As novas 12 casas escrita por Elias Franco de Souza


Capítulo 26
Memórias do Rio Lete¹


Notas iniciais do capítulo

Na casa de Touro, Itsuki recobra memórias de seu passado, revelando seu verdadeiro papel nessa Guerra Santa.



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Na segunda casa, após Hela de Câncer aparentemente ter usado as Ondas do Inferno para levar todos os inimigos para o Yomotsu Hirasaka, Inna de Touro estava sozinha, ainda na mesma posição, ajoelhada. Seus ferimentos eram esparsos, sendo os mais graves constituídos pelas flechas do cavaleiro de Sagitário, ainda fincadas em seu tronco, e pelo corte na parte posterior do joelho direito, que tirava a sustentação de sua coxa. Por isso, quando Asura de Virgem chegou à demolida casa de Touro, Inna não demonstrou qualquer reação para recebê-lo.

— Parece que Atena não agiu somente para salvar os cavaleiros de bronze e de prata que eu estava enfrentando — comentou o virginiano, aproximando-se — mas também tirou os meus aliados daqui antes que eles lhe executassem.

— Eu treinei muitos anos para defender esta casa — desabafou Inna, com seu peculiar sotaque eslavo, e em tom melancólico. — Mas quando a guerra começou, fui derrotada em questão de segundos...

— Não é como se alguém pudesse fazer algo contra 6 cavaleiros de ouro — consolou-a Asura. — Me surpreende que você sequer esteja viva.

— Um elogio vindo de um de vocês? Depois de todos os insultos que ouvi agora a pouco, devo confessar que estou surpresa.

Asura deu um pequeno riso. Realmente era estranho que ele estivesse conversando tão cordialmente com um inimigo.

— Me desculpe... — disse o virginiano. — Eu acabei de sentir o cosmo de Atena pela primeira vez em minha vida... Acho que isso acabou me deixou impressionado.

Inna levantou uma sobrancelha, olhando-o com desconfiança.

— Não há Atena em seu mundo?

— Não. O ciclo de reencarnações de Atena foi interrompido há algumas gerações pelos nossos antecessores, quando eles lhe cortaram a cabeça. E posso te dizer: por tudo o que me foi ensinado, Atena não me pareceu ser nada do que eu esperava.

— Por acaso está tendo dúvidas quanto a essa guerra?

Asura demorou a responder. Fitava o alto das 12 casas, provavelmente procurando pelo templo de Atena, cuja estátua não estava mais lá.

— Talvez. Mas eu já tomei a minha decisão quando vim pra cá. Não vou mudar por uma dúvida momentânea.

— Humpf... Apesar de ambos sermos cavaleiros de ouro, a determinação de lutar por nossos ideais talvez seja a única coisa que nós temos em comum.

Asura olhou-a por alguns instantes. Pela primeira vez, olhava para um inimigo com alguma admiração e respeito.

— Como prefere que eu acabe com isso? — questionou-a.

Inna surpreendeu-se com a consideração.

— Um golpe limpo no coração é tudo o que peço.

Ao custo de grande esforço, a amazona levantou-se. Iria morrer de pé. Após perguntar se a amazona tinha últimas palavras, ao que não obteve resposta, Asura levantou o punho na forma de uma lâmina, e concentrou seu cosmo para dar o golpe de misericórdia.

— Adeus, amazona de Touro. Foi admirável a sua resiliência... Agora, a sua vigília na segunda casa acaba aqui!

Um grande impactou ecoou no ar, e sangue caiu no chão. Mas não era de Inna. Itsuki de Fênix havia surgido no último instante e segurou o golpe com as próprias mãos, que agora sangravam.

— Itsuki?! — surpreendeu-se Inna.

— Você?! — chocou-se Asura, lembrando-se que Itsuki fazia parte do grupo de cavaleiros que ele havia derrotado.

— Inna, o que é que você está fazendo?! — questionou a amazona de Fênix, que fazia força para segurar o punho de Asura. — Esse tipo de auto piedade... Não combina com você!

