Aqui no Mar escrita por Vatrushka


Capítulo 3
Arista - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Recomendo ler o capítulo ouvindo a música "Beyond the Sea", do Sinatra. Link: https://www.youtube.com/watch?v=43GkQcl2ID0
(Tá, essa versão não é do Sinatra, mas é que eu gosto muito dela e quis colocar)



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Aquele era o último número de jazz e a última música que tocaria na noite. Segundo Sebastião eu era muito jovem e deveria aproveitar o resto do baile. Não fazia muita questão – tocar por si só já me preenchia por completo – mas confesso que estava ansiosa para ver que havia conseguido chamar a atenção de Apolo ou de alguma musa presente.

Pelos deuses, pelo menos alguma delas deveria ter gostado. Eram nove.

Eu tremia de emoção só com a ideia. Imagine se eu virasse a décima musa! Viver única e exclusivamente para música pelo resto de meus dias…!

Após terminar minha apresentação, desci do palco. Vasculhei a multidão com olhos, buscando por Apolo. Este parecia descontraído, conversando intimamente com duas mulheres – cada uma sentada em uma de suas pernas.

Aguçando a minha visão, percebi que as mulheres se tratavam de Calíope – líder das musas – e Euterpe – musa da música – respectivamente.

Enchi meu peito de ar e coragem. Iria até elas, iniciaria uma conversação e perguntaria o que tinham achado de minha performance.

Era a minha maior chance. Não poderia jogá-la fora agora.

“Você toca muito bem.” Ouvi um homem aproximar-se de meu lado direito, elogiando-me. Abri um largo sorriso e genuinamente feliz, voltei-me à ele.

“Muito obrigada. Eu pratico muito.” Respondi, voltando-me ao dono da voz. Foi aí que o vi diretamente.

Dionísio.

Me surpreendi. De todos os presentes, foi o último que imaginei que iniciaria uma conversação comigo.

Se bem que fazia sentido. Ele era um famoso admirador da música, sim.

Não era bem por isso que ele era lembrado na maior parte das vezes, mas ainda sim…

“Está indo conversar com Apolo?” Dionísio previu meus pensamentos. Parecia me analisar atentamente. “É irmã da morena de verde, não é?”

Ri de nervoso, por ser comparada à desesperada da Adella de qualquer forma. “Sim. Quero ser uma musa.” Admiti.

Ele abriu um sorriso de escárnio.

Ergui a sobrancelha. Dificilmente algo me dava mais motivação do que alguém duvidando de mim. “Acha que não consigo?”

“Você é muito talentosa, docinho. O meu ponto não é esse.” Ele se aproximou de mim, oferecendo seu braço. Andamos juntos pelo salão. “Só acho que tem potencial demais para se limitar ao harém particular de Apolo.”

Franzi o cenho com força, indignada. “As musas são muito mais do que isso!”

Ele soltou um risinho. “Se insiste.” Cedeu com incrível facilidade. “Quer que eu a apresente?”

“Bom… Seria muito gentil.” Admiti.

Nos aproximamos do divã onde estavam sentados Apolo, Calíope e Euterpe. Não nos deram muita atenção até que Dionísio falasse: “Grandes amigos, que honra vê-los mais uma vez.” Sua voz era carregada de sarcasmo. Provavelmente se viam muito mais do que queriam. “Espero que estejam gostando das apresentações desta noite. Esta é Arista, grande musicista que nos agraciou há pouco. Filha de Tritão.”

Sorri a eles, simpática. Tentei não reparar no fato de que Dionísio já sabia meu nome sem eu ter me apresentado.

Apolo ergueu uma sobrancelha, indiferente. “Ah. Mais uma filha de Tritão.”

“Somos sete.” Acrescentei, com entusiasmo.

Euterpe riu, maliciosa. “E nós achando que sofreria apenas com uma!”

Forcei o sorriso, fingindo estar achando graça junto a eles. “Estão gostando da música?”

“Ah, um pouco incômoda, não acha?” Calíope deu de ombros.

“Incômoda?” Meu coração se apertou.

“Sim. Barulhenta. Nada harmônica, muito… Inconstante. Irritante.” Chutou Calíope.

Minha expressão fechou-se. “É jazz.”

“Sim, sim.” Ela gesticulou com a mão, como se pouco importasse. “Esses novos gêneros… Infernais. Em nossa escola mantemos e valorizamos música de verdade. Lírica. Helênica. O resto é escória amadora, não merece nossa atenção.”

