As novas 12 casas escrita por Elias Franco de Souza


Capítulo 1
Recepção calorosa


Notas iniciais do capítulo

A recém-empossada amazona de Fênix chega ao Santuário em busca de seu antecessor, o lendário cavaleiro Ikki de Fênix



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O ar próximo ao chão rochoso tremulava com o calor do verão grego. Cada passo colina acima parecia mais pesado conforme o suor escorria por suas pernas. Com o sol a pino, talvez fosse melhor procurar uma sombra para descansar. Mas Itsuki estava ansiosa para encontrar o seu destino. Depois de 6 anos de treinamento, ela finalmente levaria a armadura de fênix de volta ao Santuário. O peso da urna da armadura em suas costas não era nada comparado ao fardo do treinamento na Ilha da Rainha da Morte¹. A amazona de quinze anos de idade era somente a segunda pessoa na história a sobreviver ao treinamento no “inferno na Terra” e, consequentemente, conquistar a cobiçada armadura imortal. A primeira pessoa a conseguir tal feito, o lendário Ikki de Fênix, era quem Itsuki esperava encontrar no Santuário.

Os cinco lendários cavaleiros de bronze, têm seus paradeiros incertos desde as últimas Guerras Santas, a cerca de 20 anos atrás. Sabe-se apenas que Atena desejava que seus cinco fiéis protetores, que haviam se sacrificado mais do que qualquer outro cavaleiro, se aposentassem das batalhas e vivessem vidas normais. Porém, Itsuki ouviu de seu mestre, o que a treinou na Ilha da Rainha da Morte, um rumor de que somente Atena, que têm se resguardado em seu templo desde a última Guerra Santa, saberia a localização dos 5 cavaleiros de bronze.

— Eu vou encontrar o Ikki... Custe o que custar... – Resmungava entre um passo e outro, cambaleando entre as rochas que escalava.

— Alto lá! – Comandou uma voz firme. Itsuki olhou para cima e viu, no alto do morro, um cavaleiro. Não sabia ao certo, mas, pelo tom da armadura, provavelmente era um cavaleiro de prata. E a longa capa que tremulava às suas costas certamente era outro sinal de que o cavaleiro pertencia a uma patente mais distinta – Você está adentrando o território do Santuário. Identifique-se – ordenou o homem de longos cabelos negros. A fineza de seus traços faciais, observou Itsuki, combinavam com a elegância de sua armadura.

— Eu sou Itsuki... Itsuki de Fênix – respondeu, hesitante – Eu vim ver o Mestre do Santuário.

O homem encarou a garota por alguns instantes. Itsuki não sabia se ele estava analisando seus traços orientais, que não deviam ser comuns na região, ou se ele havia achado estranho o seu sotaque nipônico. Até que o cavaleiro soltou uma gargalhada.

— Você só pode estar de brincadeira... – finalmente disse, após conseguir conter os risos – Eu vejo que você carrega uma urna sagrada com você, mas onde está a sua máscara, amazona? Alguém que não conhece as regras do Santuário deve ser uma impostura que roubou a armadura. – Itsuki ficou furiosa com as acusações, mas não teve tempo de esboçar uma explicação, pois o cavaleiro continuou zombando. – E a armadura de Fênix? Você quer que eu acredite que uma fedelha como você está portando a armadura do lendário Ikki de Fênix?

— Escuta aqui! – Impôs-se, finalmente – Eu não tenho que te dar satisfação! Eu ganhei a armadura por mérito próprio. E todos sabem que Atena baniu a regra da máscara para as amazonas.

— É, mas isso foi há vinte anos. – Zombou, sem escrúpulos nenhum em se declarar abertamente contra uma das escolhas de sua deusa – Atena não dá mais as caras por aqui, dá? Sou eu que faço as regras na área externa às 12 casas... Eu sou Christopher de Lagarto, e sou o líder dos cavaleiros de prata! Foi um erro Atena abolir a lei das máscaras... Portanto, nenhuma amazona abaixo de mim pode descumprir essa lei. – Explicou com olhar de menosprezo – Todas sabem disso.

Itsuki não gostou do tom do cavaleiro. Depois de conviver por 6 anos com companheiros de treinamento, e até mesmo seu mestre, a subestimando por ser mulher, a agora amazona de Fênix finalmente tinha o poder para não deixar homem nenhum passar impune. Ela só não esperava que o seu primeiro acerto de contas aconteceria tão rápido, recém chegada ao Santuário.

— Ah é? – Desafiou, severizando o tom – E quem disse que eu estou abaixo de você?

— Hum? Você está falando sério? – Questionou, não esperando ser desafiado.

— Você sequer será um desafio.

Itsuki deu um grande salto no ar, superando a diferença de altitude entre os dois, e em seguida mergulhou em direção ao prateado. Um grande estouro levantou uma nuvem de poeira. Mas Christopher já não estava mais ali. O punho de Itsuki havia acertado somente as rochas.

