É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 8
Capítulo 8 – Desespero




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Capítulo 8 – Desespero

                Quando Gamora completou cinco meses de gravidez, Adam voltou a perturbá-la insistindo que a prisioneira precisava de roupas novas, e que talvez devessem tomar conhecimento do que seria necessário para quando a criança nascesse. O que mais a preocupava é que Alia começava a mostrar traços da mesma empatia que Adam sentia por Gamora, isso não podia ir longe demais! Ayesha só tolerou a situação devido a sua curiosidade com qualquer informação que pudesse conseguir a respeito.

                - Você e Alia terão um dia livre para cuidar disso, mas não agora. Estamos em alerta.

                - O que houve de errado? – Alia a questionou.

                - A criança que nos ameaçou meses atrás foi vista rondando alguns lugares. Provavelmente foi embora. Ninguém a encontrou ainda. Mas você é nosso melhor guerreiro, deve estar aqui se ela aparecer desejando um confronto – disse para Adam enquanto observava outros soberanos trabalhando em vários computadores de tecnologia avançada do outro lado do visor de vidro da grande sala de informações.

                - Devo machucar uma criança?

                - Todos já estamos cientes de que não é uma criança comum. E você também não passa de uma criança pelo tempo considerado pelas outras espécies.

                - Senhora... Temos alguma notícia do paradeiro dos outros? – Alia perguntou.

                - O universo ainda está um caos, nem todos os planetas e civilizações têm a nossa organização e capacidade de se reabilitarem depressa. Está difícil até para nós conseguir informações certeiras. Mas continuaremos insistindo com o local de onde os contratamos daquela vez.

                - E se ela nos perguntar por eles?

                - Ela parece ter desistido disso há muito tempo – Ayesha respondeu simplesmente.

                Adam não disse nada. Sabia que Gamora não perguntava por orgulho. Ou honra ferida seria a melhor expressão? Ou por medo da resposta. Não sabia sobre o passado dela, mas era notável o quanto era reservada, receosa e o quanto estava sempre tentando se proteger e manter todos longe. Do pouco que sabia tinham lhe dito que ela era uma das filhas adotivas de Thanos, um dos piores monstros que o universo já conheceu, o que muito provavelmente podia ser a causa de seu comportamento, além da própria hostilidade dos soberanos.

                - Diga que estão mortos – a sacerdotisa disse friamente para Alia – Como a criança sugeriu.

                - Mesmo se os encontrarmos... Vivos?

                - Ela não precisa de mais incentivos para fugir. Quando os encontrarmos iremos monitorá-los, e atraí-los no momento mais conveniente para destruí-los – falou olhando para Adam – Essa é a missão para a qual você nasceu. Espero não precisar começar a adverti-lo para não se apegar a nenhum prisioneiro ou inimigo.

                - Não estou.

                - Não se comporta como se não estivesse.

                Ayesha fez uma pausa, permanecendo imóvel e fria como um bloco de gelo sentada em sua poltrona.

                - A ordem e a formalidade tem nos mantido como um povo rico e próspero por séculos sem fim. Seria ridículo e inaceitável que nosso melhor e mais avançado exemplar colocasse esses preceitos em jogo.

                - E a criança?

                Ayesha ficou em silêncio novamente. Uma tensão se estabeleceu entre os três, e Alia olhou apreensiva de Adam para a líder.

                - Encontraremos uma família para criá-la, longe o suficiente para que não seja encontrada.

                - Por que devemos lutar contra uma e proteger a outra?

                Ayesha olhou impaciente para Adam de forma tão cômica que Alia se esforçou para não rir, felizmente conseguindo.

                - Uma criança que nos declara guerra e tem poder suficiente para amedrontar nossos melhores guardas não precisa da sua piedade e preocupação.

                - E se um dia a criança voltar pra se vingar? A que está pra nascer – Alia esclareceu.

                - Ela nunca saberá o que aconteceu. E por que se importaria com pais que nunca conheceu?

                Os dois mais jovens ficaram em silêncio, esperando que Ayesha falasse mais.

