Our love will be passed on escrita por prongs


Capítulo 1
U: hey, do you ever stop and think about me?


Notas iniciais do capítulo

KAROU! minha querida violet hood. você nem sabe como eu quebrei minha cabeça depois que te tirei e como lutei pra fazer algo que você gostasse e, spoiler, com um final... feliz. eu espero que eu tenha cuidado da jia direitinho, ela é muito especial assim como você é pra mim, e quero que você saiba que coloquei muito amor e carinho nessa história. eu amei conhecer um pouquinho da Jia e da Dominique e espero que você goste da minha versão da história linda delas. te amo muito ♡

usando esse espaço também para agradecer às meninas lindas do pride que embarcaram nesse amigo secreto sofrido com a gente e foram uma alegria nesse 2020 tristonho! e agradecer muito também à red, que aturou todos os meus surtos enquanto escrevia essa fic e me ajudou demais da conta!! você faz tudo, amiga.

enfim, é isso! aproveitem! principalmente você, karou!!!



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OUR LOVE WILL BE PASSED ON

♡ de prongs para violet hood ♡

 

Dominique nunca se esqueceria disso: ela tinha sete anos quando viu um enorme caminhão de mudança estacionar na casa ao lado. Ela subia e descia no balanço pendurado no grande salgueiro em seu quintal e seus olhos seguiam o carro e os móveis que saíam dele com atenção, as folhas caindo da árvore e voando em seu campo de visão naquela tarde ensolarada. Sua irmã mais velha, Victoire, corria atrás de sua mãe grávida perguntando se ela precisava de alguma coisa enquanto seu pai construía um berço no quarto que viria a ser o de Louis, que estava prestes a nascer; os barulhos da casa eram distantes.

Ninguém estava prestando atenção em Dominique ou notou quando ela pulou do balanço, caiu na terra e correu até a cerca que separava sua casa da que ficava logo ao lado para dar uma boa olhada em seus novos vizinhos. Ela viu três pessoas; um pai, uma mãe e uma filha, que devia ter a mesma idade que ela, apesar de ser um pouco mais alta. Os dois adultos conversavam em voz alta enquanto entravam na casa, suas vozes aumentando a cada segundo, e a garota permanecia parada no quintal com um coelho de pelúcia nos braços, olhando para o outro lado da cerca. Diretamente para Dominique.

— Hm… oi. — Dominique disse, um pouco incerta.

— Por que o seu cabelo é assim? — Foi a primeira coisa que ela ouviu de sua nova vizinha, suas sobrancelhas se juntando e sua voz soando tímida.

Dominique tentou olhar para cima, como se pudesse ver seu próprio cabelo picotado em pedacinhos, e voltou a encarar a menina. Prestou atenção nela; sua pele bronzeada, seus olhos pequenos e negros.

— Eu peguei a tesoura da cozinha e cortei ele sozinha.

— Por quê?

Dominique deu de ombros.

— Minha mãe tava com raiva de mim. 

— Aí você quis deixar ela com mais raiva?

Dominique assentiu e sua vizinha riu, cobrindo a boca enquanto seus olhos diminuíam de tamanho em seu rosto.

— Meu nome é Jia, e o seu?

— Dominique — Ela sorriu, e Jia se aproximou da cerca, de repente com uma expressão assustada no rosto.

— Eu acho que seu dente caiu ou algo do tipo! Tá sangrando e tudo!

Dominique colocou a mão no queixo e sentiu o líquido quente em seu rosto. Lambeu os lábios e sentiu o gosto forte de metal na língua.

— Ah, deve ter sido quando eu tava no balanço — E deu de ombros. — Você quer brincar comigo? A gente pode brincar de piratas. Eu tenho tapa-olhos e tudo.

Jia olhou para sua nova casa com olhos nervosos.

— Meu pai vai brigar comigo.

Dominique deu de ombros e sorriu para a nova amiga.

— Meus pais brigam comigo o tempo todo, não é tão ruim quanto parece — Jia riu, encarando sua vizinha estranha. — Mas você quem sabe.

