apesar do grande letreiro escrito Betty’s que brilhava em cima da entrada, não parecia muito promissor. Mas assim que adentrei no lugar, me vi completamente deslumbrada.

O bar era escuro como um bar deveria ser, bem mais espaçoso do que parecia do lado de fora, com alguns letreiros neons nas paredes e um pequeno palco no fundo do local. Era uma mistura perfeita de um bar clássico com uma casa de jazz.

The Smiths tocava no local e algumas pessoas dançavam na pista de dança, o que fez com que Rosalie precisasse me arrastar através dos corpos até a mesa onde seus amigos estavam.

Rosalie não se deu ao trabalho de dizer o nome de ninguém que estava na mesa, apenas se sentou no colo de um cara engomadinho e disse meu nome ao resto do pessoal. A mesa estava lotada e mesmo se ela tivesse falado o nome de todos, eu não lembraria naquele instante, mas eu fique instantaneamente feliz por conhecer tanta gente de uma vez.

— Você trouxe mais uma punk para o grupo? Espero que ela não queira nos converter ao anarquismo e a baderna, já bastam os revolucionários que a gente tem no grupo — zombou o cara que estava com Rosalie, com certeza por causa do meu batom preto, mas riu sozinho.

— Apesar de gostar de Ramones, Sex Pistols e The Clash, não me considero punk, mas também não vejo problema algum em ser — respondi sem ficar abalada. — Eu apenas gosto de testar coisas novas, a vida seria tão chata se todos seguissem sempre os mesmos padrões.

As outras pessoas na mesa gritaram com a minha resposta, zombando o engomadinho. Já tinha entendido quem Rosalie tinha dito que não era como nós.

— E se você não tivesse ousado, não saberia quão bem esse batom fica em você — disse um cara ruivo, sorrindo e piscando na minha direção.

Eu nunca vira dentes tão perfeitos em toda a minha vida, foi impossível não sorrir de volta para ele, mesmo que a garota nos braços dele não estivesse sorrindo.

Tentei participar das conversas e me senti incrivelmente confortável, Rosalie tinha razão quando disse que eu gostaria de seus amigos. Eles eram fáceis de conversar, menos o cara que estava com ela — que eu descobri se chamar Royce —, que era apenas um babaca, mas eu poderia lidar com ele.

De todas as pessoas na mesa, Edward, o cara que havia elogiado meu batom, era de longe o mais legal. Nós conversamos a noite toda, principalmente sobre música, já que ele tocava e eu mesma tocava um pouco, já que tinha crescido rodeada de instrumentos, graças à Renée que era vocalista de uma banda de rock.

Eu dancei com as garotas — Rosalie, Angela e Lauren —, apostei quem virava uma cerveja mais rápida com os garotos — Royce, Peter, Edward, Jasper e Eric —, e perdi. Entre tudo isso e todas as conversas, tive esperança de que eu não ficaria sozinha na faculdade.

 

*

1986

Apesar dos cursos distintos, depois daquele primeiro dia no bar comecei a passar mais tempo com os amigos de Rosalie na universidade também. Geralmente nos reuníamos para o almoço e cada um ia para um canto em seguida.

Passava bastante tempo com Angela, Rosalie, Jasper — irmão mais velho de Rosalie — e Edward, que viram meu lado ativista e me convidaram para um coletivo estudantil. Era como uma nova formação do Students for Democracy que havia sido responsável por grande parte das mobilizações nos anos 60, mas lutando por direitos trabalhistas, pelo direito das mulheres, contra o racismo e outras pautas dos direitos humanos.

Todo o movimento era menos barulhento do que toda a revolução feita nos anos 60 e a mídia achava o tudo meio apático, mas conforme me envolvi com a luta comecei a perceber como organização e diálogo também poderiam ser coisas efetivas. O coletivo que tínhamos em Columbia era realmente isso, coletivo, com divisão de setores de assuntos específicos — como a divisão feminista —, mas que no final lutava unido pela mesma coisa, que todos tivessem seus direitos e vidas respeitadas. Tínhamos reuniões pelo menos uma vez por semana, também organizávamos saraus e outros eventos artísticos com a intenção de conscientizar as pessoas.

Havíamos participado de uma reunião, Jasper, Angela e Rosalie foram para casa, mas Edward e eu resolvemos continuar no campus. Edward estudava administração, enquanto eu cursava jornalismo, mas isso não nos impedia de estudarmos juntos.

Estávamos no gramado, Edward lia A Riqueza das Nações, enquanto eu observava o céu com meu caderno de couro no peito.

— O que tem nessa sua agenda que você carrega para cima e para baixo? — questionou Edward abaixando o livro que estava lendo.

— Meu pai é escritor, lembra? Ele sempre me incentivou a escrever o que eu vivia ou sentia, dizia que poderia ser útil para quando eu quisesse revisitar a emoção em outro momento, fosse para escrever algo como ele ou para me entender melhor — comecei a contar. — Então quando eu decidi que queria cursar jornalismo, dei um novo significado ao caderno.

Passei a mão pela capa cheia de adesivos, sorrindo com carinho.

— Gosto de registrar os eventos, não só o que estou sentindo, mas o que estou fazendo e o que está acontecendo ao meu redor — expliquei. — Costumo manter tudo organizado pelas datas, então quando não cabe mais nada no caderno eu crio um sumário.

— É como um treino para quando estiver trabalhando — comentou Edward.

— Sim — concordei. — Está mais próximo de um diário provavelmente, com minhas opiniões e pensamentos, mas também é um registro.

— Eu ia pedir para ler, mas agora que você disse que é como um diário parece pessoal demais.

— Não tenho nada para esconder — disse dando de ombros.

Edward pegou o caderno com cuidado, primeiro admirando os adesivos que eu havia colado por todo ele, então folheando as páginas em seguida. Ele passou alguns bons minutos lendo, principalmente as últimas páginas, que eram sobre a reunião que havíamos acabado de participar.

— Você escreve muito bem — parabenizou ele.

— Acho que é o costume — dei de ombros.

— É sério — insistiu ele. — Eu estava na reunião com você a poucos minutos, mas não peguei coisas que você conseguiu escrever. Você tem um dom com as palavras.

— Obrigada — respondi corando. — Mas ter um pai escritor realmente deve ter me ajudado.

— Me fala mais sobre ele — pediu.

Então eu contei a ele sobre Charlie — ele conhecia Renée pela banda, era um fã de Inez and The Rumors —. Sua alma idealista, o jeito mais contido que contrastava com o entusiasmo de Renée, seu dom com as palavras e com sentimentos. Falei como passei mais tempo com ele na infância, já que Renée tinha uma banda e saia em turnê.