Empurrando Asura para trás, Itsuki aproveitou a abertura para desferir um poderoso soco carregado de cosmo-energia. Defendendo-se da rajada de cosmo com os braços, o virginiano foi arrastado vários metros para trás.

— Maldita... — xingou o dourado. — De onde foi que você veio?!

— Eu não tenho certeza do que aconteceu naquele momento. Só sei que senti um cosmo muito acolhedor me protegendo e tentando me levar para um lugar seguro... Mas eu me recusei a fugir da batalha, e então elevei o meu cosmo até o sétimo sentido para atravessar as dimensões e retornar até aqui.

— Voltou para morrer, só se for isso... Ou você acha que depois de ter sido derrotada ao lado de seus aliados conseguirá fazer algo contra mim, sozinha?

— É verdade que naquele momento eu não pude fazer nada e tive que depender dos outros para me ajudar... Mas a amazona que você estava prestes a matar é quem me ensinou que eu posso lutar de igual para igual contra qualquer adversário! Então, dessa vez, serei eu que protegerei os meus amigos!

— Itsuki... — sussurrou Inna.

A dourada sentia-se ao mesmo tempo comovida e envergonhada já que, enquanto Itsuki ainda não havia desistido de lutar, a amazona de Touro já havia se dado por vencida.

— Não me faça rir... — rebateu Asura, ultrajado por estar sendo desafiado por uma amazona de bronze. — Eu poderia ter acabado com a batalha aqui na segunda casa de forma misericordiosa, mas agora serei forçado a massacrar você primeiro, amazona de Fênix.

Elevando o cosmo, Asura juntou as mãos na postura Namaskara Mudra e, a seguir, afastou-as para liberar seu poder acumulado. Porém, Itsuki não deixou-se intimidar pelo poder do dourado, e também lançou sua técnica secreta. Igualando o cosmo de Asura, o sopro incandescente da Ave Fênix colidiu com a rajada de energia luminosa da Rendição Divina, criando uma explosão que lançou os dois cavaleiros em direções opostas. Após cair de costas, Asura levantou-se surpreso.

— Não pode ser... De onde veio todo esse poder?! Nem parece a garota que até pouco tempo atrás era somente um brinquedo nas minhas mãos ou nas de Richard...

— Minhas duas lutas contra a Inna... Meus exercícios com a Natassia e o Kiki... E também a minha batalha contra aquele desgraçado do Richard... Quanto mais experiência eu ganho, melhor eu domino o sétimo sentido — rebateu, enquanto também se levantava. — Eu já disse. Dessa vez serei eu que protegerei os meus amigos... Golpe Fantasma de Fênix!

Com um raio invisível disparado por seu punho, Itsuki atingiu o cérebro de Asura, arrancando mais uma vez o seu elmo. O dourado permaneceu alguns segundos paralisado, como se estivesse em choque. Até que a tensão sumiu de sua face, e finalmente pronunciou-se.

— Entendo... Você tentou usar uma técnica que fere diretamente a minha mente... Mas, infelizmente, isso não funcionará comigo.

Hesitante, Itsuki deu um passo para trás e se posicionou na defensiva. Não podia acreditar que seu golpe não tivera efeito.

— Não se iluda — continuou Asura. — Só por que igualou o seu cosmo ao meu, não significa que você esteja em condições de igualdade. Alguém como eu, que já atingiu a verdadeira iluminação, não é afetado por essas tolices — esclareceu, apontando um dedo para Itsuki.

Nesse momento, outro raio invisível foi disparado pelo indicador de Asura, dessa vez atingindo o cérebro de Itsuki.

— O quê? — surpreendeu-se Inna, que observava o combate. — Ele devolveu o próprio golpe dela?!

Enquanto Asura ria, Itsuki parecia estar paralisada de medo.

— Refletir um ataque mental como esse é brincadeira de criança para mim. Agora, vamos ver qual é o inferno que se passa na mente da garota...

