Feito de Jade escrita por Bibelo


Capítulo 1
Carregue meus desejos; guie meus pensamentos


Notas iniciais do capítulo

Olha eu aqui nos acréscimos para adicionar a história da tag. Esse mês foi uma fossa total (literalmente falando) e não consegui escrever nada nesse mês, então só saiu mesmo agora junto com uma história para outra tag. Então, ai, desculpa a demora e se tiver erro calma que estou revisando, mas estou postando antes de meia-noite, então não está bem revisado ortograficamente.

Já reviso em ruehreuhruerheu

Mas espero que gostem

O tema de fevereiro é "Pessoas Negras, histórias e cultura". Foi escolhida história Maia, contada por Chel, uma protagonista negra.

Espero que gostem!

Boa leitura!



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— 1 —

Capítulo Único 

::

Carregue meus desejos; guie meus pensamentos

 

Chel nunca havia imaginado que um dia deixaria Eldorado para trás. 

Era um desejo bobo, um sonho desde pequena em desbravar o que havia além da densa floresta que guardava a entrada da cidade lendária. A curiosidade pelo desconhecido foi tanta que não pensou duas vezes antes de trair seu próprio povoado ao acobertar dois falsos deuses. 

Pelo lado ruim quase causaram a Era do Jaguar na cidade, destruição em massa e vários mal entendidos ao longo de três curtos dias; pelo lado bom estavam fora da cidade com ambos rapazes e seu cavalo.

Não possuíam nada além das roupas do corpo e o mapa mental que Miguel tinha para deixar a cachoeira e a entrada da cidade, mapa este que se tornou inútil na primeira “curva errada” e a discussão entre os dois que não levou a nada além de olhos pidões e um Tulio facilmente manipulável. 

Chel achava graça da dinâmica deles, e no momento estava satisfeita que tenha resolvido sua situação com Tulio antes que se enfiasse no relacionamento conturbado deles — mas ainda sentia que Miguel tinha certo animosidade com Chel, mas não o culpava por isso. 

Chegaram à praia depois de longos dias acampando, fugindo de Cortês durante todo o tempo. Acenderam uma fogueira, forraram o chão com folhas de bananeira e conversaram um pouco sobre tudo. As histórias dos roubos e artimanhas dos rapazes, ou mesmo sobre como foram parar no navio de Cortês. 

Chel, por sua vez, se manteve calada observando os rapazes conversando entre si, rindo e relembrando histórias que somente eles compreendiam, ombros se tocando, sorrisos idiotas quando Miguel o empurrou para a areia e se afastou de Tulio que tentou lhe acertar um punhado de areia. 

Chel riu tomando da água de coco, aproveitando a brisa fresca. 

Não demorou para Miguel cair no sono perto do fogo onde preferia ficar, encolhido confortável há pouco menos de um metro da fogueira. 

— Não deveria mover ele? — questionou a nativa com ligeira preocupação. Tulio sequer ergueu os olhos de sua cama improvisada para responder. 

— Ele vai ficar bem. — garantiu o moreno se acomodando nos cotovelos enquanto observava a moça: — Mas e você? E toda essa aventura? Estranha?

— Viajar com vocês é a parte estranha. — admitiu brincalhona. 

Tulio arqueou a sobrancelha, mas sorriu de canto. 

— Nem diga! Miguel e suas trilhas. Ah, tinha que ver como foi no começo e toda sua empolgação. — comentou Tulio gesticulando leve com a mão baixa: — Nos perdemos tantas vezes que já estávamos nos acostumando com a ideia de acampar para sempre na floresta.

Chel riu: — Mas você gosta disso nele, não gosta? — inquiriu ardilosa. 

Tulio suavizou o olhar observando a forma modorra de Miguel deitado direto na areia, ignorando sua cama de folhas ao lado de Tulio. Chel não entendia o relacionamento deles, se era puramente amizade ou alguma coisa à mais. Fosse o que fosse, aquele tipo de olhar era de uma longa e profunda convivência. Era bonito de se ver. 

