Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 22
Capítulo XXI


Notas iniciais do capítulo

Olá amores! Como estão nesse calor, hein??
Pois bem, capítulo novo para vocês e aqui teremos um pequeno salto temporal, nada de mais, mas necessário. Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789063/chapter/22

CAPÍTULO XXI 

Quando duas semanas se passaram e Eva ainda não retornara nem mesmo dera alguma notícia de onde estaria a procurar por Baltazar, Kambriel teve certeza de que aquilo iria mesmo demorar bem mais do que pensou. Quando se formou um mês completo e Eva continuou sem dar notícias, o arcanjo já se encontrava tomado por uma ansiedade incomum, estava inquieto e impaciente.  

Piorou quando dois meses se passaram e nada. O arcanjo parecia perder a cabeça lentamente e ele não estava conseguindo esconder isso de Alana. Kambriel parecia desmoronar sempre que ouvia a polícia noticiar a morte de mais pessoas, algumas ele conseguiu salvar, nada que durasse por mais do que algumas horas de descanso para a morte certa, mas ao menos, ele conseguira fazer com que as poucas vidas que conseguiu salvar tivessem uma morte menos dolorosa. Alana havia retornado ao seu trabalho após uma semana longe e encontrou uma maneira de manter o arcanjo por perto, ele bem sabia que ela temia que sua instabilidade quanto as mortes começassem a afetar seu perfeito juízo e passou a levá-lo todos os dias para a lanchonete. Ele agia como se fosse apenas mais um cliente enquanto ela, seguia com seu trabalho e mantinha-se em alerta a cada movimento; sempre de olho e cuidando à sua maneira do moço.  

O rapaz percebia que isso parecia uma ironia ruim da vida, afinal era ele quem deveria estar cuidando dela e não o oposto; mas entendia sua preocupação, apesar de achá-la desnecessária.  

Tudo ruiu ainda mais quando dois meses e uma semana se passaram e não receberam nenhum tipo de notícia de Eva, fosse de sua localização ou de como estaria sua busca por Baltazar. Mas não era apenas isso, a situação em Grória ficou ainda pior, as mortes ganharam um ritmo mais descontrolado, sempre que noticiadas, era sempre mais de duas vidas perdidas; assim como o número de mortos, o número de tentativas de ataques aumentara também e a polícia já não sabia mais o que fazer com isso. A notícia fez com que Bill e o restante dos policiais juntamente com o prefeito de Grória, anunciassem que a cidade estava entrando em estado de alerta e que, diversas mudanças seriam realizadas. Desde os horários comerciais ao horário do toque de recolher que, passaria a ser mais rigoroso.  

A partir das seis horas, todos deveriam estar em suas casas, os serviços básicos funcionariam apenas para os casos urgentes e realmente necessários e apenas a polícia continuaria nas ruas, fazendo buscas, tentando encontrar a todo custo o responsável por tal atrocidade. Apesar de Alana e Kambriel saberem que eles não conseguiriam encontrar o verdadeiro responsável.  

A notícia fez com que o arcanjo saísse mais também, ele mesmo fazendo suas próprias buscas por demônios que estivessem na cidade e, em uma noite se encontrara com alguns demônios, contudo o encontro não durou mais do que alguns poucos minutos, antes mesmo que o arcanjo conseguisse fazer alguma pergunta ou pensar em atacá-los, os mesmos bateram em retirada e não tornaram a aparecer.  

Ele também encontrara com Zarael com quem tivera uma conversa não tão amigável assim. A longa conversa que tivera com o demônio fez com que ele ligasse melhor os pontos, sim, Zarael estava na cidade e o motivo era Alana, estava a vigiando por alguma razão que ainda era desconhecida. Não houve mais tentativas de ataques a West, porém seus pesadelos prosseguiram e agora a atormentavam todas as noites; o arcanjo se viu forçado a fazer vigílias secretas enquanto a humana dormia.  

E isso significava que, ele iria manter-se em alerta com o demônio, pois ele imaginava que seus pesadelos estavam sendo causados por ele. 

