Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 35
Capítulo XXXIV


Notas iniciais do capítulo

Oie amores! Bem, eu vou dar uma pequena sumidinha aqui durante uns três/quatro dias, mas assim que eu voltar posto mais um capítulo para vocês! Bem, um feliz natal para todo mundo que está lendo, acompanhando e seguindo essa história doida, tudo de bom para vocês ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789063/chapter/35

CAPÍTULO XXXIV 

 

Discutir o que aconteceria em seguida com Eva parecia um tipo estranho de briga, apesar de existir uma grande compreensão por sua parte, a mulher deixava claro seu posicionamento a respeito do que ele deveria fazer, além de lembrá-lo de que ela não poderia se envolver naquele assunto como ele gostaria; o que ele entendia perfeitamente já que, era uma caída e seu envolvimento em assuntos do Céu ou Inferno era altamente proibido. E também a deixaria em um perigo desnecessário. 

Perigo. Aquela palavra não saía mais de sua mente e cada novo pensamento que se formava em sua cabeça aquela pequena palavra parecia pesar sobre qualquer outro pensamento. Kambriel estava pensando no que poderia acontecer nas próximas horas, não apenas no próximo passo que Lucius daria, mas também na questão da chegada de Gabriel e Miguel na terra; os arcanjos que Kambriel tanto tentou evitar durante seu tempo transfigurado na terra. Ele recordou-se da oração que fizera uma hora atrás, na conversa silenciosa e sem resposta que tivera com eles, estranhou a ausência de uma resposta e exatamente uma hora depois, descobrira o motivo.  

O rapaz então compreendera o silêncio.  

— Honestamente, eu não me sinto nada pronto para o que está por vir — O arcanjo confessou, sua voz soava pesada e levemente falha, Eva o olhou com um pouco de tristeza e certa compreensão. — É estranho para um arcanjo, eu sei, mas parece que estou rumando um caminho completamente desconhecido.  

Ela assentiu lentamente.  

— E realmente está, nunca um demônio trouxe à tona ou fez qualquer menção de tentar seu direito ao inferno com um herdeiro — Disse ela, os braços cruzados contra o peito. — Tanto o Inferno quanto o Céu não esperam que algo assim aconteça. 

— Eu gostaria de tê-la como aliada, mas jamais a colocaria nesse tipo de situação. — Ele bufou, sentindo que seus ombros pareciam cada vez mais pesados.  

— Acredite, eu ficaria do seu lado, mas mesmo que quisesse fazer parte dessa loucura toda, meu direito acabou por completo dessa vez. — Ela contou, passando a mão pela cabeça e respirando fundo. Ele a encarou confuso e Eva logo se prontificou a tirar sua dúvida. — Quando fui para o inferno cobrei um favor que Eligus estava me devendo há tempos, ele me levaria de corpo e — Ela gesticulou para si mesma. — Em segurança para aquele lugar e eu... Daria o que restou de minha essência como demônio. Ou seja... 

— A sua real aparência e permissão para... — Kambriel finalizou a fala dela mais rápido, olhando-a com tristeza e espanto. — Eva por que?... 

Ele estava começando a querer se lamentar, mas ela foi rápida em cortá-lo antes mesmo que ele começasse com isso. Eva ter dado a Eligus sua real aparência demoníaca significava que ela era apenas humana agora. Viveria todos os seus dias em terra, envelheceria como um humano normal... Ela perdera tudo. E agora de maneira definitiva.  

O acordo que fizeram antes caiu por terra e, ela não poderia mais ter uma chance de retornar à sua antiga vida. Não agora quando tornara-se uma humana. 

— Está tudo bem, Kam. — Ela mostrou um sorriso sincero ao respondê-lo. — Eu fiz isso sabendo o que perderia e sinceramente, faria de novo se fosse necessário. Sei que Alana é muito importante para você e por isso mesmo não me arrependo nem um pouco da decisão que tomei. Ela precisava de ajuda e tomei a decisão necessária para tirá-la do inferno a tempo, está tudo bem.  

— Mas...  

— Kambriel. — Ela novamente o interrompeu. Seu tom agora era mais firme, como se estivesse pronta para dar a ele uma de suas broncas. — Você só vai se preocupar com Lucius, os dois arcanjos que estão vindo e na proteção de Alana. Eu não sou mais sua responsabilidade e nosso acordo não existe mais, mas vou te ajudar no que puder.  