Quem sabe, com o tempo, não conseguisse fazer parte do que eles eram; isso se Miguel aceitasse sua aproximação de novo depois de seu envolvimento com Tulio durante aqueles três dias. 

Duvidava muito. Miguel era um doce, mas não tolo. 

— Bom, convivi com ele minha vida toda, então impossível não gostar. Mas para ressaltar, todos os problemas e enrascadas que nos metemos foi somente ele. — defendeu-se Tulio deitando finalmente nas folhas, observando o céu estrelado. 

Chel se manteve sentada com as pernas cruzadas, perdida em pensamento. Nessas horas da noite, sozinha consigo mesma, desejava com mais força, deixava seus pensamentos vagarem como ondas, ansiando que chegassem aos deuses sem dificuldades. Foram poucas as vezes que os viu serem coletados, talvez duas em sua vida toda, mas isso nunca a impediu de pensar forte e alto, para que os deuses ouvissem suas preces. 

Não sabia para onde iriam dali, mesmo que o mar não fosse a opção de nenhum deles — principalmente dos rapazes, e Altivo talvez tenha se escondido na floresta e se recusado a sair até negarem a ideia do mar umas dez vezes para ele — a viagem por terra firme ainda era uma opção viável. Longos caminhos requerem longos cuidados, e Chel pedia por suas proteções. 

Como se fosse ouvida imediatamente, ouviu bater de asas suaves se aproximarem dela. Manteve-se imóvel, deixando que o pequeno beija-flor — desbravando a noite tão fora de seu habitat — rondasse sua cabeça, passasse por Miguel brevemente antes de seguir para Tuilo. 

Chel sorriu animada. A presença do beija-flor era mágica, como a dos próprios deuses em sua jornada. Se ajeitou mais disposta, ainda mantendo a leveza em seus movimentos, se não tivesse focada em suas preces não teria o percebido e talvez o espantado. 

Bem, Tulio percebeu. 

— Mas o que? Sai daqui pássaro! — resmungou irritado retirando seu sapato a fim de acertar o beija-flor. Não iria acertá-lo, mas sua determinação deixou Chel desesperada. 

Miguel me mexeu perto do fogo, aproximando-se perigosamente das chamas. Chel olhou dele para Tulio que chacoalhava os braços frenéticos atrás do pobre animal que havia há muito desaparecido na noite. 

Chel foi até ele, ignorando Miguel e segurando os braços de Tulio, nervosa. 

— O que pensa que está fazendo?! — exclamou horrorizada. Tulio a encarou sem entender: — É um animal sagrado, não pode tentar acertá-lo.

— Só estava espantando. — resmungou soltando o braço e jogando o sapato na areia, encarando Chel: — Sagrado é? Aquela avezinha?

— Tamanho não quer dizer nada. — falou ela severa se afastando um pouco. 

Tulio resmungou, mostrando que ouvia, mas foi até onde Miguel estava se sentando ao seu lado, o puxando para perto e longe do fogo. Miguel deitou sua cabeça no colo de Tulio antes que o moreno protestasse e ali ficou. O rapaz suspirou, mas acariciou seus cabelos loiros antes de voltar a encarar Chel.

— Então?

Ela ergueu as sobrancelhas: — Então, o que?

— Não vai contar porquê aquele passarinho é sagrado? — relembrou Tulio claramente debochado. Chel rolou os olhos, mas não se importava em falar um pouco sobre. 

— Conheça a história da criação do mundo, feita pelos três deuses Kukulcán, Tepeu e Huracán? 

A cara confusa de Tulio o entregou antes mesmo que respondesse. Chel suspirou. 

— Como vocês não sabem isso?

— Da mesma forma que você não sabia que o cabelo do Miguel não era feito de ouro. — zombou Tulio num rolar de olhos dramáticos. 

— Como queria que eu soubesse, se nunca vi ninguém com cabelos iguais o dele?

Tulio suspirou, derrotado: — Ok, fala ai desse tal tucururu ai. 