Kambriel estava mais cansado que o normal, pouco se alimentava e o corpo humano que carregava aos poucos mostrava-se enfraquecido e tomado por um temor incomum, estava a algumas noites sem dormir direito, pois fazia rondas longas pela cidade buscando por qualquer resposta e também passou a vigiar Alana enquanto ela dormia sem que ela estivesse ciente disso; tentando cuidar dos que estavam desprotegidos e poderiam ser alvos de futuros ataques.  

Aquela noite ele não saiu, o forte temporal que tomava conta da cidade dois dias seguidos era um impedimento e, a ordem dada para a população residente da cidade era para que ficassem em suas casas se protegendo, pois havia uma porcentagem alta de um possível alagamento se aquela chuva não cessasse logo.  

Da janela da sala, o arcanjo observava o lado de fora da casa de Alana, sentindo-se culpado e pesado por não estar conseguindo impedir o que veio parar. Aquela culpa o estava castigando internamente e, ele passou a refleti-la em suas ações, pouco se alimentava e sequer sentia necessidade de descansar; como poderia em meio a um caos que ele deveria parar? Mergulhado em seus pensamentos, ele se perguntava como que conseguia deixar tudo aquilo continuar? Quando foi que se tornou um completo inútil e permitia que as pessoas estivessem morrendo assim?  

Perdido em seus próprios questionamentos e culpa, sequer percebeu a aproximação da humana, Alana o observava de longe, igualmente preocupada com o que acontecia na cidade e claro, com o que vinha acontecendo com o arcanjo, pois estava acompanhando seus temores e mudanças de perto.  

— Kambriel. — Ouvir seu nome ser dito com a voz baixa e gentil de Alana o despertou, ele piscou algumas vezes como se tivesse sido tirado de seu estranho transe e lentamente virou a face em sua direção, a jovem o olhava com o rosto erguido, sua baixa altura a forçava a fazer isso. — O jantar está pronto, vem, vamos comer.  

O chamou. Mas o arcanjo nem mesmo fez menção de se mover, virou o rosto em direção a janela outra vez e ali permaneceu. Brevemente sua mente se distraiu dos pensamentos que lhe importunavam sua mente retornando para a noite em que Alana tinha ido ao inferno, ouvi-la chamar seu nome o fez recordar-se do momento em que passaram durante a madrugada, tais pensamentos rapidamente se afastaram quando ele sacudiu a cabeça numa ação curta. Os afastando com a mesma rapidez em que vieram.  

— Não estou com fome. — Disse sua resposta sem olhá-la. Dando mais uma das inúmeras desculpas que vinha dando nas últimas semanas; sabendo que ela não aprovaria sua atitude.  

Durante um momento ela continuou em silêncio também, olhando para a figura petrificada de Kambriel à sua frente enquanto ele permanecia diante a janela a observar o temporal que acontecia do lado de fora, os clarões dos relâmpagos cortavam a escuridão da noite com certa violência e som estrondoso dos trovões pareciam dispostos a cortar todo e qualquer sinal de silêncio existente na cidade. Era como se uma grande fúria tivesse caído sobre Grória, um tipo de fúria que ele já presenciou antes.  

— Você precisa comer. — Ela o lembra, como uma mãe faria quando seu filho não estivesse se alimentando corretamente. O tom repreensivo e ao mesmo tempo calmo, porém firme invadia seus pensamentos. — Kambriel! 

Pela segunda vez ela o chamou, agora num tom mais firme e também um pouco irritado. Segurou seu braço e o puxou, forçando-o a se virar em sua direção, eles se encararam durante um tempo em silêncio, ele se mostrando surpreso com sua atitude.  

— Você está num corpo humano, precisa se alimentar, por favor. — Declara gentil, ainda que estivesse mantendo a firmeza em sua voz; como se precisasse que ele a levasse a sério. — Eu sei que está assim pelo que está acontecendo e nem consigo imaginar como se sente, mas se você continuar com essa sua estranha greve de fome e cuidados básicos consigo mesmo vai acabar parando em um hospital e, sinceramente, eu não vou dirigir num tempo desse! 

