É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 14
Capítulo 14 - Medo




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Capítulo 14 - Medo

                - O que?!

                Peter olhou para algum ponto no chão, ainda em choque com tudo que Nebulosa havia contado.

                - Quando eu acordei eu fiz um novo rastreamento. Demoraria demais pra procurá-la em todos os lugares que você já rastreou antes, então eu reduzi a área pra Xandar e proximidades. Mas o resultado foi o mesmo de sempre.

                - Tem certeza que não se lembra do que ela queria nos avisar.

                - Tenho. Foi muito nítido pra eu esquecer.

                - Há alguma coisa importante pra acontecer nos próximos dias ou semanas que estamos esquecendo?

                - Não. Já pensei em tudo.

                - Você viu mais alguém lá com ela? Reconheceu o lugar?

                - Não. Éramos só nós. E eu nunca vi aquele lugar antes. Parecia um labirinto, uma prisão muito estranha talvez, ou alguma construção abandonada. Não havia janelas ou portas de saída visíveis que tornassem o lugar familiar.

                - Ela estava bem?! Ferida ou doente?

                - Aparentemente estava em perfeitas condições. Ela chorou quando falou em Vormir, mas não estava ferida. Só falou que foi terrível. Mas disso já sabemos. Eu não costumo ter sonhos assim. E nem me deixar influenciar porque pessoas próximas tiveram.

                - Você acha... Que significa alguma coisa?

                - Talvez. Olha... Eu te contei isso porque senti que devia e porque ela pediu muito. Foi muito mais real do que muitas coisas que sonhei a vida inteira. Se minha irmã queria tanto que eu contasse a todos, e especialmente a você, eu não poderia fazer o contrário, ainda que eu não tenha a mínima ideia do que ela queria dizer. Mas não estou contando pra você ficar ainda mais paranoico, triste e desnorteado. Só aconteceu, e eu não sei porque. Vamos falar com Dey, talvez ele tenha novidades. E se ele não tiver, vamos só continuar. Seguir em frente e continuar esperando que a sorte esteja a nosso favor. E se não estiver...

                - Eu sei – Peter respondeu com tristeza, mas claramente ciente e receptivo à frase que não a deixou completar.

                - Vamos falar com Dey mais tarde. Verei você na cozinha daqui a pouco?

                - Sim. Eu vou me arrumar.

                Nebulosa assentiu, e lhe deu um leve sorriso antes de sair e fechar a porta.

                Não era assim que ele esperava que começasse sua manhã antes de Nebulosa entrar no seu quarto há alguns minutos. E por mais que soubesse que ela estava certa, seu coração disparado outra vez estava ansiando para que Gamora estivesse aqui com ele. Olhou para a foto no porta retrato no criado mudo ao lado da cama. Muitas vezes pensou em tirá-la dali, por doer demais ter que olhá-la todas as noites e manhãs que ia dormir e acordava sem Gamora, mas não conseguiu. Parecia quase uma traição a ela, uma aceitação do que tinha acontecido.

                Peter tinha tirado aquela foto num dia em que todos estavam descansando depois de uma missão. Os dois estavam sozinhos no quarto, deitados nos braços um do outro. Peter tinha lhe falado alguma coisa que a fez rir, e o som da voz dela era a coisa mais melodiosa que ele já ouviu. Seu sorriso era contagiante e bonito como o de um anjo, o brilho em seus olhos era mais belo que o de todas as estrelas da galáxia, e a única coisa que ele pode fazer foi erguer o datapad e tirar uma foto. Os dois estavam sorrindo um para o outro, inacreditavelmente felizes e alheios a tudo que aconteceria no futuro.

                A moldura era de um tom claro de bege, com arabescos florais cor de rosa. Os dois estavam numa loja em Xandar procurando uma moldura exatamente para colocar essa foto, e Gamora tinha gostado muito dessa em especial. Peter imediatamente a comprou, e os dois colocaram a foto ali assim que voltaram à nave. O Senhor das Estrelas não conseguiu evitar estender os dedos e deslizá-los pelo rosto dela na foto, numa tentativa de suprir um pouco da falta de poder fazer isso em sua pele suave.

