Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 30
Capítulo XXIX


Notas iniciais do capítulo

Alô vocês, voltei de novo com mais um capítulo, não tenho para falar sobre ele, mas estou bem feliz com o rumo que a história está levando e calma gente, as respostas estão vindo, na verdade próximo capítulo já vamos começar a ter um monte delas!

Boa leitura!



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CAPÍTULO XXIX 

Eva nunca acelerou tanto como naquela viagem de volta para Las Vegas, ultrapassara o limite de velocidade e bem sabia que Alana receberia as inúmeras multas ganhas ao longo daquele caminho; o qual ela não teria de se preocupar, pois iria cuidar de todas. A viagem de volta pareceu mais curta do que a ida, talvez por não ter ninguém dentro do carro pudera correr mais livremente e como Eva correu, chegara em Las Vegas na metade do dia, o sol quente da cidade brilhava mais forte mostrando para todos os humanos um dia mais alegre. A mulher pisou no freio do carro tão forte que sentiu que o veículo teve todos os quatro pneus danificados, nada que fosse um problema ela, pois recompensaria Alana pelo estrago que fizera no carro da moça assim como as multas que levou antes. A força foi usada também para fechar a porta do carro e, seguindo com passos firmes e pesados, ela adentrou ao prédio.  

Ignorando por completo toda a fúria que se acumulava dentro de seu corpo assim como deixou de lado o turbilhão de sentimentos que eram trazidos à tona por estar de volta para aquele lugar desagradável, mas dessa vez em seu interior, a mulher demônio avançava com rapidez. Ignorando tudo e a todos ao seu redor.   

O demônio guarda-costas de Baltazar tentou barrá-la, mas a mulher apenas o ignorou e desviou dele, seguindo em linha reta em direção ao elevador. Percebendo que havia uma destruição no lugar, sorriu satisfeita porque sabia que boa parte dela tinha sido causada por Kambriel. A mão fechada em punho apertou o botão do andar aonde sabia que ele estaria e quase quebrou o painel ao fazer aquilo, o demônio vinha logo atrás, resmungando palavras sem sentido e sendo deixado de lado quando a porta automática do elevador se fechou antes mesmo que ele a alcançasse. A mulher se encontrava tomada por um tipo inédito de impaciência, seu coração batia forte contra seu peito lhe causando um incômodo que não era possível de ser ignorado, ela já sentira assim uma vez, fazia muito tempo, mas o sentimento era ainda muito semelhante.  

Eva olhou para o visor e nem mesmo deixou que as portas fossem abertas automaticamente, enfiou as duas mãos entre o pequeno vão existente entre elas e as empurrou com força, fazendo-as ranger e então quebrar. A demônio prosseguiu com sua caminhada até a única porta daquele andar, seus passos mantinham-se pesados e firmes, tomados pela fúria que, agora já era um sentimento predominante em seu corpo. Sempre imaginara que chegaria um momento em que enfim enfrentaria o bastardo, ela aguardou muitos anos para aquele tão esperado momento e, nunca pensou ou sequer cogitou que, o que a levaria ao seu extremo seria um humano.  

Parte da culpa era sim de Alana, pelo que acontecera, mas Eva viu ali uma oportunidade rara de finalmente fazer o que sempre teve vontade e descontar no demônio toda a raiva e ódio que nutriu durante tantos anos.  

A mulher então chutou a porta com a mesma força usada para abrir a porta do elevador e assim, conseguiu abrir caminho para a sala de Baltazar, todos os anos em que evitou de vê-lo ou até de mencionar seu nome lhe trouxera um benefício, a fúria ressentida por ele trazia em seu corpo um tipo de força incomum; o qual usaria com muito prazer.  

— Baltazar! — Gritou ela assim que passou pela porta caída ao chão, assustando-o pela visita tão inesperada. Sua voz demoníaca não era mais a mesma de tempos passados, porém ainda a sentiu soar quase tão intensa quanto. Assustado, o demônio saltou de sua poltrona, toda aquela pompa desdenhosa e indiferente simplesmente sumiu e, ela percebeu que ele estava preocupado com sua presença.  

