Unsteady escrita por Lux Noctis


Capítulo 1
Hold on, hold on to me 'cause I'm a little unstead




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/797085/chapter/1

“We’re all mad here”

Alice’s adventures in wonderland



Quanto tempo dura o que é eterno?

Às vezes, apenas um segundo.



Os relatos, a dor e angústia. O mundo parecia paralisado por uma eternidade. Descobriu que a eternidade, às vezes, durava um piscar de olhos. 

Travado, os pés fixos ao chão enquanto sua atenção desfocava daquele ponto específico, daquela voz, dos relatos que queria tanto não escutar ali, não escutar, talvez, nunca. Queria uma vida diferente, uma chance de algo melhor e não de ter sua família exposta aos olhos de todos, à curiosidade de todos. Engoliu em seco, sequer havia notado as lágrimas borrando-lhe as vistas. Mal enxergava em meio à toda fuligem, lágrimas e dor. Destoante de sua própria mente, fora do controle do que decorria diante de sei. Paralisado. Choque.

“Shōto!”, o chamado era uma ponto distante e vago em sua mente. Não sabia discernir se era algo do presente ou um chamado do passado bloqueado em sua memória que agora parecia desencavar cada ponto de dor de sua infância maculada por vazios, esforços, medo. 

“Shōto!”, ainda não sabia. O toque em seu braço era naquele momento ou uma memória muscular dolorosa e latente? Sentia os dedos em seu braço ou era sua mente lhe pregando uma peça enquanto seus olhos ainda estavam desfocados de toda a desgraça à sua volta? 

Não notava as lágrimas nas bochechas, não notava a garganta seca, sequer sabia que a respiração beirava a ruidosa por toda fumaça inalada. Voltou a ser apenas o pequeno Shōto, quebrado, incapaz de ajudar ou de pedir ajuda. Pequeno e indefeso, voltou às recordações de deitar sozinho e em silêncio, de chorar quietinho para não ser repreendido. Lembrou do calor que tinha ao sorrir feliz para a mãe… sem receber um sorriso caloroso de volta. Lembrou-se do calor no rosto, da dor lancinante, do desespero de manter uma faixa a lhe cobrir a face. Havia perdido tanta coisa estando quebrado.

Piscou os olhos. 

Um segundo.

Uma eternidade.

Uma vida. 

Voltou a abri-los, as lágrimas rolando na face manchada pelo desespero, mas agora enxergava um pouco melhor. O cenário não era melhor que o de sua mente, ou vice-versa. 

Teria caído. Havia tanto, tanto peso sobre seus joelhos, como se abarcasse nos braços todo o peso do mundo, as fichas caindo, os pontos acendendo conectados. Cada acontecimento em sua vida, cada episódio de raiva, cada dia solitário. Teria sido tudo diferente? 

O ar era rarefeito, como se em grande altitude. A fuligem ardia a garganta, as lágrimas ardiam a vista. A merda fora jogada no ventilador. Não que ele não soubesse que sua família tinha defeitos, ah, ele sabia. Não que ele não imaginasse que algum dia cederia ao cansaço de sua mente, mas ele achou que, por ora, havia superado. 

Gatilhos eram estranhos; ações de outros despertavam nele aquele ponto, como uma alavanca a ser acionada, um botão específico a apertar. Tremia, as mãos suavam, gelo e fogo haviam extinguido como se bloqueasse aquilo que poderia usar para se defender, contra atacar… fugir. 

Poucas coisas fixavam em sua mente; Touya estava vivo. Dabi era seu irmão. O mesmo irmão que jurava sentir falta. O mesmo que tentou matá-lo. O mesmo que tentou ferir seus amigos. Talvez sua família não soubesse amar, talvez fossem todos peças danificadas num mecanismos de uma engrenagem enferrujada. 

Não notou que havia movido o corpo, mas estava em guarda. Olhava sem decorar nenhum detalhe, mas voltou a sentir o aperto em seu braço, e forçou-se, mesmo que brevemente, a olhar. 

Ele estava ali. Naquele momento, estranho, confuso, partido e fragmentado em sua mente, mas ele sabia que Enji estaria ali. Machucado, ferido. Todos estavam. Talvez fosse ele quem o chamava ainda há pouco. 