Contei sobre como foi crescer com pais artistas, sobre o relacionamento aberto deles, sobre as conversas que tínhamos sobre a vida e sobre como eles eram meus maiores incentivadores em tudo, como deixavam que eu fosse quem eu quisesse ser.

— Eu queria que meus pais fossem assim — comentou Edward.

— E como eles são?

— Controladores — ponderou Edward.

Ele não falou nada em seguida e eu não o forcei a falar, não sabia se não queria falar nada sobre o assunto ou se apenas estava se preparando para tocar em algo delicado para ele.

— Elizabeth e Sênior são a definição da alta sociedade. Toda aquela coisa de aparência, para que pensem que temos uma família perfeita, mas é claro que a amante do meu pai não entra no pacote — expôs com voz amarga.

Peguei a mão dele em silêncio, tentando lhe dar algum conforto, que aceitou de bom grado e começou a brincar com os meus dedos.

— Aprendi a tocar piano ainda criança, porque eles queriam exibir seu filho talentoso em eventos e quando eu me interessei por outros instrumentos eles ficaram radiantes, mais coisas para se gabar, não é? Ah, se eles soubessem que o que eu mais quero na vida é largar tudo para ser músico. Como os Beatles e Bowie, sabe? Gente que influencia as outras pessoas.

Seus olhos brilhavam ao falar de música, era completamente encantador.

— Por que você não fala com eles? — questionei.

— Você não conhece meus pais — ele riu sem graça. — Nada pode sair dos planos deles. Não sei o que eles fariam se eu dissesse que não vou assumir a empresa da família, eles nem podem saber que faço parte de algum movimento estudantil. Dizem que esse tipo de coisa é de gente jovem que faz baderna.

— Diálogo é importante — insisti.

— Mas só funciona quando te escutam — contrapôs ele. — E eles não escutam nada que não querem.

Do brilho nos olhos, para uma tristeza cortante, sua expressão mudou em segundos ao falar dos pais e meu coração se partiu por ele. Não conseguia nem ao menos imaginar quão horrível deveria ser não ser aceita pelos meus pais, que eram as pessoas mais importantes da minha vida, então não insisti de novo.

— Eu queria que eles te aceitassem, que vissem o filho incrível que tem — falei mexendo em seu cabelo.

— Eu também.

 

*

1987

Os meses seguintes foram mais legais do que eu esperava.

Além das aulas que eu estava tendo, havia todas as amizades que fiz depois daquele primeiro dia no bar e outros amigos que fiz no coletivo estudantil. Costumávamos nos reunir pelo menos uma vez por semana, fosse em algum bar do centro ou no apartamento que Peter e Jasper dividiam.

Eu não tinha sido uma pessoa sem amigos ou excluída no ensino médio, mas as vezes parecia que não falávamos a mesma língua. Os assuntos eram sempre os mesmos, quem estava namorando quem, as músicas do momento, quais as tendências na moda. Falar sobre o futuro? Isso se resumia a entrar em uma faculdade, arranjar um emprego e casar.

Não havia paixão ou profundidade, apenas as mesmas conversas rasas.

Era diferente com meus novos amigos.

Nós tínhamos conversas fúteis — eu não era tão fora da caixa assim —, mas também tínhamos conversas interessantes. Falávamos sobre música, sobre política, literatura e arte, não concordávamos com tudo, mas ter com quem falar além dos meus pais era ótimo.

Naquele dia estávamos mais uma vez no apartamento de Jasper e Peter — era muito mais fácil consumir bebida alcoólica lá do que no bar, já que a maioria de nós não era legalmente permitido a beber —, alguma música do Fleetwood Mac tocava ao fundo enquanto conversávamos sobre Mulherzinhas, que Angela havia acabado de ler.

— Não esperava muito do livro, porque parece que nunca indicam nada legal como leitura obrigatória — confessou Ang. — Mas o livro é incrível, eu amo como ele retrata as diferenças de cada mulher, cada anseio e desejo de uma maneira única.

— Sim, isso é de longe a melhor coisa no livro — concordei. — E claro, eu amo a Jo. Adoro como a autora criou uma personagem mulher tão forte, cheia de pensamentos e sonhos maiores que sua classe social.

— Jo é uma das melhores personagens de toda literatura sem sombra de dúvidas — afirmou Ang. — Em um mundo recheado de histórias onde mulheres são previsíveis e querem a mesma coisa, seu estilo moleca é refrescante.

— Você sabia que a Alcott não queria terminar a história dela com Jo em um relacionamento? — questionei. — A autora tinha planejado uma vida sem relacionamentos para ela, mas houve uma grande pressão da editora e dos leitores para um tradicional final feliz, com um marido e filhos. Por isso ela escreveu a segunda parte.

— Como se uma pessoa precisasse casar e ter filhos para ser feliz — comentou Ang revirando os olhos.

— E qual o problema de casar e ter filhos? De ter uma vida padrão? — reclamou Lauren.

— Não há problema algum — apontei. — Mas a literatura, a mídia e a sociedade no geral tendem a esperar que as mulheres sonhem apenas com isso, um bom casamento e filhos. Só que a vida não é só isso, nem todas as mulheres querem essa vida programada.

Rosalie não prestava atenção na conversa, ocupada demais beijando Royce, mas os outros olhares estavam todos em mim.

— Algumas mulheres sonham em ser artistas, outras em viajar o mundo, outras em começar uma revolução, mas não é isso que é o esperado — continuei. — Consumimos a todo momento conteúdo nos incentivando a nos contentar com essa vida padronizada, a não pensar diferente, a não sonhar alto. Por isso personagens como a Jo precisam existir, para que as meninas entendam que tudo bem ser e querer diferente, que nós podemos fazer o que quisermos. O feminismo fez muitas coisas, mas nós ainda temos um longo caminho para percorrer.

— É isso aí garota! — gritou Angela batendo na minha mão.

Os garotos que observavam a discussão em silêncio, aproveitaram o grito de Angela para fazer algazarra, o que nos levou a uma risada coletiva.

Me levantei do sofá e fui até a cozinha pegar uma nova cerveja para mim e Peter, mas ao invés de voltar para sala e sentar-me ao lado dele, caminhei até a varanda para acender um cigarro com minha agenda de couro a tiracolo.

Eu fiquei sozinha por uns minutos, apoiada no parapeito, pensando sobre a conversa de minutos atrás, me questionando se eu não havia sido chata monopolizando a conversa, até ouvir o barulho da porta que separava os ambientes e então passos na minha direção.