                - Onde você está, querida?

******

                Gamora tinha começado a ficar secretamente ansiosa pelos dias que Adam a levava ao jardim central, e frustrada por outro lado. Ainda que ele a levasse por caminhos diferentes às vezes, não havia descoberto nada mais de útil que poderia ajudá-la numa fuga. Ela não pensava em fazer isso imediatamente, claro. Fugir grávida seria suicídio para ela e o bebê. Mas o medo do que aconteceria aos dois assim que a criança nascesse é que a corroía por dentro. E depois de várias rodadas de horas e horas pensando, a única alternativa que sua cabeça lhe mostrava era sempre a mesma, Adam. Ele era o mais próximo que tinha no momento de alguém minimamente confiável. Ele não só parecia bom e gentil, Gamora podia ver essa sinceridade em seus olhos dourados. Mas o quanto a autoridade e a sede de vingança de Ayesha podiam estar acima disso é que ela temia. E quando gastava mais um enorme tempo pensando sobre isso, ela só se convencia mais de que nada podia fazer além de confiar nele para trair a sacerdotisa e levar o bebê a possíveis lugares seguros, para pessoas com quem ele ou ela estaria bem.

O bebê se moveu, parecendo mais agitado que o comum, e a trazendo de volta à realidade. Gamora olhou para a barriga e voltou a acariciá-la.

                - Desculpe... Eu não queria preocupar você. Eu deveria estar preocupada com coisas muito mais leves agora, mas... É o que temos, querido. Eu não sei como, mas você ficará bem. Aqui, ou onde quer que a vida te leve. Se o pior acontecer, encontrarei uma forma de deixar você em segurança, bem longe daqui.

                Os movimentos continuaram, como se a criança protestasse.

                - Eu sei. Mas não podemos fazer nada sobre isso agora. Seria muito perigoso. Falta apenas duas semanas pra você chegar se eu não tiver me perdido na contagem. Talvez até menos. E eu estou com medo. Tudo que eu queria era ter seu pai aqui.

                Seus cálculos deviam estar certos. Sabia disso porque nos últimos dias um aroma suave e incrivelmente agradável surgira no quarto, e ela sabia que era devido aos hormônios liberados com a proximidade da chegada do bebê. Os Guardiões já tinham cuidado de crianças em algumas missões, e bebês recém nascidos sempre cheiravam assim. Tinha percebido que Adam e Alia notaram isso dias antes, mas eram educados demais para incomodá-la perguntando. E provavelmente Alia tinha noção do que se tratava e devia ter explicado a Adam. Gamora sabia agora que ela já tinha visto bebês em algumas de suas viagens.

                A zehoberi estava com medo, e não se enganaria negando isso. Estava com medo do depois, estava com medo do desconhecido, estava com medo de suas modificações cibernéticas tornarem o parto muito intenso e haver qualquer risco de machucar o bebê, por mais que conhecesse bem cada uma delas e que não houvesse nenhuma específica para impedir ou dificultar uma gravidez, essa estava longe de ser uma das preocupações de Thanos na época. Ainda que pudesse ser conveniente devido à situação que abriu uma oportunidade para que a cibernética fosse colocada em seu corpo.

Também estava com medo de que os meses de prisão e tristeza afetassem a saúde do filho, por mais que ela tivesse sido transferida para uma cela mais confortável, e tivesse sido muito bem alimentada. Estava com medo de algo dar errado. Se desse, não haveria ninguém capaz de operá-la com segurança até onde sabia. Os soberanos não tinham conhecimento algum sobre como bebês eram concebidos, e nem sobre como nasciam. E se ela mesma tivesse que fazer isso, ainda que o bebê resistisse, nada garantia que ela não teria um destino diferente. E a falta do carinho, do amor e da segurança de Peter e de sua família fazia cada um desses medos parecer muito maior.

