Audeline escrita por Jardim Selvagem
Notas iniciais do capítulo
Música: Bloodsport - Sneaker Pimps
A lâmpada do teto banhava seu corpo com uma luz cirúrgica. Ela apertou os olhos e analisou o vestido, as mãos deslizando sobre a seda branca. Os dedos tocaram os pontos negros do rico bordado que atravessava a roupa. Voltou a atenção para seu rosto, o delineador preto que fizera de manhã ainda intacto. As olheiras roxas habilidosamente escondidas sob a base importada.
O que quer que Bella tivesse enterrado dentro de si mesma não devia ser tão importante assim. Ela apagaria o sabor amargo das lembranças. Preencheria o vazio que restou com vestidos de chantilly e bordados de melaço.
Saiu do provador e chamou a vendedora. "Vou levar este também." A mulher sorriu para Bella, mas os olhos contemplavam a ilha particular de roupas, bolsas e sapatos no sofá, imaginando a gorda comissão que receberia ao fim da compra.
Bella saiu da loja carregando com dificuldade as inúmeras sacolas vermelhas para dentro do carro, deixando-as no banco de trás, ao lado das outras. Entrou e partiu em direção ao seu apartamento.
Enquanto ouvia as notícias matinais na rádio, repetia o mantra para si mesma: estava bem, estava ótima, terminara o último projeto na hora certa. Já estava de saco cheio de desempenhar o papel de garotinha inocente e submissa para aquele canalha. De acordo com o planejamento inicial, ficaria com ele até completarem um ano, tempo razoável para arrancar uns milhões de James. Mas até isso ele arruinara — sempre arruinando tudo que toca, aquele covarde. Os últimos meses acumulavam-se uns nos outros como se o tempo não passasse nunca, meu Deus, não passava nunca, como se Bella estivesse permanentemente presa a James e seu mundinho inabitável, um Netuno particular, onde o sol não chega e o tempo não passa. Eternidade inerte.
Queria parar de bancar a idiota, de usar aquela cinta-liga desconfortável e ridícula, de deixá-lo enfiar a língua em sua garganta quando bem entendesse. Queria mandá-lo à merda e socar seu rostinho bonito assim como ele fizera com as namoradas anteriores.
A viagem para a Europa seria a oportunidade perfeita para desaparecer. Mais um pouco e ela deixaria a máscara cair do rosto. Mais um pouco e ela se insurgiria. Mais um pouco e ela levaria uma surra.
Sim, finalizara o projeto na hora certa, mesmo sem o tão sonhado milhão na conta.
Estacionou o carro e um dos porteiros foi ajudá-la a carregar as sacolas até o elevador. Bella agradeceu e pressionou o botão do último andar. De qualquer forma, era questão de tempo para James ganhar o que merecia. Resolvera dois problemas numa tacada só: salvou o emprego da melhor amiga e vingou-se de James.
O molho de chaves zuniu no corredor silencioso. A porta abriu-se, a sala de estar espaçosa recebendo-a em toda a sua glória. Descalçou os sapatos de grife no tapete persa. Largou as sacolas em cima da mesa de vidro e andou até a suíte principal na ponta dos pés. Não queria acordá-lo.
O belo desconhecido ainda dormia em sua cama, os lençóis brancos cobrindo seu corpo, deixando à mostra apenas as costas definidas. Bella plantou um beijinho em seu ombro e sentou na poltrona perto do armário, admirando-o e relembrando os detalhes da noite anterior.
O celular vibrou em seu colo.
H. tinha enviado um novo e-mail, sem assunto e sem frases no corpo da mensagem. Havia apenas um arquivo em anexo. Clicou e um comprovante de depósito bancário no nome de James Witherdale ocupou o espaço da tela. O favorecido era um tal de "Black Investigação Particular". Bella deu de ombros e fechou a mensagem. Tão previsíveis, sempre contratando detetives para farejar seus rastros como cães bem-treinados. Não importava. H. eliminaria qualquer vestígio.
Os olhos do homem abriram-se e ele deu um sorriso sonolento quando a viu. Bella deixou o celular na poltrona e voltou para debaixo das cobertas, aquecidas pelo corpo masculino.
Ela estava bem, estava segura. Não havia nada que James pudesse fazer para atingi-la.
—
Billy Black fora surpreendentemente rápido para um manco. Poucas semanas depois e já o chamara de volta. Quando James perguntou ao telefone o que tinha descoberto, Black dissera apenas que preferia dar as notícias pessoalmente.
A ansiedade de James neutralizava o fedor do escritório do detetive. Quando Black abriu a porta, James atirou-se para dentro.
— Vá direto ao ponto. Tenho outro compromisso daqui a pouco.
James cancelara todas as reuniões naquele dia.
Billy Black tirou da escrivaninha o caderno com o nome de James.
— Acredito que o senhor não tenha sido o primeiro.
