Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 24
Desilusão




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Na semana seguinte ao retorno da banda, Graziele marcou uma alucinante agenda de shows e exigiu que Jaques fosse junto com ela nas várias cidades onde se apresentaria. O foco agora era não perder seu público restante e criar um novo hit, que superasse o sucesso estrondoso das últimas músicas da DESQ. Apesar do resultado bom obtido com as últimas composições do namorado, o plano agora era montar uma produção com um investimento muito mais alto para compensar seu crescente desprestígio desde a publicação do texto de Magno e tentar ultrapassar novamente seus rivais. Todos os seus funcionários e até mesmo Jaques estavam sendo cobrados ao máximo. Ela gastou 4 milhões com os shows e a gravação, usando todos os melhores equipamentos que podia. 

 Para ficar mais claro que sua motivação era puro ódio, Graziele marcou o fechamento da pequena turnê para o Rio de Janeiro, mais precisamente, o mesmíssimo lugar onde armou o barraco que estragou um show da banda rival e iniciou o momento de hiato do grupo. 

— Aquele clube no Rio? Você tem certeza que quer voltar lá? — Jaques perguntou bastante contrariado com a ideia.

— Que foi? Vai dizer que o advogadinho do planalto central tem medo de praia? — provocou Graziele.

— Você sabe muito bem que a questão não é essa. 

A cantora não estava acostumada a ter uma atitude reprovada, principalmente por Jaques, e não gostou nada disso. 

— Oxi, mas o que você tem?! Lembra de quem aqui que te deu uma chance de compor! — falou, jogando na cara dele.

O Vieira não gostou nada daquele tom autoritário mas não conseguiu formar uma frase boa para replicar Graziele. Será que ele estava realmente sendo ingrato? Apesar de contrariado, achou que realmente era melhor deixar para lá. 

 Assim, uma semana depois, a entrada do clube carioca brilhava iluminada por um letreiro onde estava escrito “Graziele Tesmon - Ao Vivo”. Formou-se uma pequena fila na entrada, perto do horário do show, mas nada comparado à multidão que se espremia ali na noite do show da banda brasiliense. Resultado: ¾ dos ingressos não foram vendidos e a cantora precisou pagar ao estabelecimento uma multa por não lotar a casa, como havia prometido de forma prepotente. Nem mesmo a canção nova de Jaques, E Agora?, conseguiu salvar, e olha que ela era bem intimista e emotiva, diferente da maioria dos singles manjados da cantora. Tinha versos que diziam:

 

Tenho uma imagem

Sobre o destino

Se só  pouco sonhar…

 

Ele colocou na letra sua própria insatisfação com o caminho que sua vida estava tomando após anos deixando que os outros decidissem o que era melhor para ele.  Fazendo o que o pai queria, ouvindo as músicas que a maioria dos outros caras da sua idade ouviam, idolatrando quem a mídia dizia que era linda. Ele ainda não conseguia dizer o que havia de errado nisso. Ele estava sendo certo no final das contas, não estava? Mas algo dentro dele o deixava insatisfeito. Cada vez mais…

  Enquanto saíam da cidade derrotados, no meio do caminho para o aeroporto, o carro que alugaram para levar eles até lá passou na frente de um outdoor com um pôster gigante com uma foto de Ana, Patrick e Ricardo em um palco; os dois primeiros pulando com seus instrumentos e Ricardo sentado na bateria com os punhos em riste, ostentando suas baquetas; todos os três usando um figurino combinado com camisa xadrez preta e branca, colete jeans e gravata preta. Letras gritantes embaixo anunciavam uma nova turnê dos rockstars ao longo do país, com toda a renda revertida para instituições beneficentes. Ao mesmo tempo, no rádio do carro, um locutor anunciava a música mais pedida da semana:  Não Há Perfeição, justamente da banda.

— Muda! — Graziele ordenou ao pobre motorista que levou um susto com o berro repentino. Assustado, ele trocou rapidamente para a estação seguinte, que tocava O Que Há de Melhor, aquela música que tocaram na invasão ao conservatório.

