É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 2
Capítulo 2 - Acordando num pesadelo




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Capítulo 2 – Acordando num pesadelo

Gamora sentiu as lágrimas correrem de seus olhos para o chão quando tentou se mexer em vão com a dor terrível que sentiu. O sangue escorria de seus lábios e ela gritou quando forçou seu corpo a se virar para o lado. Uma poça de sangue começou a se formar abaixo dela e apertou os dentes e os olhos ao sentir uma contração forte e muito dolorosa no ventre, só então percebendo a origem do sangramento, que ficou mais intenso em seguida. Chorou de dor e desespero. Isso não podia estar acontecendo! Era inaceitável que fosse assim. Era cruel que ela descobrisse assim!

— Tínhamos um bebê... – murmurou quase sem voz para si mesma, emitindo outro gemido de dor.

Ela estava grávida! E nem havia contado a ele. Vários cenários do que aconteceria se ambos soubessem passaram por sua cabeça, alguns esperançosos, outros ainda piores. Levaria seu ódio por Thanos, agora incrivelmente maior, para onde quer que fosse quando seus olhos se fechassem. Ela sabia que não escaparia disso. Mesmo se sua família estivesse aqui. Mesmo se a levassem à velocidade da luz para o centro médico mais próximo. Esse era o fim.

Gamora chorou. E a única vez que chorou tanto em sua vida foi ao perder seus pais. Nenhuma palavra que vinha a sua mente seria suficiente para definir o tipo de monstro terrível que via no titã. Ela nunca fora mãe ou convivera com uma para saber detalhes, mas conhecia seu corpo. Tanto sangue e tanta dor, e com contrações tão fortes, não podiam ser algo diferente de um aborto.

— Meu bebezinho... – murmurou entre as lágrimas.

A zehoberi continuou chorando, e decidiu que não se impediria disso, sendo essa a última coisa que era capaz de fazer nos últimos instantes de sua vida. Uma das primeiras coisas que disse a Peter quando se aceitaram como uma equipe e formaram os Guardiões da Galáxia foi que ficaria grata por morrer entre amigos. E isso era tudo que ela queria agora, sua família era a única coisa que ela queria. Queria ele!

— Peter...

Ela chorou apesar do movimento piorar sua dor, de tornar difícil respirar, e da total incapacidade de mudar qualquer coisa. Um dia tinha acreditado que todos nasciam por uma razão. E essa era a sua? Nascer para morrer assim depois de tudo mais que já havia passado? E levando a vida de seu filho junto? No entanto, Gamora ainda estava grata. Ela encontrou Peter e ganhou uma família. Teve de volta a capacidade de cantar, dançar, sorrir, chorar, se divertir e viver em harmonia com todos eles. Ela foi mãe adotiva, e agora biológica, apesar de perder tudo outra vez no final.

Cansada, ela se encolheu o melhor que a dor permitia, tentando alivia-la e livrar-se do frio, que só piorava com os flocos de neve que gelavam o planeta. Sua cabeça ficou pesada e até a vontade de chorar se esvaiu. A dor lancinante pareceu diminuir quando seus olhos começaram a se fechar involuntariamente. Num último lampejo de consciência, Gamora sentiu todo o ódio que já teve por Thanos queimar em seu peito uma última vez, mas a última coisa em sua mente foi ele. No final só restou tristeza. Talvez se ela dormisse pudesse sonhar, talvez assim as últimas sensações de sua vida não seriam sentimentos terríveis e dor. Gamora se concentrou em Peter, podia lembrar bem da última vez que dormiram abraçados. E apenas isso a consolou. Lembrar do toque suave e adorável de suas mãos quentes enquanto ele a abraçava, beijava sua testa e dizia o quanto ela era linda e o quanto a amava. Se apegou a isso até não ter mais noção sobre qualquer coisa a sua volta.

******

Os Guardiões correram todos para o quarto de seu líder ao ouvirem barulhos, algo que se tornara comum após a guerra na Terra. Não era raro acordarem no meio da noite com todo tipo de pesadelos, especialmente Peter, Groot e Rocket, especialmente sobre Gamora ou o estalo de Thanos.