Levou um tempo até que o arcanjo conseguisse reagir, suas sobrancelhas se uniram e uma expressão séria dominou toda a sua face. Meses atrás a preocupação de Alana teria sim causado alguma reação em seu corpo e ele jamais seria louco de encará-la daquela maneira, mas em dois meses muito aconteceu e bem, havia muita coisa acontecendo. Especialmente com ele.  

— Não estou com fome, Alana. — Ele repete a frase anterior, o tom mais baixo nesse momento. Levou alguns segundos para ela reagisse também, seu rosto adquiriu uma feição mais firme e séria também, porém era possível perceber ainda que existia doçura em sua face.  

Os olhos castanhos da humana lhe encaravam como se existisse uma conversa acontecendo entre eles ali, mesmo que nenhuma outra palavra estivesse sendo dita. Foi então que ele foi pego de surpresa, West se aproximou meio passo dele e ele sequer notou quando a mão humana se moveu, só pareceu perceber quando sentiu o toque quente e suave dela a segurar sua mão. O contraste entre suas temperaturas lhe serviu como um aviso de que realmente não estava se cuidando, assim como a sua mão, seus braços e corpo estavam gelados.  

— Por favor, Kam. — Ela pede, chamando-o novamente pelo apelido que geralmente era utilizado por Eva. Bastou um segundo para que as feições na face de Alana se modificassem também, ela não estava mais séria como antes e agora parecia... Ele não soube dizer.  

O toque de sua mão causou uma reação, uma que seu corpo parecia não ter se preparado para receber, o arrepio que sentiu correr de sua nuca até os pés pareceu desconfortável ao primeiro momento, mas foi algo passageiro demais; o que veio em seguida, era agradável. E foi nesse momento que ele voltou ao seu normal, ao mesmo Kambriel de antes que não teria coragem de recusá-la ou tratá-la diferente. Contudo ele não respondeu, nem mesmo conseguiu, ela o interrompeu antes. 

— Eu sei e percebi que isso está te afetando, mas você precisa se cuidar. — Ela diz. — O corpo humano é frágil e mesmo que você seja um arcanjo, enviando do Céu, não quer dizer que está imune ao que o corpo sofre quando não é cuidado como deve.  

Suas palavras ecoavam por sua mente com leveza, mas ele não a olhava no momento. Apenas a escutava com atenção, seus olhos estavam fixos na mão feminina a segurar a sua, ele percebia que, mesmo que houvesse um ser dentro de si querendo sair dali, era aquele toque o segurava. Que parecia mantê-lo pará-lo. Kambriel se perguntou se Alana tinha alguma noção do que estava fazendo com ele naquele momento.  

— Você não entende... — Ele responde num tom muito mais baixo e irritado, mas a irritação não estava sendo direcionada para ela. — Eu não sei o que fazer, Alana! Esse é o problema!  

O arcanjo sabia que se não fosse ela ali com ele, aquelas palavras teriam saído de seus lábios com mais fúria, numa ação rápida ele soltou-se dela e levou as duas mãos para sua face em um sinal claro de frustração. Seu corpo se agitou de uma forma inédita, uma euforia o dominou e seu coração que antes batia num ritmo calmo e conhecido, agora parecia estar sendo martelado contra seu peito, causando-lhe uma estranha dor.  

— Eu não faço a mínima ideia do que fazer, de como parar isso ou impedir que mais pessoas sejam mortas! Eu não sei! — Dessa vez ele gritou, mas fazia questão de mostrar que sua irritação não estava centralizada nela, Alana não tinha culpa de nada do que estava acontecendo, ele sim.  

Ao todo, fazia exatos dois meses que estava na terra. Vivendo como um humano, assistindo de perto mais vidas serem perdidas enquanto não estava fazendo nada para parar aqueles ataques... E quando tentava, não conseguia impedir que a morte viesse sobre as vidas; como pararia algo daquela magnitude quando ele não conseguia sequer impedir os ataques?  

Alana não se assustou com a explosão inesperada do rapaz, ela manteve-se imóvel em seu lugar, seguindo cada novo movimento com os olhos ela deixou que ele se expressar, soltar toda a frustração que lhe dominava e tanto o afligia.  