Jia olhou para dentro de novo e mordeu os lábios, nervosa. Voltou a olhar para a garota loira na sua frente e lhe deu um sorriso confidente. 

— Eu posso vir outro dia pra brincar com você?

Dominique sorriu e assentiu.

— Tem uma parte da cerca no meu quintal que tá quebrada, bem ali — Ela apontou para a parte de madeira que faltava rente ao chão um pouco à sua esquerda. — É só passar por ali e me encontrar. Eu tô sempre brincando aqui fora.

E se despediu de Jia pela primeira vez.

Um fato importante: aos sete anos, Dominique não tinha muitas preocupações, mas as que tinha não a mantinham acordada. Sua mãe adorava dizer que ela não tinha nenhuma educação, o que poderia ser verdade se analisado de um certo ponto de vista; quando ficava com raiva, Dominique não se calava. Ela gritava, esperneava, batia o pé para fazer as pessoas lhe escutarem. Seus pais diziam que era birra; quando mais velha, ela sorria e dizia que era ferocidade e coragem, e falava sobre como ela desejava que ainda tivesse toda aquela vontade de viver dentro de si.

Jia foi a primeira pessoa que fez ela perder seu sono. 

Não se lembrava exatamente da segunda, terceira ou quarta vez que falou com Jia, a presença da garota apenas se tornou algo constante como o vento que batia em sua varanda todo fim de tarde. Elas se tornaram melhores amigas, parceiras de crime e confidentes uma da outra. Passavam horas fazendo festas de chá com reis e rainhas do mundo que se transformavam em batalhas de espada onde elas salvavam o universo, indo ao espaço, explorando os sete mares junto ao pequeno riacho atrás de suas casas e voltavam para o silêncio frio e ensurdecedor de suas casas quando o sol se punha.

Foi assim por três anos escolares e quatro verões: Dominique e Jia. As duas estavam sempre juntas, mesmo que não estudassem na mesma escola. Jia que ensinou Dominique a fazer tranças em seu cabelo e a comer com pauzinhos, e em troca Dominique a ensinou a falar palavrões e a identificar constelações no céu de verão. Dominique nunca iria esquecer desses momentos com Jia, mas também nunca iria esquecer do olhar aterrorizado no rosto de sua melhor amiga quando elas tinham dez anos e Jia apareceu de madrugada na janela de seu quarto no meio de uma tempestade. Por um breve momento ela achou que era um sonho, mas abriu a janela para ela entrar apressadamente e pegou uma toalha e um lençol sem perguntar nada. Sabia que era melhor não fazer muitas perguntas naqueles momentos.

— Foi ele de novo? — Dominique perguntou depois de um tempo, mantendo sua voz baixa para não acordar ninguém.

Jia assentiu. Dominique sabia que os pais de sua amiga brigavam há algum tempo; o pai dela não era necessariamente uma pessoa legal, ela já tinha percebido. Sempre batia na filha e, Dominique tinha suas suspeitas, na esposa também. Vez ou outra Jia aparecia chorando no quintal, ou então sumia por alguns dias e aparecia contando sobre como teve que se esconder entre as roupas no armário de seu quarto para não escutar os gritos dos pais.

Dominique queria matá-lo, era só o que conseguia pensar enquanto se sentava do lado de Jia em sua cama. Odiava ele mais que tudo por fazer Jia sofrer. Tudo o que ela queria fazer era proteger sua amiga; sabia que enquanto elas estivessem juntas, tudo ia ficar bem, então por que não podia fazer isso de uma vez por todas? 

— Você podia vir morar comigo.

Jia a olhou com os olhos cansados e cheios de lágrimas.

— Ou, sei lá, a gente podia fugir — Dominique continuou, tentando animá-la. — Você arruma suas malas, coloca todas as suas bonecas, um suéter e seu kit de chá e a gente vai morar na Índia ou na lua juntas. — Dominique segurou a mão dela, nervosa por alguma razão, e sorriu. — O que você acha?