Eva aproveitou aquela deixa única para deixar-se ser dominada, jogou a cabeça para o lado fazendo um estalo com o pescoço e então, sua aparência mudara completamente. Naquele momento, toda a fisionomia humana que existia na mulher desaparecera em rápidos segundos e ela trouxera sua aparência real à tona. Seu corpo e rosto pareciam ter sido queimados, ao redor dos olhos a pele estava enrugada e funda, numa mistura asquerosa de roxo, azul e verde. Os olhos estavam amarelos, porém opacos, sem vida. O cabelo que antes era totalmente grisalho agora parecia apenas tufos desiguais em sua cabeça, dando espaço para o par pontudo e alto de cifres que sugiram. Os dentes e unhas estavam pontiagudos, como presas e garras; a mudança de imagem deixou o demônio preocupado e em alerta.  

O sinal de uma futura briga ali fora claro e entendido por ele, o demônio se viu ali encurralado e sem qualquer chance de escapar da mulher e de sua fúria. Eva imaginou que, teria uma reação ainda pior se fosse um demônio como Baltazar, mas, o que conseguira apenas com sua real aparência já era o suficiente para deixá-la com uma sensação de pura satisfação. 

— Eva que surpresa! — Exclamou apressado e não conseguindo esconder o tom temeroso em sua voz, afastando-se de forma discreta à medida que ela se aproximava dele, a postura ameaçadora da mulher e a aparência demoníaca faziam todo o trabalho de intimidação.  

A demônio avançou até ele, o agarrou pelo pescoço usando as duas mãos para segurá-lo com toda sua força. A ação precipitada e rápida lhe dera uma vantagem, pois Baltazar percebeu tarde demais o que acontecera. Eva nada disse, deixou que seu rosto trouxesse a clara expressão de fúria a dominá-la, ela aproveitou aquele momento para extravasar todo o ódio que guardara dele, apertou as mãos ao redor de seu pescoço ao ponto de deixá-lo quase sem ar; sabia que ele não morreria como um humano comum, mas vê-lo se contorcer e sufocar era uma visão deliciosa para ela.  

— Por que Lucius a levou?! — Gritou irritada, olhando para o demônio como se estivesse prestes a matá-lo. 

— O quê? Não sei do que está falando... — Ele começou a falar, mas a mulher rapidamente o interrompeu. Percebendo que iria perder seu tempo se tentasse arrancar alguma resposta de sua boca; bem sabia que Baltazar era fiel demais a Lucius, jamais o trairia assim. Revirou os olhos ao recordar-se disso.  

— Vamos seguir por outro caminho então, quero que preste bastante atenção no que eu vou dizer seu verme desgraçado, porque eu não vou repetir! — Ela afrouxou levemente o aperto para dar a ele um pouco de ar, mas nada que fosse uma brecha para que ele conseguisse se soltar dela. — Você vai chamar por Eligus, trazê-lo para a terra e vai dar a mim o medalhão logo em seguida, simples assim. 

O demônio puxou um pouco de ar e se mostrou incrédulo e surpreso ao mesmo tempo. 

— O medalhão?... Até parece — Murmurou rindo, ainda que estivesse sendo sufocado pelas mãos de Eva. A mulher não deixou que ele terminasse de falar, empurrou o corpo do demônio contra a parede batendo com força sua cabeça, afundando aquela região da parede. Deixando a marca exata de sua cabeça ali, ao redor, o concreto se rachou e alguns pedaços irregulares do mesmo caíram no chão.  

— Eu não fui clara o suficiente? — Grunhiu alto, rangendo os dentes com força e irritação diante a risada do demônio. Eva o trouxe para perto, semicerrou os olhos e então o jogou para o outro lado da sala, ela teve o vislumbre de ver seu corpo escorregar pelo carpete e bater com força em uma mesa repleta de bebidas alcóolicas, a mesinha tremeu fazendo com que algumas garrafas caíssem no chão.  