— Você me surpreendeu – reconheceu o cavaleiro de Lagarto, aterrissando mais à frente de Itsuki, em terreno plano que se abria após o cume. – Não se deixou intimidar por eu estar com a posição mais alta.

— Você é rápido – a amazona também estava surpresa. Ela não havia se contido no ataque e sabia, devido às exigências no treinamento de seu mestre, que tinha força para superar um cavaleiro de prata, mesmo ela pertencendo a uma patente menor.

— É claro que sou – vangloriou-se – Ou eu não seria o líder dos cavaleiros de Prata! A minha velocidade... – Dor. Dor lancinante. No instante seguinte, Itsuki já estava se curvando perante uma constrição angustiante em seu estômago. O punho de Christopher estava cravado em seu abdômen, fazendo-a cuspir sangue e ter espasmos no diafragma. A garota ficou em choque. Nem piscou, e o cavaleiro já havia vencido a distância que os separava sem ela sequer dar-se conta de que seria atacada – Eu já nem sei mais precisar a minha velocidade em Mach². Minha força já está mais próxima dos cavaleiros de ouro do que dos cavaleiros de prata – explicou, agarrando Itsuki pelos cabelos e a arremessando para trás.

A amazona voou 10 metros, aturdida, antes de tombar no chão, com a urna de Fênix rompendo as alças e rolando ao seu lado. Estava difícil de respirar, e a visão borrava. Mas Itsuki não podia se dar por vencida tão rapidamente. Procurou manter a calma e ignorar a dor. Focou seus sentidos em tentar encontrar a urna. Precisava alcançá-la para vestir a armadura.

— Essa urna... Então é mesmo a armadura de Fênix – constatou Christopher, que se aproximava a passos demorados.

— Maldito... – praguejou, tentando arrastar-se em direção ao seu objetivo.

— Eu até deixaria você vesti-la – disse colocando-se entre Itsuki e a urna de Fênix – Mas nós dois sabemos que uma fedelha como você só pode tê-la furtada do verdadeiro dono.

Christopher apontou um dedo para o alto e, em seguida, um tornado levantou-se do chão, envolvendo Itsuki e arremessando-a às alturas. O giro violento dos ventos deixava a garota completamente inerte de qualquer reação. Ela nada podia fazer enquanto seguia o rodopio do tornado, exceto esperar que os ventos cessassem. “Maldição”, pensou consigo. “Se ao menos eu pudesse vestir a minha armadura.”

— Hahahaha. Acho que ainda vou brincar um pouco mais com você antes de matá-la. Vamos ver quanto tempo você aguenta no meu Furacão das Trevas.

Itsuki estava quase perdendo a consciência. Como o seu centro de gravidade fazia suas pernas ficarem apontadas para fora do tornado, o giro incessante fazia com que a força centrífuga empurrasse o sangue de sua cabeça em direção aos pés. Mesmo taquicárdico, seu coração não tinha força para bombear o sangue de volta. “Fênix... Por favor.”

— É, acho que foi divertido enquanto durou. Agora é o seu... Hã? O que é isso?

Um lampejo vermelho explodiu às costas do prateado. O brilho era forte demais para enxergar, mas Christopher podia sentir que um objeto disparou em direção à Itsuki. Mesmo não acreditando, só podia ser a armadura de Fênix, que se libertara de sua urna. O forte vácuo criado pelo trajeto da armadura interrompeu o Furacão das Trevas, e então Christopher pode visualizar a armadura de Fênix pairando no céu, logo abaixo da amazona.

— Fênix... Você veio – constatou Itsuki, recobrando os sentidos. A armadura tinha o formato da ave mítica. As pernas da criatura, que formariam as grevas, os mangotes e o cinturão da amazona, eram de tom azul escuro, porém com um brasão vermelho no centro do cinturão. Já o corpo e as asas da ave, que formariam a proteção do tórax e as ombreiras, eram prateados, com algumas placas em dourado na parte baixa do peitoral. As três caudas de penas douradas da ave desceriam pelas costas da amazona. E a cabeça, que tinha dois cornos dourados, formaria o elmo, protegendo a fronte da amazona.

A figura da ave lendária desmontou-se, e cada peça vestiu a parte correspondente no corpo de Itsuki. Agora, o cosmo voltava a fluir em seu corpo. Ainda pairando nas alturas, a amazona voltou a sua atenção para seu oponente, que ainda não acreditava que ela pudesse ter vestido a armadura.

