Lies escrita por Raposinha Marota


Capítulo 1
Lies


Notas iniciais do capítulo

Olá, caros leitores!
Agradeço de antemão pela atenção e espero que possam aproveitar a leitura como desejam.
Estória inspirada na música "Lies" de Will Jay

Desejo-lhes uma boa leitura.

Obs: Se possível, leiam ouvindo a música. Garanto uma experiência muito interessante.



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Correndo pelas ruas iluminadas pelos postes, o som das poças duramente pisoteadas era tudo o que o rapaz se obrigava a ouvir. Ignorando as conversas alheias distantes e o trânsito tranquilo, o que o jovem mais queria era estar só. Queria se perder... Vagar na solidão... Poder se quebrar definitivamente. A corrida continuava interminável, fazendo com que algumas pessoas que assistissem a cena se perguntassem qual era o problema daquele rapaz. Mas não que se importassem. 

Apenas queriam julgar. 

O jovem apenas parou quando sentiu suas pernas quase cederem, tropeçando de forma horrível e quase indo de encontro ao chão molhado, devido à pequena chuva fina, mas constante. Arfando para trazer o mínimo de paz ao seu peito, sua atitude não teve o efeito que desejava. Não era surpresa. Nada do que fizesse poderia retirar aquela faca cravada em seu coração. Nada purificaria o veneno perigosamente guardado e que agora contaminava seu corpo... Sua alma. Não importava o quanto respirasse pesado e o mais rápido possível para repor seu oxigênio. Ele não tinha mais salvação... 

Na realidade, ele não queria mais ser salvo. 

Iniciando uma risada baixa e profunda, o rapaz deixou que a breve loucura transparecesse pela primeira vez. Toda a angústia e a vergonha... todo o medo e o desprezo... Tudo o que guardou nos últimos anos estava cobrando seu preço. Cobrando pelo resto de sua sanidade. 

Tudo havia começado ao final do ensino médio... Aproximadamente três anos atrás. Sem rumo ou ambição, o rapaz apenas estudou para conseguir se formar. Não apenas ele havia feito isso como todos os seus outros irmãos. Nenhum deles tinha um plano e, como resultado, acabaram sem nada ao final do colegial. 

O jovem não tinha amigos. Ele tinha tido colegas de classe. Nenhum deles demonstrou se importar com ele, no fim. Não queriam saber o que faria ou mesmo que caminho trilharia. O rapaz não podia culpá-los. Afinal, nunca sentiu essa ligação chamada amizade, tão conhecida por sua preciosidadeE apesar de saber que nunca teve um amigo, isso o machucou. Trouxe ainda mais um peso em suas costas e uma ferida em sua alma. 

Cobrando-se agora, o rapaz se perguntou por que nunca cogitou a ideia de um curso qualquer, porém, logo lembrou-se do motivo. Sua família nunca teve muito dinheiro. Era o suficiente para sustentá-los, porém, nunca seria o suficiente para financiar um ensino superior. E se a oportunidade fosse dado para ele, seus outros irmãos também deveria receber o mesmo direito. Na época, o rapaz não sabia o que era um empréstimo estudantil. Na realidade, pouco sabe sobre contas bancárias e o sistema financeiro até naquele exato momento. Talvez seu irmão mais novo soubesse, contudo, ele também não havia procurado o recurso. 

E isso levou há, no mínimo, um ano inteiro sem fazer absolutamente nada. Não havia arrumado emprego e nem ao menos ajudava em casa como poderia. Independente se seus irmãos faziam o mesmo, ele se sentia cada vez pior por não sair do lugar. E com o passar do tempo, a situação afundava cada vez mais. Os laços familiares, que já estavam desgastados pelo tempo do ensino médio, partiram-se e foram reatados de forma tão precária e ridícula que podia ser considerada uma comédia. Fingiam se darem bem novamente, fingiam se importar ou que aquele laço nunca tivesse partido... Porém, nenhum deles era cego. Todo sabiam... E era o mesmo para o rapaz. 

E, dentre todos, talvez fosse o que mais sofresse por isso. Sofrendo as piores consequências das provocações, xingamentos e abusos. Era ridicularizado dia após dia. Feito de idiota mais de uma vez. E o pior de tudo era que ele se sujeitava a isso. Aceitava a tudo calado e vestindo uma máscara tão pesada quanto as dores de sua alma. 

Por isso, sua fuga para a realidade patética e o vazio insaciável em seu peito eram suas mentiras. Mentindo ser alguém que não era, por dizer ser especial. Ou mesmo pela mentira de ser um puro samaritano... 

Mentia tanto para que ele mesmo pudesse acreditar em sua farsa. 

Começou a se interessar por moda, usando as combinações mais estranhas para chamar a atenção de alguém. Seu objetivo sempre era alcançado, mas nunca da forma que gostaria. Era julgado... Condenado sem que ninguém o conhecesse de fato. Começou a tocar violão e criar letras profundas. Começou a criar ainda mais falsidades para que os outros se interessassem por si. 

De fato, isso aconteceu. 