Usando seus poderes para revelar a mente de Itsuki, para si mesmo e para Inna, Asura aos poucos expôs os pensamentos da amazona. Dentro da consciência da Fênix, podia-se ver um quarto escuro. Porém também havia uma forte luz passando por debaixo da porta. E fumaça. Parecia que a casa estava em chamas. Do ponto de vista de Itsuki, tudo ao seu redor parecia ser muito grande, o que significava que ela devia ser criança. Memórias da infância, talvez? E havia outras pessoas na casa. Na sala de estar, onde se concentravam os maiores focos do incêndio, uma mulher estava morta no chão, sobre uma poça de sangue, e um homem encontrava-se bastante ferido... Asura conhecia aquele homem e aquela armadura. Era Ikki de Fênix. E ele se confrontava com outros dois homens... Prometeu e Epimeteu? O que eles estavam fazendo ali? Não era essa a história que Asura havia ouvido de Prometeu. Retomando sua atenção para o que se passava na mente de Itsuki, o virginiano viu que Epimeteu estava com a versão criança da amazona nos braços. E com a Lança de Jápeto, Epimeteu abriu ali mesmo o portal para Nibiru. Porém Ikki não os deixou partir com a garota. Gritando por alguém chamada Ichika, Ikki atacou os dois deuses ao mesmo tempo. O cavaleiro lendário feriu o braço de Epimeteu, que acabou perdendo a Lança de Jápeto, atirada para longe no meio do incêndio. Porém, no mesmo momento em que, após Epimeteu perder a lança, o portal se fechava, Ikki acabou se atirando através do portal agarrado ao corpo de Prometeu. O portal se fechou, e Itsuki ficou sozinha com Epimeteu na casa em chamas. Logo em seguida, ouviu-se o som de outras pessoas se aproximando. E Epimeteu fugiu da casa carregando a garota consigo, deixando, porém, sua lança para trás. Enquanto o titã fugia com Itsuki nos braços, Asura ouviu palavras que não lhe faziam sentido. Epimeteu dizia que as coisas não haviam saído conforme o planejado, pois ele e seu irmão precisavam da filha de Tétis para refazer a raça humana. Mas nos anos em que Prometeu esteve em Nibiru, ele nunca comentou tal fato com Asura ou com os demais cavaleiros daquele mundo.

— O que... O que foi isso? — questionou Itsuki, despertando finalmente.

Com uma mão cobrindo os olhos, a amazona suava muito e apoiava-se contra o chão, sem entender o que havia visto. Asura e Inna também pareciam confusos, e olhavam preocupados para a Fênix.

— Eu... Não tenho certeza — respondeu Asura, que tentava juntar as peças do quebra-cabeça. — Nesses nove anos em que Prometeu esteve preso conosco em Nibiru, ele não criou a nova raça humana do zero. Ele usou Ikki de Fênix, que ele levou capturado consigo desse mundo, como fonte do material de que ele necessitava.

— Então o meu pai esteve mesmo em Nibiru esse tempo todo... — questionou Itsuki, ainda sem conseguir levantar-se.

— Sim... — confirmou, hesitante. — E ele ainda está lá, com Prometeu e o resto de seu novo exército... Somente alguns de nós atravessamos o portal quando ele foi aberto, hoje. Mas o que eu estou tentando dizer aqui, Itsuki, é que, ao contrário do que Prometeu disse quando veio ao nosso mundo, Ikki de Fênix não era para ter sido levado para Nibiru. Na verdade, quem era para ter sido capturado por Prometeu era você, Itsuki.

— Eu?! — questionou surpresa — Por que eu? — continuou, sem entender.

— Quando Prometeu propôs aliança conosco, ele esclareceu que precisava de um mundo onde não fosse incomodado para poder criar a sua nova raça, e que havia trazido consigo um humano valoroso do qual extrairia e modificaria as sementes da criação de que necessitava. Ikki permaneceu em coma induzido desde então, servindo de fonte desse material da criação. Porém, ao que parece, a nova raça à qual Prometeu deu a luz seria ainda mais poderosa se ele tivesse usado você no lugar de seu pai, Itsuki, pois você também é filha de Tétis.