Houve uma grande relutância por parte do rapaz em aceitar que aquele seria o destino final de Eva; não mais uma caída, mas sim uma humana. Completamente mortal. Ele cogitou a ideia de tentar conversar sobre o assunto, no que poderia fazer para que ela conseguisse uma audiência, mas ele bem sabia que seria um tempo perdido para ambos; apesar de sempre ter deixado muito claro que detestava sua vida terrena, seria ali que ela viveria e Eva não parecia muito incomodada com aquilo como antes ficaria.  

Ao menos não como Kambriel estava. Lentamente ele assentiu, finalmente aceitando que não mais falariam sobre o assunto da mortalidade de Eva e do fato de ela nem mesmo ser mais um demônio caído. Seus pensamentos de voltaram para a questão que lhe atormentava antes de eles terem aquela conversa: O que fariam?  

— Vamos nos concentrar em Lucius. — A mulher pediu, forçando-o a voltar para o assunto que mais lhe atormentava a mente. O pai de Alana.  

Havia sim muito o que pensar, não apenas na questão da paternidade de Lucius, mas no poder que ele tinha; príncipe do Inferno. Lembrou-se com pesar e, agora com uma herdeira. O demônio não hesitaria em usar de sua força total para conseguir o que planejava, poder e destruição e, com Alana como sua herdeira essa reivindicação ao domínio do Inferno gerava uma situação na qual um verdadeiro caos se estendia. Poder Lucius tinha, uma certa influência por ser o segundo e pertencer a alta hierarquia, ele já conseguia influenciar demônios para causar todo o terror em Grória, o que conseguiria de ajuda se anunciasse que queria reinar

Aquele pensamento — ainda que não fosse tão real assim — causou nele um forte tremor, um tipo de medo que ele só sentira séculos atrás. Quando o homem causara sua própria destruição. Ele nem mesmo conseguiria imaginar o que aquele demônio poderia fazer com uma cidade pequena como Grória se achasse necessário.  

— Precisamos ser espertos com o que virá agora, — Constatou Eva de maneira pensativa. — Eu sei do que aquele louco é capaz de fazer e agora que sabemos sobre a ligação que ele tem com Alana e com tudo o que aconteceu aqui, é inegável que ele virá com força para conseguir o que bem quer. Especialmente agora com ela sendo sua herdeira. 

— Acha que ele pode conseguir aliados? Mesmo que tenha quebrado as regras? — Questionou aflito.  

— Lucius a possuiu e conseguiu levá-la ao Inferno, ele não precisa de ajuda, mas trará aqueles que quiserem participar apenas pelo prazer de causar destruição por onde passar. — Ela o encarou. — Ele fará o que for preciso e você vai precisar fazer também para impedir o pior.  

O rapaz assentiu. Sabia que aquilo significaria lutar pela segurança não só de Alana, mas de toda a cidade que serviria de cenário para aquela briga. Mas aquele simples pensamento, de uma briga, o assustou. Kambriel imaginava que sua missão na terra seria mais simples, encontraria o responsável pelos ataques na cidade e o castigaria, nada além disso. Ele nunca imaginou que estaria se envolvendo e diante de um cenário como aquele; um demônio com uma herdeira, uma possível guerra pelo domínio do inferno... Nada disso estava em seus planos! 

Pensar que, estava prestes a entrar em uma briga maior do que se podia imaginar causava em suas costas um formigamento ansioso, seu lado guerreiro mostrando-se pronto e confiante para aquele tipo de briga. Apesar de ele como humano, não estar nada preparado para aquilo.  

— Me preocupa que ele queira usar a cidade contra você — Alertou Eva, a mão estava sob seu queixo enquanto ela mantinha o ar pensativo. — Ele sabe que preza pela vida dos humanos e que você jamais sacrificaria uma cidade inteira por apenas uma vida. Lucius vai querer usar isso contra você.  

Aquilo era uma verdade que ele jamais refutaria. Desde que pisara na cidade ele tinha em mente que salvaria toda a cidade daqueles ataques e do demônio que estava por trás do feito; mas Kambriel não tinha imaginado que chegaria a um tipo de impasse onde o peso na balança seria entre a cidade e Alana.  

