Alicia e as 12 bênçãos escrita por Creeper


Capítulo 2
Cada conto aumenta, diminui ou modifica um ponto


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥, se você chegou até aqui, muito obrigada!
A partir desse capítulo, as postagens serão realizadas aos finais de semana ^^.
Tenha uma boa leitura!



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Existe uma lenda sobre dois espíritos responsáveis pela magia de nosso mundo: Eva e Lilith. Dentre as inúmeras versões desse mito, levando em consideração que informações foram adicionadas e retiradas ao decorrer dos anos, nos é contado sobre as treze peças do cajado de Lilith, conhecida como mãe das bruxas.

Aliás, alguns exploradores preferem chamar essas peças de ‘artefatos’.

É dito que quando o cajado for remontado, as bruxas até então adormecidas pela maldição de Eva, acordariam e criariam uma forma de se vingarem do mundo que as negligenciou.

Eu pensava que isso não passava de uma história para as crianças da Vila das Alegrias ficarem longe do mar, pois é a água que nos liga ao resto do mundo, onde possivelmente os artefatos estão espalhados.

Ao que parece, a Ilha dos Saberes foi capaz de encontrar uma das peças do cajado, dessa maneira, a princesa Louise, futura governante da ilha, criou a Linha de Exploração, a qual possuí o objetivo de encontrar esses artefatos e mantê-los em segurança.

Para participar da Linha de Exploração, há dois critérios que devem ser seguidos à risca: ser garota e ter entre dezessete e vinte um anos. A partir daí, você precisa participar do teste de admissão que consiste em três etapas: prova de conhecimentos e prova de habilidades físicas. A terceira etapa ainda é uma surpresa.

— Alicia! – uma voz ecoou em meus ouvidos.

O lápis de carvão que eu utilizava parou de mover-se e o caderno em minhas mãos foi fechado rapidamente, produzindo um som seco. Meu corpo ergueu-se impulsivamente, fazendo com que minha cabeça encontrasse a parte inferior da mesa. Havia me esquecido completamente que eu estava escondida sob o móvel.

— Ai, isso doeu. – resmunguei massageando o topo de minha cabeça.

— O que pensa que está fazendo? – a toalha da mesa foi levantada e uma moça de cabelos e olhos castanhos curvou-se para me enxergar.

— Nada demais, Melanie. – abracei o caderno contra meu peito e desviei o olhar.

— Chamei papai e mamãe como havia me pedido. Eles estão te esperando. – ela anunciou. – É agora ou nunca, certo? – seus lábios curvaram-se em um sorriso encorajador.

Respirei fundo, buscando por algum traço de coragem dentro de mim. Meus olhos centraram-se no caderno que eu segurava com tanta força e inconscientemente meus dedos passearam pela capa de couro, cujo a palavra “anotações” estava grafada.

— Certo. – franzi as sobrancelhas, determinada.

Engatinhei-me para fora de meu esconderijo, dei algumas batidinhas em meu singelo vestido para limpá-lo e fui em direção a sala onde Melanie havia reunido nossos pais.

Ali as cortinas esvoaçavam com a brisa, deixando que a luz adentrasse o cômodo e se concentrasse em seu centro, assim os móveis robustos adormeciam debaixo da penumbra. No velho e desbotado sofá, uma mulher de cabelos ondulados e olhos cansados costurava o que parecia ser um casaco enquanto ao seu lado um homem forte de cabelos negros usava uma faca para dar forma a um pedaço de madeira.

Tive de pigarrear para que eles me notassem.

— Ah, querida, queria nos dizer algo? – mamãe guardou a agulha em sua caixa de costura.

Observei Melanie atravessar a sala e sentar-se entre os adultos, esbanjando delicadeza e um ar de responsabilidade. Ela assentiu discretamente e sibilou “devagar e com cautela”, transmitindo-me confiança.

— Eu... – engoli em seco. – Eu logo irei fazer dezoito anos. O que significa que terei idade para... – ponderei durante um tempo, insegura diante daqueles três pares de olhos.

— Para? – papai encorajou-me, ainda empenhado em sua tarefa.

— Para atravessar o mar e fazer parte da Linha de Exploração de Ilha dos Saberes! – exclamei, prendendo o ar em seguida.