Jia sorriu e segurou sua mão de volta. Ela deitou a cabeça no ombro de Dominique, molhando seu pijama e seus cabelos loiros, que já estavam grandes, e respirou fundo.

— Eu adoraria. Acho que deveríamos fazer isso.

— Combinado — Dominique sussurrou, puxando seus cobertores para cobrir ela e Jia. — Vamos para a Índia, então. Ou pra lua. Você quem sabe.

— Eu te amo daqui até a lua — Jia sussurrou de volta, um sorriso em sua voz.

— E eu te amo daqui até… saturno. — Dominique respondeu num murmúrio quase inaudível.

Jia não respondeu mais, tendo adormecido. Dominique demorou para fechar os olhos, tentando pensar em algum jeito de proteger sua melhor amiga, de fazê-la feliz, e não entendeu porque estava com aquela sensação esquisita no peito. Anos depois, ela entenderia o que era: angústia, preocupação, amor. Tudo misturado num pequeno coração inocente de dez anos de idade que não estava preparado para escutar o que Jia iria lhe dizer duas semanas depois daquela tempestade.

As duas estavam sentadas no tronco de uma árvore caída em frente ao riacho que elas diziam ser exclusivamente delas; Jia estava logo atrás de Dominique, suas mãos trançando seus cabelos loiros com cuidado em um repentino silêncio que não era comum a elas. Dominique achou estranho, mas achou melhor não falar nada, sabia que as coisas na casa da amiga ainda não estavam bem e que ela costumava ficar mais quieta em dias como aquele. Lutou contra toda a sua vontade de perguntar o que estava acontecendo, mas no fim das contas não precisou: enquanto terminava uma de suas tranças, Jia começou a falar.

— Eu tenho uma notícia pra te dar…

Sua voz não estava exatamente feliz, mas também não soava triste. Era agridoce, mas Dominique não conhecia essa palavra ou esse sentimento aos dez anos.

— Sim? — Dominique perguntou, a voz tremendo com medo.

Jia ficou mais alguns segundos em silêncio.

— Eu vou me mudar pra outra cidade.

Dominique não entendeu naquele momento, mas seu coração se partiu pela primeira vez naquele exato segundo.

Ela se virou para Jia com confusão e lágrimas nos olhos.

— Como assim? — Jia respirou fundo.

— Meus pais vão se separar. Minha mãe quer ir embora daqui, e eu vou com ela, e meu pai vai pra outro lugar, ele também não quer ficar aqui.

— Desde quando você sabe disso? — Dominique sentiu sua garganta se fechando. Queria chorar, gritar, espernear. Aquilo era injusto, ela não podia simplesmente abandoná-la do nada. Ela jamais faria aquilo.

— Desde o dia da tempestade que eu fui na sua casa. — A voz de Jia era quase inaudível.

— E quando você vai embora? 

Jia mordeu o lábio inferior.

— Amanhã.

Dominique sentiu como se alguém tivesse sugado todo o ar de seus pulmões.

— Amanhã? — Ela conseguiu dizer.

Jia assentiu.

Dominique sentiu seu peito subir e descer rapidamente.

— Por que você não me disse antes?

— Eu não queria que você ficasse triste.

— Bem, eu tô triste agora — A garota loira fungou. Ela estava mais alta que Jia agora, e a encarou com seus grandes e tristes olhos azuis. — Eu vou sentir sua falta.

Jia a abraçou. Dominique a abraçou de volta com toda a força que tinha em seus braços fracos e magrelos. Talvez, só talvez, se ela não a soltasse, Jia não poderia ir embora e tudo ficaria bem. Mas Jia a soltou antes que ela pudesse fazer alguma coisa, e se levantou começou a andar para a sua casa. No meio das árvores, ela olhou para trás, suas tranças balançando no vento e um sorriso triste em seu rosto.

— Eu também vou sentir sua falta.

Anos depois, Dominique não se lembrava das últimas palavras que sua amiga lhe dissera.