— Tenho que encontrar uma maneira de fazer isso sem que vidas inocentes sejam perdidas... Se uma guerra começar por causa disso, não pode acontecer aqui em terra— Ele murmurou, dando as costas para a mulher e caminhando pela sala. Olhou brevemente para a porta que dava acesso ao jardim e viu a silhueta de Alana nos fundos, ela se oferecera para deixá-los a sós com a desculpa de não querer se envolver naquela conversa, mas o rapaz sabia que ela queria apenas um momento sozinha para pensar a respeito de tudo.  

Seus olhos desviaram-se dela rápido, em sua mente imaginou três caminhos diferentes se estendem para ele. Cada um com consequências e finais bem diferentes, o segundo, aquele que mais lhe parecia lógico e simples, o assustava. Era uma decisão simples, porém cruel e dolorosa para ele; entregar Alana e deixar a cidade segura, não se envolver na briga de Lucius e voltar para seu lar. A consequência seria a guerra que Lucius traria do inferno por ter uma herdeira legítima, um assunto que não envolveria os humanos completamente, mas que mesmo assim os deixaria na linha de fogo.  

Os outros dois caminhos envolviam decisões mais difíceis, um deles, o primeiro em que pensou, era dele envolvendo os dois arcanjos líderes que estavam para chegar. Levaria o caso para eles e assim, eles levariam aquele caso para os Juízes, e um tipo de julgamento aconteceria; não por Lucius estar causando os ataques na cidade, mas pelo seu envolvimento físico e emocional com uma humana — o que gerou uma criança herdeira —, mas nessa decisão, a consequência não cairia apenas em Lucius, Alana também receberia julgamento por ser sua herdeira e seria punida também.  

O último era ainda mais simples. Kambriel o enfrentaria antes de ele tentar ou pensar em agir, o mataria e tudo enfim acabaria. Teria apenas de enfrentar os dois arcanjos líderes, mas isso seria a parte fácil e lutar também. Até porque já fizera isso centenas de vezes antes, mas por mais simples que enfrentar Lucius lhe parecia, algo naquela decisão dizia para ele não fazê-lo.   

— Quanto tempo acha que temos, até que os arcanjos estejam aqui? — A pergunta de Eva o tirou de seu breve momento de devaneio, o rapaz virou-se para olhá-la.  

— Sinceramente, eu não faço nem ideia. — Deu com os ombros, sentindo-se tenso com a ação feita. — Mas em vista da situação e de que fora um demônio a chamá-los, provavelmente farão de tudo para chegar o quanto antes aqui. Falei com eles antes, não houve resposta, o que indica que não estão mais no Céu. 

O rosto de Eva — agora totalmente humano — ganhou uma fisionomia estranhamente tranquila, seus olhos estavam bem abertos mostrando uma tensão que não fazia sentido existir ali e sua boca estava com os lábios frisados. Ela pensara em algo.  

— Bem, independente de quando vão chegar, é uma certeza de que estarão aqui. Eu tenho uma sugestão, ela é bem simples até, mas envolve uma consequência que sei que não irá gostar nada. — Alertou, Eva deu alguns passos para se aproximar de Kambriel. Bloqueando parte de sua visão de onde Alana estava; isso não adiantou muito. — Eu imagino que não queira entrar em uma briga com Lucius, não diante de tudo o que já aconteceu e acho que você não precisa fazer isso. Quando os dois chegarem, leve o caso de Lucius a eles. 

Kambriel ficou completamente imóvel ali e calado, apesar de saber aonde Eva chegaria com sua ideia, ele não sabia como respondê-la. Não quando ele mesmo pensara nessa possibilidade.  

— Lucius se envolveu não apenas emocionalmente como também fisicamente com uma humana e ela gerou uma criança herdeira nesse relacionamento e não vamos nos esquecer de que ele também arrastou uma humana para o inferno contra sua vontade. — Listou lentamente, citando cada erro de Lucius com um tipo incomum de felicidade; como se ela realmente estivesse na torcida para que o demônio pagasse pelo que fez. — Leve isso a Gabriel e Miguel e eles serão obrigados a levá-lo a julgamento, isso é o suficiente para que os Juízes o condenem, os ataques irão parar e mais nenhuma pessoa será morta! 

