Bloqueio criativo escrita por Aislyn


Capítulo 2
Capítulo 2




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Enquanto Izumi continuava do lado oposto da sala, apontando a caneca para o invasor, pronto para arremessá-la quando fosse necessário, o rapaz continuava confortável em seu sofá, o dedo deslizando pelo touchpad, possivelmente lendo o texto em tela.

 

— Q-quem é você? – Hayato olhou para os lados, procurando qualquer coisa ao seu redor que pudesse usar como arma, aproximando-se do abajur e envolvendo-o entre os dedos – Como entrou aqui? Eu tenho certeza que tranquei a porta quando minha revisora saiu!

 

— Eu sou o Takeo. – o rapaz levantou-se do sofá, erguendo as mãos acima da cabeça – Você me deixou entrar.

 

— Eu? Você está louco! – ou talvez ele quem estivesse. Como aquele homem entrou? Tinha certeza que havia trancado a porta! Era quase um TOC: ele trancava e depois tentava abrir, para conferir que estava mesmo fechada – O que você quer? Não tenho dinheiro aqui e nem jóias!

 

— Ah, não tenho dúvidas disso. Alguém que recebe uma mulher daquela de pijama não deve estar muito bem de vida ou não é vaidoso o suficiente.

 

Hayato olhou para baixo, corando ao notar as roupas que vestia; uma camiseta relaxada com a estampa de uma banda que gostava e uma calça de moletom com alguns furos nos joelhos. Kojima devia estar tão acostumada a vê-lo assim que nem comentou a respeito. E não é como se tivesse interesse nela.

 

— E-eu gosto de ficar confortável em casa… – Izumi retrucou em resposta, notando a seguir que não precisava se justificar para um estranho – Eu vou perguntar de novo: como entrou aqui? Se você sair sem fazer nada, não vou gritar por ajuda e nem ligar para a polícia.

 

— Duvido que alguém possa fazer algo nesse caso. – o rapaz suspirou cansado, balançando as mãos no ar – Estou desarmado, ok? Podemos conversar sem nada voando na minha direção?

 

— Não se mexa! – era a caneca preferida de Hayato, mas ele não pensou duas vezes antes de lançá-la ao ver o rapaz caminhando em sua direção – Eu não sei quem você é, não sei como entrou aqui, mas não vou deixar você levar nada!

 

— Eu só quero conversar… mas que bom que sua mira é ruim. – ambos olharam para os cacos espalhados no chão, encarando-se a seguir – Parabéns pela coragem.

 

— Na próxima vai o abajur. Agora, quem é você e como entrou aqui? – Hayato ergueu o objeto acima da cabeça, segurando com ambas as mãos. Podia não ter a melhor mira do mundo, mas dessa vez seria algo maior, então as chances de acertar também eram maiores.

 

— Eu já disse: sou o Takeo. Você me deixou entrar. Você me criou! Lembra? O personagem da sua história! Você me descreveu como o cara descolado que as moças caem de amores assim que colocam os olhos. Sério que não tinha nada melhor pra escrever a meu respeito? Tudo bem, eu sou bonito, tenho noção da minha aparência, mas isso não mantém o interesse de ninguém por muito tempo.

 

Izumi estacou no lugar, pensando por um instante. Aquele nome era familiar, assim como a descrição. Olhou o rapaz de forma analítica, puxando na mente os dados do seu personagem: cabelo ruivo repicado, olhos acinzentados devido às lentes coloridas, calça jeans rasgada, camiseta e coturnos. Aquilo tudo batia, até o nome, mas eram características que podiam pertencer a qualquer jovem por aí. Contudo, somente uma pessoa havia lido sua história até aquele ponto e duvidava que sua editora comentasse a respeito com estranhos.

 

Talvez tivessem invadido seu computador… ou o dela. Algum hacker querendo acabar com a fama que conquistou após tanto trabalho…

 

— Ninguém roubou informações, relaxa… E sim, eu consigo ter uma ideia do que se passa na sua cabeça, já que tecnicamente estou nela também.