Espalhando seu líquido e odor pelo lugar.  

Devagar ela se aproximou dele, assistindo com felicidade a cena dele tentar se levantar e falhar em todas as tentativas feitas. Quando estava perto o suficiente dele, o agarrou pelo colarinho de sua camisa e o ergueu do chão, empurrando-o contra a parede mais uma vez, afundando um pouco mais seu corpo no concreto. Com a outra mão ela agarrou seu pescoço pela segunda vez, usando as unhas — garras — para fincar em sua pele, ele soltou o que seria um grito, mas ela apenas reconheceu como um gemido desafinado. Forçou o braço para frente, o pressionando ainda mais na parede, ao redor de seu corpo algumas rachaduras começaram a aparecer, ao ponto de ele começar a afundar ali.  

Demorou, Baltazar ainda relutava em conseguir ar e tentar se soltar, em certo momento ele até soltou suas asas, mas não passou disso, uma ação inútil e de péssima performance. Aos olhos de Eva, ele estava em desvantagem por não ter se preparado para seu pequeno ataque e, conhecia aquele demônio muito bem para saber que, ele não era um lutador tão bom quanto ela. Tinha a força de um bom lutador, mas não sabia como usá-la a seu favor.  

— Eu... Chamo, e-eu ch-chamo! — Gritou depois de longos minutos sufocando. Finalmente cedendo. — M-mas me s-solte... E ent-então eu chamo Eligus... 

— Haha! — Ela riu, mas rapidamente fechou a cara. — Não me faça de idiota! E, se eu fosse você me apressaria, Kambriel está lá embaixo apenas esperando que eu dê a deixa para ele subir e bem — Ela se aproximou novamente dele, deixando seu rosto muito próximo do demônio. — Ele está bem nervoso e nós dois sabemos como os arcanjos ficam quando nervosos... Eu não brincaria com ele.  

A expressão na face de Baltazar se modificou para um medo total e ela o sentiu estremecer com aquela simples possibilidade de ver o arcanjo irritado. Ela sorriu vitoriosa, contar a mentira da presença de Kambriel não estava em seus planos, mas soube que conseguiria o que queria se usasse o arcanjo ao seu favor. E realmente deu certo. Baltazar já enfrentara um arcanjo tempos atrás e, quase fora morto por um, aquele medo que o dominou, não era por Kambriel subir e sim um temor por poder ser morto por ele. E ele sabia que não existia nada ali que o impediria disso. 

— Tudo b-bem!... — Ele concordou, fechou os olhos no mesmo instante e começou a murmurar, a linguagem demoníaca chamando por Eligus saia por entre seus lábios de maneira temerosa, como uma oração mal feita, mas que daria certo.  

Quando o demônio tornou a abrir os olhos, ambos estavam opacos e após cinco segundos voltaram ao normal. Baltazar puxou o ar outra vez para que conseguisse respirar e então olhou para a mulher com a mesma expressão de antes; ainda temendo o que poderia lhe acontecer.  

— Ele está subindo. — Disse sem muitas forças. 

Eva apenas esperou, o que era apenas segundos para o mundo humano, para ela pareceu ser uma eternidade torturante, quando finalmente viu o demônio aparecer, sentiu como se voltasse aos velhos tempos. Aonde estava revendo seus irmãos e iria causar algum tipo de caos pela cidade, para sua infelicidade tudo mudou rápido demais e ver o demônio dos favores não trouxe a ela a mesma familiaridade de sempre, apenas a fez recordar do que estava prestes a pedir a ele.  

Eligus passou pelas chamas da lareira sem se importar com o fogo dali. Parte de seu corpo estava sendo envolto por fogo e queimou parte do carpete aonde pisou, mas assim como ela, ele também não demonstrou nenhum tipo de remorso ou receio por isso; ela sabia que o ódio que ela tinha por Baltazar era um sentimento que Eligus também compartilhava. Eligus trajava roupas mais sociais e escuras, o cabelo ruivo preso em um rabo de cavalo baixo de modo que sua barba e face se tornassem mais visíveis.  

