Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 14
A Invasão




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 Milena observou o Uno Mille ganhar as ruas, com os olhos marejados. Nunca imaginou que ao vir do interior se meteria em uma aventura dessas. Muito menos que faria amigos tão compreensivos e leais. Secou uma lágrima e entrou em sua casa, ligando a televisão, agradecida, independente do que acontecesse naquela noite. O principal canal da TV aberta já iniciava a transmissão do evento. Havia uma jornalista falando com o público diretamente do hall de entrada, lotado de seguranças. A vocalista lembrou a si mesma que seus colegas de banda entrariam pelos fundos, então não havia com o que se preocupar. De qualquer forma, procurou pela internet algum vídeo de como estaria a segurança no entorno, só por via das dúvidas.  Percebeu que toda a cobertura estava concentrada nos portões principais, com as portas de trás largadas pois estavam trancadas. “Ótimo! Cenário perfeito” pensou e logo transmitiu a boa mensagem por Whatsapp aos seus amigos.

 Às nove da noite vários artistas conceituados começaram a se apresentar. Graziele aguardava no camarim, pois seria a última a cantar com algumas das suas faixas já conhecidas e a música nova de Jaques. Se a carreira dela tinha quase sido estragada pelos memes com seu nome real e o barraco com Milena, achava que daria agora seu troco. Graziele ria enquanto lhe arrumavam para o show, imaginando Milena lhe assistindo na TV de algum  lugarzinho mequetrefe e queimando de inveja. Seu pensamento lhe causava grande satisfação e só foi interrompido, quando bateram na sua porta avisando que em breve seria sua vez de se apresentar. Ela foi direcionada para os fundos do palco, onde seu jovem advogado e peguete já aguardava ansioso. Assistiria a performance ali das coxias do palco. Sua mente naquele momento só lembrava de todas as vezes em que o pai o desmotivara a ser artista. Ainda assim, ele estava naquele momento ali, vendo sua obra prestes a ser apresentada em um prestigiado festival para todo o país. Era o impossível que estava para acontecer. Tinha medo de que a qualquer momento fosse acordar na cama de solteiro do apartamento do pai e se dar conta de que tudo aquilo não passava de um sonho, ou delírio. 

 Enquanto isso, três pessoas furtivamente acabavam de fechar a porta dos fundos do anfitetatro principal. O corredor por onde entraram estava completamente apagado e não parecia haver uma alma viva sequer. De qualquer forma, tentavam se mover sem fazer barulho, procurando por algum ponto que desse entrada ao palco. Era uma tarefa complicada pois os três tinham que andar carregando seus instrumentos, mas estavam tão concentrados que cumpriram a missão com maestria; se tivesse algum representante de uma agência secreta de espionagem, com certeza contrataria eles, tamanha era a furtividade do grupo. Prestes a dobrarem para um corredor mais iluminado, Ana sussurrou para os outros dois:

— Estou ouvindo passos, ali deve ter mais gente. Vamos passar normalmente; finjam que são técnicos levando instrumentos para o palco. Vai dar certo se a gente não chamar muita atenção.

Então o grupo começou a adentrar essa parte do conservatório com uma cara de pau tão convincente, que tudo teria dado realmente certo se não fosse o celular de Patrick que começou a tocar muito alto: “DORIME! INTERIMO ADAPARE, DORIME! AMENO! AMENO! LATIRÊ!”

O rapaz entrou em pânico tentando desligar o aparelho, o que chamou a atenção de alguns seguranças. Claro que Ana e Ricardo tentaram disfarçar a situação, falaram que eram da staff, mas só a cara de Patrick já entregava que ele era culpado. 

— A gente trabalha aqui há anos e vocês acham que não conhecemos nossos colegas? Vamos, cadê o crachá de vocês?

Para piorar ainda mais as coisas, Patrick, no auge do pânico começou rir de nervoso. Mas não foi um risinho. Foi uma baita crise de riso, para ninguém botar defeito. Ricardo deu uma bufada e mostrou a chave de acesso que eles tinham aos seguranças, mas isso só pareceu irritá-los ainda mais. Pegaram os três pelo braço exigindo explicações.