— Ahhh, chega! Desliga essa porcaria! — esbravejou a cantora.

O motorista prontamente atendeu ao pedido e desligou o rádio. Jaques entendia perfeitamente o porquê daquela revolta e resolveu tentar acalmar a namorada:

— Olha, eu sei que você tem alguma questão mal-resolvida com a Milena, mas talvez seja melhor deixar pra lá, sabe? Talvez se a gente focasse um pouco mais no nosso trabalho e menos na banda, estaríamos melhores agora. Quer dizer, há espaço para nós e eles, o grupo nem toca o nosso gênero… Não adianta passar raiva, o fato é que bem ou mal os caras são bons.

Graziele lançou um olhar de ódio quase instantaneamente para Jaques no momento exato em que ele ousou proferir a aquela última frase para ela.

— Como. é . que. é? Jaques, mas você acha isso mesmo, do fundo do seu coração?! — Graziele perguntou fazendo uma careta exagerada de desgosto.

Jaques sentiu um frio correr pela espinha. Mas não tinha mais como desmentir o que ele tinha dito. Sem proferir uma única palavra, Jaques apenas acenou com a cabeça, de forma afirmativa, devagar e temerosamente. A tensão no carro era enorme, e aquele simples gesto lançou um impacto muito grande na cabeça de Graziele. Com um olhar totalmente maníaco, ela praticamente pulou na direção do namorado, e agarrando o colarnho da camisa dele ameaçadoramente, falou:

— Dia 3. Daqui a uma semana. Eles vão no programa de auditório mais assistido do país. Estão indicados ao prêmio de artistas revelação do ano. Vão aproveitar para divulgar o repertório novo. Nós vamos ficar na saída do estúdio. Deixa eles, que cantem lá dentro, se alegrem, distraídos; que vençam aquela porcaria até! Assim a gente ainda leva um troféu para casa.

— Graziele, o que você quer dizer com isso?! — Jaques perguntou, preocupado. Aquela que até então era sua grande ídola de vida, deu-lhe um sorriso doentio.

— Juntamos toda a equipe de seguranças e juntos, tiramos os desqualificados da rota. Sequestramos eles. E você — apontou ameaçadoramente na direção da garganta de Jaques — Você vai me ajudar. Você vai ter que me ajudar. Ou nosso relacionamento acaba aqui. — completou, finalmente se afastando.

Por um primeiro minuto, o rapaz não reagiu. Ficou com seus olhos verdes vidrados no nada, nem pensar direito ele conseguia. Até o último ano, ele gastava todo o dinheiro que tinha, se fosse preciso, para comprar ingressos, pôsteres, edições especiais de CDs de Graziele. Agora, aquela mesma mulher, estava ali na sua frente pedindo que cometesse um crime. Antes que ele respondesse, sentiram o carro freando. 

— Chegamos. — o motorista avisou. 

Ainda que nutrisse um forte desejo por Graziele, Jaques sacudiu a cabeça, fazendo força para enxergar a realidade que tristemente ele fora descobrindo, mesmo sem querer enxergar, ao se aproximar de sua ídola: ela não tinha talento e só usava e atacava artistas bons para chegar onde chegou. Ele era um desses artistas. Lembrava ainda, que em algumas revistas conceituadas, Graziele nunca foi um nome de destaque, mas ele achava que era só preconceito artístico ou estilístico. Se deu conta de que foi ele mesmo, Jaques Vieira que botou o nome dela dentro do conservatório de música de Brasília. Lembrou-se ainda de como os funcionários que trabalhavam com Graziele tinham raiva dela, e o pessoal do conservatório só aplaudiu sua música quando ele mesmo  performou. Tudo isso corria em sua mente em uma enxurrada de pensamentos e sentimentos, retidos e cegados há muito tempo, mas agora liberados ao perceber a extensão de maldade na mente daquela mulher. Ainda estava atordoado demais para ter qualquer reação, então Graziele fez o voo de volta para Brasília se sentindo vitoriosa. Porém, para Jaques, as coisas não seriam mais como eram. Tinha certeza que não.

 Ele não queria mais namorar Graziele Tesmon.


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