Recomeço escrita por JN Silva


Capítulo 8
A caminho de Cair Paravel


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, peço desculpas pelo meu sumiço...
A demora foi grande, mas o capítulo de hoje também é, para compensar o atraso kkk
Desejo a todos uma boa leitura e um Feliz Ano Novo!



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O exército narniano deixou o acampamento naquela mesma noite. Conforme Aslam havia lhes orientado, recolheram apenas provisões suficientes para dois ou três dias de viagem, armas para a defesa do grupo (embora esperassem não ter de usá-las durante a jornada) e medicamentos para os feridos, pois alguns destes ainda necessitavam de tratamento. Improvisaram também meios para o transporte destes, à espécie de liteiras, pois embora a medicina silvestre dos aliados tivesse indiscutível eficiência, muitos dos feridos ainda se encontravam debilitados demais para percorrer todo o caminho a pé.

Houvera, de início, uma discussão vivaz entre os soldados a respeito de qual rota seguir para chegarem ao destino. Nesse ínterim, Aslam e Pedro conversavam em particular, ao longe. Alguns dos homens sugeriam que se tomasse a direção norte, contornando o rio Beruna e virando depois a sudeste, na direção do castelo. A vantagem dessa rota seria uma caminhada mais fácil, com a menor ocorrência possível de obstáculos, evitando-se a transposição de rios e do interior de florestas. Outros objetavam que esse caminho era longo demais, levando a um desperdício de tempo na estrada; sugeriram então uma caminhada direta a nordeste, cruzando o Passo do Beruna, passando depois pela Mesa de Pedra, cruzando o Rio Veloz e finalmente, a foz do Grande Rio. Embora não fosse isento de obstáculos, era um caminho muito mais curto, economizando pelo menos metade do tempo que seria gasto caso tomassem a rota da alternativa anterior. O primeiro grupo retorquiu que não havia garantia de chegarem mais rápido por esse caminho, pois embora fosse mais curto, a transposição dos rios levaria muito tempo, sem contar os riscos da travessia. O segundo grupo retrucou que haveria muito mais risco se seguissem a primeira rota, pois poderiam sofrer assaltos de inimigos pela estrada aberta. Um terceiro grupo sugeriu ainda que se tomasse a direção sudeste, transpondo o Beruna, adentrando no bosque e seguindo pelo interior deste na direção leste, virando depois para nordeste e cruzando, por fim, a foz do Grande Rio. Era um caminho um pouco mais curto que o da primeira rota e um pouco mais longo que o da segunda, com a vantagem de evitarem o Rio Veloz. Foi então que os dois primeiros grupos começaram a debater com o terceiro sobre a vantagem ou desvantagem de se caminhar pelo interior do bosque, que poderia ser um caminho relativamente mais seguro, contudo, muito mais dificultoso.

Essa discussão toda foi muito aborrecida e demorada, motivo pelo qual seria enfadonho continuar a registrá-la. O fato é que algum tempo depois Aslam e Pedro voltaram, ambos muito sérios. O garoto se impacientou com a perda de tempo à qual seus homens se submetiam com o debate e determinou, depois de consultar Aslam, que seguissem pela terceira via.

Obedecendo à ordem do Grande Rei o séquito seguiu por este caminho, embora muitos fossem a contragosto. A primeira dificuldade encontrada algum tempo depois de terem iniciado a marcha, foi a travessia do rio. Atravessar a correnteza já era um risco à luz do dia: a força da água, as pedras pontiagudas, a instabilidade dos pedregulhos e da lama que se depositava no leito, na qual se podia facilmente atolar os pés. Quando se somava a tudo isso a escuridão da noite, o peso das cotas de malha que dificultavam os movimentos, as trouxas de provisões às costas e as liteiras que transportavam os convalescentes, o nível de dificuldade elevava consideravelmente. Apesar disso não recuaram. Pararam por um tempo, estudando a melhor forma e o melhor lugar por onde atravessar. Aslam os conduzira um pouco para o sul, acompanhando o curso do rio. Neste ponto, o leito se estreitava e o volume das águas diminuía. A comitiva seguiu então por este caminho. Apoiando-se em algumas rochas que surgiam ao longo do curso, conseguiram caminhar pelas águas frias até a outra margem.

Como já havia várias horas que caminhavam, depois de transpor a barreira aquática, fizeram uma pequena pausa para descansar e tratar dos enfermos. Após uma modesta refeição – afinal, era preciso economizar as provisões – retomaram a viagem. A maior parte do caminho havia sido percorrida em silêncio. De vez em quando, um murmurar aqui ou ali, alguns homens revezando-se no transporte das liteiras e logo tudo voltava a ser silêncio. Aslam caminhava sério e meditativo, ora mais à frente, ora entre os soldados. Em alguns momentos era possível vê-lo dizendo algo a Pedro, embora não fosse possível ouvir o quê.

Snape permanecera calado desde que deixaram o acampamento, mergulhado em seus próprios pensamentos. Aliás, desde que chegara em Nárnia, poucos momentos fora visto conversando; permanecia a maior parte do tempo silencioso e pensativo. Ainda não tinha se acostumado bem com a ideia de estar em outro mundo e em outra época que não fosse os seus. Principalmente, não estava habituado à ideia de ser um homem comum, sem as habilidades de outrora. Sentia-se quase aleijado, de certa forma. As habilidades e talentos que ele havia conquistado com todo afinco, ao longo de seus anos, e que fizeram dele um bruxo temido e respeitável, haviam se esvaído completamente, sem que ele se desse conta. Sentia-se agora fraco, desprezível, sem perspectivas do que fazer, ou de como agir. No entanto, se Aslam havia decidido que as coisas seriam dessa forma, certamente teria um motivo; era a confiança nos propósitos dele que fazia com que Snape não esmorecesse diante do futuro desconhecido.

E ao pensar em Aslam, o homem refletia como era estranho que aquele Leão tivesse conseguido captar sua confiança e sua afeição tão rapidamente. O tempo que havia passado em Nárnia, desde que chegara, havia sido muito pouco para conhecer suficientemente ao Leão. No entanto, sentia-se como se tivesse encontrado um tesouro precioso que há muito buscara. Tudo o que havia conseguido perceber, naqueles poucos dias, era que Aslam certamente era alguém muito importante e poderoso, ao qual todos tratavam com extrema solenidade e reverência.  Uma figura amada por muitos e temida por todos.

Conforme a caminhada avançava, já começavam a ver ao longe, à meia luz do alvorecer, um vislumbre de copadas verdes, avermelhadas e ocres, da floresta que se estendia diante deles. Quando chegaram à margem do bosque, o dia amanhecia. O céu adquiria um tom rosado e uma claridade suave e dourada começava a se expandir pelo ar. De dentro da mata era possível ouvir o canto das aves saudando a aurora. Os homens adentraram no bosque. Depois de uma intensa caminhada noturna, com as vestes molhadas e frias colando-se no corpo, receber os primeiros raios de sol da manhã era como uma bênção. O leve calor trazido pelas nesgas de sol que se coavam por entre os galhos e folhas das árvores renovava o ânimo de todos.

Aslam os conduzira por uma trilha, ladeada de ambos os lados por bétulas pálidas, que escondiam atrás de si carvalhos imensos, retorcidos, antigos. Depois, havia faias e olmos que despontavam aqui e acolá, entremeados por alguns bordos e outras árvores de maior ou menor porte. Samambaias e avencas eram frequentes pelo caminho; de troncos cobertos de musgo e líquens, pendiam ervas trepadeiras e cipós. A mata possuía uma luminosidade verde, de ares frescos e úmidos. Além da cantoria dos pássaros e do tropel da comitiva, não se ouvia nenhum outro som. Um verdadeiro santuário natural.

Os animais não eram muito frequentes de se ver; vez ou outra, um coelho assustado passava correndo, num átimo, e se enfiava dentro de uma toca ou de um buraco no chão. Outras vezes, ouvia-se o farfalhar de pequenos esquilos movimentando-se sobre os galhos, em busca de sementes, e logo tudo voltava ao silêncio de antes. Era quase impossível não se deixar envolver pela atmosfera de tranquilidade que a floresta emanava. Apesar de todo o cansaço e desconforto da marcha, o silêncio quase sagrado do bosque penetrava as mentes, dissipando qualquer espécie de preocupação ou pensamento ruim que pudesse ali reinar.

Aslam parou quando alcançaram uma clareira. Um bom trecho havia sido percorrido, desde que o sol nascera.

— Aqui, meus amigos, vocês todos descansam – disse, virando-se para o séquito - Pois também o repouso é necessário. Alimentem-se e durmam sem medo; aqui, nenhum mal poderá alcançá-los.

E assim, uma pausa reparadora foi feita, pois os homens encontravam-se exauridos e famintos após uma longa caminhada noturna e mais de 24 horas sem dormir. Depois de uma refeição mais substanciosa e de verificarem as condições dos enfermos, os homens todos caíram num sono profundo, que durou longas horas.

Snape acordara um tempo depois, com uma nesga de sol batendo em seu rosto. Olhou para o alto; o sol havia mudado de direção no céu e pela posição em que se encontrava, a tarde já devia estar pelo meio. Sentou-se, recostando-se no tronco de um velho carvalho. Todo o resto da comitiva ainda ressonava. Aslam se encontrava bem mais à frente, sentado, e parecia estar absorto em pensamentos ou em alguma visão distante.