Não me virei para ver quem era, mas logo notei Edward ao meu lado pegando um cigarro e acendendo.

— Belo discurso lá dentro — comentou depois de dar uma tragada.

— Ugh — gemi. — Acho que exagerei. Às vezes me empolgo em algum assunto e esqueço de controlar minha língua. Você acha que Lauren ficou chateada por eu ter rebatido o que ela disse?

— Se ficou, ela vai superar — deu de ombros. — Eu e Lauren estudamos juntos em São Francisco, conheço os pais dela e sei que ela tem uma mente mais tradicional, foi criada como eu e aceitou essa vida, mas ouvir pode ajudá-la a abrir a mente.

Eu sabia que eles estudaram juntos a vida inteira e que seus pais eram amigos, que apesar dele nunca ter sido próximo dela antes, os pais deles sonhavam que os dois acabariam juntos.

Edward parecia fugir de qualquer compromisso, provavelmente a única coisa que seus pais queriam que ele conseguia manter distância. Mas ele também não negava nenhum dos beijos dela e ela não parecia ligar que ele ficasse com outras pessoas.

Eu conhecia bem o relacionamento dos meus pais para não julgar o dos outros.

— Não sei, não acho que ela gosta muito desse tipo de conversa.

— Bem, mas nosso grupo de amigos não gira em torno de Lauren — apontou Edward. — Não que todos os outros gostem também, mas você sabe o que Laurent sempre diz, que você precisa falar pra que te escutem, não dá pra mudar o mundo em silêncio. E você sabe que alguns dos nossos amigos são a definição da geração yuppie.

— Não faz o menor sentido pra mim — comentei. — Estudar e se contentar com um emprego qualquer, não querer mais, não usar o que aprendeu na faculdade para se impor. Não se envolver agora que somos jovens.

— Eu concordo. A vida só é vida quando se tem voz própria, quando você se move para que as coisas sejam melhores, quando você não se acomoda. De resto é apenas sobrevida — disse ele.

— Não vale a pena — apontei.

— Por isso é bom que você fale. E eu não sei se você notou, mas todos estavam prestando atenção enquanto você falava.

— Menos Rose e Royce, eles estavam ocupados.

Edward riu.

— Isso acontece muito quando você fala, essa coisa toda de pararem pra te ouvir, até em alguma reunião, consegue a atenção de todos facilmente, parece sempre ter algo interessante para dizer — comentou. — É impossível não parar para te ouvir, você tem o dom das palavras. Poderia começar uma revolução que todos te seguiriam sem pensar muito.

— Não coloque ideias na minha cabeça — disse rindo.

— Eu te seguiria.

Caímos em um silêncio confortável em seguida, cada um com seu cigarro. De vez em quando eu o pegava olhando para mim, então eu semicerrava os olhos, séria por uns instantes, até que o empurrava e nós dois dávamos risada.

Algum tempo depois, Peter me chamou para voltar e dançar com ele, Edward resolveu ficar na varanda por mais um tempo.

— Obrigada — falei antes de entrar.

 

*

1987

Com a convivência constante eu fui conhecendo Edward de verdade.

Nós compartilhávamos o desejo de ser ouvido, de mudar o mundo, mas enquanto eu falava demais em tudo, Edward era mais contido, escutava mais, falava menos. Poucas foram as vezes que o vi falar alto para ser ouvido, quando realmente queria algo, era calmo e persuasivo de uma maneira que beirava o sensual.

E ao contrário do que poderia parecer, ele não era nem um pouco tímido. Ele só estava há tanto tempo escondendo seu verdadeiro eu de seus pais, que aprendeu a fazer isso com todos. Mas não comigo.

Ele nunca precisou dizer as palavras, mas eu sabia que eu era a pessoa em que ele mais confiava. As longas conversas sobre as expectativas dos seus pais, sobre sua criação e todos os outros questionamentos em sua cabeça me davam a certeza.

Era uma terça-feira quando ele me arrastou direto da minha aula, dizendo que queria me levar em um lugar e almoçaríamos depois. Ele estava tão animado que eu nem ao menos o questionei, apenas sorri enquanto ele me levava até seu carro.

Quando chegamos no lugar, descobri que era um bar. A fachada de tijolos era simples como o bar que costumávamos frequentar, com uma porta estreita e um letreiro escrito High Line do local em cima da porta.

— Você lembra de Garrett? Aquele colega de Jasper que apareceu na última festa? — perguntou Edward antes de sairmos do carro.

— O cabeludo que usa lápis de olho? — questionei.

— Sim, esse mesmo — confirmou. — Nós conversamos um pouco sobre música na última festa e ele disse que o lugar onde ele e a banda tocavam estava procurando um músico para tocar as sextas, então me indicou.

— É esse o lugar? Você vai fazer um teste? — perguntei entusiasmada.

— Não, isso eu fiz ontem. Eles gostaram de mim e a gente fechou um acordo — respondeu sorrindo.

Não consegui controlar o impulso de me jogar em seus braços para parabenizá-lo, mesmo se eu não soubesse o quanto ele era apaixonado por música, conseguiria ver o quanto ele estava feliz com aquilo por seu sorriso brilhante.

— Eu estou tão feliz por você, Edward! — falei. — Mas o que a gente veio fazer aqui?

— Como eu moro em um apartamento, eles cederam o lugar para eu ensaiar — disse ele rodando um molho de chaves na mão. — É só uma desculpa para usar o piano deles na verdade.

Eu sorri junto.

Edward abriu a porta do bar e acendeu as luzes, eu aproveitei para olhar melhor o lugar. Ao contrário do Betty’s e de diversos outros estabelecimentos, o lugar não era cheio de luzes neons por todos os cantos, a iluminação era mais simples.

Enquanto Edward foi direto para o palco onde havia vários instrumentos, eu passei meus olhos pelas paredes tão cheia de pôsteres e cartazes que quase não dava para ver os tijolinhos iguais aos da fachada. Me vi entretida pelos cartazes de diversos assuntos, anúncios de professores particulares, shows de bandas, pôsteres que abordavam pautas políticas e sociais, convite para reuniões estudantis, saraus e movimentos artísticos. Aquilo me fez sentir em casa.

Edward dedilhou o piano por um tempo, se acostumando a um instrumento que não era seu sem realmente tocar nenhuma música, até cansar e começar a tocar Wake Me Up Before You Go-Go do Wham!

