Pieces Into Place escrita por éphémère


Capítulo 3
Capítulo II


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos, como estãoo??

Primeiro de tudo, gostaria de fazer alguns agradecimentos. Lola Cricket, obrigada por me apoiar desde 2013 nesse mundo das fanfics, por ficar comigo em todos os surtos de criatividade, romances pastelão, surtos em que apagava e restaurava o que tinha postado, e obrigada por continuar me apoiando. Eu te amo demais, e senti muito sua falta nesses, o que, cinco anos? Obrigada pelos reviews, por tudooo ♥
Meus mais sinceros agradecimentos também pra Yeuxpapillon pelos reviews absolutamente motivadores e pelo primeiro favorito dessa história! Ah, e também pelo nome francês que me lembrou de estudar a língua nessa quarentena rs. Sou realmente muito grata, ai ♥
Obrigada também Clenery Aingremont pelo favorito deixado, e obrigada à todas as pessoas que estão acompanhando, VOCÊS NÃO TÊM NOÇÃO DO QUÃO FELIZ ME DEIXAM!!!

Em segundo lugar, gostaria de esclarecer um negocinho pra vocês: eu pretendia postar toda quinta, mas sou uma pessoa terrivelmente ansiosa e aqui estou eu. Acabei de escrever e já vim correndo postar, só porque tô TÃO animada

Deixo vocês com esse capítulo ligeiramente mais comprido, e espero que gostem ♥



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Naquela manhã, Rose não poderia ter acordado mais disposta. Era verdade que o leve puxão em seu joelho remanescia, bem como o hematoma verde amarelado de quando caíra de joelhos na sala e a perspectiva desanimadora das entrevistas. Ainda assim, havia uma perfeita manhã de primavera esperando-a do lado de fora: céu azul, árvores e arbustos verdes, brotos começando a florescer. Até mesmo os gnomos do quintal estavam mais silenciosos.

Vestira uma roupa leve por causa do clima ameno, descera as escadas saltitando, tomara café com os pais aos risos, depositara um beijo estalado no rosto de um Hugo grogue de sono, andara até o carro com leveza por causa da grama fofa, ainda coberta pelo orvalho.

Agora, no entanto, o mau humor puxava suas feições numa carranca.

Para começar, estava perdida. Era noite, e ela avançava por pradarias escuras e intermináveis, interrompidas vez ou outra por alguns arbustos. A estrada que seguia, acidentada e terrosa, fazia o carro chacoalhar e a jogava incessantemente de um lado para o outro. Haviam ainda as grossas cortinas de chuva que a cercavam, limitando consideravelmente o alcance dos faróis e a impedindo de abrir as janelas – e isso se fazia necessário porque as saídas de ar mal funcionavam.

Estava estressada e cansada. Tinha sido mais um dia repleto de fracasso. Suas costas doíam, suas orelhas queimavam, sua cabeça latejava, e o cheiro de sua caderneta – naquele dia num cítrico marcante –, combinado ao interior abafado do carro, fazia seu estômago revirar.

Se tudo aquilo não era um sinal para que ela desse meia volta e retornasse para casa, não saberia dizer o que era. Sabia dizer, todavia, que tomara uma atitude impulsiva e impensada ao pegar aquela estrada, quando o sol ainda se punha. Estava completamente ciente dos arrepios que a percorriam tanto quanto estava da leve falta de ar.

Estava a caminho da casa dos Malfoys.

Cerrando os dentes com força e pisando fundo no acelerador, Rose tentou não pensar nisso, tentou focar de volta na raiva que esquentava o sangue em suas veias, mas em vão. Seu coração, novamente disparado, não permitiria que isso acontecesse.

Apenas a possibilidade de trombar com Scorpius a deixava nervosa, apreensiva, inquieta e até mesmo desesperada. Não fazia ideia do que dizer, o que fazer, como agir. Merda, ela praguejou mentalmente, estou suando. Alternando as mãos no volante para secar as palmas nas roupas, ainda tinha o pé afundado no acelerador.

Não parecia sair do lugar.

Para sua surpresa, ainda com dificuldade por causa da baixa visibilidade, Rose percebeu que o farol de seu carro iluminou algo diferente da estrada e dos arbustos vistosos que compunham a paisagem a mais de uma hora. Diminuindo a velocidade, aproximando-se um pouco mais devagar, ela conseguiu distinguir um arco de tijolos erguendo-se à sua direita, quase que inteiramente tomado pela hera.