Quando ela acordou no dia seguinte, a casa de Jia estava vazia, escura e silenciosa. Ela não chorou, mas durante anos esperou pelo momento que sua melhor amiga voltaria, quando ela apareceria em frente ao balanço ou do outro lado do riacho delas, com um sorriso no rosto e suas tranças como uma estampa em seus ombros, mas Jia nunca voltou. Elas não tinham o número de telefone uma da outra, muito menos o endereço para que pudessem trocar cartas, então as memórias de Jia foram sumindo da mente de Dominique como a neve que derrete na primavera; devagar, até que de repente não havia nada lá. Ou talvez houvesse, mas elas estavam tão enterradas no fundo de sua mente que talvez não valesse a pena cavar tão longe assim.

Os anos se arrastaram e Dominique se arrastou por eles, crescendo e crescendo como os ramos das árvores atrás de sua casa. Aos vinte e dois anos, ela estava morando em Cambridge, no meio de sua graduação em moda. Depois de anos de uma adolescência conturbada e muitas brigas com seus pais e irmãos, ela finalmente estava em paz com sua família. Tinha aprendido a controlar seus impulsos, já não era mais uma pessoa que gostava de confrontar tudo e todos — mas não tinha se tornado passiva, tinha quase certeza que aquilo era fisicamente impossível para ela.

Além de tudo isso, uma das maiores conquistas pessoais de seus 20 anos era o fato que ela tinha, finalmente, feito as pazes com sua sexualidade. Sabia que era uma mulher bissexual, sua família não se surpreendera e ela se sentia mais livre, como se não carregasse mais um peso de duas toneladas em seu peito aonde quer que fosse.

Foi numa terça-feira nublada que ela se lembrou de Jia.

Estava sentada num dos jardins do campus de sua universidade no final de um dia longo de aulas, conversando com vários de seus amigos — sua prima Molly e a namorada dela, Ava, Luke Zabini, Scorpius Malfoy e seus outros primos Albus, Rose e Roxanne — sobre memórias de infância, quando Rose, entre risadas, fez uma pergunta um tanto particular.

— Okay, okay, me digam: quem foi o primeiro crush de infância de vocês?

— Real ou famoso? — Roxanne a questionou, mordendo seu sanduíche.

— Real, algum colega de escola e tal — Rose riu novamente.

— Fácil, o irmão mais velho do Luke — Roxanne deu de ombros.

— Então é por isso que agora seu crush é o Luke?

O garoto desviou o olhar de Roxanne quando os dois enrubesceram com o questionamento de Ava enquanto o resto de seus amigos riam, e ela continuou:

— Ah, por favor, é óbvio, assim como o primeiro crushzinho da Rose foi o Scorpius e é ele até hoje!

Rose arregalou os olhos para a morena e Albus estava quase sem ar de tanto rir, enquanto Scorpius olhava para qualquer coisa que não fosse Rose com um sorriso muito suspeito no rosto.

— Vamos mudar de assunto, por favor? — Rose resmungou e se virou para Dominique. — Quem foi seu primeiro crush, Domi?

A loira partiu os lábios, pronta para responder sobre o garoto que dançara com ela num baile da escola aos treze anos, quando o rosto de uma garota asiática com tranças em seus cabelos negros inundou sua mente. Ela não pensava em sua vizinha de infância há anos, e nem sabia se podia confiar na sua memória falha — será que os olhos dela eram mesmo daquela cor? E o formato de seu rosto?

— Dominique? — Albus a chamou, com uma sobrancelha arqueada. A garota piscou, voltando seus pensamentos para o presente e sentindo seu coração bater com mais força que o normal, uma estranha sensação de melancolia preenchendo seu peito como hera no muro de um castelo.

— Foi uma vizinha que eu tive quando era bem criancinha. O nome dela era Jia. — Todos a encaravam, esperando mais informações. Dominique respirou fundo, franzindo as sobrancelhas. — Eu não lembro de muita coisa, só de… querer segurar a mão dela e ficar com ela o tempo toda. Acho que uma vez eu disse que a gente devia fugir juntas — Ela riu, as memórias voltando vagarosamente, com gentileza e doçura, respeitando seu tempo para processar aquilo. — Ela se mudou quando a gente tinha uns dez anos e eu nunca mais ouvi falar dela, não sei pra onde ela foi nem nada.