                - Nós nunca fomos criados de tal forma. E a cada dia tenho mais certeza de que foi o melhor caminho a tomar. O que ganharíamos com famílias convencionais? Tempo desperdiçado com várias coisas que não contribuem para o desempenho diário nas tarefas e desenvolvimento em vários setores, crianças que tomariam tempo precioso que pode ser utilizado em afazeres de maior urgência, tempo desperdiçado ensinando-os tudo, mesmo coisas básicas como andar e falar, além de laços que complicariam nossas relações sociais. Além de todos os recursos gastos a mais com uma gestante. É algo muito estranho. Que uma criança que nem nasceu exija uma alimentação tão forte.

                - É um corpo inteiro se formando do zero. Mesmo que seja pequeno, faz sentido que exija tanto da mãe, já que está usando o organismo dela pra se desenvolver – Adam lhe disse.

                - Faz sentido – Ayesha respondeu sem demonstrar nenhuma emoção – Mas ainda é uma situação que não nos traria benefícios. Talvez a constituição do novo organismo exija isso. Se um dos outros é o pai, os genes podem precisar de mais recursos pra formarem um bom ajuste, ainda que quase todos eles tenham a mesma estrutura física dela.

                Alia preferiu não comentar a contradição de sua líder em demonstrar que não se importava e demonstrar exatamente o contrário em seguida.

                - Mas se o senhor Quill é o pai como acreditamos... Não deve ser uma combinação complicada. Ele pode ser metade celestial como dizem os rumores depois do que aconteceu naquela época, mas com a fonte do poder inoperante, uma vez que foi destruída, ele parece apenas humano, mesmo que superior em algumas habilidades.

                Ayesha encarou Alia por um instante pensado no que havia dito, e desviou o olhar para Adam em seguida.

                - Você é o único que consegue falar com ela. Pode buscar informações.

                - Ela é a última de sua espécie. Nem ela própria deve saber explicar se isso poderia alterar em alguma coisa ou como – Adam lhe disse – Sabemos que todos os filhos de Thanos eram raptados e sofriam lavagem cerebral ainda crianças ou adolescentes. Dificilmente ela se lembrará de algo assim, talvez nem soubesse quando foi levada embora. Mas eu informarei se descobrir.

                - É melhor assim – Ayesha disse, voltando sua atenção para a sala de informações do outro lado do vidro – Estão dispensados.

                Os dois fizeram uma breve reverência antes de se retirarem.

******

                Os dois caminharam para fora do palácio, aproveitando a luz aconchegante do sol da manhã no grande pátio circular externo do lugar.

                - Você acha que a sacerdotisa pode...

                Alia olhou para Adam, lendo a pergunta em seus olhos. Eles estavam ficando bons nisso com o todo o tempo em que Ayesha os estava fazendo trabalhar juntos por causa de Gamora e dos Guardiões.

                - Matar o bebê? – Ela respondeu num sussurro, como se a pergunta doesse.

                Adam assentiu.

                Alia respirou fundo, pensando sobre as possibilidades.

                - Ela mesma disse que nossas leis proíbem isso. Ela não poderia ir contra o conselho.

                - Você me disse que ela já foi contra o conselho antes quando decidiu perseguir os Guardiões.

                - Mas ela recebeu uma advertência, não poderia fazer isso de novo. E finalizar a vida de uma criança inocente que nem é nossa seria muito mais grave do que desejar de vingar de alguém que nos roubou.

                Os dois permaneceram em silêncios por alguns instantes.

                - Você vai mesmo fazer isso?

                Adam sabia o que ela estava perguntando. E sabia a respostar. Ele não queria. Mas quanto se perguntava sobre como seria trair Ayesha, ele não tinha respostas, ou via cenários ruins. Alia fora criada para suceder a sacerdotisa um dia. O quanto ela estaria contra ou a favor dela? Não respondeu.

                - Você não tem que se importar com isso agora – ela lhe disse – Vou voltar ao cronograma.

                Ele assentiu.

                - Até mais tarde – Alia lhe deu um leve sorriso, ao qual ele retribuiu antes dela caminhar para outro lugar.

                Adam olhou o céu, isso sempre o ajudava a pensar. Outra vez se perguntou o que Ayesha diria se descobrisse como realmente ele trouxera a memória de Gamora de volta, e de que forma seria punido por esconder. Não sabia porque, mas no fundo sentia que tinha tomado a decisão certa. Também não tinha a menor ideia de como era capaz de fazer aquilo, e não perguntaria a Ayesha.

