Like a Vampire 4: Endgame escrita por NicNight


Capítulo 22
Capítulo 22- Não curvados e não quebrados




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Narração Marie

 

O berro de socorro foi dado por Victoria.

 

Tudo pareceu acontecer num borrão. Yui e Jackson foram os primeiros a descer. Mao e Sol vieram logo atrás.

 

Foi Jackson que me levou no quarto, em seus braços.

 

Ele nem reclamou quando eu praticamente perfurei minhas unhas em seu ombro, o grito de dor não conseguindo ficar parado na garganta.

 

Não faço ideia de qual quarto era o que eu havia sido colocada. Não sei qual a cama que estou deitada.

 

Eu conseguia ouvir as vozes assustadas, mas elas eram baixas demais comparadas com o barulho que vinha de mim.

 

Minha visão estava borrada demais poe lágrimas. Eu não imaginava algum momento onde eu tivesse sentido tamanha dor.

 

—O que está acontecendo?!- Ouvi uma voz feminina. Sarah? Sofie? Nem eu sabia bem diferenciar.

 

—Meninas, acho melhor vocês saírem.- Sol pediu.- É um momento meio frágil…

 

—CADÊ MINHA IRMÃ?- Esse berro com certeza era de Nikki.

 

—Eu vou cuidar das meninas.- O que parecia ser a voz de Jackson afirmou- Precisamos de pessoas que realmente saibam o que estão fazendo.

 

Mais um berro que doeu até a garganta saiu de mim.

 

—Vou chamar as Creedley.- Victoria afirmou. Pelo menos eu acho que era ela.

 

—Elas saberão o que fazer.- Yui concordou. Ficou um clima estranho no quarto, como eu até tentei.

 

De repente tudo ficou um silêncio. Minha respiração estava acelerada. Meus órgãos pareciam se revirar dentro do meu corpo. O calor que eu sentia era imenso. E ruim. Apavorante.

 

Minha visão cedeu a escuridão algumas vezes. Sentia meu cérebro falhando.

 

Senti um pano contra minha testa, e só aí notei o quanto eu suava.

 

—Chamem uma criada. Agora.- Ouvi a voz de Cousie.

 

—E Reijii?- A voz de Daayene surgiu com uma porta batendo.

 

Senti meu corpo quase pulsando.

 

Consegui abrir meus olhos fracamente, e vi Daayene ao meu lado limpando meu rosto.

 

Estava suja de sangue da cabeça aos pés. E me olhava de forma preocupada.

 

Mais uma contração veio, e eu gritei.

 

Minha visão falhou, e eu agarrei a mão de Daayene.

 

—Me tragam o Laito.- Eu pedi, nem notando o quão fina e agoniada minha voz estava.- Por favor.

 

Daayene olhou pra alguém mais longe, que eu imaginava ser Cousie.

 

A porta se abriu e se fechou de novo.

 

—Marie, eu preciso que você se esforce pra continuar consciente.- Cousie finalmente veio no meu campo de vista. Ela estava bem menos manchada de sangue, porém os pequenos detalhes vermelhos ainda eram vísiveis no seu vestido.

 

Não consegui nem concordar com a cabeça, mas me senti apertar mais a mão de Daayene enquanto uma criada levantou de leve minhas pernas e colocou um lençol por baixo.

 

Senti meus olhos fraquejarem de novo quando mais uma contração atingiu meu ventre.

 

As vozes pareciam abafadas e tudo ficou preto.

 

Me vi num porão frio e preto. Um subterrâneo infelizmente já bem conhecido por mim.

 

Eu estava jogada numa parede. Felizmente, o meu eu dos sonhos não estava paralisado de dor.

 

Consegui me levantar, mesmo percebendo que eu ainda tremia.

 

Olhei pro arredor do subterrâneo da Mansão Sakamaki. Já fazia tanto tempo que não pisava lá que ás vezes se esquecia de como aquele lugar era bizarro.

 

Um cheiro de queimado invadiu para me lembrar do destino que a minha antiga casa tivera.