— Qual o sobrenome dela? Você podia procurar ela nas redes sociais, quem sabe vocês não se reencontram — Rose sugeriu com um sorriso singelo no rosto, e Dominique passou a mão pelos cabelos, frustrada.

— Não lembro, não sei nem se eu cheguei a perguntar, a gente era tão novinha… — Ela suspirou, tentando se lembrar de mais qualquer coisa que a ajudaria a encontrar Jia. Seu coelhinho de pelúcia que ela carregava para todos os lugares? O fato que ela era sempre a vencedora dos campeonatos de soletração de sua escola no interior da Inglaterra? Nada parecia ser exatamente útil.

— Será que seus pais não sabem? — Albus perguntou enquanto mordia um pedaço de seu almoço.

Dominique olhou para ele e seus olhos pareciam brilhar.

— Albus, você é um puta gênio — A garota se levantou e correu para seu dormitório, deixando primos e amigos confusos para trás enquanto ia atrás de um amor perdido.

Talvez ela fosse um pouco maluca por querer achar Jia depois de tantos anos? Sim. Mas apenas agora Dominique percebia que apesar de mal se lembrar do rosto dela, ela ainda nutria amor pela garota de tranças que a ensinara a se importar com as pessoas de uma maneira verdadeiramente altruísta antes de qualquer um no mundo. Jia havia feito ela aprender a tomar conta das pessoas que amava sem pedir nada em troca, apenas o calor de um abraço que transmitia amor e cuidado. O tipo de abraço que Jia sempre lhe dava, mesmo nos dias mais frios e tristes.

Naquela noite, Dominique se trancou em seu dormitório e ligou para sua mãe, perguntando se Fleur se lembrava da família asiática que morou na casa ao lado da deles em Hogsmeade por alguns anos, e se por acaso ela se lembrava do sobrenome deles — “Por Deus, Dominique, você está testando minha memória… Wang? Yang? Não, mas era algo assim… Acho que era Chang. Sim, é isso, definitivamente eram os Chang!”. A garota, então, aprontou-se em pegar seu notebook e celular e abrir o Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, Snapchat, qualquer lugar onde ela pudesse procurar por Jia Chang. 

Acontece que, depois de muitos anos, a sorte e os astros pareciam finalmente estar ao seu lado, alinhando-se para que as coisas pudessem dar certo para ela: Jia Chang não era um nome nada comum e ela achou sua vizinha de infância em praticamente dois cliques. Seu coração acelerou a ver a foto sorridente no perfil de Jia, seus cabelos negros soltos, seu sorriso enorme, seus olhos brilhantes e misteriosos. Seu rosto alongado era ainda mais lindo do que qualquer memória que ela tinha da garota, e ela parecia estar radiante. Talvez ficar longe de seu pai tivesse sido bom para ela. Ela tinha tantas perguntas para fazer, mas todas sumiram de sua mente quando ela abaixou o olhar para as informações sobre Jia na página.

Estudante na Universidade de Cambridge.

Ela estava bem ali o tempo todo. Dominique estava em Cambridge há mais de um ano e Jia estava lá também e ela não fazia a mínima ideia. Talvez elas tivessem se cruzado em um dos prédios ou até se sentado na mesma sala em alguma palestra, e ela não fazia a mínima ideia. Suas mãos tremiam enquanto ela procurava por mais informações, mas Jia não parecia ser uma usuária ávida do Facebook, então ela clicou no link que levava à página do Instagram dela, que era, felizmente, aberto. Ela examinou as fotos devagar, reconhecendo os lugares do campus e da cidade pelos quais ela passava, quando uma das fotos fez seu coração quase saltar pela sua boca.