                Seus pensamentos chegaram ao que realmente faria quando finalmente estivesse cara a cara com todos os Guardiões. Sequer os conhecia, mas não podia matar Gamora. Ela era doce demais para morrer, por mais que escondesse isso e por mais mortal que pudesse ser por outro lado. Sabia da versão de Ayesha do que acontecera naquele dia, e sabia até que um de seus subordinados chegou a sugerir que ela estava exagerando em gastar tantos recursos apenas pelo roubo de algumas baterias, ainda que tão valiosas.

                Se as informações estivessem certas, ainda teriam pelo menos quatro meses até o bebê nascer. Ayesha mataria Gamora mesmo se não encontrasse os outros Guardiões?

******

                Gamora se distraiu observando a textura metalizada das paredes. Era fosca e quase não brilhava. Também não havia parafusos ou divisórias, exceto pela divisão nos pontos em que as paredes se juntavam, provando o quão avançada era a tecnologia de construção dos soberanos. O teto era de uma cor mais clara, mas ainda cinzento e triste. A lâmpada circular podia ser acesa ou desligada no interruptor ao lado da cama. A porta do banheiro ficava na parede oposta à porta da cela.

                Gamora já tomara tanto tempo analisando aquele quarto que a surpreendia que não tivesse encontrado nenhuma mínima falha ou ideia para fuga. Ainda que Rocket fosse o especialista deles em fugir de prisões, e uma vez eles tinham fugido até mesmo de uma prisão Kree, uma das mais impossíveis de se fugir na galáxia, ela ainda era capaz de fazer isso.

                Ficar parada a estava enlouquecendo, frustrando, preocupando. O bebê sentiria tudo isso. Ela nunca fora de parar por horas para olhar o céu. Se um dia fez isso, havia esquecido desde que Thanos destruiu sua infância. Apenas quando ela e Peter ficaram juntos e cada vez mais se habituaram a ficar sozinhos por algumas horas ouvindo o zune e observando as estrelas ela descobriu, ou se lembrou, do quanto isso era reconfortante. Os dois se deitariam no chão fora na nave, Gamora acomodada no peito dele enquanto Peter a abraçava pela cintura, ou ela sentaria em seu colo e os dois se abraçariam com Peter sentado em sua cadeira no convés da nave. Isso era tudo que ela queria agora.

                Ouviu os passos de alguém se aproximando, e os reconheceu como um dos soberanos que lhe trazia refeições. Sequer o deixou terminar de se anunciar, e repetiu o ato de gritar e atirar uma de suas botas contra a porta, ouvindo o homem exclamar de susto. Gamora pode ouvir os batimentos cardíacos dele acelerarem, a respiração descompassar e uma bandeja ser deixada no chão. Ele pareceu passar vários minutos se acalmando e decidindo se deveria prosseguir ou não, por fim desistindo e caminhando para longe e para fora da prisão.

                Gamora se deixou cair para o chão, e apoiou as costas na cama, sentindo-se o pior possível desde que chegara ali. Não tinha vontade de fazer nada além de continuar respirando, ou talvez nem isso, só o bebê a fazia continuar, só suas conversas solitárias com o filho, que a essa altura já podia ouvi-la, lhe davam motivos para resistir. Seu bebê era tudo que lhe restava na Galáxia agora até onde sabia.

                Como se soubesse o que ela estava pensando, o pequeno se mexeu, e Gamora levou a mão até o ponto onde sentiu o chute, e tinha certeza que seus sentidos aprimorados lhe davam uma experiência privilegiada das sensações da gravidez, embora continuasse disposta a jamais se sentir grata por Thanos ter lhe dado isso.

                Voltando a se concentrar no filho, Gamora tocou a pele por baixo da blusa, e esperou. Outro movimento suave empurrou sua mão. Claramente era um pezinho empurrando ali, ainda bem menor do que seria quando o bebê estivesse pronto para nascer, mas ela tinha certeza. Um suspiro de alegria e dor misturadas deixou seus lábios. Ela nunca deveria ter entrado nesse planeta de forma tão imprudente. Em que estado de perturbação deveria estar a mente da Gamora mais jovem para fazer tal coisa?