— Kambriel — Ela o chamou novamente, sua voz agora saindo num tom baixo também; assim como a dele. A humana aproximou-se dele, muito lentamente como se temesse que sua aproximação poderia ser vista como algum tipo de ameaça ou algo assim. Ao vê-la ficar mais perto, o rapaz não se moveu mais, deixou que ela viesse para mais perto e então, fora surpreendido quando Alana levou as duas mãos para sua face, tocando sua pele humana com seus dedos quentes e delicados.  

Após chamá-lo, ela nada mais disse. Manteve-se calada enquanto parecia deixar que apenas suas mãos fizessem o trabalho de conseguir acalmá-lo; mesmo que isso parecesse ser algo completamente impossível naquele momento. Kambriel nunca se imaginou naquele estado, culpando a si mesmo por algo, na verdade, ele nunca imaginou que uma missão que considerou simples causar o que estava causando em sua vida.  

— Sei que está sentindo essas mortes, mas eu também sei que nada disso é sua culpa, você só não sabe o que fazer porque está se culpando por algo que não fez... Está deixando tudo isso te consumir. — Ela começou a falar, suas mãos pareciam apertar seu rosto, mas fazia isso com leveza para não machucá-lo, lentamente seus olhos se fecharam e ele respirou profundamente. Realmente queria se acalmar, sabia que as palavras ditas por Alana não eram apenas da boca pra fora, ela estava acompanhando seu desmoronamento de perto, assistindo suas atitudes autodestruitivas e finalmente resolveu agir.  

Ele agradecia por isso.   

— Você está um pouco pálido — Ela observou com calma quando ele abriu os olhos, levando uma mão para perto de seu cabelo e afastando uma mecha pequena que caia sobre seus olhos. Os olhos castanhos tão fixos nele que, o arcanjo sentiu-se rendido. Teve uma nova certeza, ela não sabia o poder que passou a ter sobre ele e sequer se dava conta de como isso parecia ajudá-lo.  

— Eu poderia impedir essas mortes e nem isso estou conseguindo fazer! Olha só todo esse caos, eu poderia muito bem estar fazendo algo, mas estou parado aqui esperando e nada... — Ele começou a murmurar, mantendo sua voz baixa enquanto lamentava. Internamente, existia uma batalha de extremos acontecendo; enquanto um mantinha-se firme em uma euforia estranha o outro lutava para manter-se calmo. Controlando-se a si mesmo enquanto continuava a se culpar.  

Com seus corpos próximos demais do outro, ele conseguiu perceber que a respiração da humana parecia mais acelerada que o normal, enquanto ela mantinha as mãos quentes sobre seu rosto o tocando de forma simples e gentil. Kambriel piscou e logo notou a mudança na feição de Alana acontecer, seus olhos mudaram a direção e ela parecia estar procurando por algo que estivesse na casa. Num movimento simples e que, o arcanjo sequer percebera, West se afastou dele e a ausência de seu toque fora notada, seu corpo reagiu de uma maneira inesperada; como se dissesse a ele que precisava receber novamente aquele mesmo toque. 

Alana caminhou um tanto sem rumo nos primeiros segundos e então foi em direção a escada que dava acesso ao andar de cima, esse meio tempo foi o suficiente para que ele percebesse que tinha algo de errado e que ela fora a primeira a perceber. West virou-se para ele, os olhos estavam tensos assim como seu corpo e foi fácil perceber isso, durante dois segundos Kambriel franziu o cenho e seus olhos se estreitaram com dúvida, mas então aspirou o cheiro que sentiu e a moça não precisou dizer mais nada. 

Porque ele sabia o que acabara de sentir.  

— Enxofre. — Disseram ao mesmo tempo, o arcanjo estranhando a si por não ter percebido o odor logo de cara; por sequer ter reparado que existia um demônio dentro daquela casa.  

Foi rápido, ele correu até a humana e colocou-se na sua frente, olhando na direção da escada como se procurasse pela presença do demônio que estava no andar de cima. As luzes apagadas daquele andar dificultavam sua visão, mas isso sequer chegava a ser um problema para ele. Seu braço esticou-se em direção a humana, o usando como barreira para que ela não avançasse quando ele dera o primeiro passo, conseguia sentir a presença do demônio a vagar no outro andar e quando deu o segundo passo, pisando no outro degrau da escada, passou a senti-lo o sentiu na sala. Aonde estavam.  