                - Tudo que eu queria é que ele estivesse aqui. Eu tenho certeza que tudo ficaria bem se ele estivesse.

                Gamora apertou os olhos para conter as lágrimas quando ouviu as batidas familiares de Adam na porta. Estivera tão distraída que não o ouvira se aproximando.

                - Gamora?

                Ela secou os olhos e inspirou fundo para recuperar a compostura. Já estava trajando um vestido azul marinho de mangas longas, que ia até os joelhos como o da primeira vez que fora ao jardim, e novamente a legging preta e suas botas. Hoje Alia tinha trazido seu jantar mais cedo, e avisado que logo Adam viria para acompanhá-la ao jardim.

                - Você está pronta?

                - Sim. Estou.

                Ele abriu a porta e a saudou com um pequeno sorriso, que logo sumiu ao ver a clara tristeza em seu rosto. Ficou em silêncio a observando sem dizer nada por alguns instantes. Gamora também não falou nada. Ambos sabiam que não havia nada que ele pudesse dizer. Então simplesmente levantou-se e o seguiu pela porta. Os dois caminharam em silêncio até o jardim, onde ela sentou-se em um dos bancos dourados, sem vontade de explorar o lugar nessa noite.

                - Está tudo bem? Com você e o bebê?

                - Sim.

                - Me disseram pra avisar que tudo está pronto. Para o bebê – ele completou quando ela o olhou interrogativamente – Quando você achar que é necessário, a levaremos a outro lugar, um quarto maior, com tudo que você disse que vai precisar, incluindo um berço, a banheira, e tudo mais que você disse. Se você concordar, hoje eu já posso levar pra lá o que está na sua cela.

                - Pode. Não imaginei que tivessem celas capazes de comportar isso.

                - Não temos. É um quarto em uma das alas mais internas do palácio. Você ainda não vai...

                - Eu sei – disse, poupando-o de dizer que ela continuaria presa mesmo assim.

                - Mas vai ser mais confortável, e adaptado.

                - Eu agradeço.

                - Você sabe quando vai acontecer?

                - Em duas semanas ou um pouco antes.

                - Você vai precisar de ajuda? Nossos médicos não entendem disso, mas os deixaremos à disposição.

                - Com todo o respeito, mas não serão de utilidade se sequer saberão o que fazer. Não é algo tão simples, e nem algo que eu tenha vontade de explicar. E nem sei se é algo que suportariam presenciar.

                - Falando desse jeito... Parece que é algo que pode te matar.

                - Às vezes acontece.

                Gamora quase teve pena do olhar aterrorizado de Adam.

                - Isso não parece certo. Como uma vida pode ser criada ao custo de outra?

                - Não há certeza do que vai acontecer. Provavelmente eu ficarei bem. Eu nasci pra isso. Raramente algo assim dá errado. Mas se der...

                - O que?

                - Eu lhe direi depois. E se você contar a alguém sobre essa conversa, eu mesma arrancarei sua cabeça. Quero lembrá-lo de que a segurança do meu filho, a qual vocês garantiram quando cheguei aqui, é mais importante do que qualquer coisa. Então não duvide disso.

                Adam não respondeu nada, apenas assentiu alguns segundos depois.

******

                - Senhora... – Adam começou enquanto caminhava com Ayesha e Alia pelo enorme salão onde mantinham as cápsulas embrionárias – O bebê chegará em duas semanas ou menos.

                - Isso é muito interessante. Será uma experiência que certamente agregará conhecimentos úteis para a ciência do nosso povo.

                Adam pensou em citar o que Gamora dissera sobre o risco do procedimento, mas lembrando-se da ameaça feita pela zehoberi, e o que mais lhe importava, o bem estar dela e da criança, decidiu adiar a informação o quanto possível.

                - Não temos ideia de como isso vai acontecer. Se está dentro do corpo dela, talvez algum dano seja necessário pra o nascimento.

                - Você acha que poderá debilitá-la?

                - Eu não sei... Mas é sobre isso que quero lhe falar. Depois que o bebê estiver aqui... O que vai acontecer com ela?

