Xie Lian jogou os dados e deu duplo "um". Ele já esperava por isso. Nunca teve sorte em jogos ou apostas, talvez por isso nunca jogava. O azar o perseguia onde quer que fosse, estragando as coisas, sofrendo acidentes ridículos e atraindo adversidades para si. E agora nesse simples jogo de dados, era mais certo apostar na própria derrota.

Hua Cheng sorriu para ele. Perguntou o que iria apostar. Talvez um adorno novo, mas o palácio de Hua Cheng estava abarrotado de preciosidades. Talvez uma comida nova, elaborado por ele. Esqueça, não queria torturar Hua Cheng. Na verdade, não se importava de apostar nada. Queria apenas ver até onde conseguiria driblar sua sina de azar perpétuo.

"Se retirar essa tornozeleira de contenção sua sorte vai mudar." Hua Cheng o lembrou.

Não, ele não queria ficar livre de seu castigo. Aquela tornozeleira devia ser permanente. Ela sempre o lembraria de um jovem guerreiro chamado Wu Ming que perdeu sua vida por causa da insanidade de Xie Lian.

"A tornozeleira fica."

Hua Cheng encarou-o teimosamente, como se quisesse argumentar sua decisão.

"Um dia, há muitos séculos, conheci um rapaz. Ele era bobo e me seguia pra todo canto. Ele ... morreu por minha causa." Xie Lian baixou os olhos e ficou em silêncio, enquanto reunia forças para continuar falando. "Se ... eu não fosse estabanado, precipitado e descuidado, ele teria morrido de outra forma, na sua velhice." Novo silêncio. Xie Lian percebeu que iria chorar se continuasse a falar.

"Você o amava?" Foi a pergunta de Hua Cheng.

Xie Lian o olhou espantado. "Isso nunca me passou pela cabeça. Quero dizer, eu só o conheci por alguns dias, mas ele era como um livro aberto, eu poderia contar toda sua vida, só de olhar para ele."

"Então me conte."

Xie Lian abriu a boca para protestar, mas considerou que devia isso a Wu Ming. Ao menos reconhecer que ele existiu e que deu sua vida por ele, o imaturo e tresloucado Xie Lian.

"Foi logo após minha primeira ressurreição. Demorei cinco meses para retornar à vida, e quando voltei pra casa ..." Xie Lian não conseguiu continuar. A visão dos pais mortos o enchia de tristeza, como se o fato estivesse acontecendo agora. Ele cobriu o rosto com as mãos, enquanto tentava se controlar.

"Seus pais morreram." Hua Cheng falou o que ele não conseguia falar.

"Como ... como você ficou sabendo?"

"Tenho meus meios".

"Ah ... então, um jovem guerreiro me encontrou ... alucinando nas ruínas de Xian Le. Ele cuidou de mim como um escravo. Fez ... coisas horríveis por mim, como tirar a vida de outras pessoas e preparar um grande ataque ao reino rival. No final ... no final ele pagou o preço da minha estupidez e morreu. É isso. Se ele não tivesse me conhecido ..." Xie Lian não continuou a frase pois considerou redundante. As pessoas seriam mais felizes se não tivessem apostado todas as suas fichas nele. E por isso usava a tornozeleira de contenção da sorte, como uma forma de punição pela morte daquele jovem ingênuo.

"Se ele não tivesse te conhecido já teria morrido há muito tempo." Hua Cheng falou. Então levantou-se e buscou vinho de um armário. Encheu copos e levou um deles à boca de Xie Lian.

"Beba, Sua alteza" ele falou suavemente, embora parecesse uma ordem.

Xie Lian ia lhe dizer que não bebia, mas estava muito emocionado com as lembranças, então segurou o copo e bebeu, ainda com as mãos de Hua Cheng segurando o copo. Depois de beber todo o copo, Hua Cheng afastou-o de Xie Lian e segurou as mãos do outro nas suas.

"Sua alteza, se esse rapaz o seguiu até a morte é porque o respeitava e o tinha em grande consideração. Creia, sua única missão na vida era servi-lo e segui-lo. Ele não viu a própria morte como um acidente, mas como a mais alta honra. Acredite."

"Como ... você sabe?"

"Ele tinha cabelos vermelhos, usava uma máscara e se chamava ... Wu Ming."

O entendimento atingiu Xie Lian como uma epifania. Ele ficou emocionado e aproximou-se de Hua Cheng, e segurou seu rosto.

"Você é Wu Ming." 

Xie Lian aproximou-se mais ainda. Os sentidos entorpecidos pelo vinho. Ele beijou Hua Cheng. E então terminou o beijo e escorregou a cabeça para o ombro do outro e murmurou "obrigado e desculpe".

"Você não me deve nada, sua alteza, não precisa usar esse grilhão no tornozelo. Eu faria tudo de novo."

Hua Cheng carregou no colo um bêbado Xie Lian e levou-o para seus aposentos.