Kambriel não precisou nem pensar em sua ação, quando se deu conta estava puxando Alana para perto e colocando-se na sua frente, a protegendo de uma possível ameaça. Seu corpo se tencionou quando ele viu Zarael parado exatamente no mesmo lugar em que ele estava antes, parado em frente a janela, as mãos escondidas nos bolsos de sua calça social e em seu rosto era possível perceber um riso desdenhoso.  

O demônio estava com as roupas escuras — como era de seu costume — o cabelo longo e liso preso num rabo de cavalo baixo. Estava tudo como antes, porém os olhos... O que percebera chamara sua atenção e ele não gostou do que aquele brilho peculiar poderia significar.  

— Olá, querido irmão. — O demônio o saudou, esticando mais seus lábios mostrando agora um sorriso sarcástico. Seus olhos então se direcionaram para Alana, a moça que estava atrás do arcanjo como se fosse uma criança que precisava de proteção. — Alana, como está?  

— Ele esteve na lanchonete antes — Ela comenta num sussurro baixo logo após ele saudá-la também, apenas para que Kambriel escutasse sua fala.  

O arcanjo não gostou nada da presença do demônio ali na casa de Alana, não quando tinha muito acontecendo na cidade, em sua mente ele procurou por algum motivo plausível para que ele ousasse invadir a casa daquela forma e não encontrou nada. A não ser que o motivo fosse a humana que estava atrás de si.  

— O que faz aqui? — Kambriel avançou alguns passos em direção ao demônio, mantendo o olhar fixo no rosto fino do outro e firmando o próprio corpo, se preparando caso ele tentasse fazer alguma coisa; não contra ele, mas contra a moça logo atrás.  

Zarael também começou a andar, mas em uma direção oposta, tocou a cortina fina da janela com os dedos brincando a textura do tecido e depois tocou em alguns móveis que encontrou pelo caminho, como se analisasse tudo o que existia ali.  

— Estava de passagem e ouvi a conversa de vocês — Contou, olhando para o arcanjo com o mesmo sorriso desdenhoso de antes enquanto prosseguia com sua caminhada. — Admito, foi tudo muito fofo.  

Seus lábios se esticaram fazendo uma curva para cima, em um tipo de sorriso estranho e que, para Alana não tinha nenhum tipo de significado, já para o arcanjo... Aquela simples ação o enfureceu.  

— O que faz aqui? — Ele perguntou outra vez, sentindo que sua voz saiu bem mais firme nesse momento, sentiu quando sua garganta estremeceu quando a entonação de sua voz mudou tão drasticamente.  

Zarael parou de repente, olhou na direção do arcanjo e seus olhos pareceram brilhar em uma expectativa que poderia ser tocada. Seu peito subiu como se ele estivesse puxando o ar para seus pulmões, os ombros também subiram e ele deu um passo para frente, agora em direção de Kambriel. Toda a pompa pretenciosa e superior ao arcanjo era apenas um teatrinho banal e sem sentido, ambos sabiam quem era superior a quem ali.  

— Sei que acha que vim até aqui por causa dela — O demônio apontou na direção de Alana. — Mas só passei aqui para dar um pequeno aviso para você, — Zarael deu mais alguns passos, estava determinado em se aproximar do arcanjo que, sequer parecia intimidado com sua aproximação indesejada. Manteve-se firme, encarando-o com dureza. — As notícias no inferno correrem rápido, muito se tem falado sobre você... E principalmente sobre a humana que de repente decidiu fazer parte da sua missãozinha... — A última parte de sua fala ele sussurrou, pois não queria que West o escutasse. — Melhor começar a prestar mais atenção aonde está se metendo, meu irmão. Está se envolvendo uma briga que não é assunto seu e tem um pessoal que está começando a se irar com isso. 

