Correio Elegante escrita por Sirena


Capítulo 14
Se Passam os Dias...


Notas iniciais do capítulo

Obrigada ao heywtl, Minnie e Isah Doll por comentarem ♥
Obrigada a Minnie por favoritar ♥

Eu não tive muito tempo para revisar esse capítulo, porque o EAD sugou minha alma completamente, então qualquer erro, por favor, por favor, me avisem, ok?
Bem-vindos ao fim ♥
Aviso: Achou que não ia ter mais salto temporal? Achou errado! Esse cap se passa mais ou menos uns dois anos dps do anterior.



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 Encostei a cabeça e fechei os olhos, girando a aliança de namoro no meu dedo, pensando... E talvez xingando um pouco meu namorado por não ter vindo se despedir, mas eu já sabia que ele não iria.

Já havíamos nos despedido alguns dias atrás, na folga dele.

Não tinha sido alegre, embora tenha sido bom. As coisas não vinham sendo bem alegres nos últimos tempos entre nós dois. Tipo, quando eu consegui a vaga para arquitetura na Universidad Politecnica de Madri, o Paulo ficou bem feliz, claro. Mas aí, alguns dias depois, caiu a ficha de que eu iria morar do outro lado do oceano enquanto ele continuaria desse lado, e acho que nós dois entramos em pânico com isso.

Ele tinha começado a trabalhar na doceria dos tios, mas dava para perceber que não estava nada feliz com aquilo. E a gente vinha evitando falar sobre minha mudança pra Madri, por que... Bem, era tipo um precipício, quando se pula, você não sabe o que vai estar abaixo, onde vai cair... Não tem como prever o que iria vir. A gente não queria terminar, mas, numa relação à distância intercontinental, não tem como saber o que iria acontecer.

A casa do Paulo era pequena e cheirava a poeira, eu gostava de me deitar e imaginar desenhos nas manchas que o mofo havia criado no teto. A gente ficou horas deitados na cama, comendo um bolo que a Mariana tinha feito. Era um bolo de sorvete de chocolate e baunilha, com calda de morango, e eu preciso dizer, ninguém faz bolos mais deliciosos que os da Mari.

— Não tem mais? – perguntei, com a boca cheia.

— Não, eu e a Adri comemos praticamente tudo ontem. – ele lambeu os lábios enquanto falava.

— Mas, eu pensei que o bolo era pra mim! – murmurei, fazendo bico.

— Nah, ela fez pro aniversário da Adriana. Isso é bolo roubado.

— Bolo roubado é gostoso. – falei, dando mais uma colherada.

Ele deu risada, concordando com a cabeça. —... Pelo que você tá mais ansioso? Além de ver sua mãe e da faculdade, digo.

— Eu não to tão ansioso assim pra faculdade, na verdade. – fiz careta. — Tipo, a Politécnica de Madri é ótima, mas... Faculdade é faculdade, no Brasil ou na Espanha, eu sei que vai sugar minha alma até não restar mais nada, é só que em Madri vai ser de um jeito mais chique.

— Justo. – ele riu, sorridente, mas, eu não precisava me esforçar para perceber que estava triste.

— Mas, eu to ansioso pra ver as Fallas. São mais ou menos na época do carnaval então eu vou trocar uma festa pela outra.

— Você vai pra Madri, não pra Valencia. – ele observou, limpando um pouco de cobertura que eu tinha no queixo.

— Você acha mesmo que quatro horas de viagem vão me impedir de ver gente ateando fogo em esculturas inflamáveis? – arquei a sobrancelha. — Se eu vou tá na Espanha em março, eu quero ver coisas pegando fogo! – sorri o mais malignamente que pude enquanto falava e em seguida dei risada.

As Fallas era uma comemoração de Valencia, com exposição de estatuas gigantes feitas de madeira, papel machê e vários outros materiais, que ficavam pela cidade por dias, antes de serem todas incendiadas, a meia-noite do dia de San Jose.

Festas na Espanha eram meio loucas, acho. Eu sempre quis ver essa comemoração, mas nunca estava na Europa na época, então... Mas, pelo menos agora eu poderia matar essa vontade.

— Ok, isso faz sentido. – Paulo deu risada, voltando o olhar para a tigela de bolo que havíamos trazido para a cama e dando um gole em seu refrigerante. — Eu vou sentir sua falta.

— Bom mesmo. – murmurei, girando a aliança no dedo.

— A gente devia ter falado mais sobre isso. – ele suspirou, antes de me dar um beijo na testa. — Ou ao menos falado...

— Achei que a gente tivesse concordado em não dizer nada. – resmunguei, me sentando. — Toda vez que a gente tentava acabava discutindo.