Já havia escutado ele cantar nas vezes em que levou seu violão para alguma festa e eu nunca poderia me cansar de ouvi-lo, mas escutá-lo pela primeira vez no piano era mágico. Suas mãos experientes no instrumento se moviam com facilidade, como se fosse a coisa mais simples do mundo, dando vida a música alegre.

Eu não consegui evitar a vontade de me entregar a melodia divertida da canção, dançando e cantarolando junto com a voz perfeitamente afinada de Edward.

Quando cansei, me aproximei de Edward e me inclinei sobre ele, sua expressão concentrada fazia o parecer bravo, mas ele logo desfez a cara séria e sorriu comigo abraçando-o por trás de maneira que minha cabeça descansasse em seu ombro.

— Você é talentoso — elogiei me afastando apenas o suficiente para olhar em seu rosto.

Seus olhos verdes brilhavam, mas nada se comparava ao seu sorriso perfeito.

— Vem cá — chamou ele.

Ele segurou minha mão e me fez sentar ao lado dele, então virou em minha direção ainda com os olhos brilhantes e o sorriso largo.

— Obrigado por vir aqui comigo — disse ele. — Por fazer parte disso.

— Obrigada por me chamar, te ver assim, radiante, fez o meu dia.

Edward não me respondeu, apenas deixou minha mão em sua perna e começou a tocar.

Não reconheci a música de primeira, Edward deveria ter mudado o arranjo da melodia para que harmonizasse no piano, mas quando ele começou a cantar, logo reconheci a música Perfect Girl do The Cure.

Quando ele começou a cantar ficou claro para mim que ele realmente havia feito um novo arranjo para a música e com todo respeito ao The Cure, aquela versão, um pouco mais lenta e com a voz rouca de Edward, era ainda melhor do que a original.

You're such a strange girl, I want to be with you — cantou concentrado nas teclas. — I think I'm falling, I think I'm falling in, I think I'm falling in love with you.

Ele continuou tocando, mas virou em minha direção e seus olhos estavam de um verde tão intenso, que fez meu coração perder uma batida. Era como se ele estivesse cantando pra mim.

Nós continuamos nos encarando mesmo quando a música acabou, lentamente gravitando em direção ao outro, sem pressa, até que nossas testas se tocaram. Minha mente geralmente tão cheia, só conseguia pensar na nossa proximidade, na respiração de Edward sincronizada com a minha e em como eu queria beijá-lo.

Foi ele que acabou com nossa agonia, roçando seus lábios nos meus suavemente antes de sugar meu lábio inferior. Seu movimento fez meu corpo reagir, me movendo mais para perto e subindo minhas mãos para o cabelo dele.

Não havia nada naquele momento. Família, tempo, obrigações e qualquer outra coisa que pudessem ocupar meus pensamentos foram esquecidas.

Só havia ele. Suas mãos segurando meu rosto como se eu fosse preciosa, seus lábios nos meus, seu gosto, seus cabelos entre os meus dedos. Só nós dois.

Quando o ar faltou, nós nos separamos apenas o suficiente para buscar ar. Testas encostadas, olho no olho. Então eu comecei a rir e Edward me acompanhou.

Eu sentia que poderia fazer tudo o que quisesse, inclusive se não firmasse meus pés no chão, poderia voar. Aquele momento com Edward, tão mágico e tão único, me fez transbordar de alegria. Só queria continuar ali para sempre e sentir aquilo a todo instante.

Edward parecia sentir o mesmo, porque quando paramos de rir ele suspirou e me beijou novamente.

 

*

1988

Depois do primeiro beijo, os outros vieram de maneira natural. Nossa relação já era física bem antes do primeiro beijo, sempre regada de toques sutis, abraços e carinhos, beijar Edward era apenas o próximo passo.

Nossa relação continuou a mesma apesar do contato a mais, ele tinha Lauren e eu tinha qualquer pessoa que eu quisesse beijar no momento, não adiantava complicar. Éramos amigos.

Quando eu fui aceita no jornal da faculdade, eu corri até ele do mesmo jeito que ele correu até mim quando conseguiu um lugar para tocar.

Eu estava tão animada. Aquela oportunidade era literalmente um treinamento para quando eu estivesse pronta para trabalhar em um jornal de verdade, também era uma boa coisa para o meu currículo e era uma boa maneira de divulgar as ações do coletivo estudantil dentro da universidade.

Edward viu o que eu vi e se animou tanto quanto eu, me abraçando e beijando. Quando me soltou, ainda exibia um sorriso ofuscante no rosto e perguntou se eu podia ir para o apartamento dele. Ele nem precisou falar seus planos para que eu aceitasse.

Nós fomos em seu carro até o apartamento que ele dividia com Royce, Edward me deu suas chaves e disse que voltaria em uma hora. Estranhei sua atitude, mas não questionei, ao invés disso assaltei sua geladeira e fiz do seu quarto como se fosse meu.

Eu estava fumando na janela quando ele voltou. Se aproximou em silêncio com uma sacola de papel, mas ao invés de falar o que tinha na sacola, pediu um trago.

Quando o cigarro acabou, ele finalmente tirou um embrulho bonito demais para ter sido feito por ele e me entregou.

— É pra você.

Desfiz a embalagem com cuidado — mesmo que não fosse usar o embrulho para nada depois —, dentro havia uma câmera digital nova.

— Edward?

— Eu sei que você gosta de registrar as coisas no seu caderno de couro. Inclusive acho que não reconheceria mais você sem ele — comentou rindo. — Mas existem histórias que as pessoas só vão acreditar vendo, então essa é sua primeira câmera, jornalista.

— Eu nem sei como te agradecer.

Ele sorriu pegando a câmera da minha mão.

— Vamos, eu quero ver seu sorriso brilhante — pediu direcionando a câmera para o meu rosto.

O sorriso veio fácil, Edward causava isso.

— Estamos quites agora — disse olhando para a imagem na câmera.

 

*

1988

Compartilhávamos as alegrias, as coisas boas que aconteciam em nossa vida, medos, anseios, pensamentos e tudo o mais que pudesse estar na nossa cabeça no momento. Eu o conhecia melhor do que ninguém, assim como ele me conhecia.

Estávamos jogados em sua cama, eu quase sentada, ele deitado em meu colo enquanto eu mexia em seus cabelos. Era sábado, eu tinha dormido em seu apartamento depois de assistir uma apresentação dele, menos animada do que o normal.

Eu sentia que ele estava assim desde que voltará das férias de primavera, na semana anterior, quando fora visitar seus pais em São Francisco. Cabisbaixo, mais quieto, triste.