— Kukulcán. — corrigiu ela ajeitando as pernas de forma mais confortável: — Nos primórdios do mundo, existiam três deuses que coexistiam entre si: Kukulcán o deus serpente e senhor dos ventos, Huracán o deus das tempestades e Tepeu o deus que nos deu a forma que temos hoje em dia.

— Durante esses tempos eles se juntaram e criaram a vida dando forma à vales e montanhas, criando suas vegetações e suas águas; os ventos e as chuvas. Depois trouxeram a vida animal para dentro das florestas, na intenção de criar seres que os adorassem. 

— Os animais adoram aos deuses? — questionou Tulio surpreso. 

Chel negou: — Não adoram, e isso os levou a serem castigados pelos deuses a devorarem uns aos outros. 

— Como? Mas foram eles quem criaram eles assim! — indagou Tulio indignado. Miguel se remexeu em seu colo, mas foi logo tranquilizado pelas mãos de Tulio ágeis em seus cabelos. 

— Sim, mas não imaginaram que não seriam adorados, e portanto resolveram criar a nós, os humanos. Precisou de três tentativas até que chegássemos à esta forma. — explicou Chel. 

— Deixe eu adivinhar, eles mataram os outros. 

— Não eram úteis, e por isso foram eliminados. Os quatro humanos que foram feitos eram espertos, adoravam os deuses da forma como gostariam, mas ficaram incomodados com a inteligência deles e os tornou ignorantes ao mundo divino. — disse Chel gesticulando com as mãos levemente: — Por isso vivemos desta forma isolada, esperando o retorno dos deuses para que nossas dúvidas sejam respondidas. 

— Quando você diz feitos, seria do barro?

— Não, os de barro se quebravam facilmente, e os de madeira adoravam a si mesmos. Nós somos feitos de farinha de milho, água e sangue divino. 

— Urgh, sangue. Tudo tem sangue nas crenças de vocês. — resmungou nada empolgado. Chel deu de ombros, não tinha como negar: — Mas o que tem a ver com beija-flores?

— Os animais foram criados para executar funções importantes na natureza, cada um deles com um propósito. Porém, somente quando terminaram todos que perceberam ainda faltar uma função importante sem um animal para cumpri-la, a de transportar pensamentos e desejos para os deuses. 

— Pensamentos? 

— Sim. Nossa conexão direta com Xibalba é feita pelos pensamentos e desejos, mas precisavam de um animal para executar o serviço. — explicou Chel cruzando as pernas novamente: — Os deuses já estavam sem materiais, e por isso usaram de uma pedra de Jade, esculpiram uma flecha dela e a sobraram para que seguisse seu caminho, a flecha se tornou em um beija-flor, delicado e cheio de cores. 

— E o beija-flor carrega os pensamentos das pessoas? — questionou Tulio com curiosidade. Chel concordou:

— Eles são delicados e leves, para passarem desapercebidos por nós a maior parte do tempo. Assim podem se aproximar de nós, coletar nossos desejos, e então entregar a mensagem durante seu descanso. — concluiu, mudando a feição para irritada: — Mas qualquer homem que se atreva a ferir ou prender um deles é condenado à morte

Tulio engoliu em seco disfarçadamente, sorrindo desconcertado. 

— Bom, eu não acertei a ave então estou bem. 

Chel suspirou, repuxando o lábio em uma expressão afiada. 

— Aham? Acha que pode enganar os deuses? Eles sabem o que fez, e terá consequências. — disse ela dando de ombros: — Sinto muito por você. 

Chel se deitou com Tulio ainda resmungando que não acreditava naquela história, e portanto que estaria imune, mas Chel sabia melhor — e Miguel também pelo resmungo que soltou ao acordar com seus cabelos sendo puxados por Tulio. 

Se virou para o lado encarando a floresta, confortável e aliviada pela presença dos deuses ainda em sua vida mesmo ao abandonar Eldorado. Estavam sendo protegidos e guiados, e para Chel não existia nada melhor do que esses pequenos mensageiros cuidado de seus desejos e os carregando à Xibalba. 

Tulio poderia não acreditar, mas ela o fazia com todas as forças. 

E para Chel bastava.

 

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!!

Até o próximo mês!

Beijinhos~



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