No dia seguinte, no trabalho na lanchonete, Milena volta e meia se atrapalhava, anotando um pedido errado ou tropeçando na quina do balcão. O colega de turno riu mais que o normal com essas gafes e seu Xisto precisou dar uma chamada nos dois.

 Acontece que ela estava com a cabeça no ar, não conseguia parar de pensar no beijo trocado com Patrick na outra noite. Se perguntava como ficaria sua relação com ele depois daquilo. 

 Quando deu sua hora de sair da trabalho, suspirou aliviada, não sem antes ser abordada pelo patrão:

— Então, conversou com os músicos que trabalham contigo sobre a propaganda? Eles toparam? 

 A mulher quase deu um tapa na própria testa. Com tanta coisa acontecendo, tinha esquecido completamente disso; além do mais, como falar com todos os “músicos que trabalhavam com ela” se um estava desaparecido, a outra, não queria lhe ver nem pintada de ouro, e Milena não fazia a menor ideia de como encarar Patrick de novo sem ruborizar. Sim, na hora pareceu tudo perfeito. Encarar a consolidação dos fatos no dia seguinte que era difícil. Por isso que tantas pessoas acabam sendo adeptas de ficar e desaparecer depois. 

— Milena? — o chefe, impaciente, estalou os dedos na frente do rosto dela. — Posso contar que vai fazer isso, não é?

— Pode sim. — foi tudo que a moça disse. Não queria ter que se abrir sobre seus problemas para o chefe. 

Saindo de lá, decidiu passar na ONG onde Marizete morava antes de voltar para a vila. Não via a senhora já há um bom tempo, e estava precisando de um dos conselhos da boa velha naquele momento tão louco. Durante o caminho, também telefonou para o pai, mas só dava ocupado. 

— A que devo a honra da ilustre visita dessa princesa? — Disse Marizete, arregalando os olhos e sorrindo assim que viu Milena na porta do seu simples quarto na ONG.

— Olá! Eu precisava te rever…

— Aviso logo que não fiz nenhuma música nova. Estou passando por um momento de bloqueio! — Falou, fazendo um gesto enfático, colocando a mão na testa de modo exagerado, enquanto se curvava para trás.

— Imagina, Marizete, nunca iria te cobrar isso. Aliás, você sabe que só aceitei as suas músicas porque eram presentes.

— Certo, então me conte, jovem sublime, o que tem acontecido na sua vida?

Assim passaram a tarde, Milena contando os mínimos detalhes do que estava acontecendo e desabafando, enquanto Marizete ouvia e dava seus conselhos excêntricos, porém sábios. 

— Mas essa sua inimiga, Graziele… sinto coisas com ela. Há conexões conturbadas! — Marizete falou, um pouco mais agitada que o normal quando Milena disse que desconfiava que tinha dedo da rival no sequestro de Ricardo.

— Calma, como assim?

— Tem olhar do nobre apaixonado… — Falou a senhora mais baixo, como se contasse um segredo.

— Que nobre? — Milena perguntou, cada vez mais confusa.

— Ele. — Marizete respondeu simplesmente e então se calou, com uma lágrima que lhe desceu dos olhos. 

 A mente da outra rodopiava enquanto isso, pensando no que a idosa na sua frente podia estar querendo lhe dizer. Mas seus pensamentos foram interrompidos por “93 Million Miles” tocando de repente no seu celular. Na tela, aparecia que contato de Ana estava fazendo uma chamada. Seu coração gelou. A prima não falava mais com ela desde a apresentação com a Polo 91. E mesmo quando se falavam normalmente, Ana não era o tipo de pessoa que telefonava quando podia mandar uma mensagem.

— Alô? — Milena falou devagar e cautelosa.

— Tô indo pra delegacia agora. — a parente falou rápido.

— Espera, como assim?!

Ana deu uma bufada impaciente.

— A polícia descobriu o paradeiro do Ricardo. Adivinha?

— Graziele.

— Exato. A louca postou um pedido de socorro no Instagram se entregando. Sinceramente, não precisava disso, quem mais armaria uma parada dessas contra a banda? Esses policiais foram bem lerdos também!

— Calma… Ela se entregou pelo Instagram? — aquilo sim surpreendia Milena.

— Abre aí o aplicativo que você vai ver.  Ah, eu tô indo aqui na delegacia pra fechar a denúncia, porque me ligaram já que supostamente eu seria a namorada desse pamonha… Mas aviso que eu não vou lá na mansão da Estrambólica Barbosa, não, se quiser, você que vá. Já tem uma viatura indo para lá, é só você se identificar com os policiais que eles deixam você acompanhar a operação. — Então desligou a chamada, sem dar tempo de resposta para a prima.

 “Bom, é um avanço”, Milena pensou. “Para quem não estava trocando nenhuma palavra comigo, é um avanço”

— Marizete, desculpa, eu preciso ir agora. Surgiu uma emergência que eu preciso resolver.

— Sempre soube que princesas salvavam o dia. — foi tudo que Marizete respondeu, com um olhar de respeito, sentada em sua cama, no meio dos lençóis. Milena então lhe deu um abraço e se despediu, mas antes de sair, se deu conta de uma coisa:

— Eu te conheço já há algum tempo, e a gente tem uma amizade tão legal, mas até agora eu sei tão pouco sobre você… Quer dizer, eu nem sei seu sobrenome.

Inesperadamente, naquele momento, os olhos sonhadores da senhora ficaram mais opacos e ela disse:

— Barbosa. Marizete Barbosa.

 Então, da mesma maneira rápida que esse raro momento de lucidez aconteceu, ele se desfez, e um segundo depois, Marizete já estava olhando para o lado cantarolando. 

 Milena congelou no batente. Depois sacudiu a cabeça. Aquela mendiga ser parente de Graziele era um absurdo. Não, devia ser coincidência. Ela não era a única pessoa com esse sobrenome no mundo, muita gente tinha. Além do mais, a família da rival era latifundiária, não tinha como uma parente dela ser tão pobre a ponto de morar na rua. 

 De qualquer forma, apressadamente, ainda chamou uma das voluntárias da ONG e pediu para atualizarem a ficha da senhora com o sobrenome. Em seguida, rapidamente digitou o endereço da outra cantora e chamou um uber para o local. Durante o percurso, por mais absurdo que parecesse, a ideia de que Marizete e Graziele podiam ter algum parentesco martelava na cabeça de Milena. Tentou se distrair procurando a tal publicação que revelava o paradeiro de Ricardo.

 Procurando por Graziele Tesmon no Instagram, logo viu a postagem mais recente, um vídeo em que ela dizia exageradamente:

 “Meus seguidores, preciso da ajuda de vocês! Estou presa em minha própria casa e não consigo sair! “ nisso Ricardo passava atordoado, atrás dela no vídeo “O baterista da DESQ está aqui comigo e diz que não tem como abrir a porta mais, mas não confio nele, eu estou desesperada! Por favor, qualquer ajuda… help!”

Então ela não tinha exatamente se entregado, mas confirmado que estava com Ricardo, o que no fim das contas dava na mesma…

 Milena foi tirada de seus pensamentos, com a freada do carro na cancela do condomínio da outra cantora. O motorista abaixou os vidros e encostou, aguardando a chegada da viatura também indo para a mansão.