Tinha passado a manhã tocando músicas com melodias melancólicas e mesmo quieto em meu colo, sua expressão era abatida.

— O que você tem, Edward?

— Como assim?

— Essa cara triste desde que você voltou de férias — falei. — Aconteceu algo?

— Nada que eu não esperasse — riu seco.

— Você sabe que pode conversar comigo, certo? Seus segredos estão seguros comigo.

Ele não falou de imediato, ao invés disso fechou os olhos e se arrumou em meu colo, ficando mais próximo. Minutos depois, quando ele abriu os olhos novamente, eu senti toda a tristeza que havia nele e meu coração se partiu.

— Meus pais nunca vão gostar de mim se eu não seguir os planos que eles traçaram para mim — disse baixo.

— Você precisa deixar com que eles te conheçam pra isso.

— Eles não escutam nem as trivialidades, quem dirá algo importante — comentou. — Eu tentei contar para eles sobre o bar que eu estou tocando, mas eles só perguntaram se aquilo não ia atrapalhar minhas notas.

Ele fechou os olhos novamente e respirou fundo algumas vezes, eu mexi em seus cabelos tentando o confortar, mas quando ele abriu os olhos novamente e olhou para mim, havia lágrimas ali.

— Eu ando tão animado com isso, é tudo o que eu sempre quis, mas a única coisa que eles queriam saber é se iria atrapalhar nas notas de um curso que eu nunca quis fazer — disse ele parecendo frustrado, sua voz falhando. — Passei a semana tentando agradá-los, mas nada que eu falava era interessante. Não houve nada sobre mim que eles quisessem escutar além de como as minhas notas estavam ou de como eu deveria assumir logo meu relacionamento com Lauren.

Eu tentei não ficar chateada com isso, sabia o quão complicado era o relacionamento de Edward com seus pais e o quanto eles empurraram Edward para cima de Lauren.

— Meus pais conseguiram falar por uma semana sobre como seria bom para os negócios se eu estivesse com a filha do futuro governador da Califórnia, mas não conseguiram passar cinco minutos ouvindo sobre mim — falou. Uma lágrima solitária escorrendo de seus olhos.

Me preparei para que ele chorasse, mas ao invés disso ele fechou os olhos de novo e respirou fundo, tentando se controlar. Edward se manteve assim por algum tempo, quando abriu os olhos de novo, as lágrimas tinham ido embora, mas a tristeza continuava lá.

Eu movi minha mão e acariciei seu rosto, então disse:

— Eu sei que nada se compara a ter a aceitação dos pais, nunca seria capaz de suprir isso, mas você sempre terá a mim — afirmei. — Você sempre pode me contar seus sonhos, seus medos e seus desejos, que eu vou ouvir. Você não precisa ser outra pessoa comigo, eu sempre vou amar você exatamente como você é.

Ele não me respondeu com palavras, mas se moveu rápido e me beijou. Um beijo firme, faminto, intenso. Era como se Edward quisesse esquecer todos os seus problemas em meus braços.

Nós ficamos assim por toda manhã e o começo da tarde, até que eu resolvi que precisava arrumar uma maneira de animar Edward, então tomei um banho e o mandei fazer o mesmo.

Eu não tinha nenhuma roupa ali além da que eu havia ido na noite anterior e como não queria passar no meu dormitório, precisei me virar com as roupas de Edward. Vesti a mesma calça do dia anterior, peguei uma camiseta dele do The Smiths e procurei em seu guarda-roupas por um blazer.

Prendi parte do meu cabelo com uma scrunch e passei o batom preto que eu gostava.

Quando Edward saiu do chuveiro, ele também já estava pronto. Vestia uma calça jeans, uma camisa estampada e uma jaqueta por cima.

— Esse blazer fica bem melhor em você do que em mim, punk — disse Edward sorrindo e me puxando para perto. — Para onde vamos?

— É surpresa, me dá a chave do carro — pedi.

Ele não questionou e me entregou as chaves.

Tinha ficado sabendo por um colega do jornal que Peter Pan havia voltado para mais uma temporada na Broadway. Assistira à peça quando era nova e o filme da Disney na mesma época, mas isso fazia anos. Então parecia uma boa ideia assistir com Edward.

Ele se surpreendeu quando percebeu onde estávamos, mais ainda quando eu disse o que iriamos assistir, mas não foi contra. Ao invés disso segurou a minha mão e utilizou seu charme para que conseguíssemos bons lugares mesmo tão em cima da hora.

Acalmou meu coração ouvir o som da sua risada enquanto assistíamos à peça, a expressão tranquila que eu não via desde que ele voltara das férias. Eu tinha tido uma boa ideia.

Quando a peça acabou, Edward resolveu me levar para uma lanchonete.

O lugar era ponto de encontro de casais, famílias e amigos, com um espaço com jogos de fliperama, então tentamos pegar uma mesa o mais distante possível dos gritos dos adolescentes e crianças animadas.

Eu peguei meu caderno e Edward automaticamente sorriu, como se dissesse que me conhecia.

— O que achou da peça? — questionei enquanto escrevia, sem olhar para o caderno.

— Que Peter Pan definitivamente não é pra crianças — respondeu fazendo-nos rir.

Uma garçonete de patins nos interrompeu e anotou nossos pedidos.

— Eu não lembrava de muitas coisas de quando assisti quando era criança — continuou Edward. — Parece que vi uma história totalmente nova

— Sim, parece muito mais profundo e cheio de entrelinhas agora — concordei. — Eu poderia escrever uma tese sobre os detalhes da peça, como a forma que uma mulher, mesmo que criança, logo recebe a responsabilidade de ser mãe e cuidadora. Enquanto os irmãos dela se encaixam facilmente com os garotos perdidos, Wendy virou mãe do grupo.

— Não é justo — concordou Edward. — Peter exerce o papel de líder, mas ele não tem nenhuma responsabilidade fatigante, tudo que ele faz é divertido para ele. Enquanto isso, a Wendy foi levada para Neverland para ser mãe.

— Enquanto Peter só quer se divertir, Wendy mesmo na Terra do Nunca cresceu e se apaixonou por Peter.

— Que a enxergava como mãe, o que é ainda mais bizarro ainda — disse Edward com cara de nojo. — Então quando ela decide ir embora, ele é egoísta e não quer deixá-la ir, mas depois percebe que precisa. E então quando ele volta para buscar a filha dela, se sente traído por Wendy ter crescido.

— Ele poderia ter todos os seus amigos e Wendy se ele tivesse escolhido ficar, mas crescer é algo assustador demais para ele.

— Pra mim é como se Peter preferisse morrer a crescer — comentou Edward.