— Eva. — Ele a cumprimentou com um aceno simples de cabeça, exibindo um amplo sorriso amigável para a mulher. — Quanto tempo faz, não é mesmo?  

— Muito. — Respondeu, sorrindo também ao ver o demônio. Diferente de Baltazar, Eva ainda nutria um certo tipo de carinho por Eligus, até porque não fora quem a traiu e nem matou a pessoa que amava. — Mas não temos tempo para conversa, estou com pressa e tenho um grande problema para resolver.  

Eligus inclinou o rosto para o lado e viu Baltazar ser segurado pela mão da mulher, arqueou uma sobrancelha mostrando-se fascinado pelo feito e gesticulou em sua direção para que ela continuasse com sua fala; ignorando completamente a presença do outro.  

— Se lembra que tenho um favor pendente, pois bem, eu quero saber se ainda consigo usá-lo.   

— É claro que sim! O que quer pedir? Sabe que não faço nenhum tipo de restrição, ainda mais para uma irmã. — O homem perguntou, mantendo o tom gentil e sempre ensaiado em seu tom de voz. Todo aquele teatrinho de Eligus sempre a irritou, mas não era momento para se deixar levar por algo tão bobo. 

— Quero que me leve ao inferno, de corpo e... — Ela mostrou o próprio corpo com a mão que estava livre. — Enfim, você entendeu.  

Nesse momento os dois homens demônios tiveram seus olhos arregalados, Baltazar ao entender o porquê de ela ter pedido por seu medalhão e para que ele trouxesse Eligus para a terra começou a resmungar se negando a dá-lo, já Eligus, sua surpresa não era pelo pedido e sim pelo motivo que ela estaria querendo ir até o inferno. Quando todos naquela sala bem sabiam que Eva não podia mais voltar para lá. Não quando era uma caída.  

Estava claro que ele começou a se pergunta o que estaria a levando a algo assim.  

— Eva... — Ele começou a falar, mas ela rapidamente o cortou. Estava com pressa e, sabia das regras, não havia necessidade para ouvi-lo dizê-las.  

— Eu terei o medalhão de Baltazar, terei passagem livre por lá. Você só vai precisar me levar e depois me tirar de lá. — Disse ela após interrompê-lo, ao mesmo tempo ela intensificou o aperto de sua asa sobre o corpo de Baltazar, deixando claro sua cooperação. — Eu sei que não posso ir até lá e entendo todas as consequências desse meu pedido, mas é muito importante! 

Eva se surpreendera consigo mesma, se fosse tempos atrás, até mesmo meses atrás, ela jamais se arriscaria daquela maneira por causa de uma vida humana, até porque quando o fez, Baltazar a tirou de si para sempre. Mas viu no rosto de Kambriel que Alana não era apenas uma humana que estava envolvida naquela história ou apenas uma humana que tinha algum tipo de ligação com toda aquela questão dos ataques e Lucius, compreendia — apesar de ser um sentimento muito antigo — o que o arcanjo estava sentindo em relação a Alana West e mesmo que ele parecia não admitir para si mesmo, era quase impossível de ignorar o que vinha acontecendo entre aqueles dois. E bem, ela o ajudaria a trazê-la de volta. Mesmo que isso implicasse em colocar em jogo mais do que ela já imaginava.  

Eligus passou a mão pelo rosto, tinha os olhos fixos na mulher a sua frente, parecia pensar se deveria ou não tomar aquela decisão. Olhou ao redor, viu a porta da sala derrubada e parcialmente destruída e soube que fora Eva quem fez aquilo, olhou mais além e viu que havia um tipo básico de destruição ali presente, algo que ele sabia que só aconteceria se houvesse um motivo para tal; e realmente existia um.  