James já esperava, mas a informação doeu assim mesmo.
— Tenho de reconhecer que ela fez um bom trabalho em apagar os vestígios. — Ele folheava o caderninho, os dedos enrugados indo até a língua antes de tocarem as páginas. — A sofisticação do plano demonstra um conhecimento prévio, e talvez algum tipo de apoio especializado, uma ajuda externa.
Black encarou James com olhos de águia.
— Meu filho dirige os trabalhos em nosso escritório em Forks. Quando comentei sobre seu caso, lembrou-se de um colega de profissão cujo cliente havia passado por algo semelhante em 2016. — Continuou a olhar para James, como se para certificar-se de que ele compreendia o que estava dizendo. — Um dentista de prestígio. Conheceu uma bela jovem com "boca em forma de coração", de acordo com suas palavras. Relacionou-se com ela durante um ano. Em uma viagem, no entanto, a moça desapareceu, e a quantia depositada em sua conta de investimentos sumiu no mesmo dia. A conta do cartão de crédito chegou aos seis dígitos.
Black abaixou a cabeça para mais uma olhadela em suas anotações. James retorceu a boca numa careta; de novo aquela mania do velho de lamber os dedos para folhear o maldito caderno.
— Veja, o histórico de compras do cartão dele apresenta semelhanças significativas com o do que o senhor deu a ela. Há gastos exorbitantes com salões de beleza, spas, lojas de luxo, casas noturnas exclusivas, restaurantes premiados, concertos, obras de arte… É uma longa lista, meu caro.
As pernas de James balançavam impacientes debaixo da mesa.
— Sei muito bem quais são os gastos do meu cartão de crédito. Essas suas informações não me acrescentam em nada. — James ameaçou levantar-se da cadeira. — O senhor está desperdiçando meu tempo.
— Acompanhe meu raciocínio, por favor. — Os dedos de Black passaram pelas linhas da página. — O padrão de vida dela é insustentável a longo prazo. Com esse ritmo de gastos, calculo que em menos de seis meses irá acabar com a quantia que roubou de sua conta. Terá que sair de seu esconderijo e aplicar um novo golpe. E acho que ela sabe disso, mesmo que no seu inconsciente.
James levantou-se.
— Não estou nem um pouco interessado no que ela vai ou não fazer, Black, o que me interessa é onde ela está. Essa reunião foi inú…
— Ela está nos EUA. Não pode sair do país. Precisa estar aqui para selecionar a próxima vítima.
James fechou a porta e virou a cabeça para ele.
— É mesmo? E o senhor por acaso sabe o endereço, a cidade, pelo menos o estado? — James soltou uma risada áspera. — Caso contrário, me dizer que ela está num lugar do tamanho dos Estados Unidos é o mesmo que dizer porcaria nenhu…
— Qual é uma das maiores e mais populosas cidades deste país? Qual é a cidade que vem apresentando um grande crescimento cultural e econômico?
James olhou para o velho. Não vá me dizer que a golpista foi para —
— Phoenix.
—
Bree piscou três vezes, tentando erguer as pálpebras pesadas. As palavras do garoto à sua frente embaralhavam-se e desbotavam-se nos seus ouvidos. Ah, dane-se. Fechou os olhos.
O dia tinha se arrastado diante dela. As três acordaram excepcionalmente cedo para uma longa viagem ao Arizona. Leah não demonstrou nenhum julgamento quanto à suposta ideia brilhante e infalível de Rosalie de fazer uma visitinha ao campus da Universidade de Phoenix e obter mais informações a respeito de Lauren Mallory. Bree não emitiu um som sequer, mas pensava que aquilo tudo se revelaria inútil. Afinal, o que conseguiriam de importante ali? Conversar com alguns alunos e ouvir histórias entediantes sobre a vida acadêmica de Lauren? Como isso avançaria o trabalho delas? Talvez perdessem menos tempo se alertassem todos aqueles universitários para evitar pessoas com uma estranha fixação por pescocinhos humanos.
Abriu os olhos com a cotovelada de Rosalie. Ah, sim, o garoto continuava ali, tagarelando sobre coisas desimportantes.
— E teve aquela vez que fizemos um trabalho em grupo e…
— Sabe se Lauren era próxima de alguém da faculdade? — Leah perguntou.
O universitário coçou a cabeça.
— Hmm… Ela volta e meia aparecia com um grupo de veteranos, eram quatro caras, se não me engano…
— E o nome deles, você s…
— Não, desculpa, eu era do primeiro período na época, não sabia o nome de quase ninguém…
Bree ainda se controlava para não fechar os olhos novamente.
— Consegue se lembrar de algum local que ela frequentava?
Ele estava prestes a negar, mas então seus olhos iluminaram-se por um segundo.
— Depois das aulas, a Lauren gostava de ir a uma casa noturna alternativa não muito longe daqui. Ela sempre ia com as mesmas pessoas também. Uma ruiva gata e um cara com um cabelo bem escuro.
