Exilados escrita por L S


Capítulo 5
Everything is Blue




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Aura

Depois de alguns minutos em silêncio, guardo o desenho e os lápis, me levantando devagar para abrir as pesadas cortinas, iluminando mais o quarto com a lua. Olho Amon sentado, um sorriso singelo no rosto, o cabelo ruivo quase castanho por causa da escuridão caindo quase na cintura

—Que tal… Você ficar aqui? Faz tempo que a gente não conversa sobre coisas que não fossem o treino dos semideuses e guerras 

—Claro, mas falar sobre o quê, exatamente? - sentei na cama com as pernas encolhidas, chamando ele para o meu lado

—Sei lá… Como tá a vida, se anda muito por aí, que livro tu terminou de ler, qual música você aprendeu… Coisas assim

—Bem… - ele olhou para o teto rindo consigo mesmo - Desde a guerra de Gaia andei pouco por lá, foi mais pela praia mesmo… Fiquei mais na biblioteca, no meu quarto tocando, aprendendo algumas músicas - ele olhou para mim - aprendi algumas músicas tocadas no balé clássico sabe? Tchaikovsky.

Sorri e agradeci mentalmente por não corar fácil como ele.

—Sim, mas qual? 

—Dança da Fada de açúcar

—Açucarada

—Tanto faz - ele revirou os olhos - e também a do Pas de Deux entre a fada e o príncipe, essas foram as últimas que aprendi a tocar, essa no piano e a da fada no violino.

—E aprendeu com que finalidade?

—Para uma madame mandona dançar em seu melhor traje de bailarina

—Eu não sei se você sabe, mas pas de deux significa par de dois, então, eu teria que dançar com alguém

—Que não seja por isso minha senhora - ele pegou minha mão e depositou um beijo - Posso ter essa honra?

—Sempre terás essa honra Amon - sorrimos. As bochechas dele eram altas, fazendo com que os olhos dourados virassem uma linha fina de ouro, as sardas pálidas me lembravam a criança que ele foi anos atrás, risonha e arteira. Meus pensamentos foram interrompidos com ele ficando sério.

—Mas e você? - ele me olhou, deixando minha mão delicadamente no colchão - Viu como está o mundo mortal? Soube quem são os “heróis da profecia” que logo os deuses vão esquecer por causa do egocentrismo deles?

—Depois fala da minha sinceridade - me acomodei na cama - são sete; um morreu, os outros seis já devem estar com mais de 20 anos já que eu saiba - ele assentiu - e quanto ao mundo mortal, o de sempre: quase guerras, fome, desigualdade ao extremo. Sabe, existem crianças na rua sozinhas e ninguém faz nada - comecei, Amon estava com o sorriso que ele faz toda vez que começo um discurso - Eu posso ser a deusa da liderança, mas esses tempos só há guerra de poder; não adianta eu tentar botar senso na cabeça daqueles homens engravatados se eles estão cegos por isso - fiz o sinal para dinheiro - de verdade, há mais liderança num homem comum do que naqueles que, de fato, são “líderes” na sociedade. Na verdade eles só estão lá porque tem dinheiro e não por merecer. Vi uma história inteira de reis corruptos, mas esses, estão de parabéns. Por favor.

—Ok meu lírio, entendi, pode ficar calma agora ok? - jurei ouvir uma risada ou outra vindo daquela cara sardenta, mas estava concentrada demais lembrando de como a humanidade estava indo

—Eu não vou me acalmar até esses idiotas souberem o que estão fazendo - um raio caiu lá fora e olhei para trás, apenas pra ver nuvens negras se formando com meu humor - Ok, e vou me acalmar, não quero ter que lidar com seus cachorros molhados

—Obrigado 

—Enfim… Eu só checo alguns afazeres meus mesmo, mas não saí pra me divertir ainda

—Vida de deusa adulta é tão difícil assim?

—Nem, eu que deixei o que estava fazendo pra lá e me concentrei em não deixar meu lindíssimo vovô mais descontrolado do que já é normalmente - Amon riu alto da minha informação

—Ele não parece ser tanto assim, não quanto Poseidon. Tipo, o cara fica com raiva e pá! Menos uma ilha no mundo - dessa vez eu ri, concordando com a cabeça

—Você é demais

****

Acordei com o sol batendo no meu rosto. Arrumei as longas mechas negras que caiam no meu rosto e me virei, só pra ver Amon virado para mim, com uma das mãos na minha cintura. Ele tinha a expressão calma e um sorriso fofo, uma pena que eu teria que acordá-lo para irmos para aquela maldita escola

—Ow, criatura - cutuquei sua bochecha - foguinho acorda

—Hm… - ele virou o rosto pro travesseiro, afastando minha mão de perto

—Acorda, são seis horas e a gente tá atrasado pra escola - ele deu um pulo, se sentando

—É O QUE? - ele olhou a janela: o céu estava laranja ainda - Filha da puta 

—Não xinga minha mãe - dei um soquinho nele, me levantando - Vai toma um banho antes que alguém veja que você dormiu aqui, são cinco horas ainda mas são duas horas de carro daqui pra lá

—Certo - ele foi descendo da cama na maior calma possível - Vamos falar do seu sonho pra mãe? 

—Por enquanto não - me virei pro meu guarda roupa, escolhendo um jeans preto e uma regata da mesma cor - Se acontecer de novo… Aí sim - uma toalha apareceu na minha mão - Não podemos contar sobre uma criança que nem sabemos se está viva

—Tudo bem, até daqui a pouco - e bateu a porta, sumindo de vista

Tomei um banho curto no chuveiro, me trocando em seguida. Voltei pro quarto, me virando para o espelho do guarda roupa. Meu cabelo já estava batendo depois da bunda, mas estava bonito ainda. Fiz um rabo de cavalo alto, deixando as duas menores mechas da frente soltas. Coloquei uma jaqueta de couro e um tênis azul. Sai para o salão, sem muita fome para comer, mas fui empurrada por uma loira que pulava nos meus ombros.