— Será que se feriu e escondeu na última missão? – Nebulosa questionou ao se agachar ao lado de Peter, que gemia e estava ofegante – Pode estar com um ferimento infeccionado.

Mantis sentou na beirada da cama e tocou a testa do terráqueo. Suas antenas brilharam e ela encarou os demais.

— Não há nada de errado com o corpo dele. Mas está extremamente perturbado e angustiado em suas emoções.

— Ele parece sentir dor – Drax falou – Está visivelmente sofrendo.

— Acho que todos nós ainda estamos – Rocket comentou.

O Senhor das Estrelas parecia aterrorizado, lágrimas escorriam de seus olhos e os lençóis bagunçados evidenciavam o quanto ele já havia se agitado antes que entrassem.

— Eu sou Groot.

Todos olharam para o adolescente, sem falar nada. E sentiram uma pontada de tristeza ao concordar silenciosamente com ele. Talvez Peter jamais se recuperasse completamente da perda de Gamora. Depois que ela fugiu da Terra ao final da batalha, de forma alguma conseguiram encontrá-la. Isso já tinha semanas. Tinham rastreado Xandar, todos os locais que conheciam, e até mesmo o planeta dos Soberanos, além de lugares onde nunca haviam estado, e a busca sempre terminava sem resultados.

Por mais que gostassem de Thor, todos sentiram-se gratos por o Deus do Trovão ter decidido deixá-los por um tempo para se recompor em Xandar e ajudar na reconstrução do planeta. A rivalidade entre ele e Peter, apesar do quanto todos achavam isso idiota, certamente deixaria o terráqueo ainda mais perturbado agora se o vingador estivesse no quarto.

— Acorda ele – Rocket falou.

Mantis o olhou em dúvida, temendo que Peter acordasse ainda mais nervoso, mas não melhoraria nada vê-lo nesse estado sem tomarem nenhuma atitude. A jovem tocou a testa do irmão novamente, tentando despertá-lo aos poucos, o que não evitou que Peter voltasse transtornado. Ele quase gritou e arregalou os olhos, estremecendo de susto, sua respiração ainda muito rápida, sua mandíbula tremeu por um instante e mais lágrimas correram de seus olhos. Ele sentou-se parecendo apavorado, e quase parecendo não reconhecê-los por um momento. O terráqueo se levantou e correu para fora do quarto, andando aleatoriamente pela nave, nitidamente perturbado.

— Peter! – Mantis chamou quando todos seguiram atrás dele, que andava sem rumo adentrando vários cômodos da nave.

— Ela... Ela estava...

— Ela quem? – Rocket perguntou, conseguindo que Peter mantivesse os olhos nele por alguns segundos antes de olhar em volta novamente.

— Ele matou os dois...

Nebulosa trocou um olhar com Rocket quando ambos desconfiaram do que Peter estava falando.

— Diga o que viu. E o ajudaremos – Nebulosa falou calmamente para o líder.

— Ela estava grávida. Ela estava grávida... Minha Gamora... Nenhum de nós percebeu...

Todos se entreolharam em choque quando Peter saiu andando novamente, dessa vez para o convés. Ele olhou para o topo das escadas, parecendo mais confuso do que nunca, e mudou sua direção novamente.

O restante dos Guardiões o encontrou de volta ao quarto, sentado no chão e apoiado na cama, com o rosto escondido em um dos braços enquanto chorava.

— Eu sou Groot?

Rocket olhou para o filho, vendo seus olhos se encherem de lágrimas, e sentiu seu coração se revirar com a situação.

— Ele sonhou, Groot. Não temos garantia alguma que isso pode ter acontecido. Bem... Temos. Mas nunca saberemos se ela estava ou não. Ele foi o mais afetado por isso, a cabeça dele vai atormentá-lo com todo tipo de coisas. Você sonhou isso, não foi, Pet?

Peter ergueu a cabeça e olhou para Rocket por um longo tempo, completamente confuso.

— Ela realmente... Vocês estavam mesmo... Isso é sério? – O guaxinim perguntou com uma seriedade que raramente tinha.

