Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 35
Bora




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— Respeitável público, com vocês a mais nova sensação em termos de banda nesse país! Aqui, na minha lanchonete! — Seu Xisto não cabia em si de tanta felicidade. As portas do lugar estavam todas abertas para a rua, que havia sido fechada com antecedência para receber o evento, e mesmo assim, o estabelecimento nunca esteve tão cheio. Havia mesas espalhadas pela pista e calçadas, viradas para um palco de quermesse montado ao lado da lanchonete. Os funcionários do lugar fizeram hora-extra decorando tudo na noite anterior, incluindo Milena. Mas seus colegas de trabalho, atendentes, não faziam ideia de que também a veriam no palco naquele show. 

 Nas coxias, ela tremia de nervoso. 

 – Não sei se vou conseguir. — Ela dizia para Marizete, que obviamente foi convidada para o evento. A senhora, colocou a mão no ombro da cantora, e sorriu docemente:

 — Claro que vai. Veja bem, você já está até conseguindo compor sozinha! Aquele outro menino simpático da sua banda me mostrou agora há pouco… Qual é mesmo o nome dele? 

Sem pensar, Milena respondeu desatenta:

 — O Ricardo?

A senhorinha estreitou os olhos:

 — Não… não era esse o nome dele…

Antes que a conversa continuasse, gritos começaram. Eram os fãs que já chegavam, tentando aparecer em uma matéria gravada ao vivo por uma equipe de jornalistas artísticos da TV:

— Estamos aqui onde em breve vai acontecer o show dos Desqualificados, e olha, o público está muito empolgado, não é sempre que uma banda famosa faz um show acessível para o povo, não é mesmo?!

 Mais berros ao fundo:

— É barato, sim! Desq, a gente te ama! 

Marizete lá de dentro, perguntou outra coisa:

— Aqueles arruaceiros… críticos nojentos… Será que vão aparecer aqui hoje?

Era a terceira vez que a idosa perguntava aquilo para Milena no dia. Levando em consideração seu estado mental quando se conheceram, a idosa estava até muito bem. A mais nova atribuía isso ao menor estresse na vida de Marizete depois dela ter saído das ruas. E de qualquer forma, sabia que a outra se referia ao que houve no outro show em que os fãs de Graziele atacaram o público da banda.

 — Fica tranquila. O Magno já mexeu os pauzinhos dele entre os críticos e a Graziele, bem… Ela não tem mais a mesma influência desde que parou a polícia na casa dela. 

A senhorinha ficou pensativa por um tempo. Depois disse:

—  Não sei quem é esse Magno que você está falando, mas acredito em você… Mas tadinha da Graziele!

Aquilo surpreendeu Milena.

— Ué, você… lembra dela?

— Como não lembrar? Parece comigo quando era mais nova… Tão jovem, mas nem tão pequena… Podia até ser minha filha..

 Marizete disse isso com um sorriso tão perturbado que até desconcertou Milena. Parando para a reparar, as duas realmente tinham o mesmo olhar. Mas… Marizete tinha problemas mentais, e além do mais seria muita coincidência… não seria?

 De qualquer forma, a conversa das duas foi novamente interrompida agora por Ana e Patrick que chegaram juntos na coxia. Os músicos vestiam roupas pretas e roxas, nas cores da logo da banda.

— Estamos prontos. — Ana falou, cruzando os braços.

— O Ricardo tá no palco, ajustando o som. — Patrick explicou logo, sem graça, analisando timidamente Milena enquanto falava. Ela percebeu e se perguntou se ele já sabia de alguma coisa além do climão com o baterista. 

— Er, bem… Vamos, então? — perguntou aos outros dois, limpando a garganta. Seria o primeiro show depois do fim oficial de Ana com Ricardo. Tinham que se esforçar para dar muito certo ou haveria uma ruptura catastrófica na banda. 

— Bora. — A prima falou séria, pegando sua guitarra e dando as costas. 

Marizete deu um aceno afetado de boa sorte e foi saindo do camarim em seguida, muito decidida. Milena, preocupada, iria atrás dela, mas Patrick lhe segurou delicadamente pelo pulso.

 — Deixa ela. Precisa de um pouco de liberdade também. Não achou que alguém ficaria o show todo presa aqui no backstage, né?

 — Sim, mas ela não conhece…

 — … Aqui muito bem? — Patrick completou a fala da vizinha. — A Marizete vivia por aqui, lembra? Fica tranquila. Apesar de tudo, ela sabe se cuidar e está bem melhor. Dê um voto de confiança. De qualquer forma, estamos vendo tudo do palco. — Ele completou com uma piscadinha para Milena. A moça sorriu.

 — Vocês, né? 