 

Olhei pra encruzilhada de portas na minha frente.

 

Eu já conhecia essas portas. Uma me levava pra sala de tortura.

 

A outra pra piscina.

 

E a outra sempre estava trancada.

 

Fui á porta desconhecida e girei a maçaneta, esperando ficar frustrada.

 

Mas como o mundo dos sonhos não é a coisa mais material do mundo, me descobri bem capaz de abrir a porta.

 

O comôdo era completamente vazio, exceto por um pequeno altar no centro, onde um vestido dolorosamente conhecido e queimado ainda estava.

 

Ao redor, haviam manchas de sangue na parede.

 

—Bem, isso é o que eu chamo de inconveniência.- Ouvi uma voz do meu lado.

 

Conhecida, pois já a ouvira várias vezes na minha cabeça.

 

Olhei pro lado e vi ninguém menos que minha sogra, usando um vestido branco.

 

—Você não consegue me deixar em paz nem mesmo agora?- Bufei.

 

—Seja bem vinda ao limbo, querida nora.- Cordelia deu um sorriso falso- Aqui, não temos paz. Nem damos paz pra ninguém.

 

—Você merece não ter paz. Espero que as almas de todos que você destruiu te atormentem.- Respondi gravemente.

 

—Você me machuca.- Cordelia fingiu mágoa- É essa a resposta que o universo te dá por tentar se meter entre a vida e a morte, minha querida. E é o que nós duas aprendemos.

 

—Eu não fiz nada.- Cuspi.

 

—É o seu destino.- Cordelia continuou falando- É só a primeira da fila de muitos homícidios causados pela patrulha das mulheres.

 

—Eu sou bem mais forte que você.- Consegui responder- E a assassinada aqui foi você, não eu. Deveria ter morrido a anos atrás e ao invés disso assassinou dezenas de meninas inocentes.

 

—Não inocentes, eu diria.- Cordelia respondeu- Não conseguiu entender até agora, não é?

 

Eu fiquei em silêncio, e ela andou na minha direção.

 

—Todo esse rastro de sangue, toda essa chacina... Foi só um meio pra um fim. Tudo até vocês.

 

Fiquei confusa.

 

—Você acha que você e suas irmãs são rebeldes. Decididoras do próprio destino.- Cordelia riu- Mas KarlHeinz é tão pior do que você pode imaginar. Enquanto discutem sobre mentiras e triângulos amorosos, ele sabe cada um dos próximos passos de vocês.

 

—Está mentindo.

 

—Por que estaria? Eu já morri mesmo.- Cordelia deu de ombros- Vocês são igualzinhas á mãe de vocês. Se vocês tentarem fugir do plano de KarlHeinz, ele vai prender vocês mais ainda.

 

Abaixei o olhar, tentando não deixar ela me abalar.

 

—Não fico surpresa de ver porque meu filho se apaixonou por você.- Cordelia debochou- Seria a presa perfeita se fosse um pouco mais ingênua. Mas é difícil, e ele gosta disso. Ele sempre gostou…

 

—Não se atreva.- Rosnei- Você não tem direito de falar sobre o Laito desse jeito depois do inferno que fez da vida dele.

 

—Ah. Então você é mais inocente do que eu pensei.- Cordelia sorriu- Sei que me vê como vilã, e está certíssima. Mas não é comigo que deve se preocupar. É com o homem.

 

—Iremos matar KarlHeinz.- Eu respondi- Custe o que custar.

 

—Não se continuarem com brigas estúpidas sobre namoro, não vão.- Cordelia revirou os olhos- KarlHeinz sabe nesse exato momento que está.. dando luz á coisa. E não é por causa de um espião. É porque ele sabe de tudo, querida. Ele é tão cruel que quando acabar com vocês, vão desejar que tivessem escolhido a morte.

 

—Por que eu deveria acreditar em você?

 

—Porque eu fui casada com ele. E eu fiz coisas inimagináveis por ele. Mas eu tenho consciência que ele é muito, muito pior que eu.

 

Cada passo meu desde quando eu entrei na Mansão Sakamaki havia sido cuidadosamente planejado. Meu noivado falso com Laito, nosso ódio mútuo pro nosso desejo e pro nosso amor. E depois pro nosso namoro e nosso menino.

 

Cada passo. Cordelia possuindo meu corpo. Sermos sequestradas pelos Mukami. O casamento e o filho da minha irmã. Daayene se juntando aos profetas. O relacionamento de cada uma delas. Nossa parceria com as Creedley.

 

Até mesmo o noivado de Sofie com Robert. E os abusos dele. E Mun. E Kino. E o sequestro de Igor e Oliver. E os Tsukanami. E a rebelião. Até Meg.

 

Tudo fora quase um cálculo perfeito. Uma previsão de KarlHeinz.

 

Eu me sentia idiota.

 

—Dói, minha querida.- Cordelia falou num tom quase gentil- Sua família nunca foi conhecida por ser imprevísivel. Mas se realmente querem vencer ele, precisam ser tão cruéis quanto ele.

 

—Por que está me falando isso agora?

 

—Ah, eu acho que a pós vida vai ficar entediante. Estou só causando um pouco de divertimento.

 

—Você é monstruosa.

 

—Eu sei.- Cordelia sorriu- Mas na vida real, não existem heróis. Os monstros que sempre ganham. Se lembre disso, Herbert. Ou não se lembre. Talvez não valha a pena, no seu caso.

 

Ela ia embora, me deixando com um buraco no peito.

 

—Você é a primeira filha, Marie. Sabia que esse era seu destino desde quando sua mãe morreu.

 

—É.- Admiti- Acho que sim. 

 

Me senti sem ar, e de repente eu estava de volta á realidade.

 

Minha visão ainda estava meio borrada, e a dor voltou com todas as forças.

 

—Marie, Marie!- Daayene me chacoalhou, ainda não soltando minha mão.

 

—Não podemos deixar ela deitada.- Cousie apertou meu ombro- Marie, você consegue ficar em pé.

 

—Senhora, a senhorita já está fraca demais.- Uma criada sussurrou- Temo que ficar em pé apenas piore sua condição.

 

—Bem, se ela desacordar de novo ela não vai conseguir…- Cousie começou a retrucar.

 

—Cadê a minha irmã?- Veio a voz de Victoria.

 

A criada fez uma leve massagem no meu ventre, que me fez rugir de dor.

 

—Victoria, você precisa sair.- Cousie pediu.

 

—Sinto muito, vossa majestade, mas se tem alguém aqui que sabe o que fazer, sou eu.- Victoria segurou minha outra mão.- Marie. Você precisa aguentar firme, ok? Por todos nós.

 

Concordei com a cabeça fracamente. Minha irmã limpou o suor da minha testa. O sangue em si já estava seco.

 

—Onde está o Laito?- Daayene mal franziu a testa quando eu apertei sua mão de novo.

 

—Não achei ele.- Victoria murmurou, parecendo preocupada- Acho que ele…

 

A pausa que se estendeu no comôdo fez eu sentir um peso cair em meu estômago.

 

—Cadê o Laito?- Consegui falar. Só então eu percebi como minha boca estava seca.

 

Mais uma contração. Dessa vez apertei a mão de Victoria, e ela sim fez uma careta.

 

—Vou pedir pra buscarem ele em todos os cantos da fortaleza.-Cousie me garantiu.

 

Minha visão falhou.

 

De repente eu estava em outro corredor. Mais claro, claramente em um castelo.

 

O chão e as paredes eram limpos e brilhavam. Uma porta vermelha estava na minha frente.

 

Olhei pra trás. Estava vazio.

 

Hesitante, andei e abri a porta. Vi uma figura familiar demais adormecida numa cama gigante de lençóis brancos sujos de sangue.

 

—Sofie?- Murmurei.

 

Não era Sofie. Podia ser Sarah. Parecia muito com elas. Parecia ter a mesma idade.

 

A mulher acordou, e vi que seus olhos eram bem mais radiantes do que qualquer uma das minhas irmãs.

 

—Minha filha.- Ela segurou meu rosto, o rosto brilhando como se me visse pela primeira vez- Precisa correr, e se ele te ver aqui?

 

—Ele não vai.- Tive que engolir o choro.- Não vai, mãe.

 

Me retraí quando senti uma dor imensa, como se algo se empurrasse  no meu ventre.

 

Molly olhou pra mim, colocando sua mão quente na minha barriga.

 

O calor que ela emanava me lembrava de infância. Da cama de casal dela. De seu abraço.

 

Quase chorei. 

 

Eu sabia que em experiências de quase morte pessoas poderiam trazer entes queridos á mente, mas aquilo era outro nível do que eu esperava.

 

—Você precisa encontrar a verdade, filha. Precisa ser forte.- Ela segurou minha mão- Forte como eu não pude ir.

 

—Eu não sei se consigo.

 

—Tem que conseguir.- Molly arregalou os olhos- A verdade nem sempre é algo bom de se ouvir. De vez em quando é amarga. Mas é necessária pra seguirmos em frente.

 

Segurei a mão da minha mãe na minha.

 

—Está acontecendo com você também.- Molly sorriu- O ciclo. Mas ainda dá tempo de quebrá-lo.

 

—E como eu faço isso?

 

—Está mais perto da verdade do que acredita, minha filha.- Molly comentou.- Por favor, resista.

 

E assim, tão rápido, ela evaporou das minhas mãos.

 

Quando voltei, meu coração pareceu que ia sair do peito. Dessa vez Victoria não estava mais no comôdo, e Laito estava ao meu lado apertando minha mão.

 

—Acho que alguma coisa está acontecendo…- Daayene sussurrou, não sabendo que eu estava acordada.

 

—Você acha?!- Cousie pareceu abismada- Alguma coisa está muito errada. E eu não digo só aí!

 

—O que está havendo?- Laito apertou minha mão- Amor, o que você tem?

 

Tentei mexer as pernas, e encontrei uma poça de sangue embaixo de mim.

 

Algo estava em mim de forma errada. Gritei de dor, tão alto que quase cheguei a sentir as paredes tremerem.

 

—Eu preciso que você empurre, senhorita Herbert!- Uma criada berrou pra mim.

 

Me sentia tão exausta. O que estava acontecendo? Minha visão falhava algumas vezes, me fazendo tremer.

 

—Ela vai ficar bem, não vai?- Laito questionou.- Farão o impossível pra deixar ela bem!

 

—Garanto que sim, Sakamaki.- Cousie parecia decidida. Senti vontade de vomitar.- Se não, eu…

 

Daayene apertou minha mão.

 

Tentei contrair meus músculos do ventre, apesar da dor.

 

—Amor.- Laito mexeu no meu cabelo, e só então notei como ele estava molhado de suor. Respirei de forma áspera.- Você é forte. E consegue.

 

Minha mandíbula tremeu. Ele beijou minha mão com tanto carinho que gelei.

 

Respirei fundo quando mais uma dor me preencheu.

 

Minha visão falhou de novo. Senti meus olhos encherem de lágrimas.

 

Era como se minha mente fosse ficando fosca.

 

Caí pra fora da consciência de novo.

 

Dessa vez o local era o mais escuro de todos. E quente. Quente demais.

 

—Marie Herbert, aceite seu chamado.- Vozes me cercavam. Era como se uma espécie de energia corresse por mim, me queimando.

 

Corri. Gritos pareciam me cercar. Cada vez me abafando até eu não sentir mais minhas lágrimas.

 

Corri o suficiente pra eu chegar num céu vasto e azul com nuvens brancas. O chão parecia ser de vidro.

 

Uma macieira grande e sadia crescia no meio. Frutos vermelhíssimos e maduros.

 

Mas aos seus pés, estavam apenas sombras do que alguma vez podiam ser humanas.

 

—Morte.- Uma voz parecia me chamar- Morte.

 

Parecia que algo estourava dentro de mim, me molhando de sangue e me fazendo berrar de dor. Arranhei meus próprios braços.

 

—Não…- Tremi, andando até a macieira -Eu preciso resistir… cheguei tão perto.

 

—Já é tarde demais.- Ouvi a voz de Daayene nos meus sonhos.

 

—Como tarde demais?- Era a voz de Laito.

 

—Pros dois.- Daayene estava trêmula- Eu sinto tanto, Laito.

 

Berrei de dor de novo. Meu sangue sujou a árvore, que começou a quase apodrecer.

 

Dessa vez voltei ao mundo com muito mais dificuldade. Meus olhos já pareciam estar pesados.

 

—Ela está perdendo sangue demais…- Ouvi o murmurio de uma criada.

 

—Eu não ligo. Salvem ela!- Laito comandou, frio.

 

Ouvi uma respiração funda e sonora no quarto, e imaginei que fosse de alguma das meninas.

 

Meus olhos se abriram lentamente. Eu me sentia tão fraca e gélida que achei sinceramente que meus órgãos estavam falhando dentro de mim.

 

—Devemos chamar o doutor pra tirá-lo de dentro dela…- Outra criada sugeriu.

 

O clima e o silêncio era tão horrível que uma parte minha se despedaçou.

 

—Agora?- Laito tinha a voz embargada- Minha namorada está morrendo e é nisso que consegue pensar?

 

—Eu deveria…- Até Cousie pigarreou- Eu vou ver como o resto de todos estão.

 

Senti a mão de Daayene me apertar ainda mais, ao invés de me soltar.

 

A porta se abriu e se fechou de forma quase silenciosa.

 

Olhei pra Laito do meu lado. Meus pulmões pareciam falhar na sua função principal.

 

Laito passou os dedos na minha testa molhada, me olhando com uma paz que só podia ser falsa.

 

—Eu te amo tanto.- Sorri fracamente, sentindo meus músculos pesarem.

 

Laito forçou seu sorriso.

 

—Costumam dizer que matar é o maior gesto de amor pra um vampiro.- Ele sussurrou perto do meu ouvido- Mas eu nunca sonhei que seria capaz de viver em um mundo sem você.

 

Senti lágrimas quentes escorrerem pelos meus olhos.

 

—Descanse em paz, meu anjo.- Laito sussurrou.- Seu trabalho está feito.

 

E quase como num feitiço, minha mente sucumbiu a uma escuridão total.

 

Diferente do que eu esperava da morte, não era pacífica. Não era indolor nem como adormecer.

 

Na realidade, eu nunca havia me sentido tão pesada e mal.

 

Eu ainda assim não esperava acordar de novo nos meus sonhos. Eu estava toda coberta de sangue. O meu arredor estava borrado, e eu andava tão devagar que chegava a doer.

 

—A rainha do fogo é beijada por gelo.- A mesma voz de antes me perseguiu- Que seu cabelo é branco como neve e seu olhar é frio. Mas seu sorriso onta uma história diferente. Seu sorriso é quente, como loucura no coração da mulher. E ela é a rainha que seguem pra guerra.

 

Senti como se algo me preenchesse por dentro. A dor não era mais sentida por mim. Eu conseguia correr e me sentia leve.

 

—A vida paga a morte.- Ouvi quando dei de cara numa parede dura.- E a morte paga a vida.

 

Olhei pra trás e vi um espelho, onde pude ver minha aparência. A roupa leve e branca, toda suja de sangue como minhas pernas. Meu cabelo estava molhado de suor e todo em nós. Eu estava tão branca que as pontas dos meus dedos chegavam a ficar azuladas.

 

—É tão triste que a sua morte foi o pagamento.- Uma voz surgiu de trás de mim.

 

Era um homem encapuzado que eu não conhecia.

 

—Quem é você?- Me assustei.

 

—Você pode me chamar de Fatum, senhorita Herbert.- Ele tirou a capa.- Me diga, você acredita em destino?

 

Ele estalou os dedos, e de repente se tornou uma mulher esquelética de olhos tristes e cabelos escorridos. Estalou mais uma vez e se tornou bélissima, a profeta que havia nos visitado a poucos dias atrás.

 

—Eu não entendo…- Engoli em seco- Eu não devia morrer em paz?

 

—Não. Está destinada a coisas mais grandiosas que imagina.- Fatum se aproximou de mim- Você pode, é claro, morrer em paz. Mas pode seguir o que planejamos pra você.

 

—Planejaram pra mim?- Encarei suas roupas vermelhas- Eu não sou profeta.

 

—Realmente.- Ela estendeu sua mão.- Mas tudo que envolve o futuro da Hudison nos envolve.

 

—Eu não posso…- Engoli.- Eu não poderia.

 

—Aceite sua salvação.- Fatum sorriu- Não se arrependerá. Daayene quer te salvar, mas não tem consciência de seu poder ainda. Toda magia tem um preço, só precisa estar disposta a pagar.

 

Meu lábio tremeu.

 

—Mas…

 

—Não precisará se quebrar ou se curvar mais.- Fatum insistiu- Tem todo o direito de recusar, mas eu te prometo que não irá se arrepender.

 

Era como se meu cérebro se fritasse de informações e decisões. Possibilidades. Dúvidas.

 

O que eu tinha a perder?

 

O máximo que ia acontecer é eu não conseguir passar pela minha… salvação ou sei lá… e morrer.

 

Mas eu já estava morta.

 

Estendi meu braço, e vi a palma estampada de Meg encostar a minha pele. Senti algo me queimar. 

 

A cada segundo, a dor só parecia piorar.

 

Me senti dominada por um choque. Uma energia tão grande que me deixava asfixiada em mente.

 

Quando abri meus olhos, o comôdo estava absolutamente escuro e abafado.

 

E pra ser honesta, não era bem um comôdo.

 

Meu corpo todo formigava e a parte inferior do meu corpo ardia e doía como se houvesse milhares de cortes frescos.

 

Tentei me mover, e me encontrei incapacitada.

 

Quando eu consegui entender o que estava acontecendo, tive que abafar um baita berro.

 

Ok, ok. Sem pânico. O que eu faço?

 

Chutei pra frente, sendo encontrada não só com uma dor excruciante entre as pernas mas também com meu pé batendo em algo duro.

 

Nem me atrevi a gemer de dor quando chutei pela segunda vez. Nem gritei.

 

Morrer de asfixia seria bem pior.

 

Chutei uma terceira vez. E uma quarta.

 

Mas que merda de material era aquele que não quebrava?

 

Claro que o pessoal lá era rico. Eles iam pagar o melhor caixão possível. Até pra mim.

 

Eu já estava começando a partir pra oração quando ouvi passos.

 

—Alguém aí?- Me atrevi a gritar.

 

Um barulho surgiu, e eu vi a luz da lua e senti a brisa fria batendo em mim.

 

Me sentei no caixão tão rápido que cheguei a me arrepender pela dor que surgiu.

 

Eu não havia sido enterrada. Graças a Deus.

 

—Sabe, eu já havia ouvido falar sobre várias raças. Mas devo admitir que zumbi é a primeira.- Uma voz masculina me atingiu, e aí lembrei que havia sido solta por alguém.

 

Mesmo na noite, a figura alta e pálida, os cabelos pretos bem arrumados, os olhos vermelhos estreitos e o terno bagunçado… era bem reconhecível.

 

—Reijii!- Quase arfei- Meu Jesus! Graças a Deus!

 

—Graças digo eu,Herbert!- Reijii me repreendeu, e eu quase beijei ele de tanta felicidade, porque o tom só podia ser do próprio Sakamaki- O que estava pensando? O que iria fazer se eu não estivesse vindo aqui?

 

—Morrer de asfixia, acredito eu.- Sorri, meio incrédula- Mas o que você… como?

 

—É meio vergonhoso, não tenho lembranças dos últimos dias.- Talvez fosse porque ele esteve desacordado durante 90% do tempo- Acordei de repente com Ruki e Yui cuidando de mim e dessa… ferida. Me atualizaram dos últimos acontecimentos, mas nem entendi direito o que estava acontecendo.

 

Percebi no instante que ele levou uma das mãos a cicatriz ainda fresca no peito que ele carregava uma torta  de maçã com canela.

 

—Tudo entendi é sobre sua condição.- Reijii admitiu- A vida paga a morte. E disseram que sua vida pagou a minha.

 

Fiz uma expressão confusa.

 

—Me falaram para descansar, mas eu senti algo errado então…- Reijii parecia pensar alto- Eu sei que algumas culturas humanas fazem oferendas aos mortos, então eu fiz uma torta e vim oferecer ao seu espírito ou sei lá, pra desencargo de consciência.

 

A torta ainda cheirava bem. Parecia quente. Percebi que eu estava mesmo com fome.

 

—Tenho uma dívida enorme com sua família, e me senti mal com sua notícia, apesar de eu não ter visto praticamente ninguém desde que veio ao meu conhecimento. Eu não acredito nessas coisas, mas senti vergonha ao não saber seus alimentos favoritos. Então eu fiz…

 

—A torta favorita da Victoria.- Completei.- Mas espera, se a minha vida pagou a sua, então como eu estou viva?

 

—Ficaria surpresa de saber que estou tão chocado quanto você, Herbert.- Reijii deixou a torta apoiada na beira do caixão.- O seu estado é…

 

Bem, ele não estava mentindo com seu olhar julgador. Além de praticamente nua apesar do vestido preto, minhas pernas estavam cheias de sangue.

 

—Eu não sei.- Respirei fundo- Eu devia estar morta.

 

Reijii cutucou meu braço:

 

—Bem viva, como pode perceber. Apesar de que… estou vendo a diferença.

 

—Se isso é algum comentário sobre eu ter engordado na gravidez, eu juro que eu vou…

 

—Não, monstruosa. Seu cabelo está mais branco que o normal. E o seu olho.

 

—O que tem meu olho?- Fiquei assustada. Eu não estava cega, como pude checar fechando um olho de cada vez.

 

Reijii checou os bolsos, como se procurasse algo. Ele então puxou um pequeno espelho.

 

—Veja por você mesma.- Me estendeu o espelho.

 

Apesar da dificuldade por estarmos numa nevasca á noite, eu pude ver que não era mentira. Eu estava mais pálida que o normal e meu cabelo estava branco. Quer dizer, platinado. 

 

E enquanto o meu olho esquerdo permanecia o azul cristalino de sempre, o tom de vermelho do direito era completamente desconhecido.

 

Me lembrei das minhas alucinações… Não, visões. Visões de pré morte, talvez. Mas visões.

 

Lembrei de Daayene encostando no meu braço direito, e olhei pra ele, vendo uma barca esbranquiçada de garras.

 

—Algo muito bizarro aconteceu.- Reijii observou minha expressão bizarra.- Permite que eu ande com você até a fortaleza pra falarmos sobre nossas voltas á vida?

 

—Não.- Olhei pra ele de forma arregalada- Acho que eu sei o que aconteceu comigo.

 

—E…?- Reijii não pareceu entender.

 

—Vem comigo. Precisamos buscar respostas com pessoas que entendem.- Pulei do caixão. Péssima ideia. Senti dor.

 

—Mas…- Reijii fechou o caixão.

 

—Voltaremos o mais rápido possível.-    Garanti- Você ainda vai voltar vivo pra ver sua família?

 

—Promete?- Reijii pegou a torta.

 

—Claro que prometo!- Revirei os olhos- Agora vamos, algo muito errado rolou comigo e com você.

 

Eu e Reijii saimos de fininho da fortaleza na alta hora da madrugada com uma torta em mãos, fracos demais pra usar qualquer magia e confusos demais pra ter uma direção.

 

Naquela hora, não me lembrei que havia esquecido de perguntar sobre meu filho.


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