Esticando-se para o banco de trás, tateando perdidamente os bancos traseiros uma vez que a luz de teto mal iluminava a parte da frente, puxou a bolsa para si e vascuhou-a apressadamente, em busca de seu celular. Assim que o encontrou, abriu a conversa com Albus e subiu até encontrar as mensagens trocadas quatro dias atrás.

Rose

Tô acabando a lista [21h14]

Acho que vou vomitar de ansiedade [21h14]

Albus

HAHAH, calma Rose [21h16]

Tem o endereço de todo mundo já? [21h16]

O endereço do Scorpius continua sendo aquele de quando eu ia passar os verões por lá, btw [21h17]

Rose

Não [21h17]

Albus

Do quarto dele dá pra ver um arco cheio de planta [21h17]

É um lugar bem simpático, vai lá [21h18]

Ah, você já falou não, foi mal [21h18]

De qualquer forma, ele não mora na mansão Malfoy [21h20]

Rose

Não ligo, Albus [21h29]

Eu não quero me encontrar com ele [21h30]

Albus

Já faz cinco anos, Rosie [21h31]

Rose

E eu ainda não quero ver ele, cabeça de vento [21h35]

Ver ele vai ser a última coisa que farei em vida [21h35]

Albus

Grifinórios... [21h37]

Seria aquele que estava ao seu lado o arco que Albus mencionara? Era improvável não ser, uma vez que seguira todas as direções que pesquisara mais cedo e demorara no mínimo duas vezes mais que o esperado. Dando ré, a Weasley manobrou o carro de forma a direcionar a parte da frente para o arco e atravessá-lo.

A estrada ali parecia ainda pior – os pneus afundavam com ainda mais facilidade na lama escura. Sob a iluminação escassa dos faróis, não podia deixar de concordar com o primo: era um lugar muito agradável. O caminho, adornado por arbustos, em poucos metros se abria para um jardim consideravelmente amplo, que devia ser lindo à luz do dia. Quase invadira um canteiro de flores rasteiras, distraída como estava, e apenas prestou atenção na casa em si quando estacionou ao lado dela e desligou o carro.

Era uma casa muito menor e muito mais simples do que estava esperando; feita dos mesmos tijolos do arco, parcialmente coberta pela mesma hera, algumas das janelas amplas no lado direito se escondiam atrás de uma árvore de folhagens densas, e a varanda de entrada, convidativa, parecia descansar em uma cama de flores.

Cobrindo a cabeça com seu casaco amarelo, Rose trancou o carro e correu em direção à porta de entrada, levando consigo apenas seu celular, sua varinha e sua caderneta com a pena de repetição rápida. Antes mesmo que pudesse encontrar alguma campainha ou aldrava, ouviu passos do outro lado da porta e, em seguida o barulho de algumas trancas. Ela não contou, mas arriscaria dizer que haviam pelo menos três.

Engoliu em seco, o coração acelerado, conscientizando-se repentinamente de cada gota gelada de chuva que escorria pelo seu rosto, pelas suas costas, pelo seu cabelo. Era ele, era ele, era ele.

A porta abriu apenas o suficiente para que uma figura alta e esguia aparecesse, analisando-a dos pés à cabeça. A pessoa estava contra a luz que vinha do pequeno hall de entrada e atingia os olhos de Rose, então não era possível distinguir seu rosto no escuro. No entanto, ela tinha certeza que não era ele. Era uma mulher.

— Boa noite, tudo bem? — Rose cumprimentou com um largo sorriso, respirando aliviada por ter chego ao seu destino e pelo fiapo de esperança que começou a aquecer seu peito, disputando espaço com a apreensão e com o desespero; era sua última chance — Você deve ser a senhora Malfoy! Meu nome é Rose Weasley, prazer.

— Ah, Rose! — Astória abriu mais a porta, recostando-se no batente — É muito bom finalmente te conhecer, ouvi bastante a seu respeito. Scorpius fez alguma coisa?

— Não, de forma alg... Bem, na verdade, não sei dizer — enrubescendo apenas em pensar que Scorpius falara dela para a mãe, Rose respondeu com uma risadinha sem graça — Mas não é por isso que vim aqui. Sei que está tarde e entendo se for um incômodo ou se não quiser falar sobre isso, mas estou escrevendo um artigo e gostaria de entrevistar sua família.