Parada no mesmo lugar, a expressão de Alana foi de pura preocupação. Ela arregalou os olhos na direção do arcanjo e soube que ela o encarava, sentiu o peso de sua preocupação, mas era algo em vão. Diferente do que o demônio pareceu imaginar, contar a ele sobre existir demônios que estavam falando sobre ele não o incomodou, mas saber que Alana também estava entre esses assuntos... Isso sim o deixou em alerta.  

— Acha que você ou algum deles, vai me intimidar? — Questiona em um tom desafiador, arqueando uma sobrancelha ao encarar o demônio na sua frente. Nesse momento não se tratava de uma conversa entre um demônio e um arcanjo transfigurado num corpo humano e sim entre um arcanjo e um demônio. A mudança era perceptível e o rapaz sabia que Alana percebia isso, principalmente porque agora, os dois conversavam na língua dos anjos. — Minha missão aqui na terra é fazer com que esse caos acabe e é exatamente isso o que irei fazer, irmão. Se isso significar me envolver nos assuntos do inferno que assim seja, mas não pense que vou parar. Não pense que suas palavras ou a de qualquer demônio farão com que eu seja intimidado!

O alertou. Kambriel deu dois passos firmes para frente, fazendo com que o demônio recuasse esses dois passos. Estavam próximos do outro e o arcanjo conseguiria uma vantagem se acaso ele ousasse fazer qualquer tipo de avanço.   

— Deveriam agradecer que estou fazendo isso da forma antiga, porque se dependesse de mim, já teria descido ao inferno e acabaria com tudo isso num piscar de olhos. — Revela, o tom ameaçador e forte de sua voz fez com que suas costas formigassem brevemente, ele sabia que sua fala as atiçou, mas não se mostraria ali. Não com uma humana tão perto. — Trarei a paz para Grória outra vez e não será você ou eles que irão me impedir!  

O par de olhos amarelos do demônio brilharam ainda mais, a expectativa de uma possível briga o atiçou e nesse momento o arcanjo soube que dera uma brecha enorme para ele, mas isso pouco importava no momento. Perceber que bastou que houvesse uma ameaça para que sua compostura retornasse a mesma de dias atrás era o suficiente.  

Zarael abriu um sorriso largo e deixou que uma gargalhada saísse de seus lábios e preenchesse o cômodo, o som não lhe causava incômodo, mas o barulho para os humanos era diferente, ele sabia disso. De esguelha olhou para a humana mais atrás, ela tinha as duas mãos ao redor de sua cabeça, cobrindo seus ouvidos.  

— Eu sei disso e por isso tenho não só observado sua querida humana, mas tenho observado você também e nossa, é mesmo incrível o que conseguimos descobrir quando apenas observamos os detalhes escondidos nas entrelinhas — O demônio endireitou o corpo, adquirindo uma postura ereta e também firme; quase tão ameaçadora quanto a de Kambriel. — Você é um guerreiro Dele, está sempre pronto para qualquer embate, mas sua humana de estimação não. E seria mesmo uma pena se por alguma razão ela voltar a fazer uma visitinha ao inferno, mas ficar dessa vez, não é mesmo?  

Kambriel travou o maxilar diante a ameaça, sua mente e seu corpo sequer tiveram tempo de pensar em uma resposta. O arcanjo simplesmente agarrou o demônio pelo pescoço e o empurrou com força, fazendo-o atravessar a janela de vidro em uma fração de segundos. O som do vidro sendo quebrado e partido em centenas de pedaços rapidamente foi substituído pelo que pareceu um grunhido vindo do demônio ao ser jogado para longe. O arcanjo não deu tempo para uma reação, já estava do lado de fora da casa com uma das mãos a agarrar novamente o pescoço de Zarael enquanto o erguia do chão facilmente. 

— Kambriel! — Ele ouviu Alana gritar do lado de dentro da casa, correu em disparada olhando assustada para a cena que se desenrolava do lado de fora. Em meio aos sons cortantes e estrondosos dos trovões a voz alterada e ainda doce da humana o puxou de volta para a realidade, mas durou pouco, estava irado com a ameaça descarada que fora feita e nem mesmo a voz de West pareceu ajudar a aplacar a raiva que sentia.  