 

Izumi abriu a boca para retrucar, quando a campainha tocou, sobressaltando-o. Aquela era uma péssima hora para se ter visitas. Ele raramente recebia uma e duvidava que fosse Kojima. A moça não havia esquecido nada para precisar voltar até seu apartamento.

 

Intercalando olhares entre a entrada e seu invasor, Hayato se aproximou da porta, ainda com o abajur em mãos.

 

— Não mova nem um músculo. – avisou em tom de alerta, destrancando a porta e confirmando sua suspeita de que havia mesmo trancado anteriormente – Pois não?

 

— Izumi-kun! Quanto tempo? – uma velhinha simpática estava parada no corredor, encarando-o com um sorriso acolhedor.

 

— Ah… olá… – quem era ela? E sabia seu nome… de onde o conhecia?

 

— Você não deve se lembrar de mim, eu moro no apartamento no fim do corredor. – ela virou-se para trás, apontando a direção – Meu marido disse que eu não devia vir, pois ia te atrapalhar, mas eu fiquei preocupada depois de ouvir seu grito. Tenho certeza que foi você! Aconteceu alguma coisa?

 

— Aquele homem invadiu meu apartamento. Não faço a menor ideia de como entrou aqui!

 

— Não acredito, que horror! E levaram alguma coisa? Você se machucou? Talvez seja melhor chamar a polícia… – mesmo sem ser convidada, a senhora adentrou alguns passos, olhando ao redor à procura de móveis revirados ou quebrados.

 

— Não, não levou nad-… – um movimento exagerado chamou a atenção de Izumi, deixando-o boquiaberto. Seu invasor estava fazendo algum tipo de dancinha maluca em cima da mesa de centro, rebolando enquanto lhe apontava a língua – O que pensa que está fazendo?

 

— O que? – a vizinha voltou-lhe a atenção, seguindo com o olhar na mesma direção que o rapaz encarava – Aconteceu alguma coisa, querido?

 

— Esse idiota fazendo essas… coisas!

 

— Quem? – dessa vez, o olhar que Izumi recebeu foi de preocupação. A senhora caminhou de volta para a entrada, encarando-o desconfiada, pensando que talvez não tenha sido uma boa ideia ir até ali ver o que aconteceu.

 

— Ela não me vê. – Takeo parou próximo aos dois, ignorando que agora estava ao alcance do abajur. Não sabia se iria doer ou machucar, mas era melhor evitar aquele tipo de contato.

 

— Como não vê? Senhora, você est- Hei!

 

— Eu preciso preparar o jantar… está ficando tarde e meu marido não gosta quando demoro… – com passos curtos e apressados, a mulher chegou à metade do corredor, acenando em despedida – Desculpe atrapalhar seu serviço, querido!

 

— Mas…  Como você fez isso? – virando-se para o invasor, Hayato começou a se preocupar de verdade, não com sua segurança, mas com sua sanidade. Tinha certeza que havia um homem na sua sala, mas sua vizinha parecia não ter visto ninguém! – Espera… você está morto? Isso explica só algumas pessoas o verem…

 

A risada de Takeo preencheu o apartamento, deixando o escritor constrangido.

 

— Não estou morto. Só sei que ela não pode me ver. – o rapaz deu de ombros, tentando soar o mais sincero possível – Talvez por ter me criado e ser o único que me conhece, pode também ser o único a me ver.

 

— Minha editora conhece você! Ela vai poder te ver! – Hayato fechou a porta do apartamento, procurando seu celular em meio à bagunça da mesa, buscando o número de Kojima na lista. Esperou alguns instantes na linha, mas a ligação chamou até cair na caixa de mensagem – Hmm… Que estranho. Ela nunca demora para atender…

 

— Em primeiro lugar, eu acho que ela também não vai poder me ver. A imagem que ela tem de mim é diferente do que você projetou, isso levando em conta as caretas que ela fazia enquanto lia o capítulo. Em segundo, ela deve estar se arrumando pra passar a noite com o namorado ou com os amigos … coisas que você devia fazer.