Aproveitando-se do tempo que o cavaleiro de Lagarto estava lhe dando para preparar o contragolpe, Itsuki analisou rapidamente a situação. Notou que ainda havia resquícios do cosmo de Christopher no ar entre eles. Eram as marcas por onde o tornado havia se formado anteriormente. Golpeando então a palma da mão contra o ar, Itsuki repreencheu as marcas no ar com seu próprio cosmo, criando um redemoinho de chamas que fluiu no sentido contrário ao tornado de antes. Christopher foi atingido pelos ventos inflamados. Cobrindo o rosto e fixando bem as pernas, conseguiu, a princípio, segurar a posição, sem se deixar levar pela corrente de ar. Resistiu o quanto pode mas, no fim, a correnteza o superou, e seus pés se soltaram do chão. Foi arrastado por dezenas de metros, rente ao chão, até atingir um paredão de pedra. Seu corpo afundou nas rochas, fazendo com que a força do impacto rompesse os pequenos vasos nos alvéolos de seu pulmão. Mas, enfim, o contra-ciclone de Itsuki estava terminado. A amazona aterrissou no solo, enquanto Christopher caía de joelhos e tossia sangue.

— Filha... Da puta... – xingou, com a voz trêmula, entre arfadas de ar. – Eu já ia matar essa garota... Mas agora... A morte vai ser pouco comparado ao que vou fazer com você.

— Hã? O que você disse? Derrubou uma moeda? – zombou itsuki, observando a dificuldade de Christopher de sair do chão.

Itsuki foi respondida por uma sincera risada do prateado, que finalmente conseguiu colocar-se em pé e recuperar o tom de voz.

— Eu tenho que admitir que vou sentir muito prazer em matar você. Agora... Isso ficou pessoal.

O cavaleiro começou a elevar o cosmo, preparando o próximo ataque. Auras e raios negros reluziam ao seu redor. Itsuki podia sentir que seu poder era ainda mais aterrorizante do que ele mostrara a princípio. “Até onde vai o poder desse cara? Eu não esperava encontrar alguém tão forte logo de início.” A amazona retomou sua postura de combate e também começou a elevar o cosmo. Dessa vez iria usar seu melhor golpe, o Ave Fênix. Como na maioria das lutas entre cavaleiros, tudo poderia ser decidido em poucos movimentos.

Christopher levantou seu braço e, com o indicador, concentrou seu cosmo em forma de ventos negros ao seu redor. Itsuki, batendo os braços no ar como se fossem as asas da Fênix, espalhou suas chamas em torno de si, concentrando seu cosmo efervescente nas proximidades. Então Christopher mirou o indicador para a amazona, disparando o seu Furacão das Trevas, e Itsuki deu um soco no ar, juntando todas as chamas acumuladas em um só golpe. Ambas as técnicas arrasaram tudo em seu caminho, uma de encontro à outra, mas, antes que colidissem, um emaranhado de relâmpagos dourados surgiu entre elas, despedaçando tanto o turbilhão de ventos negros quanto o de chamas vermelhas. Em um piscar de olhos, todo o golpe de ambos os combatentes havia sido estraçalhado.

— O que... O que foram esses raios? – questionou Itsuki, embasbacada.

— Malik³... – explicou Christopher, voltando-se para sua esquerda. Itsuki olhou na mesma direção, e só então notou. Um cavaleiro de ouro havia chegado.

Trajando uma imponente armadura dourada que recobria todo o corpo, aproximava-se um homem negro, de cabeça toda raspada, portando cerca de dois metros de altura. Seus ombros eram tão largos que o faziam parecer um armário. O cavaleiro também vestia uma longa capa, e carregava o elmo sob o braço direito. Ao que parecia, aquela tempestade de relâmpagos havia sido produzida somente com o punho esquerdo do cavaleiro, no qual ainda estalavam resquícios de eletricidade. Depois de ter ficado admirando a imponência que um cavaleiro de ouro esbanjava, Itsuki finalmente conseguiu dizer algo.

— Que...? Quando foi que esse cara apareceu?

— Você deve ser Itsuki de Fênix – disse o dourado.

— Como...? Você sabe meu nome.

— Você conhece essa garota? – interrompeu Christopher, impaciente por ter tido sua luta interrompida.

— Eu recebi a pouco uma mensagem do mestre dela, vinda da Ilha da Rainha da Morte  – começou a explicar, voltando-se para Itsuki – Então eu desci da casa de Leão para recepcioná-la. Ao saber que você estava a caminho, imaginei que pudesse ter problemas na chegada.

— E bota problema nisso – resmungou Itsuki, apontando o olhar para Christopher – Esse idiota me tratou como inimiga do Santuário. Me acusou de ter roubado a minha própria armadura!

— Você não pode me culpar. Não é todo dia... Ou melhor... Não é toda era que alguém conquista a armadura de Fênix. Ainda mais depois dela ter pertencido a quem pertenceu... Você é só a segunda pessoa na história a vestir essa armadura, e ainda é uma garota.

— Eu vou quebrar a tua... – Itsuki já caminhava na direção de Christopher, mas Malik a segurou pelo braço.

— Chega – ordenou o dourado. – Eu sou Malik de Leão, um dos 12 cavaleiros de ouro, e vou te acompanhar até as 12 casas.


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Notas finais do capítulo

1. Adotei a versão do mangá, em que a Ilha da Rainha da Morte não foi destruída.
2. Mach é uma medida de velocidade equivalente à velocidade do som.
3. Malik é uma palavra árabe que significa "rei" ou "chefe"