—Ca-fé da ma-nhã - Métis me olhou com as sobrancelhas arqueadas - Amon dormiu no seu quarto né safada?

—MÃE! - arregalei os olhos - Como você soube disso? - Ela deu seu melhor sorriso “tenho 32 dentes”

— Então é verdade o que o Nick viu? - e ela saiu correndo pra sala de jantar rindo

— VOLTA AQUI SUA VELHA LOUCA 

Entrando no salão, minha mãe já estava em seu lugar, as bochechas rosadas de tanto rir. Milena estava com o cenho franzido, um sorriso simpático no rosto; Nick por sua vez roncava sentado e Neko tentava acordá-lo

— Conta essa história agora mãe - bati a porta atrás de mim e só ouvi um barulho do lado de fora. Abrindo a porta, vi um Amon caído em cima de Camila

— Gente desculpa tá? MÃE AINDA NÃO OUVI SUA RESPOSTA

Me sentei ao lado dela, a olhando esperando minhas dignas explicações. Métis por sua vez arqueou uma sobrancelha e respondeu:

—Pergunta pro Nick querida, eu não sei de nada

—To sabendo desse nada seu… - Joguei uma bolinha de golfe na cara do pestinha de Ares - Acorda aí besta

—Isso aqui é um café ou a recriação das crianças? - Amon sentou no banco junto de Camila, que já fofocava com a Milena

—Recriação. Atividade de hoje: Acordar esse aí - apontei pro Nick com a cabeça. Camila deu um sorriso maléfico. Em segundos, ela tava com um despertador minúsculo de bronze celestial na mesa.

—Tapem os ouvidos gente - imediatamente tapamos e ela soltou a chave. Aquilo deu um grito fino e ensurdecedor, fazendo Nick não só acordar, mas também cair pra trás

—SANTA MADRE DE DIOS ACORDEI

Ele se sentou de novo, todos nós rindo dele, que estava fazendo cara de pouco caso.

—Vamos comer agora crianças?

—Não, eu quero saber o que o Nick ta falando de mim

—Eu não falei nada de você

—Só ta espalhando boato pra minha mãe

—Não espalhei nada, o que você aprontou pra falar isso?

—Nada

—Só dormiu abraçadinho do Amon, só - Milena abriu a boca, todos olharam pra mim

—Não dormi não - Olhei pro Amon em busca de ajuda, mas ele só corou e decidiu que a mesa era muito interessante - Ele só veio ver se eu tava bem e depois foi pro quarto

—Sim, agora pouco ele foi pro quarto dele 

—E como você sabe disso?

—E vi ele saindo do seu quarto - Nick respondeu

—Você viu porque tava saindo do quarto da Milena - Amon finalmente abriu a boca pra contar a bomba. Agora todos nós olhávamos para ele.

—Foi aí que você passou a noite Nickolas? - Neko parecia furiosa, mesmo com um sorrisinho no rosto - Nem pra avisar safado

—Só pra constar que - Milena fez uma pausa - Ele dormiu no tapete

—Você me chutou no tapete

—Porque ninguém merece dormir na mesma cama que você

—Ok crianças chega - Métis falou, fazendo sucos, pães, geléias e nutellas aparecerem na mesa - mesmo que eu queria saber de todas as fofocas dessa noite agitada que vocês tiveram, ainda temos quatro estudantes que precisam ir à aula

Falamos um ‘tudo bem mãe’ e começamos a comer. Eu mal comi um pão, tomando apenas um suco de framboesa. Minha mãe só olhava, mas não comentou nada.

Terminado o café, fomos todos para o carro estacionado do lado da arena, cada um pronto e de mochila nas costas.

A viagem foi mais longa que ontem, mais porque eu não estava tentando cometer um suicídio do que tudo. Enquanto eu dirigia, via o céu ficando azul. Arregalei os olhos olhando para a estrada, Long Island passando na paisagem. 

Eu voltei a ver azul depois de milênios sob a maldição de Circe. A louca depois de uma briga comigo me amaldiçoou com um daltonismo que nem existe até achar meu “amor verdadeiro”, já sabendo que eu não me importo muito com amor e não me apaixono fácil. Olhei pro retrovisor, quase gritando por não lembrar a cor dos meus olhos. Xinguei agradecendo aquela louca filha de Hécate e percebi que Amon me olhava como se eu estivesse louca

—Tá bem? - Talvez ele realmente estava achando isso

—To, só… Aquela maldição louca de Circe.

—Voltou a enxergar que nem gente? - assenti - não preciso mais falar quando o sinal tá verde mais?

—Por favor eu nunca prestei atenção no sinal - rolei os olhos rindo - mas posso enxergar a cor dos meus olhos agora

—Lindos não?

—Preferiria esquecer de quem puxei esses olhos, mas sim. - Houve um silêncio de nossa parte (atrás estava barulhento de qualquer forma)

O resto da viagem foi tranquila, sem ser o Nickolas brigando com a Milena. Quando chegamos, estacionei e enquanto esperava todo mundo sair vi uma criança de costas. Os cachos dourados voando com o vento, olhando uma foto e andando pela calçada da escola. Tão rápido ela apareceu, ela correu para fora do meu campo de visão. Balancei a cabeça voltando para a realidade me virei para a escola.


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Notas finais do capítulo

Oiie gente
Quero a opinião de vocês: eu to pensando se eu prolongo mais os fatos da fic ou se tá bom assim, o que acham? querem que eu apresse mais?



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