—  Então aproveita e assume sua posição. — O baixista falou pondo suas mãos nas costas de Milena gentilmente e lhe guiando para onde tinham combinado. Não sem antes dizer:

— Olha, eu percebi que tem alguma coisa entre você e o Ricardo, dá pra sentir no ar… Eu não quero atrapalhar ninguém se esse for o caso, embora a ideia me incomode um pouco. Eu já tenho os problemas do meu pai para me preocupar, e ele continua sem querer se aproximar muito… — Patrick falou colocando o braço para trás, desconfortável. Mas então se aproximou e disse no ouvido dela — Porém, se achar que a gente tem ainda alguma chance, pensa com carinho, enquanto eu ainda tô aqui pra você. —  Ele completou dando um beijo na bochecha de Milena e se afastou para o palco, olhando-a sorrindo. E não foi um sorriso presunçoso, foi um sorriso de alguém que sabia que estava fazendo a coisa certa: tentando, mas não forçando; esperando, mas não pra sempre. De alguma forma, aquilo inspirou a vocalista a dar o seu melhor. Revigorada, foi se arrumar também. Colocou o traje que combinaram, e rezou a oração do anjo da guarda que tinha aprendido com o pai.

***

De cima do palco, belíssima usando um vestido roxo, meia-calça preta e botas prateadas, Ana jogou o curto cabelo para trás da orelha e empunhou sua guitarra, começando a ritmadamente fazer um riff que contagiou o público.

—  Esse eu não conhecia, mas irado!

— É música nova! — gritavam alguns fãs.

 Em seguida entrou o baixo de Patrick encorpando o som. Ele sorriu ao ouvir alguns gritinhos vindos da plateia, mas continuou focado na música. Essa era uma das especiais. Por fim, a bateria começou a marcar o ritmo, ao mesmo tempo em que Milena soltava as primeiras notas de sua voz:

Você vê apenas parte da história

Nem tudo é o que parece ser

Pode ser que eu tenha alguma vitória

Mas também sei perder

 

As pessoas ouviam a música ,vidradas, sem nem perceberem muito uma moça que passava entre os ouvintes com o uniforme da lanchonete do seu Xisto, o cabelo preso em um boné, usando óculos escuros e uma maquiagem forte.

 

     A vida é bem louca

    E ainda é tão boa

 

A funcionária tentava distribuir panfletos de agradecimento, enquanto cantarolava:

 

  Ter tudo que um dia eu sonhei

  Não parece tão ruim

 Ter tudo que um dia eu sonhei

 Não podia ser assim?

Porém tô com sorte, pra chegar aqui

Não dá pra voltar, nasci pra ser assim

 

Uma criança, que sem conseguir enxergar o palco, resolveu aceitar um papel, ficou atônita ao reparar que a moça que lhe entregara estava cantando. Ela sorriu e continuou:

 

  Pra quê procurar por muita glória?

 Só quero o que consigo ter.

Meu nome está famoso agora

Por quanto tempo, não sei ver

 

Aos poucos, algumas outras pessoas na plateia foram reparando também. Elas comentavam surpresas, entre si: “será que é ela?”. Lentamente, um foi cutucando o outro, apontando, e de repente se formou uma aglomeração de fãs alvoroçados em volta dela, acreditando terem encontrado a vocalista. Estava começando a ficar difícil se movimentar e cantar ali, mas Milena estava feliz por estarem lhe reconhecendo, era parte do plano. De repente, junto de um momento em que o som da música ficou mais brusco, a goiana fez um gesto pra cima e um helicóptero que sobrevoava o local, lançou umas cordas, ao mesmo tempo em que a música se suavizou, no que a vocalista se ergueu nelas, sabendo o que fazer pois tinha ensaiado algumas vezes, sendo suavemente erguida e levada um pouco para trás, indo especificamente para os fundos do palco. 

 Alguns fãs ficaram tristes pela aparição ter sido sem aviso e tão rápida, mas a maioria aplaudiu e achou o máximo, dando vários gritos de aprovação para os músicos que ainda tocavam em cima do palco. Apesar dos aplausos, eles não paravam com seus instrumentos, e a voz da Ghost continuou:

 

No fundo, carrego as minhas raízes comigo

Mas tudo de novo que vivo, aprendo a achar lindo

Tentando sobreviver, tentando aprender, tentando simplesmente ser

 

Milena tinha sido levada para trás do palco. Tentava manter a calma e manter seu tom sob controle até repetir:

 

simplesmente ser…

 

Nisso, a guitarra de Ana rosnou dois acordes intensos, no que os dois outros instrumentistas, pararam apreensivos. Quando o som voltou, para a surpresa de todo o público, as cortinas metálicas do palco se abriram e Milena subiu, assumindo seu lugar junto da banda.


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