— É, mas agora você vai morar a uns três mil e oitocentos...

— Oito mil e trezentos. – corrigi, fazendo careta. — São oito mil e trezentos e oitenta quilômetros daqui para Madri... Hum... Bem, mais ou menos.

— Argh, acho que inverti os números na minha cabeça. – ele resmungou fazendo careta e deitando o rosto no meu colo, sem tirar os olhos da tigela de bolo. — Oito mil quilômetros... Mas, que inferno!

Dei risada, puxando seu cabelo. — Como tá o trabalho na Mari?

— Ah... Eu fico no caixa. Nunca que meus tios ou a Mari iam me deixar cuidar da cozinha. – ele suspirou. — Eu não gosto, mas... E o salário é uma merda, mas... É melhor que passar o ano sem fazer nada.

— Eu sei que você ainda tá mal...

— Não, na verdade, não. – ele suspirou. — Sei lá, foi um saco não entrar na faculdade e ouvir sermão de todo mundo, mas, acho que não era pra mim, na verdade. Quer dizer, você consegue me imaginar fazendo psicologia? Lidando com gente todo o dia e dando diagnósticos e sei lá mais o que? – ele estremeceu enquanto falava, como se narrasse um pesadelo.

— É difícil mesmo. – admiti, a contragosto. — Mas, você parecia decidido quando falou sobre ano passado.

— Eu pensei melhor. Mal consigo falar com os clientes sem querer me esconder na cozinha, imagina atender pessoas desse jeito! Argh, não, não, não! Com certeza ia largar antes do segundo período.

Dei risada, mexendo em seu cabelo e o imaginando correndo pra cozinha e se escondendo atrás do fogão toda vez que um cliente entrava na loja, tentando se preparar pra interagir. Eu nunca tinha percebido realmente quanta dificuldade ele tinha com isso até sairmos com alguns amigos que fiz quando mudei de escola. Sinceramente, o Paulo pareceu realmente prestes a ter um ataque e desmaiar a cada vez que alguém tentava puxar assunto com ele.

E, não me leve a mal, mas, foi meio engraçado.

— Talvez você devesse tentar algo que não exija muito contato com gente.

— Tipo?

— Cuidar do estoque em algum mercado grande? – sugeri, hesitante.

— Uau. – ele me olhou, com cara de sarcasmo. — Como você pode sempre ser de tão pouca ajuda?

Encolhi os ombros, contendo um sorriso. — É um dom.

—... Como a gente vai fazer, afinal? – ele suspirou se sentando e colocando a tigela de bolo no colo. — Ainda vai querer?

— É a última vez que eu vou comer o bolo da Mari em sei lá quanto tempo, é claro que eu quero! Que pergunta mais idiota! – bufei, tirando a tigela do seu colo.

— Como? – ele insistiu, os ombros caídos, parecendo assustado e chateado.

Dei de ombros, observando com atenção o nervoso em sua expressão, as mãos fechadas e os olhar tenso. Tive a leve impressão de que ele estava tentando não parecer e nem soar irritado e fiquei grato por isso. Mesmo com raiva, o Paulo era bem controlado e tímido, mas, havia algo na expressão que ele fazia que me causava calafrios. Não sei explicar, mas havia algo de muito assustador na ideia de irritá-lo.

Talvez fosse algum efeito que o idiota do Renan deixou em mim. Irritá-lo era assustador, então, talvez a ideia de irritar qualquer um com que eu estivesse romanticamente envolvido sempre fosse me assustar graças aquele desgraçado filho da puta. Mas, o bom, é que, além de ser super controlado, o Paulo havia percebido logo no começo do nosso namoro o quanto eu ficava nervoso quando ele parecia ficar com raiva. A gente nunca conversou explicitamente sobre isso, mas, eu notava quando ele tentava não parecer irritado ou se esforçava para manter a calma. Eu apreciava isso.

— Eu não sei na verdade. – falei por fim, dando de ombros. — Acredite, eu tenho pensado nisso. Mas, é complicado... Eu pensei em sugerir uma relação aberta, mas acho que nós dois surtaríamos, você porque é todo inseguro e eu por que... Eu não sei por que não daria certo pra mim, mas sei que não daria. Acho que é porque eu seria muito vadia em Madri se tivesse essa liberdade, enfim... – revirei os olhos enquanto falava e voltei a me focar nas manchas de mofo no teto.

— Marcos...

— Eu não vou prometer nada. – cortei, analisando seriamente uma das manchas, tentando decidir se ela parecia mais com um coelhinho fofo ou com uma caveira. — Sei que você quer que eu diga que vai dar tudo certo e tal, mas... – dei de ombros novamente.