Nunca esqueceria aquele fim de tarde, onde um pequeno grupo de pessoas da sua idade se interessou por uma de suas músicas quebradas. O que era uma piada de muito mal gosto para ele, havia se tornado a porta para um mundo que ele temia. Afinal, estava louco por atenção, mas conforme aquele pequeno grupo conversava consigo, perguntando seus gostos e mais sobre si, ele não sabia o que dizer. Sua identidade há muito tempo fora corrompida... Ele mesmo não sabia quem ele era. E assim, mais mentiras eram vomitadas. Pegajosas e convincentes. 

Não demorou muito para que começasse a andar com aquele bando. Dividindo os falsos gostos e tentando ser alguém interessante. Alguém que eles gostariam de se relacionar. Por isso, quando mostrava as novas músicas que criava, em sua maioria, eram letras que não condiziam consigo. Símbolos que nunca havia experimentado ou que nunca acreditou. Assim quando lhe fora perguntado se já havia se apaixonado por alguém, ele mentiu. Dizia que o amor estava longe de alcançá-lo, mas, na realidade, estava sempre a poucos centímetros de si. O rapaz nunca quis admitir, mas uma das pessoas daquele grupo havia capturado mais do que sua simples atenção. Conquistou seu afeto. E a partir dali, aquele sentimento imaculadamente puro o fez se sentir ainda pior. Pelo simples fato de ser quem era... Por todas as suas mentiras e por ser um grande covarde. Mesmo assim, apesar de ser o veneno para sua ruína, era a razão para se manter naquele pequeno grupo social. 

Ele nunca quis enganá-la... Ele nunca quis enganar ninguém além si. Ao menos, era isso que o jovem dizia inúmeras vezes e queria, desesperadamente, acreditar. Ele queria ser alguém, queria que os outros o olhassem como uma pessoa honesta. Queria que aquela pessoa continuasse a gostar dele, sorrindo com aquela ternura que nunca havia recebido antes. 

Mas era tão horrível ser desonesto. Tão desconfortável e tão grotesco... 

E as mentiras não podiam ser mais contidas. Era como respirar. O rapaz conversava sobre diversos assuntos como se os conhecesse de fato. E sua atuação impecável se tornava perfeita. 

Daquele pequeno grupo, o rapaz foi sendo introduzido a outras pessoas. Amigos de amigos ou conhecidos de conhecidos. Mais e mais era jogado contra a parede e forçado a criar mais e mais mentiras. Tudo para manter as aparências. Para correr de suas culpas e insegurança, o rapaz ignorava suas dores. Às vezes, as afogando nas grandes quantidades de bebidas em cada festa. Aqueles que pareciam se importar consigo tentavam impedi-lo. A pessoa que gostava era uma delas, retirando as garrafas e copos de perto de si e sempre buscando trazê-lo a realidade. Contudo, era isso que o jovem queria. Queria nunca mais voltar ao mundo real e encarar seu coração partido e o monstro que esperava pacientemente atrás de si. 

Quando as coisas esquentavam, o rapaz fingia não se importar. Grande parte das vezes, aquelas novas e estranhas pessoas o usavam como bufão. Usavam-no como brinquedo assim como seus irmãos. Fingia não ligar, fingia não perceber ou ver. Outros tentavam defendê-lo e, muitas vezes, questionavam-no por sua passividade. 

“A verdade é que eu odeio conflitos”, era o que dizia. 

“Qualquer coisa, eu vejo isso depois”. 

“Não há nada que eu possa fazer”. 

Sempre as mesmas desculpas... Sempre fugindo da realidade como um covarde miserável. Alimentando sua procrastinação e não demonstrando um pingo de vontade para mudar tudo isso. Não só por não querer... Mas por querer continuar sendo notado. 

Então, preocupados, algumas poucas pessoas do primeiro grupo que o conhecera chamaram para aquele bar isolado, quase vazio para que tivessem privacidade. Confessaram suas preocupações e medos, dizendo milhares de vezes que se importavam com o jovem. Mas não importava o número de vezes que fizessem isso, ele não acreditava verdadeiramente. Por medo de se machucar? Ou por medo de se destroçado pela culpa? Insistentes, aquelas pessoas tentavam ajudá-lo, dando-lhe conselhos e se despondo a fazer o que tivesse em seu alcance. Por um momento, o rapaz deixou sua máscara cair, sorrindo distorcido em uma expressão sem vida. Isso era para ser chamado de felicidade? Receber o apoio daqueles que enganou, sem que eles não soubessem disso? 

“Idiotas”, o rapaz respondeu em alto e bom som. Estava farto. Não conseguia mais manter as sufocantes mentiras que fechavam sua garganta. Não conseguia mais continuar enterrando a dor em seu coração com aquela lama imunda. Estava cheio de si, enojado de seu ser e de seus erros. O monstro atrás de si já tocava seu corpo, queimando as regiões de sua alma e lhe fazendo querer vomitar. 