                Ayesha ficou em silêncio, parecendo pensar. Alia olhou de Adam para a superior, apreensiva com a resposta.

                - Muito me interessa sentenciar e executar todos os Guardiões da Galáxia, juntos. Nós a manteremos em confinamento até que sejam encontrados.

                - E o bebê? – Alia perguntou.

                - Ela poderá ficar com ele até a sentença.

                - E depois?

                - Como discutimos antes. Se a criança tiver aparência humana, será fácil encontrar uma família para ela, onde jamais qualquer pessoa sequer saberá de onde veio. Se for parecida com a mãe será mais difícil, mas encontraremos uma solução eventualmente.

                - E aquela garota? – Alia perguntou – Aster.

                - Não vamos ceder aos caprichos de uma criança sedenta por vingança. Ela poderá até mesmo assistir a execução se desejar. Mas essa tarefa ainda é nossa. A prisioneira lhe falou se precisará de algo mais? – Perguntou a Adam.

                - Não. Ela disse que é apenas o que já tinha nos dito.

                - E como isso deve acontecer?

                - Ainda não sei. Mas acho que o bebê pode chegar a qualquer momento a partir de agora.

                - O quarto está em ordem, deixarei todos avisados sobre a necessidade de uma possível transferência emergencial. Mas sob hipótese alguma você deve transferi-la antes. Somente quando necessário. Nenhum segundo antes disso.

                - Sim, senhora.

                - E quero que ateste a real necessidade de instrumentos cirúrgicos. Quem pode garantir que ela não os usará contra um de nós antes, durante, ou depois?

                - Ela parece confiável.

                - O que o faz ter tanta certeza sobre isso tratando-se de uma prisioneira que espantou todos os funcionários da ala prisional um a um?

                - Tecnicamente o inimigo é o animal estranho que estava com eles. Ela não fez nada pelo que a senhora mesmo me disse.

                - Não temos como saber que todos eles não tinham combinado isso. Sendo assim, qualquer um deles está dentro dos requisitos de acusação.

                Ayesha ficou alguns instantes em silêncio observando o andamento de algumas cápsulas, e Adam decidiu ignorar sua última afirmação. Conseguir o que Gamora precisava era mais importante agora.

                - Como eu dizia... Eu acredito que podemos confiar nela. Ela tem modificações cibernéticas, e ela relatou que é capaz de consertá-las sozinha na maioria das vezes quando há algum dano. Talvez as modificações estejam no caminho para o nascimento. Talvez precise remover ou modificar alguma delas, ou repará-las se o bebê causar algum dano.

                Adam fez uma pausa, ficando satisfeito ao ver que Ayesha estava prestando atenção.

                - E bem... Nenhum de nós tem qualquer ideia de como isso vai acontecer. Eu penso que talvez... Ela precise fazer uma incisão em si mesma pra remover o bebê.

                - Uma simples incisão? Pelo que você e Alia têm me relatado, é possível que uma intervenção muito mais séria seja feita. Mas não vejo como ela sobreviveria a isso sem uma anestesia e acompanhamento médico.

                - Talvez ela tenha imunidade a certas intensidades de dor – Alia falou.

                - Ela tem? – Ayesha questionou.

                - Não sabemos – Adam lhe disse – Ela não nos esclarece nada sobre o procedimento, não importa o quanto qualquer um de nós pergunte. Apenas disse que o organismo dela é programado pra isso e sabe o que fazer. Mas que ainda precisará dos instrumentos depois. Se estão funcionando como um único corpo, faz sentido que ela precise de algo pra se separar do bebê em algum momento.

                - Muito interessante... – Ayesha falou, com um olhar distante e pensativo novamente – Mas facilitaria imensamente se ela nos esclarecesse de que tipo de ajuda pode precisar.

                - E se realmente for algo pra o que nossos médicos não estão preparados? – Alia perguntou.

                - Acho que só nos resta esperar. Ela terá que esclarecer alguma coisa quando o momento chegar – Ayesha disse simplesmente.


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