Ele suspirou alto e quando o olhei, vi que estava mexendo no resto do bolo, desatento.

— Não é que eu não queira prometer. – falei segurando sua mão. — Você sabe disso. Eu literalmente não posso, como caralhos eu vou prometer que vai dar tudo certo com um oceano e continente inteiro no meio?

—... Justo, acho. – ele suspirou por fim.

— Mas... Veja bem, mas, mas, mas! – dei risada, apertando sua mão. — Eu posso prometer que a gente vai tentar pra caralho, e que eu vou tentar pra caramba.. Enfim, a gente vai fazer o possível pra dar certo, tá bom?

— Hum... Acho que é o melhor que você pode me prometer agora. – ele sorriu bem de leve, erguendo o rosto pra mim.

A porta do quarto se abriu e eu me afastei contendo um suspiro enquanto a mãe do Paulo entrava.

Dona Célia era uma mulher gorda e baixinha, com cabelos curtinhos cacheados e grisalhos e o rosto cheio de manchas. Ela não era minha pessoa favorita do mundo. Antes de eu e Paulo namorarmos, ela era super legal comigo, mas depois... Não sei. Ela me olhava de um jeito meio gélido às vezes. Posso estar enganado, mas julgando como ela trata a Gabi, tenho a impressão que ela preferia que um dos filhos fosse hétero ou pelo menos um namorasse alguém do gênero oposto.

— Marcos, tá ficando tarde. Quer carona pra casa, querido? Eu vou no mercado posso aproveitar pra te deixar em casa. – eu realmente odiava como ela me chamava de “querido”, como se “querido” fosse a última coisa que eu era pra ela.

— Não. – respondi, forçando um sorriso educado. Depois de dois anos namorando o Paulo, eu havia me profissionalizado nesse tipo de sorriso quando a mãe dele estava perto. — A gente ainda não acabou o bolo. Se ficar muito tarde, eu peço pro meu pai vir me buscar, não se preocupe.

—... Certo. Eu volto logo.

— Tá bom, mãe.

Assim que ela saiu, suspirei alto, colocando a tigela de bolo no chão, igualmente grato e aliviado por ela ter saído. — Enfim... Vamos tentar fazer tudo dar certo, tá bem? Mesmo com os oito mil e trezentos quilômetros no caminho.

— Tá bem. Não vai querer mais bolo?

— Até que sim, mas... Na verdade... – franzi os lábios e levei as mãos ao seu rosto, descendo-as lentamente para seu pescoço e em seguida para seu peito, enquanto fingia pensar em algo. — Me gustaria mas um beso, cariño.

Paulo abriu e fechou a boca rapidamente como se estivesse pensando no que falar. Ele sempre travava um pouco quando eu falava em espanhol, já não era mais tanto por dificuldade de entender (posso dizer que graças a mim, ele estava beirando a fluência na fala, embora a escrita ainda fosse horrível), enfim... Vamos dizer apenas que ele gostava um tanto demais quando eu falava em espanhol. E eu gostava um tanto demais de provocá-lo com isso.

— Mô!

— Agora, me escuta... Daqui três dias, não vão ser duas horas de distância entre a minha casa e a sua, vão ser de dez a quinze horas. Dez horas de distância, daqui três dias. Mas, agora, neste momento, são tipo... Uns cinco cinco segundos de distância. Eu digo pra gente aproveitar e pra você me besar, abrazar y muerder, hasta que me dejes todo marcado. - expliquei pausadamente, encostando a testa contra a sua.

— Mô!

— É só uma sugestão. – dei risada, antes de beijá-lo. — ¿Qué piensa usted?— questionei ao me afastar, descendo rapidamente os lábios para seu pescoço.

— Hã... Me parece, uma boa ideia, hermoso.

***

Abri os olhos com a mulher do meu lado roncando. Claro, com a minha sorte eu acabei sentando ao lado de alguém que roncava alto pra caralho. Suspirei, me ajeitando no banco e olhando pela janela do avião. Embora eu não tivesse a melhor das noções de tempo, tinha certeza de que ainda demoraria para cacete para a viagem acabar.

Suspirei, voltando a girar a aliança no meu dedo.

Antes de eu ir embora naquela tarde, o Paulo havia me entregado uma carta, com um poema que ele havia feito. Eu tinha brincado falando que não era época de festa junina e ele rapidamente me lembrou que nosso correio elegante sempre teve regras próprias.

Tirei a carta do bolso da calça. Embora eu já a tivesse lido umas mil vezes desde que a recebi, não consegui parar de relê-la. Era um poema até que bem curto, mas algo nele me incomodava.