Era Jia, com uma bandeira do orgulho lésbico, no Pride Festival de Cambridge do verão passado, um evento ao qual Dominique não pôde ir porque estava visitando os avós em Ottery St. Catchpole. Sua mente parecia derreter e ela não sabia nem o que pensar, não sabia o que estava sentindo, mas sentia seu coração bater mais rápido. Sentia-se completamente louca; sua primeira paixão também gostava de garotas, certo, mas isso não significava que ela se lembrava de Dominique, muito menos que talvez, só talvez, Dominique também tivesse sido sua primeira paixão. Talvez.

Será que valia a pena arriscar?

Será que ela se lembrava?

Dominique respirou o fundo e clicou no botão de enviar uma mensagem para Jia.

 

oi, jia! não sei exatamente como começar essa mensagem, mas… vc lembra de mim? nós éramos vizinhas em hogsmeade quando a gente era criança, a gente brincava no meu quintal quase td dia. eu tava me lembrando de vc esses dias, achei seu instagram e descobri que vc tb estuda aqui em cambridge e queria muito te ver, se vc tb quiser!

 

se eu estiver sendo mto louca e passando dos limites, só ignora essa mensagem rs

 

:)

 

Dominique sentiu como se estivesse prendendo sua respiração numa competição de quem consegue passar mais tempo debaixo d’água. Não conseguia acreditar que tinha feito aquilo, era a pior ideia do mundo, Jia com certeza iria achar que ela era uma completa maluca, stalker, obcecada… até que seu celular começou a vibrar com notificações.

 

meu deus.

 

dominique.

 

é claro que eu lembro de vc, vc era minha melhor amiga

 

quando e onde eu posso te encontrar?

 

Dominique respirou.

Naquela noite ela mal conseguiu dormir, seus pensamentos não saíam de Jia e ela relia as mensagens trocadas sem parar. Mais uma vez Jia estava fazendo ela perder o sono.

No dia seguinte, ela estava sentada numa mesa no Costa Coffee do campus, um muffin de chocolate na sua frente sendo encarado por seus olhos azuis. A cada vez que o sino na porta tocava, ela olhava para cima tão rápido que sentia que seu pescoço ia quebrar. Então o sino tocou, ela olhou para cima, e lá estava ela, com seus olhos sonhadores e o cabelo em duas tranças. Jia olhou para os lados até que seu olhar pousou em Dominique e ela perdeu o fôlego, enquanto a loira abriu, provavelmente, o maior sorriso de sua vida.

Jia andou até a mesa de Dominique e se sentou sem dizer nada. As duas se olhavam sorrindo e Dominique teve vontade de levantar a mão e sentir o rosto de Jia com a ponta de seus dedos, para se certificar que ela era real, que ela realmente tinha voltado para ela depois de tanto tempo. Mas em vez disso, ela apenas passou a mão por seus cabelos loiros e balançou a cabeça.

— Faz tanto tempo que eu te vi. Você tá linda.

Dominique não conseguia ser discreta, e Jia riu e desviou o olhar por um momento, apenas para voltar a encarar as orbes azuis da garota.

— Sim, muito tempo. E você tá mais ainda. O que você tá fazendo em Cambridge?

Dominique explicou que estava cursando moda há pouco mais de um ano, e Jia disse que estava estudando biologia marinha, e de repente tudo fez sentido; os centros eram em lados opostos do campus, elas jamais teriam se cruzado, a não ser em circunstâncias muito especiais… como aquela. Conversaram sobre o que tinham perdido durante aqueles anos; Dominique falou sobre como sua família ainda morava na mesma coisa, Victoire estava casada e Louis estava indo para a mesma escola de ensino médio que ela tinha ido. Jia contou que, depois do divórcio dos pais, ela e a mãe, Cho, tinham ido morar em Brighton, e ela a criou sozinha.

— Foi muito bom pra mim, na verdade… minha mãe me ama muito e me aceita, sabe? — Jia olhou para Dominique, esperando que ela compreendesse. Dominique compreendia e assentiu para demonstrar que sim. — Já meu pai… já quando eu era criança, ele brigava comigo e ameaçava bater em mim se me visse brincando com bonecas e fazendo elas se beijar — Ela riu, sem um pingo de humor em sua voz. Apenas amargura. — Quando a gente tinha uns dez anos ele quis me proibir de ir pra sua casa, sabia? Ele não queria que a gente virasse namoradas — Ela riu novamente, dessa vez um pouco mais animada, olhando para Dominique… sugestivamente? Ou ela estava inventando coisas?