 

— Eu não preciso sair… consigo tudo por aqui mesmo. – Izumi comentou distraído, tentando ligar mais uma vez para a moça, obtendo o mesmo resultado.

 

— Tirando sua revisora e sua vizinha idosa, há quanto tempo você não conversa com alguém de verdade?

 

— Ahm? Eu falei com o porteiro esses dias pra pegar algumas correspondências. – desistindo da ligação, Hayato largou o celular no sofá, encarando seu visitante com atenção, pensando no que fazer com ele. Ou melhor, consigo mesmo. Talvez precisasse de terapia.

 

— Não por telefone! Ao vivo! Vai, pensa aí e me diz: quando foi a última vez que saiu pra comer com algum amigo ou trouxe alguém pra sua casa? Quando viu sua mãe?

 

O escritor não sabia onde Takeo queria chegar com aquelas perguntas, mas não conseguiu responder nenhuma delas com precisão de imediato. Sabia que havia conversado com seu primo, mas quando não fazia a menor ideia. Sua mãe costumava ligar, assim como sua irmã, mas já fazia algum tempo que não ouvia a voz das duas… talvez alguns dias… semanas?

 

— Ok, ponto pra você. Talvez eu precise encontrar algumas pessoas, mas não hoje e não por esses dias. Eu preciso terminar esse livro.

 

— Um livro onde seu protagonista, no caso eu, sai com qualquer um que aparece pela frente, não dá atenção pra ninguém, não leva nada a sério, mas simplesmente morre de amores ao ver a mocinha indefesa. – Takeo revirou os olhos, jogando-se no sofá e se acomodando – Bela merda, mas acho que já disse isso. Sou totalmente fútil! Um inútil atrás de sexo. E sua mocinha é muito sem sal. Já pensou em usar sua editora como modelo? Ela é bonita, cabelos castanhos longos, olhos penetrantes, corpo cheio de curvas. Se abrisse aquele primeiro botão… – Takeo sorriu sacana, negando com um aceno – Mas, acima de tudo é inteligente, decidida e paciente com você. Seria uma ótima protagonista.

 

— Ela vai perceber se eu escrever usando-a de molde, não posso fazer isso!

 

— Ok, vamos tentar de novo: alguma outra mulher que conhece e poderia se basear? Alguma antiga namorada? Amiga de faculdade?

 

— N-não… eu não tinha muitas amigas quando estudava…

 

— Namoradas? Algum caso de uma noite?

 

— Eu não sou você! Não saio com qualquer pessoa que acabei de conhecer! – Hayato retrucou irritado, olhando a bagunça no chão e decidindo limpar. Precisava encomendar outra caneca.

 

— Se não quer isso pra você, então por que quis pra mim? Por que acha que esse tipo de atitude seria legal?

 

— Não sei! Queria um cara descolado, chamativo, bonito…

 

— Pegador… – Takeo completou com um muxoxo, suspirando longamente – É por isso que seu romance está tão vazio, você tem experiência zero com romances! Deixa eu adivinhar: o livro anterior fez sucesso porque era sobre primeiro amor, então foi super inocente.

 

Izumi não confirmou nem negou, mas sentiu o rosto queimar de vergonha enquanto terminava de recolher os cacos da louça e levava para a cozinha. O que iria responder? Que era gay, que havia saído com um cara na época que escreveu o primeiro livro, mas que ele o chutou depois de descobrir o conteúdo? Aquilo era vergonhoso demais! Apesar de ter gostado do desfecho que deu à história… Mas imaginava que, assim como seu ex-namorado, seus leitores talvez preferissem um romance normal e que não se espelhasse em sua vida pessoal.


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Notas finais do capítulo

Continua...



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