Snape levantou-se, caminhando em direção aos soldados feridos. Verificou-lhes a temperatura e o estado dos ferimentos, aplicou-lhes mais uma camada de pomadas e unguentos nas feridas e trocou suas bandagens. Após estes cuidados, retirou-se, deixando-os descansar, pois a viagem havia sido difícil e desconfortável também para eles. Olhou de relance para o Leão; desde a conversa que tivera com ele no primeiro dia em que chegara a Nárnia, o Leão nunca mais lhe dirigira a palavra. O homem também se mantivera silencioso e discreto. Mas naquele momento em questão, inexplicavelmente sentia vontade de aproximar-se da grande figura dourada, ainda que não tivesse nada a dizer e, antes que pudesse controlar seus pés, seus passos já lhe conduziam na direção de Aslam.

O Leão continuava na mesma posição de antes, quase imóvel; qualquer um que não o conhecesse poderia tê-lo tomado por uma estátua, se não fosse pela leve movimentação da cauda. Seu olhar permanecia fixo ao longe. Snape se aproximou devagar e colocou-se ao lado do grande felino, dirigindo seus olhos para onde o Leão olhava. Para além de algumas colinas relvadas e cobertas árvores que se estendiam diante deles, muito, muito ao longe, distinguiam-se alguns pináculos brancos, semelhantes a torres. Era para essa direção que Aslam olhava.

— É bom estar em sua companhia, filho de Adão... – dissera-lhe o Leão, numa voz sossegada e ronronante que lhe era característica.

Snape deu um meio sorriso, ligeiramente desconcertado e quase descrente. Se fosse outro o interlocutor que lhe dissesse estas palavras, o homem teria certeza de que estaria mentindo; sabia bem que era uma pessoa profundamente desagradável. Nas palavras do Leão, porém, sentia que podia confiar. Mais do que isso, algo lhe dizia internamente que podia confiar em qualquer coisa que Aslam dissesse ou pedisse; suas palavras exalavam Verdade.

— O que é aquilo? – perguntou o homem, acenando com a cabeça para a direção das torres brancas.

— Nosso destino. Cair Paravel, onde governa o Grande Rei Pedro e seus irmãos.

— Não há então um único rei?

— Não... – respondera-lhe Aslam, no mesmo tom sossegado.

Os olhos de Snape assumiram um ligeiro ar de estranhamento e voltaram-se novamente para a direção de antes, tentando imaginar como funcionaria essa espécie de regência compartilhada.

— Tenho planos para você, assim que chegarmos lá – disse-lhe Aslam, finalmente olhando para o homem.

— Do que se trata? – perguntou-lhe Snape, voltando-se também para ele.

— Em primeiro lugar, quero que aprenda a fazer uso da espada e a utilizá-la com sabedoria e coragem, quando a ocasião lhe pedir.

— Posso tentar – respondeu Snape, em tom obediente - Mas eu lhe asseguro que eu seria um péssimo soldado e um completo estorvo no exército do Grande Rei.

Para o Snape de antes, seria impensável dizer tais palavras a respeito de si mesmo. Sempre se considerara talentoso, dedicado e habilidoso para qualquer tarefa que fosse. No entanto, diante do Leão, sentia sua prepotência se esvair e percebia-se cada vez mais fraco, pequeno e limitado.  

— Sua participação nesta guerra não será em campo de batalha – dissera-lhe o Leão – Quero que aprenda o suficiente para defender a si mesmo e a quem mais necessitar de seu auxílio. As outras coisas que destino a você, direi futuramente.

Snape assentiu, em silêncio, voltando novamente o olhar para o horizonte. Seu coração, no entanto, estava inquieto.

— Diga-me o que está pensando, filho de Adão... – dissera o Leão, embora parecesse que já conhecia o que se passava no interior do homem.

Snape inspirou profundamente. Embora tentasse disfarçar, seus olhos denunciavam sua preocupação.

— O que me aguarda, Aslam, no futuro? Que destino eu terei?

— De coisas futuras não se diz a ninguém. O futuro é uma página que ainda não foi escrita. O que lhe digo é que virão provações e também alegrias; êxitos e também quedas. Em alguns momentos, você se sentirá sozinho, mas meu olhar estará sempre em você. De sua parte espero coragem, abnegação e, principalmente, confiança em mim.

— Eu terei... – disse o homem, afirmativamente.

As palavras de Aslam lhe injetaram ânimo e naquele momento ele sentiu que, embora fosse fraco, com o Leão poderia ser forte.

Aslam dirigiu-lhe um sorriso suave e voltou-se para a direção dos homens, dizendo em voz alta e imponente:

— Levantem-se, filhos de Nárnia. Ainda há um longo caminho a percorrer antes que a noite se aproxime.

Os homens se colocaram de pé e, em poucos minutos, já se punham novamente em marcha. Conforme avançavam pela floresta, o céu vespertino se alaranjava, e o sol frio e vermelho começava a se esconder por detrás das montanhas.


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Notas finais do capítulo

Um beijo e até a próxima! :D



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