O arcanjo assentiu, notando com clareza a leve animação de Eva em seu tom de voz; ele compreendia aquilo, ela compartilhava o sentimento de querer acabar de vez com aquele caos que se estendeu pela cidade. E além disso, a ideia sugerida dava a Kambriel o que ele tentava evitar: Brigar com o demônio.  

— Eu pensei nisso também — Confessou, os olhos azuis do arcanjo encontrando os da mulher. — E acredite, me parece uma opção mais segura para acabar com tudo, mas isso implicaria em levar Alana para julgamento também.  

O peso que ele sentiu em dizer aquelas palavras em voz alta o deixaram com uma sensação de estar curvado, seus ombros se encolheram e caíram para frente; como se ele realmente estivesse se curvando.  

— É, eu sei disso. — A mulher assentiu. — Acredite, eu também não gosto de pensar nisso, mas é a nossa melhor opção no momento. E também acredito que os Juízes irão mostrar misericórdia com ela, Alana não tem envolvimento direto com os atos do próprio pai, e muito menos tem interesse em ser reconhecida como sua herdeira. Eles irão julgá-la, mas não dá mesma maneira como farão com Lucius.  

Por um momento, ele ficou a imaginar aquela situação acontecer. Teriam Lucius em julgamento e seu destino seria ditado pelos Juízes, mas então seria a vez de Alana e bem, apesar de Eva lhe dizer que eles seriam misericordiosos com ela, Kambriel não tinha essa certeza. Não quando ela se envolveu demais em uma missão do Céu, não quando ele se envolvera com ela bem mais do que gostaria.  

Estaria ele sendo egoísta por realmente cogitar aquela ideia? Por ter pensando nessa possibilidade e em uma Grória em paz outra vez?  

— Preciso falar com ela antes. Avisá-la, não quero ter a sensação de estar traindo-a — Avisou, voltando seus pensamentos para a moça sozinha no jardim. A humana que estava tendo seu momento a sós com os próprios pensamentos para melhor situar tudo o que acontecera. — Eu quero pedir sua permissão para tomar essa decisão.  

A boca de Eva se abriu em um claro sinal de protesto, ela estava pronta para falar algo, mas então fechou-se e ela o encarou mais seriamente. Foi então que pareceu entender algo nas entrelinhas e assentiu devagar. 

— Eu entendo. — Disse ela. — Mas também precisa se preparar caso ela não concorde com isso, se Alana se negar a participar, então será a briga pelo Inferno ou talvez até algo ainda pior. Precisa estar preparado para essa possibilidade também. 

— É, eu sei disso.  

O rapaz estremeceu com aquela possibilidade. Como arcanjo era um guerreiro, sua natureza original era essa, batalhar em prol da vida humana e também em prol do Céu, mas naquele momento, aquela possibilidade de entrar em guerra com o demônio não lhe agradava e tão pouco parecia agitá-lo como antes. E ele sabia o motivo de tal sentimento.  

— Bem, eu vou deixar vocês dois sozinhos, — falou, a mulher olhou para o chão durante segundos curtos e então olhou novamente para o arcanjo. — Eu realmente gostaria de ajudar com isso de forma mais presente, mas... 

— Eu entendo, Eva.  

A mulher balançou a cabeça.  

— Se achar que Gabriel e Miguel não estarão acreditando em você me use como testemunha — O preveniu. — Não posso me envolver, eu sei disso, mas eles serão forçados a me ouvirem também.   

Kambriel assentiu devagar, seu corpo se agitou.  

— Tem certeza disso?  

— É claro! — A mulher sorriu com convicção. — E me avise se ela não concordar, vou cuidar dela enquanto... — Eva nem mesmo conseguiu terminar a frase, porque assim como Kambriel, seu desconforto em pensar em uma guerra na terra também a incomodava bastante.  

 

●●●

 

A presença dele, Alana a conseguia sentir com estranha facilidade e, de certa forma até se acostumara com isso e com o que sentia quando sabia que ele estava por perto. Ouviu quando a porta de acesso aos fundos da casa foi aberta e seus passos pesaram sobre o piso de madeira, ele estava ali.  

— Podemos conversar? —A voz gentil de Kambriel a tirou de seus pensamentos imediatamente. Alana piscou, erguendo o rosto e observando a figura masculina e alta do arcanjo a se aproximar do banco de madeira.  

