Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 20
Ghost




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Para fugir dos exageros da mídia, Milena conseguiu um momento de paz, raro naqueles tempos, ao ficar uns dias na casa de seu amado pai. Sem muitos fofoqueiros por perto, o clima pacato e os rostos conhecidos e amados de sua família ajudaram a menina a recarregar as energias. Vê-los sem mais aperto financeiro também era um alívio. Seu Antônio não cansava de agradecer à filha por ter enviado a ele boa parte do que ganhou com o emprego e os shows.

Ana preferiu continuar pela cidade com medo de que os parentes vissem aquilo como uma derrota. Sim, a musicista era um tantinho orgulhosa. Mas ela ainda mandava mensagens todos os dias para checar se a prima estava bem, assim como Ricardo também fazia e Patrick. Aliás, um dia ele até ligou para Milena.

— E aí, Milê, como que você tá?

Ela conversou explicando que estava lhe fazendo bem passar um tempo por ali e perguntou por ele. Patrick disse que naquele momento, depois de ter pedido demissão da lanchonete, e com o hiato da banda, passava o dia todo jogando vídeo-game. 

— Sobre esse assunto, do hiato da banda… Você acha que ainda vale a pena continuar?

Alerta, ele perguntou:

— Como assim?! Do que você tá falando, Milena?

Ela começou a falar um pouco ansiosa:

— É que… depois do que aconteceu... A gente não sabe mais até quando vão ter fãs defendendo o nosso grupo! Principalmente com todas aquelas acusações sobre mim. Realmente, uma cantora que não consegue nem aparecer, é no mínimo, rídiculo.  

Patrick ficou em silêncio por um tempo. 

— Milena, você tem que se preocupar só com quem gosta de você. E quem gosta de você só queria que se enxergasse como a pessoa incrível, talentosa e gostos… caham, quer dizer, maneira que eu sei que você é. - disse Patrick, torcendo para que a mulher não tivesse percebido o deslize dele. Emendou - Enfim, o que importa é não ligar demais para as críticas. Pensa em mim, por exemplo. Um pé rapado pobre, desajeitado, magricelo, filho de um bicheiro… se eu fosse me importar muito com o que já falaram de ruim de mim eu não saía de casa! - comentou rindo. 

— Ah, para, você é incrível! - Milena respondeu. Patrick até abriu um sorrisão do outro lado da linha. - É sério, Patrick, você é uma pessoa muito especial pra mim. - Sorriso se alargou ainda mais - Eu entendi o que quis dizer - as pernas dele até tremeram nessa hora. Será que ela percebeu os sentimentos que nutria? -   Devo me valorizar mais e dar o meu melhor por quem se importa comigo, mesmo que seja uma pessoa só. Valeu, você é mesmo um amigão. - O sorriso de expectativa se transformou num riso amarelo forçado. Fez-se um breve silêncio. - Alô, Patrick?  Você ainda tá aí?

Ele pigarreou e voltou a falar. 

— Ah, claro. Sim, sim, eu sou seu amigo. Amigãozão, né? Tá tudo bem, o que mais eu poderia ser, não é?

Milena nem percebeu o desespero entalado na voz dele e mandou: 

— Sim! Parando para pensar, eu acho que você é o meu melhor amigo… O melhor que eu já tive… Sei lá, você me entende tão bem… te considero como um irmão! 

— Ah, ótimo! - ele comentou com um escárnio disfarçado. - Bem, é isso, não desista só por causa de uns comentários e atos maldosos, e se disserem que você é desqualificada de verdade, jogue na cara deles a verdade. Beijos, preciso desligar. 

Apertando o ícone para encerrar a chamada, Patrick jogou na cama o celular e cabisbaixo encarou um espelho que havia no seu quarto.

— Espelho, espelho meu, existe alguém mais na friendzone do que eu?