— Ora essa, como é que você poderia incomodar?! Entre, entre, você deve estar morrendo de frio! Encharcada desse jeito, ‘tadinha.

Rose piscou atordoada, quase derrubando o casaco que ainda segurava acima de sua cabeça. Ela não sabia dizer o que estava esperando, mas certamente não era uma recepção tão gentil.

— A e-entrevista é sobre as medidas que o Ministério tomou contra as... contra as famílias de ex-comensais — explicou atrapalhada, num sussurro que de tão incrédulo pareceu apressado.

— Vamos querida, não se acanhe — Astória não deu muita escolha ao esticar o braço e puxar Rose para dentro da casa, fechando a porta logo em seguida. Continuou falando, mas a Weasley já não conseguia mais discernir suas palavras. Seus ouvidos pareciam abafados.

Olhando em volta, viu que encontrava-se em um pequeno hall de entrada, onde mecanicamente trocou os sapatos e as meias por um par de pantufas macias, guardou o casco e secou as roupas com um feitiço de secagem simples. A Sra. Malfoy ainda insistiu que ela aceitasse um casaco felpudo que se encontrava no armário, e não conseguiu encontrar palavras para recusar.

Queria ir embora.

Ela tinha se preparado tanto para aquele momento, principalmente no longo caminho até ali, mas nenhuma das situações que passaram pela sua cabeça se assemelhavam àquela. Astória era alta e esguia, uma figura que certamente impunha respeito e esbanjava elegância, mas seus olhos verdes, grandes e curiosos eram pura divergência – tão acolhedores, tão bondosos.

Percebeu que a semelhança entre Scorpius e a mãe era maior do que jamais imaginara enquanto continuava encarando, o que a deixou ligeiramente assustada. Sempre o enxergara como uma cópia do pai, principalmente por conta dos cabelos claros, da pele pálida e dos olhos ligeiramente acinzentados, mas ele tinha o mesmo formato de rosto de Astória, o mesmo formato de olhos, o mesmo sorriso.

— Sente-se, sente-se! — a morena pediu, gesticulando na direção do sofá — Aceita café, chá?

— Chá, por favor.

— Então chá será — direcionando um último sorriso doce para Rose, Astória desapareceu por um portal quadrado.

Enquanto aguardava obedientemente, Rose observou a sala de estar minuciosamente, do abajur no canto à lareira de mármore. Seu olhar, no entanto, fixou-se na parede acima de sua cabeça, completamente coberta de fotos em família. Sentia-se deslocada, uma intrusa, mas não conseguiu controlar a curiosidade, e quando percebeu, estava analisando cada foto, um brilho característico iluminando cada vez mais seu rosto.

Estar diante de toda a história da família Malfoy não era pouca coisa. Não sabia nem o que processar primeiro. Inevitável e subitamente, ela localizou Scorpius Malfoy, pequeno demais para saber jogar xadrez bruxo, fingindo estar concentradíssimo, as pernas balançando sem alcançar o chão, em uma partida contra a mãe, que por sua vez tinha um enorme sorriso no rosto. Em outra foto, Scorpius, agora um pouco maior, levantava um taco de batedor acima da cabeça, a língua para fora enquanto olhava fixamente para o pai, que jogou uma goles em sua direção; Scorpius errou feio a trajetória da bola e acabou acertando o próprio rosto com o taco, caindo com as pernas para cima. Em uma terceira foto, um Scorpius já adolescente olhava para cima, e abria um enorme sorriso quando seus cabelos, colocados para trás com muito gel, despenteavam-se sozinhos, na mesma bagunça arrumada que Rose se lembrava de ver em Hogwarts.

Eram fotos que contrastavam muito com as de Draco, que estavam logo abaixo. Ainda que alguns registros mostrassem o Malfoy numa vassoura, fazendo um pouso inconstante e apontando o queixo fino para a câmera completamente cheio de si, tudo em seus movimentos parecia engessado, endurecido. Como uma criança mimetizando a pose altiva e arrogante de um adulto. As únicas fotos que registravam um sorriso seu eram as com os amigos de Hogwarts – um sorriso presunçoso e implicante de dar nos nervos de Rose – e as com Astória – um sorriso leve e sincero num rosto jovem de olhos cansados.

— Aqui está, querida — a Sra. Malfoy anunciou, trazendo nos braços uma bandeja pequena, prateada reluzente, com um bule de chá e duas xícaras combinando, estampados de pequenas flores azuis.

Rose aceitou a xícara que lhe foi oferecida de bom grado, e enquanto bebericava um pouco da bebida e sentia todo o seu interior aquecer, ouviu atentamente à história que Astória contava, sobre como aquele jogo de porcelana foi passado de geração à geração em sua família. Seus olhos verdes brilhavam de animação e lembravam Rose de esmeraldas, das plantas naquela época do ano e do Salão Principal quando a Sonserina ganhou a Taça das Casas.

Era uma pessoa tão linda, tão facilmente apaixonável. Não conseguiu conter o suspiro que escapou entre seus lábios e a vermelhidão que inundou suas orelhas, mas ao que parecia, não tinha sido ouvida.

— E como anda Albus? — ela perguntou, levando a xícara aos lábios — Faz muito tempo que não o vejo, e isso que ele prometeu visitas frequentes após a formatura.

A menção à formatura fez Rose engasgar. Colocando a xícara de volta na bandeja, escondeu as mãos para que o tremor nelas não fosse tão aparente quanto parecia.

— Ah, ele está tão bem quanto o possível para um estagiário em Hogwarts. Ainda é muito novo para ocupar um cargo oficial na docência, mas têm ensinado Feitiços para o primeiro ano, enquanto Flitwick não se aposenta de vez.

— Que ótima notícia! — Astória vibrou, quase derrubando um pouco de chá nas vestes — Fico ainda mais feliz que ele tenha conseguido espaço no ramo que queria. E é tão atencioso! Será um ótimo professor. Ele e Scorpius ainda mantêm bastante contato, mas Scorpius nunca consegue me contar todos os detalhes, sabe.

Garotos — Rose comentou, rindo junto da morena — E quanto à ele? O que tem feito?

— Scorpius está na Sede da Liga Britânica e Irlandesa de Quadribol, lá no Ministério. Não sei por que não virou jogador profissional, se quer saber minha opinião. Desde cedo ele sempre foi fascinado por vassouras, e Albus sempre me contou de como ele jogava bem em Hogwarts.

Essa Rose sabia: era porque Scorpius odiava estar sob os holofotes. Em Hogwarts, atuava como batedor, mas ela o vira nas vezes em que o time da Grifinória espionara os treinos secretos da Sonserina, e ele jogava maravilhosamente bem em todas as posições em que era colocado. Parecia realmente ter um dom para a coisa. Chegou a perguntar sobre o assunto para Albus, mas quando se tratava de quadribol, que elevava a rivalidade de suas casas ao extremo, o primo era o mais vago possível.

— E você, querida? Essa entrevista sua tem algo relacionado ao que tem feito?

— Sim, sim! — Rose despertou de seu torpor, colocando um pouco mais de chá em sua xícara, voltando a bebericá-la — Comecei a estagiar no Profeta Diário logo após me formar, e tenho uma coluna pequena na parte das fofocas, mas é maçante.

Astória torceu o nariz, e Rose deu uma golada maior no chá. Será que ela tinha reagido à menção do jornal, ou à menção das colunas de fofoca? Por favor, não me coloque para fora agora, por favor.

— É um pecado uma menina tão bonita e inteligente quanto você desperdiçar seu tempo com uma coluna de fofoca — Rose soltou o ar que não sabia estar segurando e sorriu para a mais velha.

— Eu tento ver de forma positiva, sabe. No auge dos meus dezoito anos, zanzava pelo Beco Diagonal buscando todo o tipo de comidas, bebidas e quinquilharias que meus superiores pediam, mas agora pelo menos escrevo. Já entrei em uma situação com os duendes de Gringotes que você nem faz ideia.

— Não acredito!

E enquanto Rose contava a história para Astória, sentia uma animação crescente em seu peito, que a deixava tão confortável quanto a companhia de Dominique e de Lily Luna. Era engraçado, mas essa sensação, aliada à familiaridade do rosto que pairava diante de seus olhos, fazia parecer que conhecia Astória a décadas.

De fato, uma pessoa facilmente apaixonável.

Bule e xícaras vazias na bandeja prateada sobre a mesinha de centro, caderneta e celular posicionados despreocupadamente ao lado, as duas continuaram conversando, e Rose nem conseguia dizer por quanto tempo foi. Astória tinha até chego a confidenciar à ruiva como era difícil ser a única mulher em uma casa com dois homens, e que por essa razão se dedicara à jardinagem – mal conseguia esperar para mostrar o belo trabalho que fizera na frente da casa, quando a chuva desse uma trégua. Pelo resto da noite, não foi isso o que aconteceu.

