Soturnos escrita por Vini


Capítulo 2
Bananas




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Começou a chover novamente, sem parar, quase como se os céus atendessem aos pedidos dos xamãs. Chovia como se as nuvens estivessem a chorar, como se houvesse uma soturnez na atmosfera. Enquanto isso, Íris e Pedro entreolhavam-se com curiosidade, buscando indícios de pensamento através da íris. Quisera Pedro ter essa habilidade, mas ele jamais compreendia as pessoas em sua totalidade somente pelo olhar, por mais que tentasse; para ele, elas eram como gotas de chuva: cada qual com seu formato peculiar, dispersas ou reunidas, achatadas ou não, mas todas em queda. Era assim que Pedro se sentia naquela noite: em queda.

— Como assim “gatos e lagartixas”? Por que disse isso? Você me espionando? — retrucou o garoto, desconfiado.

— Ora, ora, temos um Xeroque Rolmes aqui… — Íris gargalhou como uma hiena.

— Veja, Pedro, escolha qualquer papel amassado.

O garoto olhou cabisbaixo ao seu redor, vasculhando os papéis no piso de madeira. Não sabia muito bem qual escolher até olhar para a porta e, depois, para aquele espelho no teto. Existia certa ordem no caos, pois os papéis davam forma à silhueta de um gato. Pedro vincou a sobrancelha, pasmo. Não reparara nisso devido à repentina sucessão dos fatos, mas ali estava a forma felina.

— Eu não tinha notado… — afirmou Pedro, ainda perplexo.

— Sei muito bem como é duvidar do mundo à sua volta, como é lidar com o inusitado. Acho que estou louca, Pedro. Venho tendo devaneios todos os dias sobre situações ilusórias: eu nos imaginei aqui. É como se a gente tivesse em um dos lados do sofá, mas Afonso nem veio com você!

— Íris, cê tá me assustando! POR QUE ME CHAMOU? — Concomitantemente, ouviu-se um estrepitoso trovão. Foi tão forte que um dos livros caiu da estante, abrindo-se no chão.

— Pegue o livro — ordenou Íris.

Assim que Pedro pegou o livro que caíra no chão, viu que este estava aberto na página 102, a qual continha gravuras de lagartixas em preto e branco. Além disso, Pedro pôde observar uma linha diagonal que partia do canto esquerdo da folha à extremidade direita da página 103. Tudo parecia muito estranho, ainda mais sob aquelas circunstâncias. Toc toc. Uma visita? Pedro olhou para Íris, que já se levantara; ele folheou o livro mais um pouco, buscando alguma resposta para tudo aquilo, mas não obteve sucesso. Mais uma vez, ele estava tomado pela ansiedade: seu coração palpitava freneticamente, seus lábios grossos retraíam-se, a cada milésimo de segundo, por causa da desidratação; gotículas de suor escorriam em sua testa, ao passo que seu olho esquerdo marejado anunciava um colapso interno. O mundo sempre desabava em Pedro.

— E aí, mané? — O rapaz corpulento, ensopado, adentrou a sala em direção a Pedro, abraçando-o. — Como vai, pô? A gente não se fala há meses! O que acontecendo? Fiquei muito preocupado. Ainda bem que titia Íris me chamou. Você não viu o bilhete que ela...

— Calma, calma! — interrompeu Íris — Vamos resolver esta situação logo, logo.

— Então vocês se conhecem? — indagou Pedro, visivelmente perturbado.

— Claro que sim! Eu e Íris nos conhecemos durante o Festival Gecko, em fevereiro do ano retrasado. Nós estamos namorando… Surpresa!

Pedro esboçou um sorriso arqueado. Fingia estar contente para si mesmo, antes de qualquer outra pessoa, no entanto seu ciúme era maior, não obstante a ansiedade demasiada. Fitou Íris e Cláudio, imaginando uma dimensão na qual ambos namorassem, porque não poderia ser naquela. Mas eles estavam bem à sua frente. Pedro deixou sua mente levá-lo à época que varava madrugadas, dançando em todas as festas que aconteciam em Solária; a noite devorava-o. Cláudio, seu grande amigo, não perdia a oportunidade de se perder nas aglomerações, e então sumia pelo resto da manhã.

— Pedro? Alguém aí? — Íris e Cláudio sorriram.

O livro escorregou das mãos de Pedro. O chão parecia se mover, mas era a água da chuva que começava a invadir a sala, encharcando os bilhetes. Pedro tentava ler algum, porém não conseguia se mover. Depois, miados ecoaram de algum cômodo da casa — seria Afonso? “Impossível”, pensou Pedro, que insistia em racionalizar aquela estranha situação. Mas a lógica se perdera. Foi então que ele vislumbrou um clarão e desmaiou. Estava com fome, com tanta fome que perdeu a noção de realidade. Íris e Cláudio, desesperados, levaram Pedro para o sofá, deitando-o de barriga para cima. Ele estava fervendo.

— Pedro... Pedro? Você está me ouvindo? Reaja! — suplicou Íris, angustiada.

— Ei, mano, acorda!!! — continuou Cláudio.

Enquanto Cláudio folgava as roupas de Pedro, para que este pudesse respirar melhor, Íris foi à cozinha buscar de açúcar. Levou uma pequena quantidade à boca de Pedro e, segundos depois, ele abriu os olhos. Estava notoriamente mais calmo, embora meio pálido; quis sentar-se, mas teve seu pedido negado. Sua camiseta com estampa de banana era um prenúncio para a fruta que lhe ofereceram em seguida, e ele mesmo a descascou, comendo-a vorazmente. Não era a primeira vez que isso acontecia com Pedro, cujo passado escondia uma série de transtornos.

melhor, Pê? — Pela primeira vez, Pedro ouvia seu apelido, e isso soava como xilofones, ainda mais quando pronunciado pela suave voz de Íris

— Sim, muito obrigado pelos cuidados! Eu acabei me esquecendo de comer antes de vir pra cá; ocorre que eu estava preso às notícias. Não senti o tempo passar. Ah, não mude de assunto! Você ainda não me disse o porquê de ter me chamado.

— Bem, Cláudio e eu pensamos em te dar um presentinho. Ficamos a tarde toda de ontem procurando algo interessante, e você não sabe o que achamos!

— Maninho, pre-ci-sa ver isso! — E pôs a mão no bolso. Pedro não conseguiu esconder seu espanto ao ver aquela caneta dourada.

— Eu não acredito. É aquela dos Soturnos, não é?! — questionou Pedro animadamente.

— Isso mesmo — respondeu Cláudio —, e é com ela que você vai escrever a merda do bilhete.


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