De maneira automática ela se arrumou para que conseguisse dar a ele mais espaço para que ele também pudesse se sentar e ele o fez. Seus corpos estavam próximos, mas existia ainda uma pequena distância que os mantinha levemente afastados do outro. O suficiente para que ela sentisse um tanto estranha.  

A moça percebeu que existia algo de errado nele e não era apenas visível em seu rosto tenso, mas também em seu andar e até na maneira como a pergunta soou. Kambriel estava ansioso, o corpo se encontrava mais rígido e até mesmo parecia maior do que realmente era.  

— Aconteceu alguma coisa? — Ela quis saber, percebendo que ao soltar a pergunta um leve tremor correu por seu corpo. Alana não soube dizer se foi por causa da brisa gelada que soprou ou se era por ter pensado em algo ruim acontecendo.  

O rapaz demorou para respondê-la e isso confirmou suas suspeitas; existia algo de errado.  

— Existe um assunto que quero falar com você, não é sobre o que aconteceu, mas sobre algo que pode acontecer nas próximas horas. — Sua voz carregava uma entonação estranha, apesar de ainda existir a costumeira gentileza de sempre foi possível perceber algo diferente. Ela não sabia dizer o que seria. — Vim falar com você porque isso também a envolve, quero a sua permissão para envolvê-la no que acontecerá.  

Alana piscou e assentiu, não respondeu com palavras porque achou que o balançar de seu rosto já era o bastante para que ele entendesse como um sim.  

— Eva e eu estávamos conversando sobre o que fazer a respeito de Lucius e tudo isso que vem acontecendo e eu tinha a minha frente três caminhos diferentes para tomar, — Ele fez uma pausa e respirou fundo. — Escolhemos um que evita a morte de mais pessoas e uma guerra na terra, mas isso requer a sua participação em algo ainda maior do que descer ao inferno e falar com demônios. 

O cenho de Alana se franziu e ela permaneceu calada, deixando que ele continuasse a falar.  

— Vamos levar Lucius a julgamento, quando os líderes descerem à terra levarei a acusação a eles e seremos todos levados para os Juízes. Acontecerá como uma audiência humana, ele poderá falar, mas como quebrou regras importantes será automaticamente condenado mesmo que tenha uma chance de mostrar seu lado. — Contou, ele não a olhava mais, porém Alana continuava a sentir o peso de seu olhar sobre ela. Já era uma sensação com a qual ela se acostumara.  

— Você quer a minha permissão para fazer isso? Eu concordo, não me importo com o que vai acontecer com ele, só o quero longe de mim e da minha mãe. — Respondeu, internamente, pensar que Lucius seria já condenado pelo que fez causou nela uma momentânea alegria; estaria sendo cruel por sentir-se assim, mas não importava. Lucius matara seu pai, condenou sua mãe ao inferno e matou outras pessoas... Ele merecia aquilo.  

Kambriel mordeu os lábios com força.  

— Não é só isso, Alana. — Outra pausa, essa pareceu mais demorada que a anterior. — Levar Lucius a julgamento significa que você irá para julgamento também. Não receberá o mesmo julgamento que ele, mas por ser filha herdeira de um demônio original da alta hierarquia, eles precisam saber o que deverão fazer com você.  

Os olhos da moça pareceram perder o ponto fixo aonde ela olhava e, durante instantes ela não soube para onde olhar. Piscou incrédula e calou-se por completo, seus pensamentos começaram a se agitar como antes, agora imaginado e formulando o que aconteceria a ela. Alana então se colocou-se pé sem que percebesse e começou a andar pela área do jardim.  

West tentou, usou muito de seu esforço mental para isso, pensar em alguma outra sugestão. Até mesmo cogitou falar sobre o acordo que tinha feito — e que não concretizou — com Lucius, mas sabia muito bem que ele jamais concordaria em aceitar. Kambriel se negaria, provavelmente discutiriam sobre aquele assunto e no final, ele sairia com a palavra vencedora.  

— Eu... Eu vou ser condenada também? — Ela perguntou com medo em sua voz, parando brevemente e virando-se em direção ao arcanjo.  

