Qualquer um menos você escrita por Cherry


Capítulo 12
12 - Quando tudo mudou (Daniel)


Notas iniciais do capítulo

Olá, tudo bem? :3

Dessa vez é um POV do Daniel, porque quero falar um pouco sobre como descobriu a doença e como começou a insistir para trabalhar com a Elisa.

Espero que gostem e desejo uma belíssima leitura, bem como bom feriado!



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Capítulo doze
       Quanto tudo mudou

 “Não vem olhar para mim com esse olhar
Você realmente não vai embora sem uma discussão
Você não se convence, e eu cansei de ser educada
Eu já te disse uma, duas, três, quatro, cinco, seis mil vezes”
(Friends – Marshmello feat Anne-Marie)

 

Respirei fundo naquele vestiário vazio e pequeno, outro dia teria sido um dos primeiros a sair dali e começar a treinar, mas, apesar de já ter colocado a camiseta e a bermuda do time, hoje tudo era diferente. A sensação das minhas mãos suadas e a perna que custava sair do lugar eram a prova do quanto eu me sentia nervoso.

Que merda, parecia até uma menininha prestes a perder virgindade.

— Daniel? — O barulho de salto veio antes de seu grito e me virei para dar de cara com Alicia. — Por que está demorando? — O bico que fazia era tão fofo que a beijaria ali mesmo, isso se seus braços não estivessem cruzados na defensiva. Era um enorme não.

— Que está fazendo? — Não sabe que poderia ter outros homens se trocando? — E se tivesse mais alguém? — Finalmente consegui me levantar.

— Só se estiver falando de uma garota, todos estão no campo faz um bom tempo e nada de você chegar. — E lá estava a sua sobrancelha sendo levantada.

— Não tem isso, sabe que preciso me concentrar. — Meu tom de voz estava alto e sabia que faltava pouco para me irritar com ela. — Vai embora. — Tinha que focar apenas naquela partida, não em discutir sobre nossa relação.

— Por que me trata assim? Também vim te apoiar, é um dia importante não? — Era a verdade, tinham me avisado que um olheiro estaria ali e poderia ganhar minha bolsa para os EUA.

A sensação de seu corpo atrás de mim era a maneira de dizer que queria chamar atenção. Sabia muito bem como me deixar excitado com seus peitos espremidos em minhas costas e as unhas roçando por baixo da minha blusa. A vontade de tirar sua roupa aumentava a cada segundo junto dela, porém aquilo precisava acabar se não seria tarde demais.

— Me ajudará mais se me deixar sozinho.

Sua respiração estava ainda perto de mim e ficava mais longe ao parar o abraço, nesse momento queria me bater por ter a tratado assim, mas esse dia não tinha lugar para falhas. As mil vezes que disse que gostava de ficar sem ninguém ao meu lado foram ignoradas em todas os jogos que esteve para me assistir, até o ponto de aparecer apenas em competições significantes.

— Vai se ferrar, seu idiota! — Não precisava a olhar para entender que saiu chateada comigo e chorando. Se a encarasse seria capaz de ir atrás, mas entre me explicar e meu futuro em uma boa universidade já sabia a resposta.

Quando sai dali e a luz cegava meus olhos, via aos poucos o tanto de gente tinha na plateia para nos acompanhar. Os colegas me encaravam enquanto corria até eles para poder me aquecer e alguns tentavam se aproximar de mim.

— Dani, seja mais carinhoso com ela. — Lá vem Mateus com seu sermão nessas situações.

— Se fosse minha namorada transaria todo dia, seja no vestiário, sala de aula, sofá ou onde ela quiser. — O Gustavo era nojento mesmo sendo comprometido. — É uma gostosa. — Claro que não poderia faltar a oportunidade de a “elogiar” na minha frente.

— Dá para parar com isso, seu filho da puta? — Se hoje fosse um jogo qualquer já teria partido para cima dele e enfiado porrada. — Não quero mais você falando da Alicia desse jeito, está me entendendo? — Mas ainda dava para o pegar pelo colarinho com carinho.

— Está com medo de perder para mim, é? — Me provocando como sempre.

— Isso não vai acontecer. — Nessa hora o meu amigo tinha me puxado para o largar e nem tentei mais voltar.

— Ele tem razão, se continuar a trata-la desse jeito vai terminar contigo. — Sério que está o defendendo? — Foque mais nela e menos no jogo. — Era impossível, meu mundo é o futebol.

— Hoje não. — Isso enquanto fazia os polichinelos.

— Sempre nessa. — “Vinicius, não se meta na conversa”, essa era a mensagem que dava a ele sem nem precisar abrir a boca.