No fim, ele confessou tudo. Permitiu que aqueles vermes chamados de verdade cobrassem o preço de todas as suas egoístas escolhas. Suas palavras eram tão ofensivas e cheias de ódio que ninguém daquela mesa reconheceu o homem à sua frente. E o discurso tomou proporções imensas. Sendo longa e fazendo com que todos percebessem que nunca, de fato, havia conhecido quem era aquele rapaz de verdade. Ao esvaziar o que há anos ocultou, o rapaz riu loucamente por não sentir nada. Por ver que seu coração continuava vazio e que as dores não tinham partido. Ele não sentia alívio... Não se sentia salvo. 

E sabendo que havia destruído tudo, o rapaz fez o que mais sabia fazer... 

Fugir de tudo o que a vida lhe proporcionara... 

De seus demônios internos e de sua pessoa. 

Devastado, não havia mais nada naquele corpo que não fosse arrependimentos. Vazio, o rapaz encarou os céus nublados, a chuva que caía e a escuridão da noite. Era incapaz de derramar uma lágrima sequer, mas sentia ainda mais um imbecil ao imaginar que aquelas gotas fosse alguém chorando por si. 

 

— Karamatsu! 

 

Parando a alguns metros do rapaz, aquela pessoa, muito ofegante, tentava recuperar seu fôlego com dificuldade. Seu corpo tremia devido ao frio da chuva e das roupas encharcadas. Ainda assim, a pessoa levantou seu olhar e esperou ser correspondida. 

E muito tempo depois, o dono daquele nome lhe atendeu. Como uma casca vazia, o rapaz dirigiu seu rosto àquela pessoa. 

Completamente em pedaços 

 

— Por quê? – foi o que este perguntou. 

— Você não pode simplesmente dizer tudo aquilo e fugir. – a pessoa reclamou, totalmente frustrada. – Não pode simplesmente assumir que vamos aceitar isso. 

— Por que está aqui? 

 

Aquela pessoa, por sua vez, respirou fundo. Com um olhar determinado, ela mostrou-se inflexível. 

 

— Por que eu quero que você seja honesto comigo. 

— Honesto? – riu o rapaz. – Depois de tudo, quer que eu seja honesto? 

— Eu quero te conhecer. 

— Por que você iria querer isso? Por que iria querer ver o podre que sou? Eu já disse tudo, naquela hora. Você viu que sou um egoísta mentiroso, um covarde desgraçado e que tenta fingir ser o que não é... Que espera que um sucesso do destino aconteça para que possa usar isso de consolo e ficar feliz. O que quer ouvir mais? Que sou um completo perdedor? Que sou uma pessoa deprimida e sozinha? Que não sirvo pra nada além de ser chacota dos meus irmãos e de qualquer um? Que sou um lunático por me forçar a acreditar nas minhas próprias mentiras? 

— Chega, Karamatsu! Não é isso o que eu quero! 

— O que você quer, então?! O que você quer de mim?! 

 

O barulho da chuva reivindicou seu direito e se sobressaiu as vozes dos jovens. A força da água havia com que ninguém mais andasse pelas ruas, dando a privacidade que necessitavam. Aquela pessoa, rangendo seus dentes, andou a passos pesados para mais perto do outro que, por reação, afastava-se de forma mais lenta. Na verdade, ele estava com tanto medo que não conseguia ordenar seu corpo para que voltasse a correr. 

 

— O que eu quero é que você me dê uma chance para te conhecer. O que eu quero é poder te ajudar. O que eu quero é você, Karamatsu. Eu quero te mostrar e provar que estou do seu lado. 

— Não... Você... – o rapaz hesitou, mas antes que pudesse correr, seus pulsos foram pegos com força pela pessoa. – Eu menti tanto... Eu não queria mentir desse jeito... Não queria mentir pra você, mas não queria que ninguém soubesse como sou por dentro. 

— Karamatsu... Por favor, me dê essa oportunidade. – a pessoa pediu. – Não apenas eu, mas como os outros. Todos nós nos importamos com você. E mesmo contando tantas mentiras, sabemos que você nos considera de alguma forma... Se não, não teria desabafado daquela forma e muito menos fugido por medo de ouvir nossa resposta. 

— Eu... Eu... 

— Vamos começar de novo? – esta sorriu gentilmente, o que para o rapaz era inimaginável. Porém, muito diferente dele, os olhos daquela pessoa não faziam esforços para revelar a verdade. Aquele olhar sincero e tão significativo conseguiu trazer o que tão desesperadamente tentava obter. 

 

Ele sentiu paz. 

Com a queda das lágrimas que nunca imaginou conseguir libertar, o rapaz abraçou o primeiro indivíduo a lhe estender a mão em toda a sua vida. Chorando alto, escandaloso, não se importou com sua aparência, com a imagem que tentava manter. A chuva seria sua proteção contra aquele mundo, assim como aquele caloroso abraço. Afogando-se em seu choro, o rapaz não soube reagir com aquelas novas emoções e sensações. O alívio, a felicidade genuína, até mesmo o sentimento de ser perdoado. Ele não sabia como lidar com aquela carga gigantesca, porém, não era preciso pensar nisso. 

Quando os jovens se separaram, aquela pessoa lhe sorriu da mesma forma que havia feito na primeira vez que se conheceram. Um sorriso amável. 

 

— É um prazer te conhecer, Karamatsu.


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Notas finais do capítulo

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