Voltou seu olhar para ela e, lentamente assentiu. Concordando com seu pedido. 

— Pegue o medalhão. — Disse ele, enfiando as mãos no bolso de sua calça social para escondê-las. Eva então sorriu aliviada, sabia que se ele não concordasse em dar a ela aquele favor teria de ir ao inferno de outra maneira e, aquela outra opção não a agradava, pois teria de passar por ele, Lúcifer.  

— Baltazar. — Chamou o demônio e esticou a mão em sua direção. Abrindo a palma para indicar o que ela queria que ele fizesse. O demônio arregalou os olhos e franziu o cenho em irritação, fez menção de reclamar, mas no instante em que a mão de Eva fez uma menção simples de sufocá-lo novamente, ele cedeu sem nada dizer.  

Baltazar pegou o medalhão do bolso de sua camisa e o soltou, deixando-o cair em sua mão. O objeto era bem mais pesado do que o medalhão que tinha em sua casa e bem diferente também, nele existiam algumas palavras escritas em um latim antigo demais para que qualquer humano entendesse; Eva não compreendeu o que estava escrito, pois perdera esse tipo de compreensão quando caiu, mas pouco se importava com o que poderia estar escrito ali. Estava em uma missão mais importante.  

— Você sabe o que terá de dar quando voltar a terra, não sabe? — Questionou Eligus, sua voz ainda era incerta sobre levá-la. — Eu não faço as regras, mas depois disso, não teremos e nem mesmo vamos poder ter qualquer tipo de contato, será algo definitivo. 

— Eu sei de tudo isso, Eligus, — Assentiu devagar, sentindo uma estranha tensão em suas costas com as palavras do demônio. — E acredite, eu não estaria fazendo nada disso se não fosse realmente importante.  

Eligus pareceu se convencer e esticou as duas mãos para a mulher. Eva finalmente soltou Baltazar, mas não antes de jogá-lo longe dali, não se importando quando o viu ultrapassar uma janela de vidro e nem aonde ele iria cair, só queria tirá-lo de perto, pois já se sentia vingada por tudo o que houve. A mulher se aproximou do outro demônio, colocou o medalhão em seu pescoço e segurou suas mãos, sentindo quando ele as apertou com força.  

— Não vai ser uma viagem agradável, obviamente já sabe disso, mas queria deixar isso bem claro a você. — A alertou e ela já sabia disso.  

Eva fechou os olhos e logo sentiu seu corpo ser levado para fora daquele mundo. 

 

●●●

 

Alana se lembra de ter despertado muito de repente, ainda estava na cama do hotel em que pararam para descansar durante a noite e por isso estranhou um pouco o cenário que a cercava, demorou para que ela associasse melhor tudo o que havia acontecido no dia anterior e, se lembrar de tudo trouxe uma leve dor de cabeça. Ela sentou-se na cama, sentindo ainda a pequena estranheza por ter dormido com Kambriel ao seu lado, admitia que, ultrapassou um limite ao pedir que ele fizesse isso, mas temia que pudesse ser levada ou ataca novamente.  

Ele não estava no quarto, o que a fez pensar que ele talvez tivesse saído para buscar o café da manhã ou que estivesse conversando com Eva, qual que fosse a opção, ele iria retornar. Alana aproveitou o tempo sozinha para trocar de roupa, lavou o rosto para afastar o ar sonolento ainda presente, escovou os dentes e arrumou o cabelo bagunçado, lembrava-se de ter feito tudo isso como se estivesse em sua casa. 

Mas internamente, ela sentia que havia algo de errado. Olhou no espelho, encarando o próprio reflexo no pequeno espelho que havia pendurado no banheiro do quarto. Tocou o rosto algumas vezes, percebendo-o normal, ainda que levemente preocupado e tenso pelos últimos acontecimentos, mas nada que fosse fora do seu normal. Retornou para o quarto e sentou-se na cama, pensativa sobre como seriam as coisas quando retornassem para Grória, sabia que Kambriel e Eva iriam resolver a questão dos ataques que vinham acontecendo e ela, iria provavelmente se esconder em algum lugar. Pensar nisso trouxe para sua mente algumas outras perguntas que com toda certeza faria para ele, talvez durante o caminho de volta, talvez antes... Ela não sabia quando, mas as faria.  