— Não, mas eles farão algo ao seu respeito. Eva imagina que serão misericordiosos por você nunca ter tido nenhum tipo de contato com Lucius ou com o inferno — Ele fez uma pausa rápida. — Mas honestamente, não sei o que será decidido. Algo assim nunca aconteceu antes. 

Alana estava com as mãos unidas, encontrou-se ali tão tensa que todos seus dez dedos pareciam endurecidos, a respiração ficou entrecortada e rápida. Para ela, parecia muito óbvio o que deveria responder, até porque ela estava quase fazendo um acordo nada parecido com Lucius. Mas aquilo era uma situação bem diferente, até porque seria julgada e estava diante de um destino completamente incerto ali.  

— Aceitando isso, ser julgada também, vai fazer com que esses ataques parem, certo? — Perguntou, mantendo os olhos fixos no rapaz, ele mostrou-se um tanto tenso antes de respondê-la.  

— Bem, de uma forma mais simplificada sim. — Começou a falar, em certo momento ele também se levantou. — A partir do momento em que os arcanjos líderes o levarem para julgamento todo e qualquer demônio que estiver envolvido descerá ao inferno. Eles serão tirados da terra e esperarão até que os Juízes decidam o que fazer com ele.  

Alana assentiu lentamente, cruzando os braços.  

— E nenhuma outra pessoa será morta? Tudo o que aconteceu aqui, vai parar, certo?  

— Sim. — Kambriel concordou com a cabeça.  

A moça suspirou alto, realmente era uma decisão óbvia demais e simples de ser tomada. Ela não precisava pensar a respeito ou ouvir sobre os outros dois caminhos que Kambriel pensou antes daquele. Aquele em questão trazia benefícios para toda a cidade, sem mortes, sem caos... A decisão mais fácil que tomou em sua vida.  

— Tudo bem, eu concordo em ser julgada. — Anunciou depois de um longo tempo calada, sua resposta surpreendeu ao arcanjo, pois ela viu o momento em que seus olhos se abriram em um tipo leve de espanto.   

Kambriel fechou os olhos durante segundos rápidos e logo começou se aproximar dela, ele a segurou pelos braços, olhando-a com intensidade.  

— Deveria pensar melhor sobre isso Alana. É uma grande decisão e, não há necessidade de ser apressada. — Disse, ela imaginou que ele talvez estivesse dizendo aquilo para que ela mudasse de ideia e, se realmente fosse isso, por qual motivo?  

— Kam, eu não preciso pensar ou ver todas as minhas opções com cuidado, eu aceito ser julgada. Se isso for ajudar a cidade então eu topo. — Falou, ela estava realmente decidida e era isso que parecia assustá-lo. — Lucius me contou que se a minha mãe não tivesse omitido sobre minha existência, se ela nunca tivesse me escondido, nada disso teria acontecido. Essas mortes e os tantos ataques que aconteceram por aqui, tudo isso teria sido evitado se ele não tivesse que me procurar.  

Contou, Alana precisou fazer muito esforço para não deixar que seu rosto transparecesse o nojo que sentia pelo demônio.  

— É muito óbvio o que precisa ser feito aqui e sinceramente, acho que seja até justo que meu julgamento aconteça. Até porque, se não fosse por minha causa, ele não teria feito tudo o que fez aqui. — Continuou. West parou de falar quando percebeu que sua voz estava um pouquinho embargada, lembrar-se daquilo e dizer em voz alta pareceu tornar aquela loucura dita por Lucius uma verdade que ela não conseguiria mais se livrar.  

Obviamente era uma decisão importante, até porque diante de algo tão incerto quanto o que lhe aconteceria ela não deixou de imaginar que poderia ser condenada também. Mesmo que Kambriel lhe dissera da possibilidade de eles mostrarem misericórdia, o pensamento de ter um destino como o de Lucius passou por sua mente e se mostrou um tipo de pensamento duro de ser afastado. E ela talvez realmente merecesse aquele tipo de condenação, tudo aquilo aconteceu por sua causa; a morte de seu pai Jacob, a tantas mortes que aconteceram, os ataques... Ela podia não ter participado daquilo, mas tinha grande culpa nisso.  

— Alana... 

— É a verdade! — Exclamou ao interrompê-lo, ela afastou-se dele indo em direção a pequena mureta. — Se existe uma chance de fazer com que tudo isso acabe e ela for me levar a julgamento também que assim seja, não vou pensar duas vezes, não vou ver todas as opções que tenho, não vou fazer nada, além de aceitar isso. Eu aceito ser julgada.  