— Eu não sei – Peter respondeu num tom de voz tão baixo que parecia outra pessoa falando – Eu não sei. Eu não sei. Foi real demais... Eu vi... Eu vi tudo... Eu a vi sangrando. Sozinha, no escuro e no frio... Doía muito.

— Amigo – Drax sentou no chão na frente de Peter, repousando a mão em seu ombro – Você precisa se acalmar. Quer que façamos chá ou algum daqueles remédios pra dormir?

— Não acho que isso vai ajudar – Nebulosa lhe disse, sua voz deixando claro o quanto também estava alterada agora.

— Eu a vi morrer – Peter falou baixo – Eu senti a dor dela. Tinha tanto sangue... Ela chorou tanto, tanto – ele falou enquanto tremia e finalmente erguia o olhar – Ela morreu sozinha. Ela descobriu desse jeito.

Todos trocaram olhares novamente e Peter viu os olhos de Nebulosa também se encherem de lágrimas, por mais que ela tentasse esconder. O fato de Peter estar falando de um pesadelo não mudava em nada a dor profunda e interminável que ele estava sentindo, e nenhum deles se sentia mais leve do que ele agora. Os olhos verdes do terráqueo estavam avermelhados e mais perdidos do que jamais haviam visto. Peter enterrou o rosto em uma das mãos quando começou a chorar novamente.

Mantis sentou no chão e abraçou o irmão pelas costas, seu rosto foi tomado pela dor de Peter, e ela não fez nada para reprimir as lágrimas que escaparam de seus olhos. Nebulosa fez o mesmo e repousou uma das mãos em seu joelho. Rocket sentou-se na cama em frente a ele, e Groot ao seu lado. O adolescente escondeu o rosto entre as mãos quando também começou a chorar, e nem o afago de Rocket em suas costas o consolou. O brilho de lágrimas aos poucos tomou os olhos de todos eles, e permaneceram assim o restante da noite velando sua dor compartilhada.

******

Gamora respirou fundo quando abriu os olhos por um instante. Estava escuro, silencioso e frio. Ainda se sentia atordoada e não conseguia imaginar onde estava. Lembrou-se do oceano infinito da joia da alma, e não tinha a menor ideia de como havia saído de lá. Não podia ter sido só um pesadelo, havia passado tempo demais lá, e havia sido real demais para isso.

— Peter...

Na falta de resposta constatou que não estava em qualquer local familiar, ele jamais sairia do lado dela se estivesse ali. Vasculhou suas memórias e aos poucos as lembranças vieram, e a dor e tristeza junto com elas. Ficou confusa ao lembrar-se do encontro estranho que tivera na joia da alma, sabe-se lá quanto tempo atrás. Então Thanos estava morto. Então não podia ser ele que a colocou nesse lugar. Não conseguia lembrar de tudo, mas disso fez questão de não esquecer.

Abriu os olhos e analisou as paredes cinza escuras da prisão, e as outras celas vazias do lado de fora. Estava deitada num banco de pedra, havia um travesseiro embaixo de sua cabeça, e um cobertor sobre ela. Por que estava aqui? E por que seus carcereiros teriam a compaixão de se preocupar com seu bem estar? Para onde fora sua vida? E em que mundo paralelo estava?

Sentou-se devagar e levantou, percebendo que não tinha nenhuma de suas armas e que estava usando roupas diferentes das que se lembrava, estava vestindo as mesmas roupas de quando conheceu Peter em 2014. Tentou ver do lado de fora e percebeu que estava sozinha. Um longo corredor se estendia entre as celas, e não conseguia distinguir onde era a entrada ou a saída.

Voltou a sentar e sua mente ficou mais clara, por fim enviando um choque a seu coração. Gamora arregalou os olhos e levou as mãos ao ventre em desespero.

— Meu bebê!

Não podia ter sonhado. Ela havia morrido grávida em Vormir. E se o tivessem tirado dela?! O que haviam feito com ela e os outros Guardiões?! Seu coração acelerou e tentou pensar numa forma de chamar a atenção de alguém. Queria e precisava de respostas!