Um silêncio esmagador reinou na sala por longos e tortuosos segundos. Papai e mamãe piscaram duramente, atônitos.

— Desculpe? Eu não entendi. – a mulher franziu o cenho, parecendo pensar demais no que dizer.

— Mamãe, creio que Alicia esteja querendo dizer que... – Melanie tentou.

— Eu quero ir para Ilha dos Saberes e me alistar na Linha de Exploração! – interrompi minha irmã. – O primeiro recrutamento acontecerá no dia do meu aniversário de dezoito anos!

Os rostos de papai e mamãe resumiam-se a expressões incrédulas, as bocas abriam-se e fechavam-se, sem que qualquer sílaba saísse. Melanie balançou a cabeça negativamente, visivelmente decepcionada, pois ignorei a parte do “devagar e com cautela”.

Naquele momento, “devagar e com cautela” não fazia parte de meu vocabulário. Fazia apenas um mês desde a divulgação sobre a futura Linha de Exploração e a partir daí a ansiedade instalou-se em meu corpo. Somente a simples ideia de poder atravessar o mar já me enchia de euforia.

— E então? – indaguei inquieta, apertando minhas mãos com tanta força que os nós de meus dedos ficaram brancos.

Papai elevou-se e por um momento me senti amedrontada por seus 1,90cm acompanhados de sua feição fechada. Apesar de rígido, ele nunca brigava conosco. Talvez deixar a Vila das Alegrias fosse uma ofensa inadmissível?

— Eu acho isso... – ele exclamou, a voz grave me fez tremer. – Fantástico! – seu rosto iluminou-se.

Meus lábios tensos transformaram-se em um sorriso de orelha a orelha, chegando ao ponto de minhas bochechas doerem.

— Sabia que me apoiaria, papai! – abracei-o, empolgada.

— Isaac, você está louco? – mamãe interveio. – Melanie, diga ao seu pai que ele está louco! – arregalou os olhos, indignada.

— Mamãe, se esse é o sonho de Alicia, não podemos impedi-la. – Melanie mandou-me uma piscadela.

— Vocês são todos loucos. – mamãe balançou a cabeça com desaprovação. – Alicia nunca nem saiu da Arretalgni, quem dirá deixar o continente! – protestou.

— Exatamente, já está na hora de me aventurar! – argumentei extasiada.

A maioria das pessoas nasciam, cresciam e morriam sem ter saído uma única vez da pequena e simplória Vila das Alegrias, ali a vida resumia-se a distinguir o gosto do pão quando o padeiro mudava de farinha, casar o mais cedo possível, ter filhos e passar o resto dos dias em um sofá fazendo trabalhos manuais.

Com minha mãe não podia diferente, ela pensava que irmos a outra cidade visitar nossos tios já era um passo além do limite.

— Mãe, nós finalmente temos a oportunidade de nos livrar da Alicia. – minha irmã zombou e acariciou as costas de Liliane, nossa exausta progenitora.

— Não, não, não. Alicia é minha filha mais nova, não posso deixá-la ir. – ela disse tristemente.

— Mamãe. – ajoelhei-me em sua frente. – Se na pior das hipóteses eu falhar, juro que voltarei para casa. – segurei suas mãos de maneira terna, acariciando os calos resultantes de horas de costura. – Mas até lá, confie em mim, por favor.  

A mulher fitou-me por um instante, seus olhos marejados expunham receio e insegurança. Após soltar um suspiro de insatisfação, um sussurro escapou de seus lábios ressecados:

— Tudo bem.

Meu peito encheu-se de alegria e saltitei feito uma criança, exclamando repetidas vezes:

— Eu vou para Ilha dos Saberes! Eu vou para Ilha dos Saberes!

— Deixe a comemoração para mais tarde, você ainda tem muito trabalho pela frente, mocinha. – Melanie segurou-me pelos ombros.

— Isso é verdade. – franzi a testa em sinal de frustração. – Falta quase um ano para o teste. – fiz as contas em meus dedos. – Eu realmente terei muito trabalho.

