Segredos Ilícitos escrita por lohanacarter, Avalon Ride


Capítulo 7
Capítulo 7 — Segredos




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Quase uma semana já havia se passado, e eu estava surpresa com a minha capacidade de evitar Tracy. É claro que durante as refeições eu ainda precisava vê-la, mas acabei aprendendo a evitar contato visual e responder suas perguntas monossilabicamente. Para evitar que ela tentasse estender algum assunto comigo, comia rapidamente e fazia o máximo para manter a conversa entre mim e Derek.

Eu sabia que era horrível fazer isso, e que ela não merecia ser tratada assim já que sequer se lembrava que havia me beijado, mas eu estava tentando proteger o meu próprio coração de se partir em ainda mais pedaços. O que eu estava sentindo eu não sabia dizer — ou não queria admitir. Toda vez que Tracy povoava meus pensamentos, eu gritava contra o travesseiro e corria para encontrar algo para me distrair, encontrar um livro para ler, qualquer coisa que ocupasse minha cabeça. Mas nem sempre dava certo, já que, quando eu me dava conta, eu não havia entendido absolutamente nada do que estava escrito nas páginas e pensava novamente em Tracy e seus lábios macios.

Deus, como eu queria sentir novamente os lábios dela pressionando os meus! Quando me lembrava, meu estômago se enchia de borboletas e meu coração disparava. E logo em seguida era a culpa que caía sobre mim como uma enorme rocha sólida. Não sabia mais o que fazer, mas acreditava que evitar Tracy era a solução e que, em algum momento, eu não pensaria mais nela como… Bom, da maneira que pensava.

Estava deitada na cama, tentando ler um livro, quando a porta se abriu e Alyssa entrou. Minha amiga estava cada vez mais estranha; percebi bolsas escuras abaixo dos olhos e ela parecia cada vez mais desanimada. Uma vez, entrei no quarto e a vi cercada de tecido, linhas e carretéis, mas ela não estava trabalhando. Estava com as mãos sobre os olhos, chorando copiosamente, e se assustou quando percebeu minha presença. Quando perguntei o que estava acontecendo, ela disse que estava bem.

— Saudades de casa — ela explicara, mas eu sabia que era mentira. Além de saber que ela odiava passar mais do que cinco minutos com sua família — por conta da cobrança de um bom casamento para salvar a família —, eu conhecia Alyssa desde que éramos crianças. Se existe uma coisa que sei sobre ela, é todos seus trejeitos quando está mentindo. E ela definitivamente mentiu para mim.

Não insisti no assunto, mas estava preocupada com ela.

— Você está bem? — perguntei, fechando o livro e me arrastando para fora da cama. Alyssa parecia preocupada.

— Sim — ela respondeu, mas não acreditei. — Apenas… — Alyssa ficou alguns segundos em silêncio, apenas agitando a cabeça para os lados, como se não soubesse o que deveria dizer. — Posso dormir aqui hoje?

Não era um pedido estranho, era muito frequente que ela dormisse comigo. Minha mãe odiava, dizia que minha amizade com ela era muito inapropriada, que uma dama de companhia tinha o dever de servir e não de ser uma amiga, mas eu simplesmente ignorava. Aly era a pessoa que eu mais amava no mundo, mais do que meus pais ou meus irmãos, porque era a única que me ouvia de verdade. Mas, quando ela fazia isso, geralmente era porque estava triste.

— Aly, o que está acontecendo? — perguntei com um suspiro longo, indo em sua direção para segurar suas mãos. — Alguém está te maltratando? Você precisa me dizer para que eu posso ajudá-la.

— Não! — ela guinchou, olhando para mim chocada. — Não, ninguém está me maltratando. — Ela respirou fundo. — Não quero te preocupar, não é nada demais. Pode não fazer perguntas? — ela suplicou.

Suspirei derrotada. Alyssa era teimosa e não mudava de opinião muito fácil, então decidi que não faria daquele momento uma briga. Fosse o que fosse o que estava acontecendo, ela precisava de mim. Concordei com a cabeça e caminhei até a cama, deitando do lado esquerdo daquele espaço enorme, batendo do outro lado suavemente para que ela deitasse ao meu lado. Ela abriu um sorriso aliviado e correu em minha direção, jogando-se no colchão e ficando de costas para mim. Comecei a acariciar os cabelos vermelhos dela, distraidamente.

Era estranho… Eu estava guardando segredos de Alyssa e, ao que parecia, ela também estava escondendo alguma coisa. Estava intrigada; o que faria minha amiga sentir tanto medo de contar para mim? Será que era grave? Como meu segredo era, eu só poderia supor que algo semelhantemente tão terrível a faria esconder coisas de mim.

— Você sabe que pode confiar em mim, não sabe? — eu disse baixinho, deslizando os dedos pelos fios ruivos.

Ela ficou calada por alguns instantes antes de responder, com a voz ligeiramente embargada:

— Eu sei.

Não falei mais nada, não sabia o que deveria dizer. Ficamos em silêncio mais alguns minutos, e Alyssa voltou a quebrar o silêncio.

— Você também pode confiar em mim, sabe?

Ela se sentou na cama, e eu fiz o mesmo. Alyssa me encarou, como se estivesse tentando descobrir alguma coisa apenas me olhando, e eu desviei o olhar, constrangida. Comecei a cutucar uma linha solta da minha camisola, como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

— O que aconteceu com você e a princesa Tracy?

Eu respirei fundo, ligeiramente irritada.

— Nada.

É claro que ela não acreditou.

— Você está a evitando já fazem dias…

— Aly — eu a cortei, a encarando. — Eu não pergunto sobre o que você está escondendo, e você não pergunta sobre isso. Tudo bem?

Ela mordeu o lábio inferior, concordando hesitante. 

— Tudo bem — ela suspirou. — Desculpe.

Eu me arrependi na hora de ter sido tão ríspida.

— Não… Eu que peço desculpas… — Respirei longamente. — Aly, é algo que eu já resolvi. E você não precisa se preocupar, não é nada grave. Está tudo bem comigo e Tracy. — Segurei as mãos dela entre as minhas, olhando-a profundamente. — Eu não gosto de te ver chateada, então seja lá o que aconteceu, não se preocupe. E quando se sentir confortável e precisar, você pode me contar — eu disse, esboçando um sorriso suave. — Nada importa mais do que a nossa amizade — entoei nossa frase, algo que falamos desde pequenas.

Lágrimas brilharam nos olhos de Aly, e ela piscou para afastá-las. