Feliz Dia dos Não Namorados escrita por Anny Andrade


Capítulo 2
Brigadeiro


Notas iniciais do capítulo

Eu precisava dividir em duas partes para fazer mais sentido.
Boa Leitura.



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Quando paramos em frente a entrada da Lufa Lufa não consigo acreditar. Seria impossível estarmos na mesma casa, usarmos o mesmo salão comunal e eu nunca tê-la visto. Começo a prestar atenção em sua roupa.

― Não acredito. – Digo enquanto ela abre passagem e me puxa para dentro.

― Não tenho uma aparência Lufana? – Ela questiona, mas está sorrindo.

Parece ser algo fácil para ela. Sorrir.

― Como eu nunca te vi?

― Talvez não estivesse olhando. - E suas palavras são tão simples. Estou acostumado com o complicado e me vejo apenas a absorvendo. Literalmente absorvendo a simplicidade com que fala, com que age. ― Me espere aqui, eu volto rápido.

Ela entra para os dormitórios femininos. Enquanto me sento em uma das poltronas e fico esperando por sua volta. Não sei o que ela pode ter buscado, ou o que esperar disso tudo. Só sei que nosso salão comunal parece muito silencioso e vazio. As pessoas gostam de demonstrações públicas de amor. Eu iria preferir algo particular.

Não demorou muito para que Íris voltasse. Trazia em suas mãos uma mochila aparentemente pesada.

― O que tem ai?

― Muitas coisas, vamos por partes. – Ela me entrega a mochila e percebo que estava certo. Estava realmente pesada. ― Preciso de um fogão e de panelas.

Por sorte Lufa-Lufa é perto da cozinha e mais sorte ainda os Elfos gostarem muito de mim e de minha irmã graças a nossa mãe e sua luta a favor deles. Confesso que se não fosse por isso duvidaria muito que Íris conseguisse mexer em qualquer um dos fogões.

Ela abriu a mochila e arrancou de dentro duas latas engraçadas, uma embalagem que parecia conter um pó escurecido. E pediu manteiga para os Elfos. Misturou por vários minutos explicando para eles a receita e o quanto todos iriam gostar. Eu fiquei apenas observando ela conversar e sorrir facilmente. Não me lembrava quando tinha sido a ultima vez que eu tinha sorrido como ela. Talvez no primeiro ano de Hogwarts, ou no dia que Lily me beijou. Agora parecia tão difícil sorrir.

― Tcharam! – Ela disse derramando o creme em um prato. – Precisa esfriar, mas temos umas vantagens aqui.

Usou sua varinha e um vento gelado esfriou os pratos que ela tinha colocado em fileira. Deixou dois para os Elfos que suspiravam ao provar a iguaria. E prometeram qualquer dia fazer para toda a escola.

― O que é isso? – Questiono curioso enquanto ela cobre com um pano.

― É o que fazemos quando não namoramos e estamos no dia dos namorados. – Ela diz voltando a pegar em minha mão.

Nós andamos pelo castelo em busca de uma sala vazia, acho engraçado quando ela abre a porta com força e encontramos um casal agarrado. Nem sabia que poderia ser divertido assim flagrar pessoas.

Na quinta porta sou surpreendido.

― Lorcan? – Meu amigo desgruda os lábios de uma garota. – Sarah?

― Hei, Hugo. – A menina parece constrangida.

Lorcan me analisa por um segundo, olha para Íris.

― Oi Íris, tudo bem?

Íris acena afirmativamente.

― Conhece ela?

― Hugo, ela está vivendo na Lufa Lufa desde setembro, ela gosta de adivinhação. É claro que eu conheço ela. – Lorcan fala como se fosse obvio.

E eu me sinto péssimo por ser tão ruim ao ponto de não ter reparado na garota por tantos meses e se ela não tivesse falado comigo quantos meses ainda levaria para percebê-la?

― É melhor conversar depois. – Sarah diz fazendo com que eu me toque e deixe eles sozinhos para continuarem demonstrando afetividade sem plateia.

Eu fecho a porta com cuidado.

― Como meu melhor amigo te conhece e eu não? – Pergunto enquanto ela procura por outra sala.

― Eu te disse. Talvez não estivesse olhando direito. – A garota do cabelo colorido não parece se incomodar. Tão diferente de mim. – Talvez não precisasse enxergar. Não importa.

― Como pode não importar?

― Você não tinha obrigação de prestar atenção em mim. – Ela responde. – Na verdade eu nunca me apresentei, até hoje. E também posso ser discreta, quando eu quero. E afinal não está me conhecendo agora?

Não consigo pensar em nada para respondê-la. Estou conhecendo, apesar dela nem sempre responder minhas perguntas. Estou a conhecendo apesar dela aparentar já me conhecer.

Quando abrimos a porta seguinte a sala está vazia. E ela parece satisfeita.

― Espera. Um passo para trás. – Ela ergue a varinha.

Fico apenas observando. Com a mochila nos ombros, segurando o prato coberto com o pano, sentido o cheiro doce que escapa pelos furinhos do trançado do tecido.

Ela diz algumas palavras que não entendo e desconfio que esteja falando outro idioma, provavelmente algo que lembra o espanhol ou talvez português. Fico prestando atenção nos gestos, mas ela é muito boa com os feitiços.

Ela escurece a sala de tal maneira que se torna impossível enxergar qualquer coisa, apenas a luz de sua varinha e eu nunca tinha visto algo parecido. Quando se aproxima de mim fico imaginando como alguém tão colorido poderia ser tão bom em deixar tudo tão escuro.

― Tem dias que gosto de ficar no escuro. – Ela diz como se lesse minha mente.

Abre a mochila e tira de lá algumas lanternas. Um item trouxa que meu avô aprecia muito e que coleciona talvez ele ficasse encantado com as dela e nunca mais parasse de perguntar suas origens e o quanto ela poderia ser apegada aos itens.

― Meu avô gosta de lanternas.

― Sério? – Ela desliga uma e coloca em minhas mãos. – Pode dar uma para ele.

A lanterna é pequena e a guardo em meu bolso. Sei que ela deu ao meu avô, mas talvez eu a guarde para lembrar dessa garota tão diferente que me encontrou no dia de hoje.

― Agora. – Ela tira um tipo de cobertor da bolsa e o coloca no chão. Liga todas as lanternas e é como se fossemos transportados para outro lugar.

Sentamos no cobertor. Ela respira fundo. Tira o pano de cima do prato. Me entrega uma colher.

― É isso que fazemos quando odiamos o dia dos namorados. – Ela coloca a colher no creme e o leva até os lábios.

Faço o mesmo e sinto o gosto. Deixo meus lábios brincarem com a cremosidade e com a intensidade que aquele doce oferece. Quando termino de degustá-lo suspiro de satisfação.

Ela ri da minha felicidade.

― Nós fazemos brigadeiro, escolhemos um lugar tranquilo e comemos. – Ela ri pegando outra colherada. – Podemos fazer isso sozinhos ou com amigos.

Eu a imito e me permito ter mais um momento único com aquela iguaria desconhecida. Tão desconhecida quanto a menina em minha frente. Que agora parece estar calma e serena, aproveitando as luzes das lanternas.

― Isso é ótimo. – digo pegando outra colherada. – Como é o nome mesmo?

― Brigadeiro. Te dou a receita. – Ela brinca com as linhas do cobertor.

― Obrigado.

E é assim que eu termino de comer todo o doce enquanto ela fica apenas me observando sem dizer nenhuma palavra. Seu cabelo fica engraçado com as luzes das lanternas. Quando eu termino estou me sentindo melhor. Quase me esquecendo do que estava fugindo.

― Trouxe tudo isso para aguentar o ano?

― Sim. Quando estou com muita saudade e preciso de um tempo eu encontro uma sala qualquer que esteja vazia e fico assim, olhando as luzes. Quando está escuro não importa onde esteja será igual. Escuridão é sempre escuridão. Mas as luzes também sempre acabam sendo luzes.

Ela puxa uma mecha de cabelo e fica a enrolando nos dedos, depois solta e alisa até enrolar novamente.

― Faz muito isso?

― Às vezes.

― Por isso nunca te vi. Estava escondida nas salas. – Falo, porque ainda não aceitei o fato de nunca tê-la notado. Durante todos esses meses.

― Tente se enganar a vontade. – Ela diz rindo. – Eu estive na sua frente em vários momentos, você só estava olhando para o lado errado.

Eu não consigo acreditar.

― Como não te vi? – Pergunto exasperado.

― Não importa. Está me vendo agora?

― Estou. – Digo. – Poderia ter visto antes. Poderia ter te ajudado como está me ajudando.

― Me ajudou. – Ela fala deitando-se em cima do cobertor. Deixando os cabelos jogados para cima, em uma cascata de cor.

― Como te ajudei? – Questiono observando suas curvas nas sombras das lanternas.

― Isso também não importa. – ela fecha os olhos.

― Nada importa?

― Nesse exato momento? – ela volta a sorrir. – Nada importa.

Me deito ao seu lado e também fecho meus olhos. Consigo escutar sua respiração e provavelmente ela consegue escutar a minha. Viramos nossas cabeças e nos olhamos por alguns minutos antes de voltarmos a fechar os olhos. E ela realmente está certa. Nesse momento nada importa.

Eu consigo respirar.

O silêncio me completa.

Eu esqueço tudo que acontece atrás daquela porta.

Me sinto como a tempos não me sentia.

― Feliz dia dos não namorados. – ela diz ainda de olhos fechados.

― Feliz dia dos não namorados. – Respondo e consigo finalmente sorrir.

Ficamos na sala por muitas horas apenas apreciando o silêncio, uma solidão a dois. Quando decidimos ser seguro voltar Íris devolve a iluminação natural da sala, eu guardo todas as coisas em sua mochila e voltamos para Lufa Lufa.

Ficamos parados no meio da sala esperando um dos dois se despedir.

― Oi, sou Hugo Weasley. – Digo por fim.

― Oi Hugo, sou Íris Porto. – Ela diz.

Sorrimos juntos.

― Foi ótimo finalmente te conhecer. – Ela diz enquanto beija meu rosto. E corre para o dormitório.

 O relógio me mostra que passou da meia noite. Não é mais dia dos namorados. Mas eu penso que talvez não tenha sido tão ruim quanto eu esperava que fosse. Foi na verdade muito mais colorido, doce e surpreendente.


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