Pouco tempo depois do jogo terminar, Lucca sentou ao meu lado. Não havia mais ninguém na sala naquele momento. Ele passou a mão no cabelo e olhou pra mim:

—Desembucha. - Ele disse apenas.

 –Sobre o que? - Me fiz de desentendida.

 –Você nunca fica bêbada. Logo hoje, que chega o namorado da Lara, que você age toda estranha de manhã, você resolve beber quase uma garrafa de tequila sozinha. Me explica. - Ele continuou me olhando.

 –Coincidência. Eu ando trabalhando muito e preciso aproveitar esse carnaval para relaxar.- Ele bufou.

 –Ok, quando estiver disposta a conversar, me avise. - E se levantou antes que eu pudesse responder.

 ***

Naquele mesmo dia a noite, Larissa deu a ideia de jogarmos eu nunca. Eu relutei um pouco em aceitar, mas no fim topei:

 –Eu nunca nadei pelada. - Disse Larissa começando o jogo, Fefo e Sabrina beberam.

 –Não sei sei o que posso considerar pelado. - Disse Renan.

 –Você parece não saber de muitas coisas. - Retrucou Sabrina. - Você se considera uma pessoa indecisa? - Eu dei um chute na perna dela por baixo da mesa.

 –Depende. - Respondeu ele pensando. - Tem algumas coisas que sempre tive certeza. - Ele me encarou.

 –Eu nunca beijei o mesmo cara que uma amiga ou amigo. - Disse Valentina. Eu, Larissa, Sabrina e Caique bebemos. Lucca me encarou com dúvida no olhar, e em seguida olhou para Renan.

 –Eu nunca fingi que não conhecia uma pessoa. - Lucca jogou, assim que chegou a sua vez. Respirei fundo, iria me entregar ali. Eu, Renan e Sabrina bebemos discretamente. 

 – Ah, quem não cruzou com alguém na rua e fingiu que não conhecia? - Disse Lara bebendo também. Depois disso, todos os outros beberam. Rimos.

 –Eu nunca beijei alguém dessa roda. - Disse Fefo. Todos beberam. Não era segredo para ninguém que eu havia ficado com Caique uma vez em uma festa, mas Sabrina bebendo havia me surpreendido. Eu a encarei e ela evitava meu olhar, mas ninguém mais havia percebido, então seguimos o jogo.

 ***

Lara bebeu um pouco demais naquele jogo e disse que ia dormir. Renan se ofereceu para acompanha-la, mas ela negou, pedindo que ele aproveitasse a noite. Quando as pessoas que ainda estavam acordadas foram para a sala jogar cartas, eu fui para a beira da piscina colocar os pés na água. Nem dez minutos depois ouvi alguém atrás de mim:

 –Oi. - Senti meu corpo arrepiar. Era ele.

—Prazer, Lorena. - Disse encarando a água.

 –Prefiro te chamar de morena, se ainda puder. - Me permiti olhar para ele incrédula. Desviei o olhar logo depois. Não sei que faria se ficasse encarando-o.

 –Então agora você lembra quem eu sou. - Ele sentou ao meu lado com uma certa distancia  e colocou seus pés na água.

 –Eu nunca esqueci. Nem um dia sequer. Esse é um dos motivos pelos quais eu deveria ter raiva de você. - Ele olhou para mim. Mesmo no escuro, ainda podia ver seus olhos verdes.

 –Você deveria ter raiva de mim? Eu te mandei mensagem assim que eu entrei no ônibus e você ficou seis anos sem me responder. - Foi minha vez de olha-lo profundamente nos olhos. - Eu estava tentando fazer o melhor pra nós dois, mas você não quis nem entender o meu lado. Só me cortou quando eu disse que achava que te amava.

 –Sendo que um segundo antes você tinha terminado comigo. -Ele olhou para os próprios pés dentro da água. - Como eu deveria saber o que aquilo queria dizer?

 –Assumo que você não gastou muito tempo nisso, já que descobri essa noite que você ficou com a minha melhor amiga. Além disso, três meses depois você já estava em outra. - Ri pelo nariz.

 –O que eu deveria fazer? Ficar te enchendo de mensagens e sofrendo porque levei um pé na bunda?- Ele ficou alguns segundos em silêncio. Não nos olhávamos mais. Lágrimas silenciosas percorriam meu rosto. - O pior é que todas depois disso tinham pelo menos um traço seu. Talvez por isso eu tenha ficado atraído por Lara no final das contas. Vocês duas são tão parecidas. - Eu não sabia o que falar. Ele olhou para mim finalmente. - Ei. Não tinha a intenção de te fazer chorar.

 –E com que intenção você vem até aqui me dizer essas coisas? - Minhas palavras eram firmes. - Com que direito? Você está com a minha prima, e não comigo.