Seu celular tocou muito de repente a assustando, era uma ligação de Kelory e sabia disso por causa do toque diferente que deixou para seu contato, iria atender, afinal gostaria mesmo de ter uma conversa mais leve com a amiga e tentar se esquecer do caos que seus dias se tornaram, pegou o aparelho do bolso de sua blusa e olhou para o visor aceso, mostrando o nome de Kelory em evidência e a aguardar para ser atendida. Alana estava quase deslizando o dedo para responder a chamada quando parou o que iria fazer, de costas ela não tinha muita certeza se realmente tinha alguém atrás dela, mas sentiu quando o colchão logo atrás pareceu afundar com o peso de uma segunda pessoa ali com ela. 

Imediatamente ficou imóvel e não fez mais nenhum outro movimento. 

Não era Kambriel, até porque teria escutado ele entrar no quarto e muito menos seria Eva, ela não entraria no quarto sem que houvesse uma razão para isso e também não a ouviu entrar. Aspirou o cheiro, se sentisse o enxofre no quarto saberia que seria um demônio ali, mas não tinha nenhum odor ali. Estaria então sonhando?  

Alana sentiu seu corpo ficar tenso e mais pesado, sentada ainda no colchão pensou em algumas opções do que poderia fazer, sair correndo era a que mais lhe parecia lógica e sensata, mas o que fez contrariou todo e qualquer sinal de sanidade que poderia existir nela. Devagar, ela virou o corpo, nada encontrou, mas sentiu um tipo de baque lhe invadir com força, foi como piscar, em um segundo estava no quarto, mas quando piscou, teve um vislumbre muito rápido de Kambriel e Eva parados mais adiante. Os dois a encaravam com olhares distintos do outro, enquanto ele parecia enfurecido e ao mesmo tempo temeroso, Eva mantinha um olhar irritado e ameaçador em sua direção. Piscou outra vez e o cenário mudou rápido demais para que ela percebesse ou entendesse o que raios havia acontecido.  

West levou a mão para a cabeça, pois a sentia doer um pouco mais naquele momento, seu corpo estava fraco e ao mesmo tempo muito pesado. Era como se tivesse sido atropelada por um caminhão e, foi então que percebeu estar deitada em uma cama grande demais. Os lençóis eram de seda e escuros demais, uma mistura harmoniosa de vermelho e preto que, combinava com o lugar aonde estava.  

Era um... Quarto? Pensou com dúvida, apesar da cama ser o único móvel existente. Olhou ao redor, o ambiente era amplo demais, mas sem janelas e com feches pequenos de luzes, não era uma luz natural como o sol ou algo mais elétrico como lâmpadas, Alana reconheceu aquele tipo de iluminação, porque já havia visto algo parecido uma vez, meses atrás quando estivera no... 

— Inferno. — Ela falou a palavra em voz alta e sentiu um arrepio demorado correr por sua espinha deixando-a tensa. Engoliu seco conseguindo perceber muitos detalhes que deixou passar quando acordou. O fedor predominante daquele lugar era um chamariz que já deveria ter identificado logo de cara, a escuridão do lugar, assim como os feches de luzes que iluminavam o ambiente de maneira porca eram dicas mais simples. Ela deveria tê-las percebido antes. — Não!  

Alana deu uma olhada ao redor sentindo-se desorientada durante breves segundos, foi então que pulou da cama rápido demais e começou a correr pelo lugar em busca de alguma saída. Não existia nada ali que fosse vagamente familiar para ela ou que trouxesse algum tipo de conforto, ela via apenas a cama e nada mais que isso. Estava presa em um lugar desconhecido, no inferno.  

