La Stravaganza escrita por xxxumaico


Capítulo 1
Criminal


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!

Este projeto foi originado de um desafio para o qual fui convidada a participar. A proposta dele, a princípio, é que fosse inspirado em uma diversidade de canções aleatórias e, por isso, deixarei os links destas músicas - nas notas finais - para que vocês possam ouvi-las.

Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/790170/chapter/1

CRIMINAL

1988

Para Amélia, São Paulo havia se tornado uma cidade perdida; a praça Buenos Aires, felizmente, era seu oásis dentro daquele antro de almas complexadas pelos efeitos de novos e perigosos estilos de vida. Caminhar por ali lhe fazia bem, fazia-a esquecer, ao menos por algumas horas, das imoralidades que rondavam o mundo — mesmo estando ao lado das amigas de colégio que insistiam em ir ao AeroAnta para encontrarem rapazes e assistirem ao show da noite.

 

Embora a insistência tenha sido forte por parte das colegas — todas extasiadas pela possibilidade de saírem de seus próprios núcleos sociais para, quem sabe, darem um tapinha em um baseado e uma golada numa cerveja —, Amélia permaneceu na praça, despreocupadamente sentada no mesmo banco que achara confortável há horas. Ela observou suas amigas entrarem em um carro desconhecido rumo ao incerto e se preocupou, contudo, dentro de si havia a paz de saber que não seria ela a vítima das libertinagens que badalavam os pontos mais frenéticos da capital paulista.

 

Seus dedos se mexiam conforme o som que embalava os pensamentos em sua mente: as tristonhas e serenas Gnossiennes de Satie que, para ela, eram consideravelmente menos doces do que as delicadas e ternas Gymnopédies. Amélia sabia que o piano era uma de suas poucas saídas de emergência daqueles dias maçantes que vivia, mas nem sempre tinha o instrumento à sua disposição — nesses momentos de solidão, a garota pensava que canalizar suas boas energias em um piano não era saudável; talvez viver seria saudável.

 

— Você vai me escutar com muita atenção, bonitinha — os devaneios de Amélia foram interrompidos pelo rapaz que a abordou de maneira nada amigável. O seu coração de menina palpitou ao ritmo de Vivaldi desta vez e ela deixou que dos lábios entreabertos um fino pesar se completasse.

 

— Eu tenho dinheiro.

 

— Eu não quero dinheiro! — o rapaz pegou-a pelo braço e fez com que andassem lado a lado. Aquele movimento brusco foi como o agitar dos violinos italianos que tantas vezes presentearam os ouvidos burgueses de Amélia.

 

Os olhos dele eram negros, medonhos e artísticos na medida certa. O corpo, cruel em força, fez Amélia suspirar e culpadamente cobiçá-lo. Seu cheiro ardente de suor misturado à álcool impregnou o uniforme comportado da garota, que seguiu a caminhada conforme as ordens do bandido que a trombara naquele fresco anoitecer; ele havia pedido a colaboração de Amélia e a soltaria assim que possível, sem ter que utilizar nela a arma que carregava consigo. Só precisava de um lugar para se esconder. Não era tão difícil, era?

 

— Onde fica a sua casa?

 

— Não! Minha mãe…

 

— Eu não me importo com ela! — arregalou-se o olhar do homem, exibindo a vermelhidão que pousara ali e também a dilatação de suas pupilas.

 

Amélia continuou a andar e, em um surto de imprudência, tentou a fuga. Ele não deixou. O arco jamais se separa das cordas de um violino vibrando. A casa grande e abastada de Amélia finalmente agraciou os olhos ansiosos e amedrontados do jovem que a segurava. Eles entraram pelos fundos. O rapaz pensou que era aquela a vantagem de ser rico, ter uma porta dos fundos para aquele tipo de urgência inelutável. Os dois seguiram para o quarto cor-de-rosa pertencente à adolescente e trancaram-no com a força de verdadeiros fugitivos.

 

— Por que fez isso? — a voz lotada de inocência da menina fez os ouvidos do homem rirem antes mesmo de sua boca esperta esboçar qualquer reação.

 

— Porque estava devendo grana para uma pessoa e tive que matá-la. Os amigos dessa pessoa nunca me procurariam em um bairro como este — ele encaixou o rosto pequeno de Amélia em seus dedos fedidos de nicotina e se aproximou dela. — Eu sou o Fernando — apresentou-se involuntariamente ao sentir o cheiro adocicado da maquiagem de Amélia. O falar molenga dele o entregava como alguém anestesiado por alucinógenos e, paralelamente a isso, estava seu corpo que se movia rápida e impensadamente.

 

Amélia adorava desbravar os territórios musicais e literários do mundo clássico, mas estava ali, diante dela, uma verdadeira experiência inovadora e, concomitantemente, repleta de notas sofisticadas de uma polifonia medieval; ela finalmente sabia o nome daquele que havia, em um trocar simples de olhares, assaltado sua atração: Fernando. De quantas ironias a vida de Amélia poderia ser recheada? Ser seduzida pelo banditismo enquanto recusava todas as facetas perversas do mundo imoral talvez fosse a maior delas.

 

— Você quer dar uma volta? — Fernando marcou as bochechas de Amélia quando tirou os dedos da região.

 

Os violinos e pianos repentinamente transformaram-se em solos lentos e criminais de guitarra, acompanhados de poucas e hipnotizantes batidas desregradas numa velha bateria. Amélia sorriu e quis que Fernando não enxergasse nela a inocência que a moldava. Ela o desejou e sentiu a boca trêmula quando posta perto da dele; estava ali a sua oportunidade de viver, mesmo que não da maneira como sempre sonhara. Fernando também sorriu ao notar, em sua frente, uma próxima aventura, puramente física e atrativa.

 

— Por quanto tempo? — Amélia o questionou medrosamente e arrancou-lhe uma risada sonora.

 

— Por quanto tempo você quiser.

 

O casal de ardilosos chegou à garagem da casa e subiu na moto de crise de meia-idade do pai de Amélia; ela agarrou o tronco magro e definido de Fernando, que apreciou o atrito entre suas mãos e as manoplas aceleradoras da motocicleta. O belíssimo veículo roncou sob as estrelas luminosas daquela noite irracional e levou, sobre o banco de couro brilhoso, dois velozes fugitivos de suas próprias vidas que, nas diferenças gritantes, encontraram um refúgio indiscreto e fulminante.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

https://www.youtube.com/watch?v=QP73569coeo - La Stravaganza de Vivaldi
https://www.youtube.com/watch?v=aTi9czvLa-4 - as Gnossiennes de Satie
https://www.youtube.com/watch?v=_fuIMye31Gw - as Gymnopédies de Satie
https://www.youtube.com/watch?v=51ziCmIGtas - Criminal de Britney Spears

um beijo e espero que tenham gostado!
deixem suas opiniões



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "La Stravaganza" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.