— Também tive a mesma impressão, principalmente quando o narrador diz que se ele ficasse, poderia mudar seu lema para ‘viver seria uma grande aventura’ — concordei.

— Como pode alguém preferir perder o amor de sua vida a crescer? — questionou Edward.

— No final é só uma história de criança — dei de ombros.

— Ah, com certeza não. Eu vou pensar nisso por dias — declarou Edward.

Eu ri de seu exagero, mas sabia que eu provavelmente ficaria pensando nisso também, realmente queria escrever algo sobre como as mulheres eram retratadas na obra. Daria uma matéria interessante para o jornal.

— Obrigada pelo dia de hoje — disse ele. — Você é a minha pessoa favorita do mundo, com certeza a pessoa que mais me conhece e a minha melhor amiga.

— Acho que eu sou sua Tinker Bell.

 

*

1988

Apesar de parecer, não passávamos todos os dias grudados. Eu tinha outros amigos e compromissos, assim como ele.

Eu havia passado toda manhã conversando com Benjamin — o editor chefe do jornal—, e outras pessoas do jornal, discutindo sobre a melhor maneira de escrever a próxima edição, já que seria inteiramente sobre conscientização sobre AIDs/HIV e sexo saudável, mas Benjamin queria que o coletivo promovesse algum evento, então Laurent — o atual presidente do coletivo —, estava ali também.

Quando finalmente fui liberada da reunião, corri para o meu dormitório e não encontrei Rosalie, sinal de que eu estava atrasada.

Vesti um suéter listrado de cores vibrantes, uma salopete jeans e tênis branco. Coloquei um batom vermelho, ao invés do preto que eu costumava usar em festas, mas caprichei no lápis de olho, só para honrar o apelido que Royce havia me dado.

Pedi um táxi até o apartamento de Jasper e Peter, Peter abriu a porta e sorriu quando me viu.

— Finalmente, punk! — disse alto para que os outros ouvissem. E então se aproximou e sussurrou no meu ouvido — Uma festa não é a mesma coisa sem você.

Eu enlacei meus braços em seu pescoço e beijei sua bochecha, feliz com o elogio, então me afastei e fui atrás de uma bebida. Quando voltei, notei que os lugares para sentar estavam lotados, a festinha tinha mais gente do que costumava ter, então sentei no colo de Peter.

Angela estava em pé contando uma história sobre as férias de inverno que nós duas tínhamos passado juntas, já que mamãe estava em turnê e Charlie fora acompanhá-la, e como ela arranjou um machucado na perna quando nós duas pulamos o muro da casa de seus pais para encontrar os seus amigos da época do colégio.

— A Bella é melhor contando histórias, termina você amiga — pediu Angela.

Eu tentei fugir de ser o centro das atenções, mas as pessoas insistiram, então eu continuei a história de onde Ang tinha parado. Eu ainda não tinha me acostumado às pessoas gostarem tanto de me ouvir falar, mesmo que eles fossem meus amigos há tanto tempo.

Quando parei de falar, virei o rosto para Peter, que me encarava sério, mas me lançou um sorrisinho de canto. Ele tinha sempre aquela cara de menino tranquilo, inocente, mas quando sorria daquele jeito toda inocência parecia ir embora.

Não resisti aquela carinha bonita, então me aproximei e o beijei.

Ficamos nos beijando por um tempo, quando nos soltamos, vi que Edward estava ali também, Lauren no colo dele, beijando seu pescoço.

Eu sorri em sua direção e pisquei, ele me mandou um beijo no ar.

A festa continuou como sempre, com alguém contando uma história, música ao fundo e gente se beijando. Quando não estava conversando ou beijando Peter, dançava alguma música com Angela.

Quando começou a ficar realmente tarde e o álcool começou a bater em todo mundo, Royce resolveu que era hora de algum joguinho com mais álcool como punição. Então resolvi levantar e ir para a sacada tomar um ar, não estava muito ansiosa para passar o dia de ressaca por beber demais.

Fiquei sozinha por um tempo, olhando as luzes da cidade, acendi um cigarro e pensei sobre a reunião de mais cedo, se eu tivesse com meu caderno naquele momento, poderia começar a rascunhar alguma coisa.

Após um tempo sem companhia, escutei os passos de alguém e me virei para ver quem era, Edward. Eu já tinha terminado o meu cigarro, mas ele me ofereceu o dele.

— Cadê a Lauren? — questionei aceitando o cigarro.

— Dormiu, Peter me ajudou a colocar ela na cama dele.

Lauren sabia que eles não eram exclusivos, Edward não era de enganar ninguém, mas ela tendia a ser grudenta quando estávamos em alguma festa. Por isso estranhei ela não estar colada em seu pescoço.

Eu contei a Edward sobre a reunião que tive no jornal com o pessoal, falei sobre os tópicos debatidos e sobre a ideia que eu estava tendo, que era escrever sobre alguma obra da literatura e relacionar ao tema central. Edward sugeriu alguns livros que ele já tinha lido e nós debatemos por um tempo.

— Eu adoro como você é inteligente, posso conversar com você por horas e não cansar — disse de repente.

— O elogio serve para nós dois.

— Você é a minha pessoa favorita no mundo.

 

*

1989

Mesmo que tivéssemos nossos momentos separados e outros amigos, eu não podia negar que nós passávamos a maior parte do tempo juntos. Fosse na faculdade, em festas, se pegando no seu carro... Passávamos mais tempo juntos do que separados.

Às sextas-feiras eram os dias que mais ficávamos juntos, já que eu sempre ia com ele para vê-lo tocar no High Line.

Eu vesti meus companheiros tênis brancos, jeans e uma camisa estampada de Edward. Prendi o cabelo no alto da cabeça, porque sabia que iria dançar a noite toda e não queria acabar com ele grudado em mim.

Edward colocou um jeans escuro e sua camiseta do The Smiths com uma jaqueta de couro por cima, ele sempre se vestia de um jeito mais alternativo quando ia tocar.

Eu não me importava de ficar sozinha enquanto ele tocava, as vezes arranjava alguém para ficar ou simplesmente me fazer companhia, mas geralmente virava sua assistente. Levava cerveja para perto dele e me mantinha perto do palco, dançando como se só estivéssemos eu e ele.

Era assim que estávamos naquela noite.

Take me out tonight. Take me anywhere. I don't care, I don't care, I don't care — cantarolou ele.