Localizou a tranca, mas era aberta com digitais, provavelmente de quem a prendeu. Chutou as barras da prisão sem que isso tivesse nenhum efeito para entortá-las, mas fazendo barulho suficiente para ecoar por alguns segundos. Sentou-se e tentou se tranquilizar. Se ainda estivesse grávida isso não seria bom para ela ou o bebê.

Momentos depois escutou uma porta ser aberta ao longe, e passos familiares se aproximando de sua cela pouco depois. Era ele, Adam... Ele tinha um sobrenome que ela não conseguia lembrar.

— Você acordou... Lembra quem eu sou?

— O que querem de mim? O que você fez comigo?! – Questionou o encarando com ferocidade.

— Eu falei sobre isso. Você deve lembrar aos poucos. Eu nem sabia que era capaz de fazer o que fiz, não imaginei que voltaria tão atordoada.

— Você tem três segundos pra dizer o que fizeram comigo antes que eu atravesse essas barras e mande você só de ida pra outro mundo.

— Nada. Eu disse que você desmaiou e ainda estava dormindo. Fui eu que trouxe o travesseiro e o cobertor, você parecia sentir frio. Eu não sei se o que acontece com você afeta a outra vida que você carrega, achei que devia lhe dar um mínimo de conforto, embora nossa líder não tenha gostado disso.

Adam seguiu os pensamentos dela quando Gamora olhou para baixo na direção do ventre. Era ali que ele sentia pulsos de vida fortes e luminosos dentro dela. Ela respirou aliviada e fechou os olhos por um instante.

— Você ainda está...

— Eu estou grávida – respondeu ao se lembrar das memórias que lhe foram dadas pela Gamora mais jovem, que deixaram claro que Adam era um pouco ignorante sobre coisas normais para os outros, curiosamente só conseguia se lembrar do que ela viu a partir do momento que conheceu Adam.

Um tempo de silêncio se seguiu.

— Eu não sei o que querem de mim. Mas se algo for feito a meu filho, eu juro que eu vou matar cada um de vocês com minhas próprias mãos.

Ela falou calmamente, mas Adam não ignorou seu olhar assassino.

— Eu não duvido disso – ele respondeu.

— Onde estão os outros?

— Seus amigos? Esperávamos que você nos dissesse.

— Eu fui levada deles e nunca mais os vi. Como você chegou onde eu estava?

— Eu não sei.

— O que aconteceu com ela?

Adam ficou um tempo em silêncio, parecendo pensar e buscar respostas.

— Eu acho... Que agora vocês são a mesma pessoa. Você vive nela, e ela em você. Vocês não já eram a mesma pessoa antes? Eu deduzi que são de épocas diferentes, mas confesso que permaneço muito confuso sobre isso.

— Essa galáxia... É Andrômeda?

— Sim.

— Em que ano nós estamos?

— 2023.

Gamora pensou... Sim... Estava no planeta dos soberanos. Eles também haviam sofrido as consequências do estalo de Thanos. Ele havia conseguido. Mas alguém revertera o que ele fez de alguma forma. Agora se lembrava! E sabe-se lá como sua versão mais jovem estava no futuro, e fora a única poupada de alguma coisa que aconteceu na Terra.

— Onde estão os outros?!

— Eu realmente não sei. Estamos tentando descobrir.

— Por que me trouxe de volta?!

— Nem eu entendi o que fiz. Eu nasci há apenas dois meses. O planeta estava um caos quando cheguei. Minha criadora diz que sou capaz de muito mais que qualquer outro. Mas não sei bem porque. Eu não sabia que podia fazer isso. Eu não sei que lugar é aquele.

— Não precisa se preocupar sobre isso. Sequer fica nessa galáxia... Se seu objetivo é nos destruir, por que me trouxe de volta? Isso não parece algo que um inimigo faria.

— Ela queria que você lembrasse de tudo. Eu não sabia como ia resolver isso, aconteceu por acidente.

— Ela quem?!

— Minha criadora.

— Quem criou você?!

Ele pensava no que dizer quando novos passos chamaram a atenção dos dois, dessa vez mais leves, e aparentemente femininos. Gamora sentiu ainda mais raiva e apreensão quando a própria Ayesha parou ao lado de Adam e a encarou.

— Finalmente acordou. Dessa vez com todas as suas memórias eu espero.


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