O rosto de Kambriel adquiriu o que seria uma feição de puro pavor ao ficar em completo silêncio, Alana notou e sabia que boa parte de seu silêncio era por ele mesmo não saber o que iria acontecer no momento em que ela fosse também julgada. Aquele era um sentimento que ambos compartilhavam, mas cada um à sua maneira. Existia sim nela o medo, afinal, que tipo de ser humano seria se não temesse o que poderia lhe acontecer? Mas a determinação por acabar com todo aquele caos se sobressaia sobre aquele sentimento simples e de certa forma, parecia até motivá-la mais a aceitar aquilo.  

Ela não sabia sobre esses Juízes, nunca ouviu seu pai mencioná-los nas vezes em que a ensinou sobre a Palavra e também nunca ouviu nenhuma menção sobre eles de Kambriel ou Eva. Alana queria perguntar sobre eles, sua curiosidade natural a incentivava a formular centenas de perguntas sobre eles, mas diante de tudo aquilo, daquele silêncio e da incerteza do que lhe aguardava nas próximas horas, ela achou melhor deixar sua curiosidade de lado e focar apenas no que realmente importava.  

A segurança da cidade e das tantas vidas que ali viviam.  

— Quero deixar claro que nada disso é sua culpa, Alana. — Kambriel quebrou o silêncio, aproximando-se novamente dela. Seus passos eram firmes, a moça fez menção de abrir a boca para começar a falar, mas antes que alguma palavra pudesse que se seus lábios ele prosseguiu com a fala. — Eu sei o que vai dizer, mas nada disso é verdade. Desde o primeiro momento em que a conheci você apenas se importou com a cidade, estava sempre deixando a si mesma de lado, até ao inferno você foi! — Ele exclamou alto. — Lucius pode ter lhe dito que fez tudo isso por sua causa e... Mas não fique se culpando por isso. Não era você quem atacava a cidade, o sangue que foi derramado nessa cidade não está em suas mãos.  

À medida que Kambriel falava Alana abaixava seu rosto, não por vergonha, mas por simplesmente não conseguir olhá-lo no momento. Muita coisa se passava em sua mente, caminhos que ela poderia ter traçado antes e ela tentou imaginar momentos importantes em que tomou decisões, imaginou o que teria acontecido de diferente se tivesse feito outras escolhas; estaria tendo aquela conversa com ele? Se tivesse aceitado logo de cara o acordo com Lucius, qual seria a conversa que teria com o arcanjo? Estariam se despedindo? Ele tentaria impedi-la? Aquilo não importou mais, lá estava ela.  

— Alana — Pela segunda vez ele a chamou, ela fechou os olhos brevemente, apreciando a forma como seu nome soou ao ser dito por ele. Kambriel segurou seu rosto com ambas as mãos, aquele toque a assustou porque ela não esperava por isso, nesse instante ela estava com os olhos fixos nele; sua ação praticamente a obrigava a olhá-lo e ela o faria mesmo se ele não tivesse feito nada.  

Kambriel nem mesmo precisou dizer algo, o modo como ele a olhou pareceu ser o bastante para que ela compreendesse tudo o que deveria ser dito ali. Lentamente ela assentiu, repousando as próprias mãos sobre as dele e conseguiu — com muito esforço — esboçar um riso leve e confiante. Foi então que kambriel a puxou ao seu encontro, envolvendo o corpo feminino com os braços largos em um abraço forte e protetor, estando assim tão perto dele, foi possível perceber como as batidas de seu coração estavam aceleradas e fortes.  

Eram batidas ansiosas, não muito diferente de como ela se encontrava.  

Eles ficaram daquele mesmo jeito durante longos minutos, Alana não sentia vontade alguma de soltá-lo porque bem sabia que, no segundo em que fizesse isso, teria de enfrentar de vez o que estava à sua espera; mesmo que ela própria ainda não soubesse o que seria. E, por isso prolongou aquele abraço ao máximo que conseguiu, guardando em sua mente aquela sensação agradável que vinha dele e a paz incomum que sentia invadir seu corpo, mesmo que sua mente estivesse uma verdadeira bagunça.  