 Ao mesmo tempo, no palco principal, um arranjo de violões apresentava as primeiras notas da nova música da estrela da noite, Graziele Tesmon. Vários músicos, críticos e especialistas presentes na plateia ficaram surpresos com a sofisticação daquela composição. O parecer geral da era bastante favorável quanto à performance da herdeira dos Barbosas. Assim que terminou seu show e foi fazer uma reverência ao público, a famosa sentia que recuperava sua moral e glamour, nas palmas impressionadas que recebeu. Assim que voltou para o backstage, Jaques lhe abraçou emocionado, falando que a repercursão tinha sido muito boa. Ainda melhor, um representante de uma gravadora internacional havia pedido o contato da artista, interessado na nova música. Graziele abriu os braços ao redor dele: 

— Querido, isso é só começo! O mundo que se prepare! Eu ainda vou longe! Quer dizer… - Nisso ela aproximou o rosto do dele, provocante- nós vamos. Nisso alguns repórteres e paparazzos apareceram, parabenizando pela apresentação, perguntando se teria alguma parceria, quais os próximos passos, se aquele jovem eram seu novo affair e etc...

Da sua casa, Milena assistia aquilo tudo mais ansiosa pelo momento em que os amigos subiriam ao palco que outra coisa, Não se importava com o sucesso de Graziele, só esperava que tudo desse certo; e estava ficando preocupada porque aquela era a última apresentação da noite, eles já deveriam ter aparecido. A apresentadora da noite já falava que havia sido uma ótima mostra, com muita arte culta e a surpreende apresentação de Graziele Tesmon e se preparava para encerrar a transmissão. As buscas no Google e no Twitter apontavam para a nova música de Graziele e nada parecia dar qualquer sinal de uma invasão. MIlena estava ficando desesperada de preocupação, porém, do outro lado da cidade na luxuosa cobertura onde morava, Magno, o crítico que se recusou a ir ao festival, assistia também pela TV o final da cobertura pois precisava dar qualquer parecer ao jornal onde trabalhava; e ele estava achando sensacional. “Se algo tivesse dado muito errado, com certeza já teria virado manchete. E eu duvido que aqueles jovens não iriam tentar essa chance”. - pensou ele.

 Quase como mágica, no mesmo instante a transmissão ficou preta. Dava para ouvir um alvoroço de vozes confusas no conservatório, parecia que as luzes tinham sido cortadas. De repente, um único holofote se acendeu no palco, iluminando um jovem baterista desconhecido. Mas o que chamava mais atenção era o que estava escrito na frente do tambor principal, com letras roxas gritantes e um pouco borradas, como se tivesse sido escrito com raiva e pressa: “ OS DESQUALIFICADOS”. Seu som era voraz, uma bateria forte e ritmada que logo foi acompanhanda por uma guitarra que fazia samples dignos de Guns’n’Roses. A guitarrista entrou correndo no palco, impressionando por ser uma mulher e tão talentosa. Mas o que mais chamaria atenção viria logo em seguida: a voz de Milena, que parecia vinda do além, rosnando “O que há de Melhor” nas caixas de som:

Você quer tudo de bom/ Não tem moral, mas isso não te importa/ Pra ser famosa, pra quê ter coração?/ Mas quem você é não se pode esconder

Nesse momento, Patrick conseguiu entrar também, entoando seu baixo:

“Em alguns instantes tudo pode mudar / Mesmo se você não acreditar”

Então todos os instrumentos pararam, vários funcinários técnicos do conservatório invadiram o palco, se juntando a eles e a música voltou com força total:

Em O que háá de melhoooor”

O refrão foi simplesmente enlouquecedor. Vários staffs, que revoltados com a arrrogância de Graziele acabaram permitindo a intromissão, faziam questão de correrem pelo palco e dançarem loucamente enquanto os músicos davam tudo de si e a voz de Milena rondava o conservatório em sua força máxima. A combinação do apelo engenhoso da música de Marizete com o mistério daquela banda invasora sem vocalista, foi suficiente para roubar a atenção de tudo que havia sido apresentado até então naquela noite. Aliás, a voz de Milena tinha um poder incrível de  contagiar o público, mesmo sem ela estar lá. 

 Assim que a música terminou, todo mundo se pergutava de onde tinha vindo aquela banda e quem seria a incrível “vocalista-fantasma” deles.


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