Bakugou respirou fundo, como se tivesse nascido de novo.

A última lembrança foi segurar o corpo do príncipe e cair de uma absurda altura, enquanto o dragão planava na direção do solo. Bolas de fogo e lanças afiadas foram arremessadas contra Draco, e a fera ruiu do céu como um meteóro.

O bárbaro sofreu em silêncio, desejava ir atrás do companheiro de batalhas, mas havia algo muito mais importante, algo que deveria ser feito contra o Reino de Endeavor. O sequestro do príncipe Shouto Todoroki, foi executado com sucesso, mas a queda não estava nos planos.

— Todoroki! — berrou, o ar doeu dentro do peito, e deduziu que estava com algumas costelas quebradas. Ele forçou-se para ficar em pé, os joelhos tremiam a cada passo, mas não poderia morrer sem vingar a destruição de seu vilarejo.
O império de Enji dilacerou a última linhagem de guerreiros dragões, apenas por sede de poder. Nenhuma outra civilização poderia ser mais forte, que pudesse domar dragões e colocar em risco sua monarquia. Bakugou assistiu a morte dos pais, dos amigos, sentiu o calor das chamas queimar o seu lar.

E como único sobrevivente dos berserkers, precisava vingar sua classe, mesmo que isso significasse sua morte. Ele sabia que não poderia travar uma guerra e vencer, mas poderia retirar um dos pilares do homem de fogo, um de seus filhos.

Não muito longe, o homem de cabelos de duas cores, estava desmaiado dentro do rio. Só que para o espanto de Bakugou, metade do corpo estava cristalizado com grossas escamas feitas de gelo. A água ao redor também estava congelada, misturando-se com a correnteza, cintilando sobre a luz do sol.

Katsuki arrastou-se até o príncipe e o segurou pela franja, puxando os cabelos para o alto, conferindo se o mesmo ainda estava vivo. O loiro agachou-se, enquanto a outra mão estava sobre o punhal da espada em torno da cintura, pronto para qualquer ataque surpresa. E nada aconteceu, apenas o gelo continuou derretendo e ascendendo em vapor cintilante.

Os olhos escarlates estavam impressionados com a beleza ímpar de Shouto, com a queimadura sobre o olho esquerdo, que se revelava aos poucos, conforme as lascas derretiam. A linhagem de Todoroki era conhecida em todo o continente, mas pouco se sabia da outra parte da família, que deu origem aos filhos do homem. Bakugou não fazia ideia do que era o gelo, mas deduziu que era algo poderoso.

As lendas sempre diziam que a manifestação de dois poderes elementais era como a transição do céu e o inferno, algo amaldiçoado.

O príncipe possuía muitas características distintas, como se fosse os dois lados de uma moeda. A intuição de Bakugou alertava perigo, mas não recuou nenhum passo, pelo contrário, aproximou-se mais.

Não, a ideia não era matar Todoroki. Morrer seria um caminho muito fácil, e Bakugou queria explorar ao máximo os conhecimentos do príncipe, descobrir todos os pontos fracos de Endeavor e seu reino. Mapear com eficiência o ponto fraco de todas as fortalezas, para derrubá-lo de dentro para fora, só assim poderiam vencer a fúria das chamas de Enji.

Ele prometeu para si, que fincaria uma adaga no coração do homem que dizimou seu povo.

E antes que pudesse erguer o corpo do mesclado, para levá-lo sobre os ombros, ele abriu os olhos de duas cores e congelou instantaneamente a mão do bárbaro que estava enlaçado nos cabelos.

Katsuki desembainhou a espada no mesmo momento, a ponta da lâmina riscou o pescoço de Shouto, que verteu uma fina linha de sangue.

A troca de olhares foi algo intenso, havia ódio, pavor, vingança, milhares de sentimentos eram derramados entre os dois. O loiro sentiu os lábios tremerem de frio, mas a mão estava firme, aprofundando mais e mais o corte.

— Eu não consigo controlar meu poder… — Todoroki murmurou. — Meu braço está quebrado.

As palavras soaram verdadeiras, tão potentes sobre Bakugou, que o fez movimentar a espada ao contrário e quebrar o gelo da mão com o cabo. Eles se afastaram, mas o príncipe continuou preso aos próprios poderes, congelado as margens do rio.

— Você não é filho do fogo? Como é possível estar congelado? — Os olhos rubis percorreram toda a extensão do corpo do príncipe, sentido-se estranhamente magnetizado pela presença do mesmo. — Você é um hibrido maldito, não é mesmo?

Todoroki suspirou e vapor escapou dos lábios, não havia o que discordar, já que o selvagem possuía ciência de sua condição. Bakugou inclinou-se sobre ele e começou a dilacerar o gelo que prendia o corpo no chão.

— Se você está pensando que vou te matar, está errado. Não sou misericordioso. — E mesmo que tivesse sido capturado, ele tentou novamente contato, afastando as escamas de gelo do rosto e do corpo do monarca. — Você será o meu acesso a Endeavor.

Os olhos vermelhos queimaram como o próprio inferno e Shouto maravilhou-se com aquela intensidade, com aquele sentimento assassino que estava acostumado a observar no reflexo do espelho. Ele reconhecia e compartilhava daquelas chamas que consumiam o próprio diabo, ele também queria fazer o pai sofrer, pagar por destruir sua mãe e irmãos.

— Eu quero matá-lo! — A outra voz gritou dentro dele, fogo e gelo deslizaram por suas bochechas, e desapareceram nas águas. Ele sabia que o demônio interior estava vivo, clamando pelo sangue de Enji, imaginando o quanto seria satisfatório esmagar o coração de chamas entre os dedos gelados, e… — Quero matar Endeavor.

Os instintos de Bakugou se acenderam, e por mais que a situação fosse perigosa, decidiu confiar em Todoroki. Por mais distorcido que fosse confiar no inimigo, o príncipe reverbera ódio, uma revolta tão grande capaz de modificar o fluxo do mar.

Ele estendeu a mão, que foi pressionada pelo toque frio da outra.

Naquele momento, Bakugou imaginou que uma nova dinastia poderia modificar o fluxo daquela história.

As chamas não brilhariam mais do que o sol.