Devagar ela tentou pensar no que havia acontecido antes de ela piscar e simplesmente aparecer ali, mas a memória não a ajudava muito. Lembrava-se com perfeição de tudo o que fizera no quarto de hotel e nada mais do que isso, algumas imagens soltas estavam perdidas em sua mente, mas não era nada que parecesse fazer muito sentido para ela. Como isso era possível? Ela olhou novamente ao seu redor, o lugar escuro e tomado pelo cheiro que conhecia bem, estava de volta para o inferno, mas não por vontade própria. Fora arrastada.  

West esfregou a testa e gritou, forçando seus pulmões a soltar o som mais alto que poderia tirar de si mesma. O que quer que tenha acontecido a deixou enfraquecida fisicamente, Alana apoiou as mãos em seus joelhos ao sentir uma tontura fazer com que sua cabeça parecesse girar, suas pernas começaram a tremer e, o pânico lhe dominou. Como iria sair dali? Ela pensou em Kambriel e das palavras ditas por Eva; ele moverá céus e terra para tirar você de lá. Aquele pensamento a fez estremecer, o que poderia acontecer se ele realmente fizesse isso?  

— Imaginei que seu corpo estaria já acostumado, mas acho que fui precipitado. — Disse uma voz suave, Alana praticamente saltou para trás quando uma imagem masculina se materializou de repente, parado ao lado de um dos feches de luz.  

Alana não o conhecia e recuou, olhando mais atentamente a sua aparência. O homem, ou o melhor, o demônio, era alto. Talvez ainda mais alto do que Kambriel, corpulento de forma esbelta e atlética. Seus olhos eram de um tom vermelho vivo e lhe encaravam como se fossem íntimos um do outro, a barba era rala e quase imperceptível, seu rosto era de um formato oval e o queixo pontudo e largo davam-lhe uma aparência estranha e um tanto intimidante. Sua pele era do mesmo tom que a sua, levemente bronzeada, o cabelo escuro estava em um corte moderno; como se isso pudesse fazê-lo parecer mais humano.  

Sua roupa era diferente das que já vira outros demônios usar, não era elegante como Eligus ou humano demais como as usadas por Baltazar; era um estilo próprio e uma mistura incomum de peças leves em tom pastel que combinava com sua pele. Mas os olhos... Alana não conseguia sentir-se confortável com sua aparência pouco humana quando aquele par de olhos vermelhos continuavam a encará-la.  

— Como está aqui de corpo e alma vai sentir alguns incômodos no corpo, como a garganta seca, ou certa desorientação. — O tom casual dele era incrível e seria fácil enganar qualquer humano com quem se esbarrasse. Mas Alana o conhecia para saber lidar com aquele tom manso.  

Sua fala confirmou o que ela já sabia, estava no inferno e foi ele quem lhe arrastou. Lembrava-se de vê-lo no dia anterior, sua aparência era outra obviamente, mas era fácil identificá-lo sem sua imagem demoníaca.  

— Não quero ficar aqui, me leve de volta! — Pediu, sua voz estava alterada, mas não pela fraqueza que sentia e sim pelo medo que lhe dominava. Estar no inferno não era uma estadia agradável e estar ali contra sua vontade intensificava aquele sentimento de que ela não deveria estar ali.  

— Não se desespere — Respondeu ele muito calmamente. Aquilo era uma tentativa de mantê-la calma, mas estava claro que isso não duraria por muito tempo, pois Alana conseguia perceber um tipo estranho de fúria vindo dele. — Fique tranquila, Alana. Você não está em perigo aqui comigo.  

West não se mostrou convencida de suas palavras, apesar de ele não ter tentado nada com ela até o momento, o fato de ela ter sido levada ao inferno e estar ali naquele mesmo instante apenas confirmava seus temores quanto ao demônio.  

