Ilíria acordou com o barulho de Heather resmungando sozinha, olhou o despertador apenas para confirmar que estava cedo demais para que sequer começasse a pensar em se levantar, a luz do banheiro estava acesa então presumiu que a amiga estivesse se arrumando. Enfiou o travesseiro na cara tentando voltar para o sono, os minutos passaram sem que conseguisse voltar a dormir, e quando concluiu que já estava tarde demais para continuar tentando, se levantou. Enfiou os pés nas pantufas macias e puxou o cabelo em um coque alto, apenas para se arrastar até a porta do banheiro, olhar Heather pelo espelho e poder dizer:

—Eu não sei quando foi que você começou a falar sozinha, mas vou ficar muito agradecida se você puder parar. —se abaixou tentando pegar a bolsa que deixava guardada em um armário no banheiro, e quando saiu foi seguida de perto pela loira.

—Eu te acordei? —Heat sentou na cama da amiga, quase frustrada enquanto usava um feitiço para alongar os cílios.

—Não, ainda estou dormindo. —a Smith nem mesmo lhe dignou um olhar.

—Você acha que eu estou menos bonita? —Ilíria, que passava um creme nas bochechas, encarou-a chocada.

Heather Smith era linda. Era o tipo de garota que todas as pessoas paravam para olhar, mesmo Ilíria ficara um pouco surpresa quando a conheceu, piscou duas vezes para ver se aquele cabelo loiro brilhante parava de cegá-la, mas então tinha as maçãs do rosto altas, os olhos grandes e claros, o nariz pequeno e uma boca bem feita, era quase inacreditável que alguém tivesse o direito de ter um arco do cupido tão bem feito, e ela só tinha onze anos. Porém, com o passar dos anos ela criara quase que uma dependência por ser admirada, então começaram a surgir os feitiços “de ajustes”, o único problema era que ela não precisava ser ajustada. No inicio era o disfarçar de uma pinta que ela não gostava, um alongamento de cílios, então foi aumentando até que se tornassem um jeito de manter as pessoas fissuradas por ela, tinha quase certeza de que ela conseguiria competir com uma Vella.

—Você não conseguiria ser menos bonita nem se tentasse. —respondeu gentil, voltando a espalhar o creme pelo rosto e ainda pensando no quão estranho era aquilo: sabia que Heather, com ou sem feitiço, era absolutamente mais bonita, e ainda assim era ela que confortava a amiga quanto à aparência. —E continuo achando que você deveria parar com isso, é trabalho demais acordar tão cedo só pra ficar fazendo um monte de feitiços quando você já é a garota mais bonita de Hogwarts sem nenhum deles.

—Eu fico tocada sempre que lembro que você tem coração, Liri. —botou a mão no peito em uma cena dramática, tentando descontrair a situação porque nenhuma das duas era boa com momentos assim, o fato de que sabiam que estiveram sozinhas até se encontrarem transformava tudo em emoção demais. —Eu não sou a mais bonita de Hogwarts.

—Me conta outra. —devolveu pegando sua toalha e o uniforme.

—Você sabe o que houve com o Wood? —o tom de voz de Heat deixou claro que o plano estava funcionando muito bem.

—Ele sofreu um acidente? Pensei que acabar na Grifinória já fosse castigo o bastante. —Ilíria não se importava de verdade com que casa era de quem ou o que fosse, mas gostava do jeito como as pessoas pareciam profundamente ofendidas quando falava disso.

—Ele está me ignorando! —quis revirar os olhos, ela recebia mais convites para ir a Hogsmeade em uma semana do que a morena já recebera de cartas sua vida inteira, e ainda assim queria saber quão bonita era se baseando em Oliver Wood a olhar ou não?

—O garoto cismou que ‘tá apaixonado e quer te conquistar. —contou de uma vez, ele nunca pedira sigilo, e só queria tomar um banho antes que ficasse tarde.

—O plano dele para me conquistar é me ignorar? —se tivesse uma câmera, tiraria uma foto da expressão incrédula de Heather e mandaria para o Wood com uma nota de “eu avisei que era um plano idiota”, mas por algum motivo o defendeu dizendo:

—Bem, ele conseguiu chamar sua atenção, não é?

—Você tem um ponto. —concordou, antes de perceber que Ilíria sabia do plano do grifinório. —Como sabe disso? Pensei que não se falassem.

—E de quem você acha que ele foi atrás?

—Me deixa adivinhar: ele te salvou e você ficou devendo? —o revirar de olhos e as bochechas vermelhas foram resposta o bastante. —Liri, quando as pessoas fazem algo por mim eu digo “obrigada”, e só.

—Eu sei. —suspirou frustrada, cuidava dos próprios problemas desde jovem demais e não lidava bem com a sensação de que estava falhando.

—Ele espera que eu me apaixone? —a risada de Heather mostrava como aquilo era irreal. —Avisou que isso não vai acontecer?

—Tentei. —deu de ombros sem se importar muito. —E ao invés de me ouvir, ele me transformou na assistente dele, quem diria.

—Fica com ele. —o tom animado de Heather não combinava com o momento, e talvez por isso Ilíria tenha demorado a entender o que exatamente ela queria dizer com isso. A loira pode acompanhar as reações dela como se fosse um filme muito interessante, primeiro a incompreensão, então a confusão, o entendimento e por fim o horror.

—Quê? —a voz dela estava mais fina que o normal, precisou rir.

—Qual o problema? Ele é bonito. —Heat parecia achar que isso é resposta o bastante. —E beija bem.

—Não, só não. —sentiu os ombros tremerem de leve, a expressão de nojo fixa no rosto, e se fosse sincera nem saberia dizer por que estava reagindo tanto se não era a primeira vez que a amiga dizia algo assim. Caminhou para o banheiro rápido, tentando parar de se imaginar beijando Oliver Wood, a pior parte era que não era verdadeiramente repulsivo.

—Bem, se você não quer, eu vou então. —ainda pode ouvir a outra dizer, de qualquer forma, que chance teria contra Heather?