Resolvi ignorar ao ir se afastando desses fofoqueiros e escutar toda a galera nas cadeiras torcendo por mim, seja pulando, gritando ou simplesmente nos olhando jogar. Procurei entre as pessoas uma em especial que sempre me animava, mas claro que não estaria ali nem se fosse nesse dia importante, talvez nem sequer sabia que o olheiro vinha. Fazia tempo que não a via no estádio e não precisava dela para nada, meu nervosismo tinha sumido mesmo sem sua atenção.

— É aquele. — Um dos meus companheiros disse ao apontar para um cara em especifico no meio de outros de terno. Era ele a minha porta de entrada. — Vai ter que vencer ou vencer.

— Tenho é pena de quem vai nos enfrentar. — Respondi ao colocar minha mão no joelho pela décima vez no mesmo exercício.

— Se acha. — Enquanto me dava um fraco soco nas costas ao rir do que tinha comentado e foi continuar com seu alongamento, que estava mais adiantado que o meu.

Conseguimos massacrar praticamente todos os adversários esse ano, qual seria a probabilidade de justo hoje dar errado? A chance de que façam mais gols que nós? Quase zero e cada rosto que comprou um ingresso e estava presente aqui contava comigo e isso era bem assustador, porém também era um motivo a mais para ganharmos.

Quando voltei para o lugar que deveriam estar meus colegas de time, eles tinham feito a rodinha das energias positivas e para apontar o que deveríamos fazer. O técnico não me chamou ou nem sequer percebi? Não importa, corri até lá e me meti no meio de algum deles.

— Esse time é ruim com lances altos, então tentem marcar bastante falta perto da área e escanteios. — Lembrou-nos o treinador e cada cena daquela fita ia e vinha na minha cabeça. — Cuidado com o centroavante deles. — Alertou antes de virar para mim. — E Daniel, boa sorte. — Deve ser por causa daquele gringo.

— Faça mais de dois pelo menos. — Disparou o Mateus ao saber como era. Não é superstição que ia me dar a vitória e nem precisava disso, apenas eu posso.

— E você se for um já será milagre. — Aquele seu sorriso com a minha fala só significava uma coisa: vou te fazer engolir suas palavras. Era isso que queria.

— Não se esqueçam de mim. — Se intrometeu o Eduardo.

— Contigo vamos ter gol sim. — E chegou o Gustavo na conversa. — Gol contra. — A sua risada enquanto humilhava alguém parecia até tradição enquanto todos nós treinávamos.

— O que está falando, cara? Você não marca há cinco jogos. — Rebateu quase em seguida para receber uma encarada em troca. Ele pode até brincar, os outros não, vai entender.

— Mas hoje eu irei. — Estava bem sério.

— Não, é para passar para o Daniel, está lembrado? — Esse foi o meu melhor amigo. — Ele precisa daquela bolsa. — Gus ainda parecia irritado.

— Certo. — Sabia que mesmo que fosse competitivo e um boca suja, torcia por mim do seu jeito e ia cooperar. Dei ok com o dedo para eles e nos dirigimos até o gramado para começar.

— Só não pareça um fominha. — Apontou para mim e fiz que sim com a cabeça.

— Vamos para algum lugar depois? — Perguntei ao pessoal.

— Combinando antes da partida? — Tinha que ser o pessimista do Vinicius.

— Não vamos perder. — Como uma promessa. — Eu aposto em balada.

— Deveria comemorar com a sua namorada. — Que não venha com aquilo de gostosa de novo. — Irei para um restaurante com a Larissa e depois para a casa dela. — Por isso, ia ficar se coçando para se divertir conosco se formos em algum lugar com tantas gatas assim.

O hino do Brasil começou a tocar e conseguia acompanhar de cor e salteado de tantas vezes que tinha escutado. Era como um sopro de vento num quente verão estar rodeado de várias pessoas que recitavam cada palavra tão alto ao ponto de não conseguir ignorar, mas junto vinha aquele frio na barriga. Acho que estar perto do Vini deve ter me contagiado.

Quando podemos ficar com a bola corri com tudo para leva-la até a defesa sem que conseguissem me barrar na marcação. Sério que só tinha um para ir contra mim? Pelo jeito me subestimavam e vou tomar proveito disso. Consegui passar o objeto por baixo de suas pernas e pegar do outro lado, para que um olé fosse soado depois disso e soltar um sorriso espontâneo.

— Vai. — Entreguei para o Eduardo quando mais jogadores estavam chegando ao meu redor e segui para a frente apenas com aquele zagueiro ao meu lado.