— Kam? — Ela o chamou com certa insegurança, sentindo até os dedos de seus pés tremerem devido ao nervosismo que passou a sentir de repente.  

O rapaz a olhou no mesmo segundo.  

— Tem como tirar uma pessoa condenada do inferno?  

Ele franziu o cenho.  

— Você?... 

— Lucius condenou a minha mãe quando a arrastou, ela não está morta, mas é como se fosse uma das almas condenadas, não pode sair do inferno. — Explicou o melhor que pôde, pois contar isso em voz alta, lembrar da situação de sua mãe era uma ferida recente. Algo que machucava bem mais do que esperava. — Tem como reverter isso?  

Kambriel ficou em silêncio tempo demais antes de responder e, isso pareceu um sinal da resposta que ganharia, Alana tentou não pensar no não que claramente sairia de seus lábios, mas foi inevitável. Ela já conseguia até ouvi-lo dizer a palavra.  

— São poucos os demônios que podem fazer isso, condenar alguém. Apenas aqueles que pertencem a alta hierarquia e acredite, muitos dos que vivem no inferno não são almas, mas — Foi aquele mas, aquela pausa tão breve que denunciou a resposta que ela teria. — Não há o que fazer quando isso acontece, não há poder que reverta essa situação. Uma pessoa quando condenada por um demônio da alta hierarquia, perde tudo o que tinha direito quando em terra.  

Alana uniu os lábios com força e fechou os olhos quando sentiu que poderia acabar chorando, não faria isso na frente dele.  

— Ao menos é o que todos nós sabemos. Nunca existiu alguém que quisesse reverter essa situação ou tirar alguém que foi condenado de lá — Kambriel se adiantou em dar aquela pequena esperança para ela. O arcanjo novamente tocou seu rosto, a ponta dos dedos tocando sua pele com carinho. — Há uma infinidade de assuntos e situações das quais desconhecemos, não falo que é impossível, mas ninguém nunca antes tentou algo desse tipo.  

Novamente ele fez uma pausa, respirou fundo antes de continuar.  

— Não quero te dar falsas esperanças ou te iludir de alguma maneira, mas se existe um meio de reverter uma condenação dada por um demônio nunca se ouviu falar sobre isso, sequer sei se pode ser possível ou não. Nem mesmo nós — Ela sabia que ele estava se referindo a si mesmo e aos outros arcanjos e anjos. — Temos conhecimento sobre esse tipo de assunto, apenas aqueles que têm acesso direto com meu Pai, mas podemos tentar encontrar uma forma de tirá-la de lá. Não posso prometer que vamos conseguir, mas acredito que tentar já é alguma coisa. 

A pequena fagulha de esperança se acendeu em seu interior novamente, mesmo que não fosse algo concreto ou uma certeza, ela sentiu-se mais esperançosa de conseguir tirar a mãe do inferno. Mesmo que — de acordo com as palavras de Kambriel — fosse algo que nunca tentaram antes, ela tentaria, lutaria pela liberdade e vida da mãe não importasse o tempo que levasse. Poderia estar velha quando conseguisse, mas, saberia que sua luta não teria sido em vão.  

E, mesmo diante de um futuro incerto no qual estava caminhando, saber que teria Kambriel ao seu lado para tentar livrar a mãe da condenação pareceu ser o conforto que ela precisava, em meio a tanto caos e desgraça, a pequena e quase nula chama da esperança foi o suficiente para acalmá-la.  

— Quem tem acesso ao seu Pai? — Ela perguntou com o cenho franzido, parecia estar pensando em algo.  

— Os arcanjos líderes que estão vindo para cá, na verdade, todos os líderes de suas denominações, Gabriel e Miguel dos arcanjos e assim por diante — Ele explicou de forma simples, já parecia saber o ponto no qual Alana queria chegar com aquela conversa.  

— E você acha que eles poderiam concordar com isso? Quero dizer, em tentar encontrar uma forma de reverter a situação da minha mãe?  

— Talvez. — Concordou. — Mas é como eu disse, nunca ninguém tentou isso antes, então pode levar tempo.  

E Alana sabia disso, mas a questão do tempo pouco lhe importava. Se ela conseguisse trazer a mãe de volta para a terra, já seria uma vitória.  

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre o Céu e o Inferno." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.