Caixa. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 7
Um pouco de contexto.




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A criação do telefone é atribuída a Alexander Graham Bell, em 1875. O primeiro aparelho funcional, construído (depois de várias experiências mal-sucedidas) por Graham Bell e Thomas Watson, seu auxiliar, foi patenteada em 7 de março de 1876. Entretanto, em 2002, uma nova resolução reconheceu o italiano Antonio Meucci como o inventor do primeiro telefone, o chamado "telégrafo falante", criado em 1860 e descrito em um jornal italiano.

Dan não era fã de telefones, preferia falar cara a cara. Ou não falar. Ele nunca foi dos mais sociáveis mesmo. Diferente de Kelly, que sempre estava no celular. Nunca se desgrudava dele.

 

O corpo de Kelly caiu no chão com um baque surdo. Dan passou vários minutos realizando compressões em seu coração, na vã esperança de que voltasse a bater. Quando seu lado racional tomou conta, pensou que Kelly devia ter trazido o celular e vasculhou sua bolsa. Por sorte, lá estava ele. Seus braços, cansados das diversas compressões, o pegaram com mãos trêmulas. A bateria estava acabando, droga, ele tinha que ser rápido.

Joshua era o número salvo como contato rápido, Dan não sabia bem o porquê. Mas não era hora para ciúmes. Ligou e tentou explicar a situação o mais rápido possível. O celular morreu, assim como Kelly, mas Dan achava que explicou bem o bastante.

Tomara que ele viesse.

Com esse pensamento, voltou a fazer ressuscitação cardiopulmonar. Compressões fortes e compassadas e sopros na boca de Kelly de tempos em tempos. Ela não podia morrer. Não podia.

 

O termo “polícia” tem origem na palavra grega “politeia”, derivada de “pólis” (cidade). Politeia (latinizada para “politia”) designava a pessoa ou grupo responsáveis pela guarda urbana. Na Grécia Antiga, a guarda da cidade era feita por escravos e, no Império Romano, era dever do exército. Na Espanha Antiga, havia as hermandades, associações de indivíduos armados que originaram o primeiro corpo policial nacional moderno.

Dan não tinha fortes sentimentos pela polícia. Considerava-os uma profissão difícil ou um mal necessário, dependendo da situação. Ele e Kelly nunca discutiram sobre policiais e, provavelmente, não teriam a chance. Dan não queria pensar nisso.

 

Josh explicou tudo para Júlia e eles acharam melhor chamar a polícia, apesar de tudo.

                Dan não queria a polícia lá. Nunca quis. Ele só precisava que Kelly estivesse bem para voltar a seus planos. Ele não queria voltar à sociedade. Não mais. Nunca mais.

Levou horas, mas a polícia, junto com Josh e Júlia, encontraram o lago remoto e Dan ainda fazendo compressões num coração frio e imóvel, num corpo que obviamente estava morto.

Os policiais tiraram Dan de cima do corpo e repetiram diversas vezes que ele precisava se acalmar e que ela estava morta. Dan se recusou a ouvir a princípio, então, quando a realidade bateu, tentou se esquivar e se jogar no lago. Morrer com sua irmã não seria o ideal — o ideal sempre seria ela viva — mas seria perto o bastante.

Os policiais o agarraram. Dan se odiou por ter ligado pra alguém. Se odiou por ter pedido ajuda. Odiou seja lá quem inventou o celular e odiou Kelly por ter levado o celular e o celular por ter bateria e a si mesmo por ser tão estúpido. E odiou Josh por trazer a polícia. No momento, ele era puro ódio.

 

Há duas versões para o surgimento da medicina: de acordo com países xiitas, surgiu no Império Aquemênida, também chamado Primeiro Império Persa, enquanto a tradição ocidental dá a Hipócrates o título de pai da medicina, apesar de ter surgido muito depois de Imhotep, do Antigo Egito.

Dan gostava de medicina, como uma criança paranoica com doenças, ele lia muito material relacionado a infecções, vírus, bactérias, vacinas e tudo o mais. Apesar disso, nunca pensou em ser médico, não se imaginava lidando com a pressão de ter vidas em suas mãos ou lidando com sangue e fluidos corporais. Eca. Kelly também nunca quis ser médica, mas não tinha problemas com sangue. Só não era a vocação dela. Dan sempre achou que os médicos podiam resolver qualquer coisa. Ele os odiava agora. Bando de mentirosos.

 

Kelly já estava morta quando a polícia chegou. Não havia motivos para uma ambulância, nada que ninguém pudesse fazer. Chamaram uma mesmo assim, por protocolo, mas os paramédicos foram inúteis. No fim das contas, era um cadáver, não uma paciente morrendo.

Exames mostraram a causa da morte. Não foi uma boa ideia passar dias engolindo várias pílulas em doses altas e que não deviam interagir entre si. O fato do sistema imune estar comprometido pela dieta de café e quase nada mais e o pouco sono não ajudou em nada.

Some automedicação, insônia, dieta pobre e muito, muito estresse e terá uma explicação clara de por que uma mulher simplesmente colapsou no chão. Era quase um milagre ela ter aguentado a caminhada dura até o lago.

Dan foi inocentado de qualquer acusação que pudessem fazer sobre ele estar com Kelly antes de sua morte. Sobre ser encontrado sobre o corpo. Ele se recusava a falar sobre ela, sobre seu desaparecimento, sobre o acampamento, sobre tudo. Simplesmente se fechou e, quando abria a boca, era para insultar o policiais ou exigir ser liberto. Suas exigências eram ignoradas. Ele não estava preso, só contido. Contido pelo discurso incoerente, pelo óbvio trauma emocional e, mais importante, pelas tentativas de automutilação a cada vez que ficava sem supervisão. Era para o bem dele.