Leah sorriu.
— Sabe o endereço?
Quando ele abriu a boca, Leah começou a digitar nas notas do celular, os dedos rápidos e eficientes.
Bree bocejou. A lua nascia acima de sua cabeça e o sono apoderava-se de seu corpo. Ótimo, agora que conseguiram uma informação minimamente promissora, poderiam sair dali e voltar para o conforto e segurança de suas camas. Não é como se fossem estúpidas o suficiente para visitar a tal casa alternativa tarde da noite, certo?
—
Rosalie estava muito satisfeita com sua perspicácia. Aquela, com toda a certeza, tinha sido uma ótima ideia. Seu corpo esguio não era suficiente para conter toda aquela genialidade. Apoiada em um canto do bar, mexia os quadris e balançava a cabeça no ritmo da música que vinha do palco lá na frente, uma cerveja pela metade descansando nas mãos pequenas.
O Bar 54 era definitivamente o seu tipo de lugar. Nada de formalidades ou afetação: tijolos cobriam as paredes de forma irregular, como um quebra-cabeça desencaixado. As lâmpadas estavam penduradas dentro de gaiolas pretas, que balançavam e se entrelaçavam umas nas outras, alternando entre lapsos de escuridão e luz. Nos fundos do palco, indo de acordo com o tema da casa, havia uma gaiola gigante, com dois assentos rústicos dentro. Atrás dela, mesas e bancos de madeira dividiam espaço com a longa bancada do bar. Adiante, na parede mais afastada, onde havia duas grandes janelas enevoadas com trancas de ferro, encontravam-se Leah e Bree.
Deu uma olhadela nas duas por precaução. Leah parecia muito compenetrada enquanto fazia perguntas a um dos funcionários. Bree estava encolhida ao seu lado, os olhos arregalados voando por todo o bar e a boca comprimida em uma linha fina. Leah séria. Bree apreensiva. Nada de novo sob o sol. Rosalie poderia se dar ao luxo de gastar mais alguns minutos fingindo ser apenas uma cliente qualquer.
O cantor anunciou uma pausa, e, assim que abandonou o palco, as caixas de som voltaram a emitir a música ensurdecedora da mesma playlist de rock que tocava quando tinham chegado. A casa começava a encher na madrugada, vários casais e grupos de amigos entrando por aquelas grandes portas deslizantes. Uns aproximaram-se do bar e espalharam-se pelos bancos. A maioria correu para a pista de dança improvisada próxima ao palco.
Quando Rosalie virou-se para pedir ao bartender mais uma cerveja, viu-o deslizar em sua direção um coquetel vermelho como seu batom. Ela franziu a testa.
— Ei, cara, eu não pedi essa…
Parou. Debaixo do copo havia um guardanapo amassado nas pontas, o papel com um garrancho acenando diretamente para ela: "Por que você não olha para cima?"
Olhar para cima, mas que tipo de merda é e…
— Boo.
Pairando sobre ela como a torre mais alta do mundo, estava um homem. Um homem muito bonito, Rosalie admitiu a contragosto. O cabelo castanho bem aparado, e os olhos dourados amigáveis como os de um filhote observando-a com expectativa.
— Então essa é a sua técnica de aproximação com o sexo feminino? Pagar uma bebida, escrever um negócio ilegível no guardanapo, dar um susto com essa cara de panaca? — Rosalie sorriu. — Me conta, há quanto tempo você não transa?
Ao invés de se ofender, ele riu.
— Se fosse ilegível você não teria levantado a cabeça…
Ela abriu a boca para uma réplica que não veio. O sorriso dele se alargou.
— Qual o seu nome?
Rosalie riu, tentando ignorar o arrepio inconveniente que percorreu suas costas quando ele se aproximou.
— Não interessa. E não me interessa essa bebida também, pode ficar pra você.
Pegou as mãos dele, tentando ignorar também a maciez das palmas, e colocou o copo entre seus dedos. Ele abaixou a cabeça ao mesmo tempo em que ela levantou a sua para encará-lo. Um forte cheiro amadeirado invadiu o olfato de Rosalie. Ela respirou fundo, momentaneamente inebriada.
— Cacete. Você tomou um banho de perfume ou o quê?
O sorriso que antes não saía da boca dele extinguiu-se. Algo relampejou em seus olhos, mas Rosalie não conseguiu identificar o que era.
— Você deveria ir embora daqui. Você e suas amigas. — A voz dele era grave. Tirou do bolso um celular de última geração. — Vou chamar um táxi.
— Quem é você pra me dizer quando eu deveria… Espera aí, como você sabe que estou…
Rosalie voltou os olhos para onde Leah e Bree conversavam há poucos minutos atrás.
Sentiu-se nauseada.
Não as encontrou em lugar algum.
— Merda — os dois disseram ao mesmo tempo.
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