Nosso ontem escrita por Meizo


Capítulo 1
E os arrependimentos que se arrastam atrás de nós




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Desde o primeiro momento que se viram uma semente de interesse surgiu dentro deles. Decerto, não havia sentimentos românticos. Nem tinha como, pois ainda não se conheciam. Seus olhares se cruzaram numa festa de karaokê organizada por amigos em comum e embora não soubessem nem o nome um do outro, mais tarde se lembrariam bem da fisionomia de quem lhe chamou a atenção.

Sanji e Zoro, que só haviam trocado umas poucas palavras durante essa festa, voltaram a se ver somente dois anos depois, numa festa de aniversário de outro amigo em comum. Como só reconheceram um ao outro — os demais convidados eram totais desconhecidos — optaram por ficarem próximos durante toda a festa. Conversaram sobre acontecimentos de seus respectivos colégios, seus passatempos e um pouco sobre as próprias famílias.

Ao final do aniversário acabaram iniciando uma discussão acalorada sobre uma idiotice qualquer, algo normal quando se tem a energia da juventude percorrendo suas veias, e partiram de lá sem se despedir. Aquela foi a primeira de muitas discussões e brigas que teriam no decorrer dos anos seguintes e que acabariam, apesar de ser contraditório, por estreitar suas relações.

Naquela época eram jovens — Zoro com 15 e Sanji com 16. E por serem jovens e consideravelmente livres de preocupações, eram inconsequentes e orgulhosos. Em vez de aproveitar as várias oportunidades que tinham de se ver para deixar fluir os sentimentos mútuos que começavam a crescer dentro do peito, escolheram esperar por uma demonstração clara do sentimento alheio.

Se tivessem parado para analisar com cuidado as reações, teriam tido mais provas do que realmente precisavam para dar um passo adiante. Infelizmente, esse não foi o caso. A frustração, então, de um possível sentimento não correspondido fez eles se afastarem um pouco. Zoro começou a se empenhar no basquete e Sanji passou a entrar em diversos micro-relacionamentos com pessoas que não o interessavam de verdade.

À medida que a infelicidade aumentava, eles também brigavam mais. Como filhos de famílias abastadas, frequentaram uma universidade conhecida por suas mensalidades altas. Encontravam-se, portanto, com bastante frequência dentro dos limites dela e isso ajudou a não se afastarem tanto quanto desejavam naquele momento. A cada briga a frustração crescia sem que se dessem conta que uma simples conversa sincera teria resolvido tudo.

Chegou um momento que, após um acontecimento em particular, o distanciamento ultrapassou o limite. A culpa dessa vez foi de Zoro. Durante uma reunião para beber após as aulas, quando questionado sobre um possível interesse em algum dos fãs masculinos que faziam parte de sua torcida organizada, ele respondeu:

— Que merda de pergunta. É claro que não. Isso é nojento.

Os componentes do grupinho masculino ao seu redor deram risadas da resposta de Zoro, e Sanji fez um esforço hercúleo para não demonstrar o quanto aquela resposta tinha lhe machucado. Continuou virado para o colega de curso ao seu lado, alimentando uma conversa vazia de bêbados e não trocou mais olhares com Zoro por toda a noite.

Mas por que Sanji estava tão ferido se não havia sequer sombra de algo entre eles? O máximo que tinham feito eram olhares demorados e possíveis conversas de duplo-sentido. Nada oficial. E isso era ainda pior.

Depois disso já não se falavam na universidade, ignoravam-se nos corredores e não frequentavam as mesmas festas. Entretanto, ao chegar o dia da entrega de diploma de Sanji, Zoro resolveu, finalmente, tomar uma atitude. Aquele mal entendido já tinha se estendido demais, tudo por culpa de seu maldito orgulho. Sanji tinha entendido errado o que ele falara naquele dia. Ou melhor, todos tinham entendido errado, pois ele não se preocupou em esclarecer a confusão. Tinha sido um covarde.

Ele não achava nojento relacionamento entre dois homens, longe disso. O que ele não gostava era o modo como os componentes do seu time usavam do status social e sentimentos alheios para ter sexo com os membros da torcida e depois dispensava-os sem mais nem menos, como se fossem um estoque para sexo casual.

Chamou Sanji para conversarem a sós e depois de lhe dar um beijo fugaz, declarou-se. Ficou confuso e franziu as sobrancelhas quando Sanji fez uma expressão de profunda dor. Não era essa a resposta que esperava.

— Lembra-se de Adele, minha última namorada? Ela está grávida.

Então Zoro soube. Apesar de comumente considerarem Sanji um playboy, ele na realidade era alguém bastante honrado e não permitiria que ela, seja lá qual fosse sua condição monetária, passasse pela dificuldade de cuidar de um filho sozinha. Ele ficaria com Adele, não importando se seu coração fosse de Zoro.

Os anos se passaram voando. Zoro tornou-se um jogador de basquete profissional e Sanji se mudou para a cidade natal de Adele. Procuravam não se informar muito sobre a vida um do outro, pois isso apenas reabriria velhas feridas que não estavam dispostos a lidar. A vida não para somente porque alguém está infeliz, então eles continuaram seguindo em frente.

Quando a filha de Sanji completou 15 anos, ele considerou que já era uma boa época para começar a fazer o que realmente queria fazer. Divorciou-se da mulher de um jeito pacífico que poucos casais conseguiam fazer e voltou a procurar notícias sobre Zoro. A essa altura sabia que ele já tinha se aposentado do time de basquete e que nunca tinha se casado, mas depois disso parecia que tinha evaporado da face da terra. Não se deixou abalar. Estava tão animado com um possível reencontro e possibilidade de continuar de onde tinham sido forçados a interromper que até comprou um par de alianças douradas com seus nomes gravados.

Começou a entrar em contato com velhos amigos da época da universidade, mas não encontrava nada de útil, nem mesmo uma dica. Como último método buscou formas de contatar diretamente os pais de Zoro e só aí descobriu a verdade. Ninguém tinha conseguido contatar Zoro, pois ele estava internado num hospital particular há três anos devido a descoberta de um câncer agressivo.

Sanji não conseguiu acreditar. Imediatamente comprou passagens de avião e se dirigiu para o hospital mencionado pela mãe dele. Nada do que ele ouviu podia ser verdade. Não quando finalmente podia ir atrás e ser sincero com seus sentimentos que nunca apagaram de vez.

Eles estavam sendo castigados. Teve certeza disso quando entrou na sala indicada e encontrou um Zoro bastante emagrecido sentado numa cama de lençóis brancos. Era perceptível por sua pele estava macilenta e olhar vago que os tumores cerebrais o tinham deixado com a saúde mais comprometida do que esperava.

— Zoro? — chamou com uma voz trêmula, mal acreditando no que via.

Zoro virou o rosto em sua direção depois de ter chamado seu nome pela terceira vez. O olhar, no entanto, demorou para demonstrar reconhecimento.

— Sanji. — respondeu numa voz rouca e pausada.

Sanji tinha sido avisado previamente sobre como a cognição e certas memórias de longo prazo tinham sido afetadas graças a profundidade de alguns tumores, mas mesmo assim era algo difícil de presenciar. Lágrimas começaram a escorrer em abundância pelo rosto antes que pudesse impedir, enquanto enfiava a mão no bolso da calça e apertava firmemente a caixinha aveludada onde as alianças estavam guardadas.

Dois meses depois Zoro Roronoa faleceu devido a uma parada cardiorrespiratória acarretada por complicações da doença.

 


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