                De repente lhe ocorreu que ela nunca chegou a falar com Peter sobre isso. O que fariam se tivessem um filho. Eles nem estavam planejando que isso acontecesse. Não assim. Fora um acidente. Peter sempre tivera muito cuidado com ela em todos os seus momentos juntos, em todos os sentidos, sempre conversando muito com ela sobre qualquer coisa, não querendo causar qualquer consequência que lhe trouxesse algo que não estava pronta para sentir ou lidar.

Quando ele soube de seu passado e dos possíveis gatilhos que poderiam disparar por acidente, antes da primeira vez, ele ficou com medo de machucá-la. E depois que aconteceu ele ficou com medo de ter lhe causado dor e desconforto. Gamora sentiu o coração apertar de amor e compaixão quando conversaram sobre isso depois. E lembrava muito bem de como o confortou e lhe garantiu, porque era verdade, que ela estava bem. E de como ele chorou com ela quando ela lhe contou o que tinha acontecido, de como ele prometeu que nunca mais ninguém encostaria nela para lhe fazer mal daquela forma, que ele cuidaria dela até o último segundo de suas vidas. A zehoberi acreditou. E mesmo agora, mesmo depois de Vormir, não se arrependia por fazê-lo. Peter não prometera protegê-la apenas daquilo, mas de tudo e todos, como de fato tinha tentado até seu último segundo juntos. Tudo que queria agora era sair dali e contar a ele, onde quer que ele estivesse.

                - Gamora? – A voz suave de Adam chamou de repente.

                Como não o tinha ouvido chegando?

                - Vá embora – respondeu sem pensar, ainda não completamente livre de seus pensamentos e lembranças.

                Como esperado, ele a ignorou, e ouviu o clique da fechadura sendo destrancada. O jovem dourado entrou carregando a bandeja que o outro soberano havia deixado no chão. Sentou-se ao lado dela e deixou a bandeja com frutas, pão de ervas e água em cima da cama. Instintivamente Gamora se arrastou um pouco para longe e desviou o olhar para o chão. Adam permaneceu em silêncio como fazia muitas vezes, como se a analisasse ou lhe desse a chance de falar primeiro.

                - O bebê precisa ser alimentado.

                Ela não respondeu.

                - Está ficando difícil que outra pessoa além de mim venha aqui.

                Adam não perdeu a forma como ela fechou os punhos com raiva, apertou os dentes e respirou fundo. Os olhos castanhos se fecharam, e ele já sabia que se ela os abrisse, as lágrimas viriam junto.

                - Você precisa se alimentar – falou no mesmo tom gentil de antes.

                Arriscou tocar o ombro dela, e sentiu o tremor, e as emoções, outra habilidade que ele não tinha ideia de como conseguia usar. Ficar presa a estava enlouquecendo, começando a afetar até mesmo suas funções fisiológicas. Gamora se encolheu e virou de costas para ele para se afastar de seu toque. Adam decidiu não insistir e ficou ali olhando para o chão, começando a se sentir tão frustrado quanto ela.

                Olhou para Gamora quando ela desistiu de conter as lágrimas, e o som de choro tomou o quarto. Adam sentiu o desejo de abraçá-la, algo que era natural para ele, e que achava muito estranho que não fosse para os outros. Ele tinha abraçado uma criança de outra espécie de uma família real que visitara o planeta antes de Gamora chegar, e Ayesha o repreendeu por isso depois, alegando que distribuir amostras de afeição não fazia parte da apresentação dos soberanos. A garotinha não devia ter mais de dez anos e estava chorando ao ser lembrada de como sua mãe desapareceu diante de seus olhos por longos cinco anos no ataque de Thanos. Adam não conseguiu simplesmente ignorar.

                Frustrado como nunca se sentira antes, decidiu deixar Gamora sozinha, por mais que lhe doesse. Insistir numa aproximação só resultaria em mais objetos do quarto sendo atirados contra ele. Olhou uma última vez para a zehoberi.

                - Eu sinto muito – sussurrou, e sabia que Gamora tinha ouvido mesmo assim.


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