Observei quando passou para o Gustavo e aquilo significava cruzamento pelo alto e bem no papai aqui. A minha empolgação crescia a cada segundo e sentia que abriríamos o placar. E foi desse jeito que consegui um de cabeça, não teve a mínima chance para eles.

— Viram isso? — Cochichei quando nos abraçamos antes de fazer a 1ª dancinha do dia. — Vocês foram demais. — Soltei pelo momento.

— E quem não? — Riu quem deu assistência para o gol. — Graças a mim.

— Até que foi bem. — Devolvi.

Como era costume nos Estados Unidos fui até um lugar que desse de enxergar a Alicia e apontei para ela. Deu beijo no ar em troca e pude voltar para que o juiz pudesse apitar o recomeço. Quando passei o olho no cara que ia me avaliar ele estava anotando algo no caderno.

— Aí como é romântico. — Zombou o Mateus.

— Fala menos e faz mais. — Alertei quando já estavam tocando a bola.

Quando voltei a ter a posse para mim já vi uma movimentação maior pelo meu lado, um ainda me marcava, mas outro não parava de seguir meus passos. Era talvez pequena a mudança, só que precisava ficar mais atento. Parecia que cada minuto que passava um peso estivesse sobre mim e fosse mais difícil de andar pelo gramado sem que tivesse de respirar por um tempo.

Não achem que esse detalhe ia me parar, estava ali para vencer.

— Foi três gols seus e um meu! — Gritou meu amigo quando finalmente a partida tinha terminado. — Eu disse. — “Foi milagre então”, recordei do que havia falado.

— E são seis partidas sem o Gustavo marcar. — Lembrou Eduardo, para então levar tapão na testa como brinde.

— Sem mim teriam feito nem dois. — Isso era verdade.

— O pulmão chega a estar doendo. — Comentei para que não acontecesse uma briga ali mesmo, precisávamos mostrar que éramos educados para o olheiro.

— De novo? — É, isso já tinha sentido em algum jogo passado.

— Deve ser por causa da pausa. — Como se nada fosse.

— As férias de julho de duas semanas? Está ficando é velho. — Que palhaçada foi essa?

— Sou mais novo que você! — Por dois meses, mas é.

O meu pai me chamou para conversar com o Sr. Johnson e receber a noticia de que me queria para a sua universidade. Se não me sentisse tão cansado teria pulado ali mesmo, porém apenas me despedi o cumprimentando e agradecendo pela chance. Era como um sonho se realizando.

— Vai nem falar com a Alicia? — Essa cobrança está um saco vindo deles.

— Mandei mensagem. — A verdade era que não queria ver a sua cara de choro e tristeza de novo, detestava ver mulher assim, ainda mais ela.

— Escolher quinze marmanjos ao invés dela, deve estar maluco mesmo. — Isso parecia estranho, porém para mim a melhor companhia depois de receber aquela bolsa era os que estavam comigo em campo.

Paramos no ponto de ônibus para que todos pudessem ir, já que carro não tinha o suficiente. As vezes até inventávamos desculpa para poder ir com o transporte público para poder comemorar com um pessoal da cidade, alguns iam junto e a festa ficava mais divertida. Era como estar em uma excursão escolar.

— E ela vai passar a noite com a Marina. — Isso foi para me convencer de que estava tudo certo se estivesse fora do que em seu quarto chorando ao receber a sua mensagem.

— Era você que deveria estar solteiro. — Eduardo apontou.

Fiquei quieto porque no fundo aquela era a verdade que não queria encarar, era confortável e bom estar com minha namorada. Quando nós embarcamos tiraram o pandeiro não sei da onde e começaram a tocar em pé mesmo, com os outros acompanhando ou até reclamando daquilo. Mesmo sendo final de semana tinha gente que estava trabalhando e isso nunca foi importante para mim se não fosse por me sentir tão cansado.

A noite na balada serviu foi para me dar dor de cabeça, estavam cheio de garotas em cima de mim e só o que queria era me sentar e tomar algo com álcool. Eu já tinha dezessete anos e daqui menos de um ano teria dezoito e já poderia beber sem me sentir culpado, pelo menos até ir para o estrangeiro.

— Isso está um saco. — Resmunguei para o Eduardo e decidi ir para a casa no momento que nem beber tinha mais graça. Era esse peso todo em cima de mim que parecia aumentar a cada passo que dava naquele lugar fechado e lotado.

— Já vai? — Ele sabia meu sinal e simplesmente virei as costas para chamar o Uber, mas claro que ia estranhar quando o meu normal era sair de lá umas quatro horas da manhã, porém não aguentava mais.

Quando consegui botar minha cabeça no travesseiro depois de um sermão que levei da mãe não conseguia dormir. Não era apenas pela agitação e música alta, era o som do meu coração palpitando bastante alto que chegava a me agoniar.