Nunca conseguiria me cansar da voz dele, às vezes rouca, às vezes apenas baixa, mas sempre muito sexy. E eu adorava como sua voz combinava tanto com o piano — que ele quase não usava nos shows —, com a guitarra e o violão, ele era meu músico favorito, e que minha mãe nunca soubesse disso.

Eu dançava olhando para ele, sem vergonha dos meus movimentos e quando ele olhava para mim e sorria, era quase como os dias em que ele ensaiava comigo, fosse no próprio bar ou em seu quarto.

Ele tocou até depois da uma da manhã e quando ele parou, nós decidimos não ir para casa ainda e aproveitar mais a noite, então pedimos uma cerveja no bar viramos e eu o arrastei para pista.

Quando Edward parava de tocar e o bar colocava músicas para tocar, o lugar se tornava um pouco mais eclético e chegava até a tocar pop.

Assim que fomos para a pista de dança já tocava uma música que eu não conhecia, que logo foi trocada por uma música pop, Love is a Battlefield da Pat Benatar.

Eu não era uma garota do pop, mas eu gostava muito da voz da Pat e eu particularmente adorava aquela música, sabia cantar inteira.

Do I stand in your way. Or am I the best thing you've had? — cantarolei animada segurando as mãos de Edward enquanto dançávamos.

Believe me, believe me. I can't tell you why, but I'm trapped by your love — cantou junto.

Nós dançamos a noite toda, pausando para beber e então voltando para a pista. Estar com Edward era leve e divertido, sempre. Fosse em um bar, na faculdade, lanchonete ou em seu carro, se eu estava com ele sabia que não ficaria entediada.

Saímos do bar quando os funcionários já estavam limpando e nos expulsaram, o dia já estava amanhecendo e nós nem tínhamos percebido que era tão tarde.

Ainda tinha muito álcool em nossos organismos, não o suficiente para passarmos mal, mas estávamos mais desinibidos do que o normal. Edward segurava minha mão e eu imaginava que me guiava para algum lugar, eu não conseguia lembrar se tínhamos ido para lá de táxi ou com seu carro, mas não importava.

Eu não esperava que Edward começasse a cantar no meio da rua, nem que eu fosse começar a dançar, mas nenhum de nós estava sóbrio o suficiente para tomar boas decisões e ser discreto. Ele começou suave pelo refrão de Just The Two Of Us e eu logo segurei a outra mão dele e o puxei para dançar.

Darling, when the morning comes and I see the morning sun, I want to be the one with you — cantarolou olhando em meus olhos.

A música era um jazz perfeito para dançar e naquele momento, mesmo que Edward estivesse cantando a capella, eu conseguia imaginar os instrumentos se encaixando perfeitamente com a voz dele.

Eu sorria para ele, inebriada com a leveza que era estar ao seu lado, então em um ato impensado, eu o puxei para a rua e ele, tão sóbrio quanto eu, me rodopiou enquanto finalizava a música.

Just the two of us. We can make it if we try. Just the two of us.

Um carro buzinou para nós, interrompendo a magia do momento e nos fazendo rir. Corremos como adolescentes para o outro lado da rua e Edward acabou com as minhas dúvidas internas, achando seu carro.

Nós entramos no automóvel, mas Edward não ligou o carro na hora, ao invés disso ligou o rádio e riu quando a música que ele estava cantando minutos atrás começou a tocar.

— Você é minha melhor amiga, Bells. Minha doce Tinker Bells. — disse acariciando a minha bochecha. — Sempre a alma da festa, aquela que todos querem ouvir falar, que todos querem ter por perto. Mas eu posso te contar um segredo?

— Você sempre pode me contar qualquer coisa.

— Eu prefiro quando estamos sozinhos — sussurrou como se estivéssemos acompanhados, como se aquilo fosse um grande segredo. — Porque quando estamos sozinhos, você pode ser só minha.

Eu não o respondi com palavras, mas eu lhe dei o sorriso que estava em meu coração. Eu também preferia quando éramos só nós dois.

Edward olhou para minha boca e eu mordi meus lábios, seus olhos escureceram. Ele se aproximou lentamente, segurando meu rosto em suas mãos enquanto fazia isso, meu coração batia acelerado em expectativa.

Aquele beijo não foi suave, pelo contrário, foi cheio de paixão, intenso, como se beija alguém de quem você sente falta.

— Você tem minha alma e meu coração, Bella. Todas as partes de mim, até aquelas que só você conhece, elas são suas.

*

1989

Os dias com Edward passavam rápido, tão rápido que logo chegou a sua formatura. Tinha dias em que eu esquecia que ele era mais velho do que eu, que nós nos formaríamos e precisaríamos seguir nossas vidas.

Então quando a sua formatura bateu em sua porta, não estávamos exatamente preparados para a separação eminente. Pelo menos eu não estava.

No dia oficial de sua formatura, nós tivemos uma festa com nossos amigos — seus pais estavam ocupados demais para voarem para Nova Iorque —, mas Edward não queria ir ainda, então prolongou sua estadia por mais uma semana e eu fiquei com ele.

Cada momento daquela semana tinha um sabor doloroso de despedida, cada beijo, cada toque, tudo parecia o último.

Como todos os dias daquela semana, eu dormi com Edward no dia antes de sua viagem e quando acordei, tentei voltar a dormir querendo adiar o inadiável, mas Edward desenhava padrões nas minhas costas, o que fez com que eu me distraísse.

Ele sempre fazia isso, se estávamos parados e ele segurando minha mão ou braços, começava a desenhar com as pontas dos dedos. Era tão involuntário que eu só percebia quando estava prestando atenção.

— Nunca te perguntei o que são essas cicatrizes — comentou quando percebeu que eu estava acordada.

Eu estava deitada de barriga para baixo, Edward estava com uma das pernas enroscada em mim, então girei na cama e me movi ficando de frente pra ele, mas mantendo nossas pernas unidas.

Edward era sempre muito bonito, inclusive quando acordava. Seus olhos verdes brilhavam límpidos, como a mais bonita esmeralda, e seu cabelo usualmente bagunçado ficava ainda mais bonito com sua cara amassada.

— E não preciso saber se você não quiser falar — completou.

— É coisa besta — dei de ombros. — Eu sempre fui uma criança desastrada, melhorei isso só no final da adolescência pra ser sincera. Uma vez fui visitar uma cachoeira com meus pais, escorreguei nas pedras e escorreguei de costas.

— Meu Deus, Bella!

— Não quebrei nada, o que foi um milagre para mim. Mas precisei levar vários pontos nas costas, porque abri ela em vários lugares.

— Deve ter sido horrível — comentou.