A forma como ele me entregou também foi estranha. Havia uma certa tristeza e melancolia que era difícil de explicar e que eu tinha certeza não ser apenas porque aquela provavelmente seria a última carta que trocaríamos em muito, muito tempo - mandar cartas da Espanha pro Brasil e do Brasil pra Espanha tem um certo curto, né? Então era compreensível. Ainda assim...

Suspirei tirando minha aliança e fazendo careta.  A mulher ao meu lado roncou outra vez. Revirei os olhos, voltando atenção para os versos, analisando-os mais uma vez.

O envelope eu tinha jogado fora, pois havia rasgado, mas era como ele costumava fazer. Uma folha de caderno com um adesivo qualquer. O poema tinha sido escrito numa folha verde

Se passarão os dias com tristeza
Se passarão os dias com saudade
Se virão as noites com desejo
E se então me largar na crueldade

 

A distância cruel que soprará o vento
E o vento que sopra trará o cheiro e a memória
Do seu cheiro e conforto, seu sorriso meio torto
Nossos dias alegres se tornando distantes, simples minoria

 

No soprar do vento encontrar seu cheiro
Olhos tomados de agoureiro
Buscando, olhando para além do mar
Viajando para onde talvez possam te encontrar

 

A distância no mataria mais a cada dia
E o que nos distancia se aproxima, chama e grita
Grita e xinga e grita outra vez
Grita falando que chegou o dia

 

E vem tudo de uma vez, a loucura
O impensado
Avançando sobre o inesperado
Nos arriscando no difícil, impossível, inusitado

 

Por palavras começamos
Nas palavras nos encontramos
Por elas continuemos
Nelas nos reencontremos

 

Ao cair da noite, nelas terminemos
Lado a lado como iguais,
Lado a lado como mortais imortais,
Como chama, como brasa, como pó, como pontos finais.

 

Respirei fundo.

Havia uma intensidade diferente naqueles versos, como se eu mergulhasse em algo novo e precisasse de um instante para me recuperar e retornar a realidade a cada vez que o relia.

Guardei a carta no bolso, irritado. Eu não ganharia nada tentando desvendar ela ou as razões para ter me deixado tão nervoso, sabia disso. Era melhor ligar ou fazer uma vídeo-chamada com ele logo que tivesse chance, questionando sobre. Porque estava andando em círculos... De novo! Estava andando em círculos da mesma forma que andava antes de saber que era ele quem me escrevia! E agora, estava incomodado sem nem entender o porquê.

Esfreguei os olhos e voltei o olhar para a aliança no centro da minha palma. Fechei a mão e me recostei contra o banco de novo, hesitando como nunca, antes de colocá-la novamente.

Dei um meio sorriso, admirando por um momento o aro fino em meu dedo. Eu realmente adorava usá-la. Suspirei, voltando a fechar meus olhos.


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Notas finais do capítulo

Pra mim, escrever esse final foi uma experiência bem diferente pq... Sla, achei ele diferente. Mas, eu gostei e espero que vocês também. Muito obrigada a todos que acompanharam e comentaram até aqui, vocês me fizeram muito feliz ♥

E, para aqueles que possam se interessar em futuras histórias que eu venha a postar... Atenção, pq a brisa abaixo é louca:

Anos atrás eu comecei e abandonei uma história em que um dos protagonistas era escritor (bem fanfiqueiro msm) e, em uma das narrações dele, ele falou sobre a historia que estava escrevendo, que no caso, era essa (então, Marcos e Paulo, são tipo meus netos, pq são criações do personagem que eu criei, e meus personagens são tipo meus filhos!!! Eu disse que a brisa era louca!).
Enfim, esse ano, eu peguei essa historia abandonada de novo e a estou reescrevendo. Durante as narrações desse personagem escritor eu tinha uma certa dificuldade em entrar na cabeça dele e a driblava imaginando (e escrevendo) a história que ele estaria criando, e assim, "Correio Elegante" ficou pronta. Foi uma criação meio involuntária e até por isso que os primeiros caps tem esses saltos de tempo, já que originalmente seriam cenas soltas que meu escritorzinho estaria fazendo.
E, eu tenho muito orgulho em dizer, que essa historia abandonada TÁ VIVA e eu irei postá-la em breve ♥ se você gostou do Marcos e do Paulo e de toda essa história, provavelmente vai gostar ainda mais do personagem que os inventou pra mim. Então, quem se interessar... Eu a postarei já no próximo mês, em poucas semanas.

É isso, minha gente, muito obrigada por tudo ate aq. Comentem o que acharam e um beijo pra todos ♥



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