— É mesmo? — Dominique levantou uma sobrancelha, encarando Jia. Os olhos dela não paravam de olhar para os seus.

— Anham. Bem, ele não tava exatamente errado, eu realmente gostava de você, mas não é como se eu entendesse isso com dez anos de idade — Jia deu de ombros, como se aquilo não fosse nada demais.

Dominique sentiu como se seu coração tivesse viajado pelo seu corpo inteiro em frações de segundo, causando arrepios, frio na barriga, falta de ar, tudo ao mesmo tempo. Ela não devia se sentir daquele jeito por uma pequena paixonite de infância, ela sabia, mas Jia estava na sua frente e ela era tão linda e Dominique sentia tanto sua falta. Ela a encarou por alguns segundos, sorrindo, enquanto Jia esperava uma resposta com seus olhos absurdamente penetrantes.

— Você sentiu minha falta? — Ela falou mais baixo, deslizando sua mão por cima da mesa para mais perto de Jia, que sorriu e fez a mesma coisa, encostando seus dedos na pele pálida de Dominique.

— Claro que sim. Eu te disse que ia sentir.

Dominique se lembrou, naquele momento, de Jia, no meio das árvores e do gramado, seu vestido voando com o vento e suas tranças caindo em seus ombros, seu sorriso agridoce e as palavras que saíram de seus lábios. 

Ela encostou seus pés nos de Jia por debaixo da mesa.

— E se eu te disser que eu também gostava de você? — Ela sussurrou e o sorriso de Jia aumentou.

— Eu acreditaria em você. — Ela inclinou a cabeça, pensativa. — O que você acha que teria acontecido se eu não tivesse me mudado? Se meu pai só tivesse ido embora?

Dominique suspirou e fez uma cara exageradamente reflexiva.

— Bem, continuaríamos sendo amigas, provavelmente viveríamos alguns anos estranhos de puberdade onde eu ia fingir para mim mesma que não estava super a fim de você, e provavelmente aos quinze ou dezesseis anos descobriríamos os prazeres da lesbianidade juntas, de preferência na minha cama.

Jia caiu na risada, suas bochechas atingindo um leve tom de vermelho enquanto ela cobria o rosto com uma das mãos, perplexa com a resposta direta de Dominique. Dominique a observava com cuidado do outro lado da mesa, ansiosa pela resposta. Jia a olhou, um sorriso enorme no rosto.

— O que nos impede de descobrir os prazeres da lesbianidade na sua cama aos vinte e dois anos? — Foi a vez de Dominique sentir suas bochechas corarem, e Jia deu de ombros antes que ela pudesse responder. — Eu tô só dizendo, eu senti sua falta, Dominique. E eu pensei muito em você esses anos. E você mudou, pra melhor, mas no fundo você tem a mesma alma da minha melhor amiga e primeira paixonite.

Jia fazia Dominique perder o sono e, aparentemente, o fôlego e as palavras também.

— Bem… meu dormitório é do outro lado do campus, dá uma meia hora a pé. Você quer ir andando pra lá? A gente vai conversando no caminho e…

— Sim — Jia a interrompeu, apertando sua mão. — Eu quero.

As duas se levantaram e saíram de mãos dadas do Costa Coffee. Dominique não sabia o que aconteceria depois daquilo, mas tinha uma sensação de que seria algo bom. Ela costumava achar que tinha atingido seu ponto alto aos sete anos; era mais sincera, mais feliz, tudo era mais fácil e mais bonito. Mas agora ela estava começando a achar que talvez, só talvez, seus vinte e dois anos estavam prontos para tomar aquele posto.

E o melhor de tudo: ela tinha seu primeiro amor ao seu lado novamente.


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Notas finais do capítulo

TE AMO KAROUZINHA DESCULPA PELO SOFRIMENTO