— Finalmente último dia de aula! — Gritou meu amigo ao rasgar a apostila como se não precisasse dela. Quando ficasse de recuperação como sempre ficaria me atazanando para emprestar minhas anotações.

Não sabia a sorte que tinha de poder conviver com ele na mesma sala, poder ir ao campo jogar futebol, ter uma namorada que torcia por mim e gostava de fazer sexo comigo, eram apenas coisas comuns que nem prestava atenção pela rotina e agora me arrependia ao estar sentado naquela cadeira.

— Daniel, o que você tem se chama fibrose cicatricial no miocárdio. — Contou o médico para mim ao apontar por uma réplica de plástico do coração. — Ela ataca essas células e é por isso que está se sentindo tão cansado.

Adiei tanto que pude a ida ao hospital mesmo que essa sensação tenha sido tão seguida nesses meses que se passaram depois de uma partida de futebol. Achei que pudesse ser ansiedade e tentei pensar positivo quando meu pai me levou a força quando janeiro começou, nunca pensaria que fosse cardiopata por ser tão ativo e não estar pálido ou parecendo doente. Aquilo só poderia ser engano.

— Pelo que sei tem gente com doenças assim que podem praticar exercício, que tratamento meu filho pode fazer para que fique melhor? — Se estava calado era pelo choque enquanto repassava várias vezes tudo que ouvi.

— Se for leve talvez, quem sabe hidroginástica. — Comentou e soltei uma risada com isso. — Quanto aos remédios vai ter que tomar por toda a vida.

— E futebol? — Mesmo com medo da resposta tive de perguntar.

— Por enquanto não recomendo, pelo menos até mais exames. — Não era tão ruim assim então.

— Quando faremos? Daqui uma semana? — Consegui dar um pequeno sorriso de alivio ao pensar que poderei continuar quando as aulas derem início.

— Não, precisamos de dois meses. — Ele veio com dois baldes e jogou a água fria em mim.

— E nem uma partida posso jogar? Será daqui 50 dias. — Implorei.

— Caso não esteja mais com falta de ar talvez, mas venha duas semanas antes para verificarmos. — Determinou e reservou a data no sistema. — Você é muito jovem para morrer. — Esse velhote fala algo assim como se nada?

Um dia antes do meu último ano do ensino médio fui até seu consultório e estava me sentindo esperançoso e confiante. Não escutava mais o meu coração fazer aquele barulho alto que me deixava sem dormir, nem aquele peso em todo meu corpo que me tirava a vontade de ir na balada ou transar, mas também não tinha sequer pegado numa bola nesse tempo.

— A evolução é pequena, mas consigo ver. — Ele me olhava até com alegria, bem diferente daquele dia. — Vou aqui fazer uma recomendação, caso se sinta mal pare imediatamente, está bem? — Se não fosse quase um estranho já teria beijado seu rosto e o abraçado ali mesmo de tão contente que estava. — Porém como está vai ter que sair do futebol.

— Não tem como reverter? Diga para mim que tem uma mínima chance. — Feito criança a vontade de chorar veio sem avisar ao pisar nos meus sonhos. — Eu recebi uma bolsa para os Estados Unidos.

— Sinto muito, a medicina não está tão avançada assim para o seu caso, vai ter que conseguir entrar na faculdade de outro jeito. — Não preciso da pena de um merdinha feito você que desiste fácil. Que se dane essa doença idiota, estou me sentindo muito bem, não irei parar de treinar.

Acordei cedo no primeiro dia e fui para o campo da escola antes de tudo começar para sentir de novo como se me custasse respirar e o que tinha dito me perseguir feito um fantasma. Mesmo tomando banho não passava e ter de olhar para meus companheiros depois de largar a partida pela metade era assustador, por isso parei naquele mural que era desinteressante para nós. Poderia dar umas boas risadas dos recados pelo menos?

O que senti foi algo bem diferente disso ao encarar um papel recrutando cobaias para algum projeto. Futebol era apenas o que sabia fazer, mas essa simples coisa foi capaz de sentir que poderia ter algo além para ser o meu mundo ao ponto de derramar as lágrimas que não tinham vindo no outro dia. E mesmo que fosse aquela Elisa que me encara como se fosse me matar quem teria de convencer não ia desistir, não quando tinha encontrado outra forma de ir a universidade.


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Notas finais do capítulo

Que acharam do capítulo narrado por ele?

Apenas para avisar que a gif não é minha. Caso tenham percebido algum erro de português podem me avisar que irei revisar.

Caso queiram comentar fiquem a vontade, ficarei muito feliz com isso, adorarei saber a opinião de vocês.



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