***

Milena, enquanto isso, ficou pensativa sobre a conversa que tiveram. Não valia a pena dar ouvidos às intimidações, mas ela sabia que Graziele simplesmente não lhe deixaria em paz enquanto fizesse sucesso. Precisava existir alguma forma dela seguir sua vida tranquilamente, sem as investidas de ódio da outra. Pensando nisso, percebeu que na realidade, não era a vida que era injusta… Graziele que era. Tudo que ela pudesse fazer para se enaltecer ela faria, sem escrúpulos e para ferrar a vida de Milena também. Estava chateada pensando nisso, quando Débora, sua irmã, entrou no quarto onde a vocalista da DESQ estava. 

— Famosa,  ganhando dinheiro e com essa cara de bode. Só você mesmo. É o que? Aquela invejosa da Eusfraudósia outra vez?

Milena  arregalou os olhos, surpresa pela irmã já saber do que se tratava.

— Não precisa me olhar assim não, eu não fui pra cidade grande, mas eu sou informada, meu bem. Eu vi o que estava rolando pela internet. Aquela sujeitinha falando mal de vocês sem parar. Dei uma stalkeada na vida dela e descobri o nome real dela, liguei os pontos… Ao que me parece, ela fundamenta muito os ataques ao fato de você não aparecer. O mais sensato seria dar as caras.

— Débora, as pessoas já me julgam sem nem me olhar. Imagina o que elas vão pensar quando virem que a “grande vocalista fantasma” é só uma caipira tímida sem faculdade. O que mais me fez voltar a ainda ter coragem de cantar foi justamente não dar as caras.

A irmã não contrariou. Sabia quão longe o preconceito poderia ir e conhecia muito bem também as inseguranças da irmã. 

— A questão então é achar um jeito de aceitarem melhor esse seu conceito de não aparecer. Quer dizer, você não esperava que fossem engolir uma novidade dessas tão facilmente assim né? Quis criar uma imagem diferente, tem que trabalhar por ela agora. E antes de mais nada, eu daria um nome artístico pra essa cantora invisível. Vai fazer ela parecer mais real, sabe, e menos um “monstro”, como a Eusfraudósia quer. Algo mais fácil de falar do que “Vocalista Fantasma”.

Já conhecendo a irmã mais nova, Milena pediu que ela falasse logo que nome estava pensando. 

— Ghost! Mantém o conceito, mas é mais curto e fácil de falar, “Gousti”. Super chique também usar nome em inglês, pelo menos, eu acho. 

Milena curtiu a ideia da irmã, e juntas, elas acabaram criando várias páginas na web defendendo a Ghost, contra-atacando o plano de Graziele na mesma moeda. Aos poucos, os remanescentes do fã-clube da DESQ começaram a promover essas páginas e enquanto Miena desfrutava do resto de seus dias sossegados com a família no vilarejo, a figura misteriosa da Ghost começou a ter mais seguidores até do que a própria banda. Algumas pessoas ainda pediam para cancelar ela, sim, mas outras começaram a desenvolver mais empatia. Com o hiato da banda, alguns outros fãs mais tímidos começaram a pedir, aliás por mais shows. Acompanhando esse movimento de renascimento da DESQ, Magno, o crítico que tinha ajudado eles a invadirem o conservatório nacional, decidiu lançar um artigo sobre o que estava acontecendo com a banda. Sim, ele continuou acompanhando o grupo de longe. Na realidade, só não tinha se posicionado mais até então porque tinha entrado de férias. Mas não mais. Magno agora estava de volta, pronto para atacar. Gastou todas as palavras contidas nesse meio tempo no texto que fez. Chamou os haters de abutres; criticou veementemente o comportamento de Graziele, chamando de anti-ético para com os colegas de profissão; falou inclusive da hipocrisia de inventarem crimes para  a Ghost sem provas e cometerem vandalismo; entre outras coisas.

 Terminando o texto, ele enxugou o suor da cabeça calva e releu o artigo com seus óculos. Sorriu satisfeito com o desabafo. Clicou em enviar.


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