O arcanjo intensificou o aperto de sua mão ao redor do pescoço de Zarael, dificultando sua respiração ao ponto de já começar a deixá-lo sem ar. O demônio, porém, não mostrou intimidação e nem disposição para perder aquela briga, fincou as duas mãos no braço do arcanjo de modo que suas unhas arranhassem sua pele; conseguindo assim fazer com que ele o soltasse. Kambriel afastou-se do outro, sentindo o local onde fora arranhado arder enquanto o demônio se colocava de pé rápido. Olhando para o ser do céu com clara animação e excitação.  

Ele estalou o pescoço e abriu um largo sorriso em júbilo, como se celebrasse por conseguir irritar o arcanjo, jogou parte de seu cabeço para detrás de seu ombro numa ação rápida e quase feminina caminhando muito lentamente em direção ao rapaz. Mesmo que seus passos estivessem sendo dados para cortar a distância entre ele e Kambriel, a direção de seus olhos estavam fixas na janela, aonde Alana estava a assistir a cena sem saber o que deveria fazer. Foi rápido, ao olhar brevemente para a janela e vê-la, seus olhos se voltaram para o demônio que, agora corria e Kambriel não precisou pensar no que faria.  

Correu também, contudo, quando foi atacar o demônio para pará-lo, Zarael foi mais rápido em realizar o primeiro e único ataque. O arcanjo nem mesmo viu de onde ele tirou a adaga, seus olhos apenas registraram o momento exato em que ele a lançou. 

— Kambriel! — Ele ouviu Alana gritar novamente seu nome, mas dessa vez em outra entonação. Sua voz era de puro desespero. 

Seu corpo caiu no gramado molhado quando sentiu a lâmina fina da arma queimar a região que acertou, seu corpo foi dominado por um fogo que parecia queimá-lo de dentro para fora, estava com dor. O demônio parou próximo a ele, agachou-se ao seu lado, mantendo o sorriso de júbilo em seus lábios, tocou o cabo de sua pequena adaga e a afundou mais contra sua pele, tirando do arcanjo um gemido alto e doloroso.  

— Isso é só um aviso, Kambriel. Você não morre, mas a humana sim. — O alertou, erguendo brevemente os olhos quando a avistou sair correndo em direção ao arcanjo. — É melhor ficar de fora desse assunto, ou se preferir, traga seus amigos para a terra, os demônios estão ansiosos por uma nova batalha épica! Mas aconselho que fique de fora, ao menos dessa vez. Caso contrário, ela irá dar um passeio mais demorado no inferno. 

Kambriel rangeu os dentes com força, tentando tirar a lâmina de sua pele.  

— Se tocar nela... — Ameaçou, já quase sem forças e sentindo seu corpo arder ainda mais. A agonia corria por seu sangue o deixando descontrolado.  

— Eu? Eu não vou tocar nela, só a observo, como você já sabe disso — Zarael agachou-se ainda mais ao seu lado, deixando seu rosto mais próximo do arcanjo. — Mas eu não garanto que os demais se controlem... Ainda mais agora, por sabermos que ela é tão importante para você.  

Sorriu vitorioso ao contar o que o arcanjo considerava um segredo importante para si mesmo enquanto pressionava com força o restante da adaga na pele de Kambriel. 

— Se cuide, está bem? E mante um alô para Eva, diga a ela que estamos todos com saudades dela, principalmente papai. — Zombou. Ergueu-se do chão e saiu. Sumindo por entre o breve momento em que o clarão do relâmpago rasgou a escuridão daquela noite e trouxe uma grande luz.  

Kambriel jogou a cabeça no gramado molhado e respirou fundo, segurando o cabo da adaga com força para puxá-lo, mas sequer conseguiu tocar no objeto sem que sentisse os dedos queimarem e seu corpo parecer que enlouqueceria. Tentou uma segunda vez e precisou controlar o grito que por muito pouco quase escapou de seus lábios, seus dedos novamente pareceram queimar e ele soube que não conseguiria tirar a arma de seu peito sem ajuda.  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre o Céu e o Inferno." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.