Gritar ainda era viável? Algo ali era viável?

Foi a última coisa que pensou, ainda tinha pedaços de memórias. Tinha os braços de Enji a lhe puxar, o impacto de chocar-se contra ele, o calor, a estranha proteção, mas sentia-se como um nervo exposto e pulsante. Um coração aberto para estudo e sacrifício. 

Todo o resto era borrão. 

A risada de Touya, suas palavras ácidas e seu convite insano. 

 

A luz branca incandescente era fria. Não se lembra de ter fechado os olhos, ou de abri-los, mas encarava a lâmpada no teto daquele quarto branco. Era tudo branco. Branco, branco, branco. Talvez tivesse uma crise, estava na mesma clínica que sua mãe? Eram todos loucos, afinal? 

Não lembrava-se de ter consciência sobre o corpo. Era como flutuar, ao mesmo tempo que sentia-se afogando, sufocando. Queria chorar, mas não conseguia. Queria colocar para fora aquele desconforto, então com um estampido seus ouvidos zuniram, o quarto encheu-se de som, passos no corredor. Virou o rosto, sem um real interesse, queria apenas saber onde estava, se se poderia sair dali o quanto antes porque a sensação não era boa. 

A porta abriu num ruído engasgado, Bakugō estava com ataduras, apoiava-se teimosamente para andar sem pedir por ajuda, e Shōto notou. Conhecia-o àquele ponto. 

Não disse nada, talvez tivesse perdido a voz em meio à fuligem e desespero. Esperou que ele se aproximasse e, curiosamente, com isso sentiu o pânico. Lembrou-se de quando Dabi o levou junto aos demais vilões… seu irmão havia tocado em Katsuki no intento de feri-lo. As mãos tremiam, as vistas estavam embaçando. Não dava para engolir em seco, não quando a garganta parecia fechada, o coração acelerado fazia tudo piorar. Sentou-se, todo o corpo agora tremia e notou no olhar de Katsuki que esse detalhe não havia passado batido. Teria gritado, mas tapou o rosto com ambas as mãos. sufocado nas próprias palavras e angústias. Não pode proteger Touya… talvez dele mesmo? Não pode proteger sua mãe, não pode se proteger. Não pode protegê-lo.

Estava hiperventilando. 

Respirar doía. O peito parecia comprimido pelas costelas quando tentava puxar o ar, não sentia mais as mãos, a parestesia dos membros o deixava desconfortável, não tanto como sua visão escurecendo. 

—  Shōto!

—  Eu não posso… ele… eu… somos todos loucos! Eu não seria o primeiro Todoroki a enlouquecer. Eu tenho que…

—  Continue sentado, ou eu mesmo forço você a manter essa bunda na cama, tá me ouvindo, porra? —  A mão dele pousou em seu ombro. 

Não foi um feixe de luz num dia nublado, mas chegou bem, bem perto. 

A presença dele naquele quarto já indicava algo. Aquele aperto firme em seu ombro, os dedos quase marcando-lhe a pele sobre a roupa hospitalar. Os olhos carmesins a lhe encarar com a força de 10 homens ou mais. Bakugō era uma força da natureza em forma de gente, e estava ali, ao seu lado. 

Foi outro segundo de eternidade. O deslizar da mão dele sobre seu braço, o desespero latente achando que ele se afastaria, então o semi sorriso arrogante e os dedos dele entrelaçados aos seus. Respirou fundo de novo. 

—  Ele é meu irmão, Katsuki. E tentou me ferir, tentou… ele feriu você. 

—  E caso não esteja vendo, meio a meio, eu tô bem aqui. E não vou a lugar nenhum. Você não tá sozinho. 

Era instável. Os dois, por motivos diferentes. Mas podiam sustentar um ao outro quando falhassem. Poderiam ficar lado a lado como já estavam fazendo às escondidas. 

Sua mão ainda tremia junto a dele, mas aquele aperto no peito aquietou um pouco quando Katsuki permaneceu ao seu lado, mandando enfermeiras à merda dizendo que não sairia dali nem amarrado. Se Katsuki estava brigando, ele se manteria são para lutar também, porque sabia que, embora não lembrasse de muita coisa do ocorrido, aquilo seria sua vida a partir de então. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!