— Uma profecia da Era Mitológica — explicou Inna — dizia que o filho da deusa Tétis seria mais poderoso do que o próprio pai. Por causa disso, todos os deuses do Olimpo temeram casar com ela e, para que o filho dela não fosse tão poderoso, a obrigaram a se casar com um herói mortal que já estava bastante velho e enfraquecido. Dessa união nasceu Aquiles, o mais poderoso herói da Era Mitológica.

— Itsuki — continuou Asura. — Se sua mãe era a reencarnação de Tétis, isso significa que você será muito mais poderosa do que seu pai ou qualquer outro dos cavaleiros lendários. É por isso que Prometeu queria levar você.

— Mas... Eu não entendo. Essas memórias não podem ser minhas... Eu não lembrava de nada disso, e lembro claramente que vivi mais dois anos com minha mãe antes dela morrer. Ela não pode ter morrido na mesma noite que meu pai desapareceu.

— Epimeteu modificou suas memórias — explicou Asura. — Ele perdeu a Lança de Jápeto no meio do incêndio e não conseguiu encontrá-la antes da chegada dos demais cavaleiros lendários. Teve de fugir apenas com você nos braços, sabendo que um dia você poderia se tornar a chave para reabrir o portal para Nibiru, como realmente aconteceu. Enquanto Prometeu criava a nova raça humana em meu mundo, Epimeteu esteve puxando os fios aqui na Terra para que você despertasse o sétimo sentido e seu cosmo e sua armadura ressoassem ao cosmo e armadura de Ikki. Seu treinamento pela armadura de Fênix, sua obsessão em encontrar Ikki, seu encontro com Natássia... Todos esses acontecimentos tiveram influência de Epimeteu.

— Então... Todas as memórias que eu tive com a minha mãe depois do meu pai desaparecer...

— Foram uma ilusão. E você não foi a única a ser enganada... Epimeteu fez com que todos aqueles que conheciam Ikki acreditassem que você havia morrido naquele incêndio. E foi por isso que ninguém sabia quem você realmente era, Ichika...

— Ichika? — questionou, confusa.

— Você ouviu, não ouviu? O nome pelo qual Ikki gritou em suas memórias... O seu verdadeiro nome, que seus pais lhe deram, é Ichika. Epimeteu escondeu muito bem a sua identidade do Santuário...

— Eu acho que lembro... Mas ainda não consigo acreditar... Espere! — ordenou Itsuki, ao ver que Asura dava as costas e começava a se afastar em direção à casa de Áries. — Onde está indo?

O dourado deteve-se por um momento, para se explicar.

— Eu achava que eu ainda estaria determinado a seguir até o fim, e arrancar a cabeça de Atena. Mas depois do que vi... — desabafou, em um longo suspiro. — O sonho de novo mundo de Prometeu... Começou erguido sobre o assassinato de uma mãe e o sequestro de uma criança. Não é nada diferente dos absurdos que já vi em Nibiru... Ah. E... Tem mais uma coisa que me incomoda — lembrou, fazendo uma longa pausa enquanto admirava a vista do Santuário nos arredores das 12 casas. — O cosmo de Atena... Não consigo esquecer dele.

Itsuki ainda fez menção de correr atrás de Asura, mas Inna a segurou.

— Inna! — contestou Itsuki, vendo o virginiano se afastando cada vez mais — A amazona de Águia e outros cavaleiros podem estar naquela direção. E se ele...

— Não se preocupe — tranquilizou-a Inna, sem hesitar. — Eu tenho certeza. Ele pode até não ter se tornado um aliado, mas... Não é mais um inimigo.


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Notas finais do capítulo

1. O Rio Lete era um dos cinco rios do submundo na mitologia grega, e quem bebesse ou tocasse suas águas teria todas as suas memórias apagadas. Lete, do grego antigo, significa "esquecimento" ou "ocultação".



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