 

Na Mesopotâmia, a loucura era tida como punição divina ou possessão demoníaca. Na Grécia Antiga, a loucura era vista como manifestação divina e os loucos, considerados profetas. Já em Roma, o irracional era rechaçado e os loucos vistos e tratados como animais. Na Idade Média, a loucura era heresia e os loucos podiam ser exorcizados e punidos, exceto se fossem ricos, quando podiam comprar a Inquisição e ser taxados de excêntricos. No Renascimento, a loucura é encarada como doença, sem relações divinas

Dan não era louco. Ele sabia que não era louco. Todo mundo tem dias ruins. Ele tinha o direito de se sentir mal depois de... Daquilo. Ele não pensava naquilo. Ele não era louco, só diferente, sempre foi diferente. Não era motivo para trancá-lo. Ele só queria ir embora de um modo calmo e civilizado e se reencontrar com sua irmã de um modo calmo e civilizado, nada louco nisso.

Dan odiava o lugar onde estava.

Podiam chamar como quisessem, mas era só outra prisão.

Ele odiava as enfermeiras que o tratavam como criança, as terapeutas com voz doce enjoativa e falsa empatia, odiava os pacientes com quem era obrigado a conviver, odiava os remédios injetados na veia quando diziam que ele “surtava” (ele tinha todo o direito de estar com raiva!). Odiava tudo e todos.

Ele era racional. Perfeitamente racional. E queria, de um modo perfeitamente racional, dar o fora dali e bater a cabeça contra um muro de concreto até morrer, seja por dano cerebral, fratura do crânio ou hemorragia.

Um psicólogo disse que ele jamais sairia dali enquanto continuasse pensando desse jeito. Ele queria bater a cabeça dele contra um muro também.

 

A morte é tão antiga quanto a vida. Acompanhou a humanidade desde seu nascimento e estará lá para o seu fim. Humanos lidam com a morte desde sempre, mas essa não é uma história que precise ser contada. A morte é isso, a morte.

Dan já foi em velórios antes, quando criança. Ele achava que sabia o que era a morte. Ele estava errado.

 

Kelly estava morta. Morta, morta, morta MORTA, MoRtA, morta. Morta. Morta! E nada do que ele fizesse mudaria isso. Nenhuma flor no túmulo ou palavras bonitas no velório mudariam isso. Nenhum choro ou grito ou profanidade proferida mudaria isso.

E, no fundo, Dan sabia que era sua culpa.

*

As primeira embalagens surgiram há mais de dez mil anos e eram basicamente carne crua envolta em folhas grandes de árvore. Depois surgiram tigelas de madeira, cestas de fibras, bolsas de pele animal e potes de ferro. A primeira produção em larga escala de embalagens/recipientes ocorreu no século I d.C, com os sírios, que descobriram o vidro. Após a Segunda Guerra Mundial, papelão e plástico se popularizaram.

Dan odiava aquela caixa maldita.

A caixa era de papelão, com um embrulho bonito e um laço vermelho brilhante.

Teresa a abriu e encontrou um papel escrito “você é incrível!” e um coração desenhado.

Sorriu, jogou o papel num canto qualquer e foi trabalhar.

Presentes estão aí desde sempre. O ato de presentear, em toda cultura, está relacionado a respeito, afeto e festividade. Já o hábito de se embrulhar presentes veio da Europa e dos Estados Unidos, durante a Era Vitoriana, quando envolver presentes em tecidos e laços bonitos era sinal de elegância e bom gosto. Um dos motivos de se embrulhar presentes é promover a surpresa, a expectativa tornar o objeto especial, adicionando a ele valor simbólico.

"Obrigado pela mensagem, foi uma gracinha, por mais que eu ache desperdício uma caixa tão grande pra um papel” Teresa comentou com Raquel, a supervisora.

“Ah, é pra dar aquela mágica, sabe?” Fez um gesto com as mãos “E papelão é reciclável, papel também, então qual o problema?”

“Deixou lá depois do ‘encontro social’ com os funcionários que acabou sendo só uma reunião disfarçada na minha casa?”

“É, é uma coisa nova que estou testando. O gerente disse pra eu tentar aumentar o moral dos funcionários de um modo criativo, então achei que seria um jeito legal de agradecer aqueles que emprestam as casas para as reuniões mais informais”

“É... Acho que foi legal. Mas eu tentaria algo mais tradicional, como uma caixa de bombons ou, sei lá, um agradecimento formal. Alguém pode achar esquisito” Depois, com um ar mais sombrio, Teresa perguntou: “Você entregou uma dessas para o Daniel? Sabe, antes de...” Deixou a frase pairar no ar.

“Claro. Ele deixou a gente fazer aquele encontro na casa dele antes de... Bem... Você sabe” Raquel desviou o olhar. Era um assunto delicado. O caso de Dan apareceu em todos os jornais por um tempo, depois virou silêncio midiático.

“Enfim” Ela retomou a compostura “Eu expliquei pra ele minha estratégia de aumentar o moral dos funcionários, mas ele não parecia estar ouvindo... Ele não era muito bom em prestar atenção a duas coisas ao mesmo tempo, você lembra, né? Então deixei em cima da mesa dele antes de sair. Ele parecia ocupado...” Explicou “Bem, não vamos falar disso. Foi uma tragédia o que aconteceu com ele. Melhor voltar ao trabalho.

E as duas seguiram com o dia normalmente.


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