— Foi — concordei. — Principalmente porque eu odeio hospitais, mesmo que eu os visitasse com mais frequência do que as outras crianças.

— Você não tem tantas cicatrizes em outros lugares.

— Se você olhar bem, vai encontrar marcas pequenas. Algumas parecem pequenas marcas de nascença, mas a maioria sumiu enquanto eu crescia. As das costas ficaram porque foi uma queda bem feia.

— Tanto tempo com você e mesmo assim ainda descubro coisas novas sobre você — disse desenhando com a posta dos dedos na minha barriga.

— E ainda há mais para descobrir — falei me aproximando e passando a mão em seus cabelos antes de beijá-lo. Queria pedir para que ele ficasse.

 Eu comecei o beijando com delicadeza, como se eu estivesse o beijando pela primeira vez, mas logo todos os sentimentos que me dominavam — saudade, tristeza —, tomaram o controle e o beijo se transformou em algo intenso e cheio de paixão.

Uma parte de mim queria que ele não fosse, mas eu sabia que não havia nada que eu pudesse fazer para mudar o que já estava previsto muito antes de nos aproximarmos. O que restava era aproveitar cada segundo até que ele tivesse que ir, então viver com a saudade até que pudéssemos nos ver de novo.

Passamos o resto da manhã na cama, beijando e tocando, mas sem muitas palavras. Verbalizar o que eu estava sentindo doía demais.

Quando finalmente nos levantamos da cama, Edward me levou para almoçar e depois do almoço íamos para a estação de trem — ele pegaria um trem para Filadélfia e de lá um voo para São Francisco —, mas quando saiamos do restaurante para o seu carro, um bêbado esbarrou em mim.

Senti a fisgada em meu braço na hora e olhei imediatamente para o meu braço, sangue jorrava ali.

Nenhum de nós tentou falar com o bêbado, estava claro para nós dois que o cara estava aéreo demais para saber o que tinha feito. Ao invés disso Edward nos levou de volta para o restaurante e pediu por um kit de primeiros socorros.

A gerente do restaurante ajudou a limpar o ferimento, mas logo percebemos que o corte era fundo demais para resolver com um band-aid.

— Você vai se atrasar, Edward — falei. — Me deixa aqui que eu peço um táxi até o pronto socorro.

— Que se dane o atraso, eu não vou te deixar para trás machucada assim.

Nem tentei argumentar com ele, ao invés disso enfaixamos o meu braço e voltamos para o seu carro.

O atendimento no pronto socorro foi rápido, o charme de Edward e seu sobrenome faziam as coisas acontecerem ao seu tempo. O médico limpou meu ferimento mais uma vez — por sorte não havia nenhum pedaço de vidro ali —, deu cinco pontos e me receitou um antibiótico, então me liberou.

Porém, mesmo que tudo tenha sido rápido, não foi o suficiente para que Edward não perdesse seu trem e consequentemente seu voo.

— Desculpa fazer você perder seu trem — falei apoiada em seu ombro. Estávamos sentados em um banco na estação.

— Não foi culpa sua, eu queria ter certeza de que você estava bem — disse ele. — Afinal, foi culpa minha você ter se machucado.

— Culpa sua? — indaguei confusa — Você pediu para um bêbado ficar parado na frente do restaurante pra me machucar?

Ele revirou os olhos.

— Nós nunca fomos nesse restaurante antes e no dia que eu insisti para irmos, você se machuca.

— Como se você fosse adivinhar que ia passar alguém com uma garrafa quebrada na hora que saiamos — disse revirando os olhos.

Eu levantei meu rosto de seu ombro, virei seu rosto para mim e olhei para ele antes de falar sorrindo.

— Agora eu tenho uma marca sua em mim, uma recordação.

— Achei que a minha camiseta do The Smiths seria o suficiente — respondeu com uma careta.

— A gente trabalha com o que pode — brinquei tentando fazê-lo não se sentir culpado.

Ele passou a mão com delicadeza pelo meu rosto e afastou os cabelos que tinham fugido do meu rabo de cavalo.

— Eu nunca quero te machucar — falou ele colocando nossas testas juntas.

— Não foi você, Edward.

Nós ficamos assim até o novo horário da partida dele, entre beijos, caricias e todos os toques permitidos em público. Éramos tão falantes sempre, conversando sobre a vida, o futuro, o mundo e o que mais quiséssemos, mas o silêncio continuava a reinar entre nós.

Meu braço ainda doía, mesmo depois da medicação, mas eu me sentia grata de uma maneira masoquista pelo machucado. Ele tinha me dado mais tempo com Edward.

Quando a hora de ir realmente chegou, eu andei com Edward até a plataforma e ele me entregou a chave de seu carro — eu era a pessoa que levaria o carro até a empresa que o levaria de volta para São Francisco —, então deu sua bagagem mais pesada para o maquinista e me abraçou antes de embarcar.

— Eu sempre soube que uma hora você teria que ir, mas eu não imaginava que seria assim — que doeria tanto, completei mentalmente.

— Se eu tivesse uma escolha, qualquer que fosse, que me permitisse ficar aqui com você, eu ficaria — disse ele se afastando e me segurando pelos ombros. — Nunca em toda a minha vida eu confiei em alguém como eu confio em você. Eu nunca amei alguém como eu amo você, Tinker Bells.

Eu não respondi com palavras, apenas o puxei de volta para perto de mim e o beijei novamente. Deixei que meu corpo falasse tudo o que eu queria, que toda a dor e saudade guiasse meu coração.

O trem deu o último aviso, obrigando a nos soltar.

— Você é a minha melhor amiga, Isabella Swan. Eu amo você.

— Eu amo você, Edward

Ele soltou a minha mão e virou as costas para entrar no trem, eu continuei parada, as lágrimas que eu segurei durante todo o dia finalmente ganhando liberdade para saírem.

Era meu braço que estava machucado, mas enquanto eu via o trem de Edward partir, era meu coração que sangrava. Parecia que ele estava levando um pedaço meu com ele.

Eu sempre soube que nunca poderíamos manter a relação diária que tínhamos, que uma hora teríamos que crescer e seguir nossas vidas, mas a realidade era muito mais dolorosa do que a minha imaginação e meus pensamentos.

Eu não estava pronta para deixar Edward ir.

Então eu tentei me tranquilizar, pensar em quão boa nossa relação era. O que tínhamos era forte demais para acabar apenas porque ele precisava voltar para São Francisco. Não, não era isso que ia acabar com o que eu tinha certeza que ele sentia por mim.

Ele voltaria.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Mais tarde venho aqui postar o capítulo dois :)

Beijão!



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