Rose soube que Astória trabalhava de casa fazendo designs para fachadas de lojas, cardápios, revistas, e que amava gatos, mas não podia ter um porque Draco era alérgico, e também que sua comida favorita era o sorvete do Florean Fortescue, sem um sabor específico.

Estava tão entretida que não notou a porta de entrada abrindo às suas costas, nem as duas figuras altas que adentraram a casa e chacoalhavam seus respectivos sobretudos escuros para tirarem os respingos da tempestade que os pegou na varanda.

Scorpius notou que havia um casaco diferente no armário enquanto guardava o seu e o de seu pai, mas não deu muita atenção àquilo, nem às vozes femininas que vinham da sala de estar. Tinha visto o carro de lataria escura estacionado nos jardins, e pensou que fosse apenas uma das amigas da mãe fazendo uma visitinha para saber como as coisas estavam.

Antes de ir até lá cumprimentar a visita com os bons modos que seus pais ensinaram, o loiro contornou a sala de estar e foi direto para os fundos da casa, para a cozinha. Estava morto de sede porque quase não tinha bebido água durante o dia – o bebedouro do Departamento de Jogos e Esportes Mágicos quebrara outra vez, e como não levava nenhum tipo de garrafa ou copo, Scorpius teve que visitar os andares vizinhos quando quis tomar água. No entanto, seu chefe não tolerava pausas que levavam mais de 2 minutos, e ralhara ao menos três vezes só naquele dia.

Praticamente esvaziara a jarra enquanto apoiava-se no balcão e pensava na Liga Irlandesa de Quadribol, que vinha dando bastante trabalho nos últimos tempos ao declarar parcialidade na organização das chaves do torneio. Mesmo o representante irlandês do escritório discordava daquilo.

Com a cabeça cheia e o cansaço consumindo seus membros, deixando-os ligeiramente pesados e preguiçosos, Scorpius não deu atenção alguma à forma que seu coração disparou e sua nuca passou a formigar. Havia também algo diferente na densidade do ar, algo que o deixava tão difícil de respirar quanto o primeiro ano nas masmorras de Hogwarts, mas outra vez, descartou aquela hipótese. Devia ser por conta da casa estar fechada enquanto a chuva não cessava.

Afrouxando a gravata, Scorpius entrelaçou os dedos entre os cabelos, que começavam a ficar compridos demais, então tomou seu último copo de água e foi até onde a mãe estava.

O tempo pareceu desacelerar quando colocou os pés na sala. Vira as costas dos cabelos castanho intensos da mãe, que ela constantemente pintava temendo os fios brancos, vira o perfil sorridente do pai, que concordava com alguma coisa que a garota ao seu lado dizia, vira a bandeja reluzente sobre a mesinha de centro com duas xícaras, ao lado de uma caderneta e um celular. Então, vira a garota.

Embora tivesse processado a imagem que suas retinas mandavam ao seu cérebro várias e várias vezes no tempo consideravelmente extenso em que ficou estático, apenas encarando, não conseguia acreditar no que via. Ela estava ali, ela, Rose Weasley, carne e osso, altura mediana, cabelos vermelhos mais curtos do que lembrava mas ainda despontando em todas as direções, feições delicadas, lábios rosados, nariz irritantemente arrebitado, sobrancelhas arqueadas, olhos azul-escuro enormes, misteriosos e eloquentes.

Olhos que moveram-se lentamente e chocaram-se nos dele com a mesma intensidade de uma batida de carro.

Por alguns segundos que mais pareceram uma eternidade, houveram apenas os dois, o silêncio e quatro olhos azuis.

Rose não conseguia respirar direito. O sangue parecia se arrastar em suas veias conforme o frio que inundava seu estômago subia e tomava conta de sua garganta. Tentou ao máximo manter uma expressão calma no rosto, tão amena quanto a conversa que estava tendo com o casal Malfoy a poucos segundos, mas tremia mais que nunca. Ali estava ele, Scorpius Malfoy, esbanjando seus mais de um e oitenta de altura, os mesmos cabelos charmosamente bagunçados, o mesmo rosto de maxilar marcante, lábios atraentes, nariz irritantemente perfeito, queixo fino, olhos azul-acinzentado enormes, doces e curiosos.

Estava tão entorpecida que nem sentiu quando seus lábios se entreabriram e, num tom de voz surpreendentemente controlado, disse:

— Olá, Scorpius!

