Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 9
O Compositor




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Na mansão de Graziele ninguém sabia direito o que pensar. O que foi o escândalo da lanchonete? Não se tinha certeza se a onda de memes que apareceram tirando sarro da cantora, a partir daí, seria apenas passageira ou o fim de uma fama. Ela estava reunida com seus patrocinadores, agentes da gravadora, e claro, seu representante legal. Porém, ninguém ali estava mais irritado com a situação do que a própria Graziele. Afinal, seu orgulho gigantesco se recusava admitir qualquer falha na carreira. Isso TERIA que ser resolvido.

Alguns dos agentes comentaram que podiam pensar a situação de forma mais positiva. Nunca o nome de Graziele esteve tão comentado na internet. Ainda que fosse o nome que ela detestava. Poderiam usar aquilo como estratégia de marketing. Poderia ser difícil tirar a imagem e a pose de “diva” que a cantora tinha, mas talvez transformá-la numa figura mais caricata, como uma nova Jojo Todinho, por exemplo, era uma saída que eles cogitaram. E ainda foram mais longe: ela podia investir em shows mais populares e baratos, em lugares mais simples, para que dependessem menos de lucro e expandissem o público.

Já estavam quase fazendo reserva em uma boate em São Gabriel do Oeste, interior do Mato Grosso do Sul, quando a famosa deu um faniquito dizendo que não se apresentaria “num lugarzinho mequetrefe desses”. E também se negava a se assumir como motivo de zombaria. 

 — Então não vai ter jeito nenhum, porque você JÁ ESTÁ sendo zombada. Vai nos dar um prejuízo danado…- olhando sério para ela, um dos patrocinadores completou - você precisa reconquistar o grande público ou nosso contrato já era!

 — Acontece que o show é meu e seu patrocínio não me faz falta. - a anfitriã falou abrindo os braços exageradamente, chamando atenção para a mansão cara ao redor deles. - Numa casa da noite qualquer a gente nem encontra um músico competente, que preste. E a apresentação vira balbúrdia. Não tem nem equipamento de som decente… É demais, né? Definitivamente não.

Um dos agentes musicais, então, mencionou que haveria um festival na divisa com o Paraguai. Talvez lá ainda não tivesse chegado a zombaria e seria uma chance de expandir o público. 

 — Eu vou expandir o público pro PARAGUAI?! Pois prefiro perder a fama do que botar meus pés naquele paizinho de quinta categoria!

Enquanto eles discutiam, Jacques timidamente tirou seu celular do bolso. Ninguém pareceu notar. Depois de um tempo concentrado pesquisando, ele ergueu a mão pedindo para falar, inseguro. Disse que no fim do mês o conservatório de música de Brasília faria uma mostra inédita de música popular contemporânea, e que se ela conseguisse se apresentar em um lugar daqueles, essa seria a maior chance de limpar sua fama. Ela torceu o nariz para essa ideia também, mas pareceu considerar. Os funcionários da gravadora ficaram se olhando, sem saber porque não tinham pensado nisso antes. Mas um ainda ergueu a mão para falar.

 — Precisamos lembrar que o buraco é mais embaixo. Não sei se vão nos  deixar participar. Ainda que o conservatório esteja se abrindo para músicas atuais, é bem capaz de não considerarem Graziele adequada o suficiente para ser apreciada por críticos de arte.

A cantora ficou chocada. 

 — Não é possível que eles só gostem daquelas musiquinhas chatas de velho! Eles não tem vida normal não?! 

Jaques começou a tremer, com receio de ter dado uma ideia absurda demais. Então Graziele olhou diretamente para ele e perguntou séria:

 — Você tem alguma ideia de como fazer para eu me apresentar lá?

 — Bem, - pigarreou enquanto tentava recuperar a compostura - vai dar um pouco de trabalho, a gente provavelmente vai precisar reforçar a segurança para os fãs não causarem nenhum tipo de tumulto durante a apresentação, vamos precisar também negociar com os diretores da instituição e… - ele precisou respirar fundo para tomar coragem de dizer a próxima coisa -  criar uma música um pouco diferente do seu estilo para agradá-los - terminou de falar fazendo uma cara triste, como se pedisse desculpas. 

Graziele concordou com a cabeça, séria. Na atual situação, isso era mais assustador do que se ela tivesse dado mais um dos seus  chiliques. Ao contrário, muito calculadamente ela falou:

 — Certo. Entendi. - então se aproximou dele bem brava e apontou-lhe um dedo na cara.- VOCÊ vai criar essa música, então! Contrate um grupo musical diferente, um professor para te ensinar a tocar alguma coisa, não sei, dá teu jeito! 

Ao contrário do que Graziele esperava, ele concordou um pouco… feliz? Por mais que ele estivesse fazendo um serviço para outra, essa podia ser sua grande oportunidade de compor, mostrar ao mundo um pouco do quê realmente gostava. Só de imaginar uma música escrita por si mesmo tocando num conservatório e ouvida por milhares de pessoas… parecia um sonho.

 — Eu topo! - falou um pouco empolgado demais. Achava que podia ser capaz de sair voando dali, só de felicidade. Ele fez questão de ainda assinar um termo se comprometendo a ser compositor de Graziele; uma forma de garantir também que ela realmente faria isso acontecer.  

Assim que foi tudo acertado então e os patrocinadores e agentes começaram a apertar as mãos, Jaques fez questão de comprimentar cada um deles e na vez de Graziele, fez questão de dar-lhe um forte beijo na boca. Assim que terminou, se arrependeu, pois pensou que ela fosse empurrá-lo para longe, mas ao contrário, ficou com um sorriso de lado, meio jocoso, impreciso. Não estava esperando, mas certamente tinha gostado dele ter tomado a atitude aquela vez. Os outros foram saindo e eles foram ficando, pagando bastante de casal mesmo. Porém, quando a última pessoa saiu pela porta da frente, e os dois ficaram sozinhos, o clima ficou um pouco estranho e reinou o silêncio entre eles. Até Graziele fazer um gesto brusco, colocando as mãos nos quadris e assustando o rapaz que acreditava que já estava tudo bem.

 — Até que é boa sua ideia, sim, mas eu só vou ficar feliz quando ver essa música pronta.

Era uma ousadia fora dos limites, já que a artista profissional era ela, e o advogado que estava sendo cobrado para levar a composição nas costas. Não seria uma grande chance para Jaques. A canção não ficaria conhecida em seu próprio nome. Mas era melhor que a nulidade que seu talento tinha sido obrigado a enfrentar até ali. 

E seria para a sua grande ídola e paixonite, isso lhe cegava para qualquer problema.

 — Primeiramente, preciso te explicar como funcionam os registros das minhas canções. Você vai ter uma pequena participação nos lucros que a música render, porém, meus compositores sempre arcam com os custos dos equipamentos de gravação, músicos, locação de estúdio e com o próprio registro da letra e da partitura. Por exemplo, mês passado o Spotify me repassou 3500 reais pelos streams da canção “Sonho de Consumo”. Descontada a minha parte e dos meus agentes, e esses gastos que o compositor teve, ele ganhou pouco menos que 800 reais.

 — Você não precisa me lembrar. Sou seu advogado. Eu mesmo que cuidei dos repasses.

Trabalhando na firma do pai, Jaques com certeza ganhava mais. Contudo, trabalhando na firma do pai, Jaques não era feliz.





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