Senti um fogo subir pela minha garganta. Falem o que quiser de mim e de minha família – mas não encostem no meu jazz. “É uma visão muito limitada.” Soltei, sem rodeios. Dionísio sorriu ao meu lado, enquanto os outros me encaravam descrentes.

“Não poderia concordar mais.” Senti a mão do deus do vinho em meu ombro. “Discuto com Apolo há eras, para que aprenda a valorizar outros estilos. Mas o infeliz não me escuta.”

“O quê?” Apolo soltou. “Se refere às músicas tocadas por suas cortesãs, em suas orgias? Francamente… Deveria aprender a distinguir arte erudita de seus momentos… Íntimos, não acha?”

Engraçado ouvi-lo dizer isto, quando foi você a transformar o lar das musas em um grande puteiro. Só não verbalizei tais palavras por amor à minha vida. “Não só de erudição vive o homem, não é mesmo?” Me limitei a dizer, dando de ombros.

Arte é sobre demonstrar sentimentos, sendo eles quais forem, em sua mais pura forma e sem julgamentos. Como me irritava aqueles que se achavam superiores em tal quesito, ainda que sem serem capazes de entender um conceito tão básico.

Curvei-me e dei as costas, sem mais interesse em manter diálogo. Enfurecida, direcionei-me a um canto menos movimentado do salão. Dionísio me seguiu.

“Não mais tão entusiasmada, docinho?” Ele me perguntou, achou graça da situação e de minha revolta.

“Estúpidos… Imbecis…” Murmurei, dando voltas. Eu poderia socar alguém agora.

“O-oh. O palavreado.” Alertou-me Dionísio, com o dedo entre os lábios. “Veja pelo lado bom, pelo menos descobriu rápido e sua ilusão durou menos. Agora que todos seus sonhos e esperanças ruíram, pode se libertar da ideia de propósito e se entregar à vida como ela é.”

Revirei os olhos. “O que ainda está fazendo aqui?”

“Sou o deus das festas, meu bem, e esta é uma festa. Estranho seria se eu não estivesse aqui.” Explicou com simplicidade.

“O que ainda está fazendo aqui, rindo de minha desgraça?” Enfatizei.

“Oh.” Ele fingiu-se de ofendido. “Jamais. Queria fazer-lhe um convite, isto é tudo.”

“E que convite vindo de você poderia me interessar?” Estava nervosa demais para me preocupar em ser indelicada.

Ele ergueu a sobrancelha. “Eu tenho muitos em mente. Mas no momento, vou me ater apenas em te chamar para tocar em um evento meu, amanhã.”

Amanhã? Perguntei-me. O baile estava programado para durar três dias. Sairá de nosso festejo mais cedo, então?

“E eu iria porquê…?” Insisti.

“Porquê você é uma gracinha, não deixaria um pobre deus na mão.” Ele debochou. “E claro, imagino que enfurnada debaixo d´água não tenha tido a oportunidade de conhecer muito do resto do mundo de perto. Não tem nenhum interesse em como é o mundo lá em cima?”

Ergui a sobrancelha. “Chame minha irmã mais nova, Ariel. Ela irá adorar.”

“Mas não é da companhia dela que tenho interesse…” Ele sugeriu, com um olhar sugestivo.

Por poucos segundos, me vi perdida em seus olhos negros. Algo neles me fascinava.

Quantas oportunidades como esta eu teria em toda a minha vida?

“Meu pai não permitiria.” Foi minha primeira defesa.

“E é por isto que estou perguntando à você, e não a ele.” Respondeu com simplicidade.

Bufei. Ele não entenderia.

Ele me provocou. “Quer mesmo ser tratada como uma criança para sempre?”

Merda.

Bem no meu ponto fraco.

Tinha de confessar… Uma de minhas esperanças de conseguir ser musa era exatamente sair das asas superprotetoras de meu pai. Sentir-me no direito de expressar-me do meu jeito, só por um segundo.

Eu queria liberdade. Desesperadamente.

E ali estava um libertino, me oferecendo a oportunidade como Éris com seu pomo em mãos.

Respirei fundo. É lógico que eu iria.


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Notas finais do capítulo

(Caso alguém esteja estranhando, eu coloquei a festa lá durando três dias pq antigamente era comum que festejos durassem vários dias mesmo)
(É isso aí, vlw flw)



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