Visivelmente atordoado, o loiro conseguiu responder apenas com um aceno de cabeça. Rose, no entanto, não conseguia entender aquela reação vinda dele. Estaria atordoado porque pensara ter se livrado dela cinco anos atrás? Estava atordoado porque vê-la conversando com seus pais, em sua sala de estar, o colocava em certa situação de submissão? Estava atordoado porque aquela noite também o assombrava?

— Olá, querido — Astória o cumprimentou, virando-se para olhar para o filho — Sua amiga me fez companhia a noite toda, acredita? É uma graça de menina!

— Isso é ótimo, velhinha — finalmente conseguindo se mover, Scorpius depositou um beijo na testa da mãe e sentou-se ao lado do pai, de frente para Rose — Tudo bem, Rose?

— Tudo, e com você?

— Tudo também — Rose não conseguiu lidar com o meio sorriso que lhe foi direcionado; seus olhos miraram desesperadamente o chão — Deve ter sido difícil chegar aqui com o carro, considerando a chuva que está caindo desde tarde. Deve ter vindo por um motivo importante.

— Isso é verdade — Draco se pronunciou, dirigindo-se a Rose — Que assunto poderia ter feito você vir tão longe?

Feliz por poder focar em algo que não fosse sua incessante tremedeira ou o fato de que Scorpius se encontrava a apenas uma mesinha de distância, maravilhoso naquela camisa social e gravata afrouxada, Rose endireitou-se no lugar e respondeu:

— Vim pedir a ajuda de vocês, e é sobre um assunto que requer esse tipo de formalidade porque gostaria de deixar tudo da forma mais esclarecida possível. Recebi uma proposta de efetivação no Profeta Diário com a única condição de escrever um artigo bom. A ideia que me veio à cabeça foi rápida e confesso que não pensei muito nela, mas gostaria de escrever sobre as consequências da Segunda Guerra Bruxa. Pra isso, preciso do relato das pessoas que mais foram afetadas, ou não será um texto com a credibilidade que procuro. Ao todo, visitei cerca de vinte famílias entre ontem e hoje, fora aquelas que não consegui encontrar, e vocês foram os únicos que se dispuseram a me ouvir. Em outras palavras, minha última esperança.

— Qual foi o seu critério para chegar nesse tema? — a voz de Draco estava ligeiramente trêmula quando cortou o silêncio. Rose engoliu em seco. Sua resposta determinaria tudo.

— Penso que seja uma questão importante a ser levantada, senhor Malfoy. Minha mãe sempre contou como as coisas eram na época dela, e conseguir limpar a ideia antiquada de que nascidos trouxas eram inferiores foi uma enorme vitória. Mas isso têm se repetido, só inverteram os papéis dos protagonistas, entende? E eu não consigo aceitar. Não consigo aceitar que o pensamento de superioridade continue enraizado na sociedade bruxa, como se fosse necessário, natural até, ter alguém sempre por baixo. E pensei que a efeméride de 30 anos do fim da Segunda Guerra fosse o momento perfeito para falar sobre isso.

— Efeméride? — Astória perguntou, piscando de forma confusa.

— É como uma comemoração, mãe — explicou Scorpius. Sempre desconfiou ter atração por garotas inteligentes, mas o golpe que recebeu com aquela explicação fora incapacitante. Não sabia nem como tinha conseguido falar algo. Também sentia o peso de tudo o que pensara no baile de formatura sair de seus ombros — Um aniversário.

Inesperadamente, Draco levantou-se de onde estava e abraçou Rose com toda a força que tinha. Era um abraço desengonçado, torto, mas Rose sentia-se ainda mais aliviada do que quando Astória abrira a porta para ela. Conseguindo livrar os braços do aperto, ela se ajeitou e abraçou-o de volta, fechando os olhos com força. Parecia até mesmo que o Sr. Malfoy estava... chorando?

— Obrigado, criança — disse ele, a voz embargada — Precisávamos de alguém como você.


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Notas finais do capítulo

E entãooo, o que acharam?

Não se preocupem, logo vocês ficarão sabendo o que acontece no baile de formaturaaa - também posso adiantar que mais personagens aparecerão, e a entrevista ainda vai sair, amém Merlim

Espero que tenham gostado, e conto com os reviews, favoritos e acompanhamentos de vocês, meus amores ♥
Beijinhos, até logo ;*



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