— Que droga eu estou fazendo aqui? — Questionou, afastando-se de perto da presença de Lucius, pois não conseguia simplesmente manter-se próxima a ele sem que sentisse o medo que tanto lhe dominava quando o via em seus pesadelos. Mesmo que sua aparência naquele momento estivesse bem diferente da besta que via tentar agarrá-la, Alana não se esqueceria assim tão facilmente do que viu na primeira tentativa que ele teve de levá-la.  

— Não é óbvio? Você está aqui como minha convidada, Alana. Cuidei de tudo para que a sua estadia seja a mais prazeroso possível. — Respondeu muito calmamente, o rosto do demônio estampava uma imagem estranhamente alegre e despreocupada. A moça o fitou com os olhos arregalados, não apenas em surpresa, mas em indignação também.  

— Prazeroso? Você me trouxe até aqui contra a minha vontade! — West esbravejou com força, mantendo a distância segura de Lucius porque não o conhecia como Kambriel ou Eva, mas tinha em mente do quão perigoso ele poderia ser. E ela não se arriscaria. — Você não pode me manter presa aqui contra a minha vontade! Eu quero voltar para a terra!  

Não houve nenhum tipo de reação de Lucius, o homem apenas continuou a fitá-la. Os olhos vermelhos estavam tão fixos nela que, Alana sentiu-se estranha por um momento, havia ignorado o mal-estar que lhe dominava passou a prestar mais atenção no peso que parecia estar sendo jogado até ela através dos olhos dele. Não demorou para que logo se lembrasse de todos os pesadelos que tivera antes, de todas as imagens que viu, de como o viu quando ele por muito pouco não a levou pela primeira vez. Isso, porém, não importava mais. Lucius conseguiu o que queria e ela não entendia o motivo de estar ali, nem mesmo o que ele queria tanto com ela.  

— Eu sei que tem perguntas, muitas e entendo como deve ser difícil para você estar aqui, mas — O demônio fez uma pausa rápida em sua fala, começou a andar pelo estranho cômodo aonde estavam. Tocando os pequenos feches de luz conforme andava. — Quero que entenda que, temos muito o que conversar e ficará aqui até que todas as cartas sejam postas sobre a mesa.  

Alana franziu o cenho, sem entender o que ele realmente quis dizer com aquilo.  

— Digamos que eu sou um homem que gosta do que é justo, quando vejo injustiças acontecendo não consigo me conter e bem, eu preciso agir quando isso acontece. — Complementou, como se tivesse percebido que Alana não estava entendendo sua fala, Alana quase riu quando o ouviu, Lucius falava como se fosse uma pessoa justa ou até mesmo um anjo. Sua fala era mansa e acolhedora, do tipo que conseguiria enganar aqueles que não o conhecessem bem.  

— E me sequestrar até o inferno fazia parte dessa sua justiça? — Perguntou, sentindo que o tom de sua voz estava aos poucos se alterando. — Fala de justiça como se não fosse um demônio, como se suas atitudes fossem boas ou corretas... Eu não tenho nada para conversar com você e quero que me leve de volta para a terra!  

Exigiu, rangendo os dentes com força. Alana deu dois passos para frente, mas logo recuou ao perceber que sua ação a deixava mais próxima de sua presença. Como aconteceu antes, a face de Lucius não esboçou nenhum tipo de reação, na verdade, ele continuou imóvel; era como encarar uma estátua.  

— Não temos? — No instante em que as palavras saíram dos lábios do demônio uma porta foi iluminada no cômodo, era larga e feita de madeira, o que para Alana não parecia fazer o menor sentido ali. O homem gesticulou em direção a ela e lentamente ela começou a se abrir, aos poucos revelando alguém. — Lena discorda totalmente de mim.  

Os olhos de Alana se arregalaram no segundo em que ela viu a mulher entrar naquele cômodo, de repente tudo parou ao seu redor e apenas a mulher parecia se mover. Seus passos eram lentos, hesitantes e sua face mostrava feições de vergonha. West engoliu seco quando Lena parou ao lado de Lucius e ergueu os olhos em sua direção, a encarando com olhar maternal.  

— Mãe?  


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Notas finais do capítulo

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