~*~

No dia seguinte, antes mesmo que nossa vila fosse presenteada pela luz do sol, eu já havia pulado da cama e deixado o café da manhã pronto para minha família. Atravessei a porta de casa de maneira radiante e determinada, tendo o propósito de ser a primeira visitante da biblioteca naquela manhã.

Durante minha sequência de pulinhos a caminho de meu destino, o pálido azul do amanhecer foi coberto por duas mãos grandes e calorosas. Meu coração falhou uma batida por um segundo, mas não tardei a balbuciar:

— Richard.

— Acertou como sempre! – sua voz grave e sedutora reclamou.

Virei-me satisfeita, deparando-me com o dono dos olhos mais verdes que eu já havia visto. Reparei como seus cabelos pretos presos em um rabo-de-cavalo caíam delicadamente por um de seus ombros, intensificando seu ar galanteador. Richard tratava-se do tipo de rapaz que não precisava se esforçar para parecer bonito.

— O que faz tão cedo? – ele perguntou. É possível que não tenha sido com essas exatas palavras, eu estava dispersa demais para ouvir direito.

Como é ser o preferido pelos deuses?” e eu provavelmente babava. Balancei a cabeça em negação, afastando qualquer pensamento intrusivo.

— Estou indo até o seu trabalho. – coloquei as mãos atrás das costas, levemente envergonhada.

— Que tal apostar corrida até lá? – Richard exibiu um sorriso desafiador.

— Desse jeito? – apontei para minhas botas de salto curto e meu vestido rodado cheio de forros volumosos. – Ficarei na desvantagem.

— Faz parte do seu treino para o teste. – ele piscou um olho.

— Quem lhe contou? – minhas bochechas ruborizaram.

— Se ganhar a corrida, lhe digo. – Richard aumentou o sorriso e correu rua acima.

— Ei, isso é trapaça! – gritei indignada. Segurei minha saia entre os dedos e disparei atrás do rapaz, insultando-o a cada esquina.

Cheguei à biblioteca de modo ofegante e procurando algum lugar para me apoiar. Em contrapartida, Richard não derramava nem uma gota de suor e abria o estabelecimento normalmente.

— Pelo visto, terei de te ajudar a treinar suas habilidades físicas. – ele riu fazendo um sinal para que eu entrasse primeiro.

— Inacreditável. – adentrei o local e ajeitei minhas madeixas castanhas que haviam sido bagunçadas no percurso.

A biblioteca se estendia por um único andar, suas janelas brancas e redondas ocupavam praticamente todas as paredes avermelhadas e gastas pelo tempo. Caminhei pelas estantes cujo livros tinham de ficar espremidos e precisavam lutar por espaço até mesmo contra os grãos de poeira. Suspirei calmamente ao observar a suave despedida da luz azulada da manhã.

— Já que está aqui, que tal me mostrar onde fica a Ilha dos Saberes? – Richard sugeriu.

Ele remexeu o conteúdo de um latão no canto da biblioteca, encontrando um papel enrolado, então o abriu em cima do balcão e tossiu por causa da sujeira. Passando a mão pelas beiradas roídas, Richard chamou-me.

— Não consigo enxergar direito. – aproximei-me dele e fitei o mapa. Ao ficar do seu lado, meu coração palpitou timidamente.

— Aguarde um segundo. – Richard sussurrou, virando-se para as janelas.

Como mágica, raios de luz invadiram o ambiente pelas vidraças, banhando tudo que tocava de dourado. O mapa iluminou-se, revelando cinco terras irregulares: Aporue, Aisà, Acirèma, Acirfà e Ainaeco. Alguns antigos diziam que um vento forte embaralhou os nomes dos continentes, mas que se usássemos um espelho poderíamos descobrir como se chamavam de verdade.

Movendo meu dedo indicador, tracei uma linha abaixo de Aisá e desenhei um círculo invisível no meio do oceano Ocidnì.

— Aqui fica a Ilha dos Saberes. – exclamei em um tom sonhador.


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Notas finais do capítulo

Para vocês se situarem: Arretalgni = Inglaterra.
O título desse capítulo foi inspirado naquele velho ditado: "quem conta um conto aumenta um ponto", já o escutaram?
E então, o que pode acontecer quando uma lenda é modificada? Vamos aguardar XD!
Nos vemos na semana que vem!
Beijos.
—Creeper.