 –Eu não sei. Eu não sei. - Ele passou as mãos pelos cabelos escuros, agora um pouco mais cumpridos. Sua barba crescendo levemente delineava ainda mais o maxilar já definido. - A única coisa que sei é que estou confuso. Você me deixa confuso, sempre deixou.

 –Não, Renan. Um rabo de saia te deixa confuso, qualquer que seja ele. Não foi por isso que você terminou comigo duas semanas depois de me pedir em namoro? - Me surpreendi em pronunciar aquelas palavras ao mesmo tempo que sabia que elas estavam engasgadas há muitos anos dentro de mim. - Se existisse uma competição pra dedo podre, eu com certeza ganharia. Você é um canalha, e o pior é que nem tem consciência disso. - Me levantei e saí batendo o pé de volta para dentro da casa.

 Assim que entrei na casa, com Renan logo atrás, todos os olhos se viraram para nós. Eu entrei na sala e me joguei no sofá, enquanto Renan nos deu boa noite e foi para o quarto. Lucca olhou para mim e perguntou o que havia acontecido sem pronunciar nenhum som. Eu respondi que depois explicaria com o mindinho levantado para provar que dessa vez falaria a verdade.

 Não conseguiria dormir ao lado de Sabrina sabendo que ela havia me escondido algo tão importante durante tanto tempo. Renan não ter negado foi a confirmação que eu precisava para confirmar minha teoria de que eles tinham ficado, então dormiria no mesmo quarto de Caique. Subi antes de Sabrina, separei meu pijama, tomei um banho, escovei os dentes e desci novamente. Só havia Sabrina, Lucca e Caique na sala.

 Sabrina percebeu o clima tenso que se formou e disse que iria dormir. Caique beijou minha testa e subiu, dizendo que deixaria a porta destrancada. Ficamos só eu e Lucca, ele ocupou um espaço ao meu lado no sofá e me encarou:

 –No segundo que ele chegou, eu estranhei, mas até aí poderia ser qualquer coisa. - Começou ele. - Quando você não voltou pra cozinha, a situação piorou, pois sei que você é sempre a primeira a acolher qualquer pessoa de fora. Então você ficou bêbada, o que significava que algo muito errado tinha acontecido. Aí, só pra testar, pedi pro Caique te levar pra cima e ele fixou o olhar em você até sumirem de vista, e então ficava checando as escadas pra ver quando desceria. - Eu o encarei assustada nesse momento. - Aí, no eu nunca, você, ele e a Sabrina agiram super estranho. Por fim, você sai lá de trás com ele e com cara de choro. Então, para que eu possa te ajudar, você pode, por favor, me explicar o que está acontecendo? - Ele me disse suplicante.- Caso contrário, vou arrancar a verdade dele.- Eu respirei fundo.

 –Quando eu morava em B.H., ele e eu fomos namorados. - Coloquei a cabeça entre as mãos e bufei. - Meu pai já morava em São Paulo e minha mãe pingava de namorado em namorado. Além disso, uma das poucas coisas que os dois concordavam era que eu não deveria namorar naquela idade. Então pedi pra ele que mantivéssemos entre a gente. Ele terminou duas semanas depois por causa de outra garota, mas se arrependeu e voltamos a ficar, mas sem nada sério. Quero dizer, era sério, mas sem o rótulo ou todas as formalidades. - Levantei o olhar para ele novamente. - Terminei tudo no último dia de aula lá e não nos falávamos desde então. Aí ele aparece aqui, com a minha prima, mas falando que nunca me esqueceu. Isso sem contar o fato de que descobri durante o jogo que ele e Sabrina já ficaram.

 –Eu vou matar esse cara. - Eu balancei a cabeça em negativa. - Como ele fala essas coisas pra você, quando veio pra cá com a Lara?

 –Eu só quero sumir. - Respondi. - Não sei o que fazer. - Uma longa pausa se fez na nossa conversa. - Sabe o que é o pior de tudo? - Ele respondeu negando com a cabeça. - Tudo o que eu queria quando o vi no meio da cozinha era dar um beijo nele, e ele fingiu que não me conhecia.

 –Você sabe que dependendo de como as coisas avançarem neste feriado, você vai ter que contar para a Lara, não sabe?- Fechei os olhos e me afundei no sofá.- Eu não sei porque você não desmascarou esse cara já na cozinha.

 –Eu entrei em pânico. Não tinha ideia de como reagir. Segui com o jogo dele. - Respirei fundo. - Agora, mesmo se eu falar alguma coisa, a Lara vai me achar mentirosa e me odiar pelo resto da vida.

 –Ela vai te odiar por um tempo, mas vocês são família. Em algum momento ela vai acabar cedendo. - Ele bateu no meu joelho se levantando. - Acho que você precisa focar em outra coisa para não surtar durante esse feriado. - Ele beijou minha testa. - E vai dormir logo. Lembre-se de que amanhã vamos sair cedo para ir a praia. - Eu assenti.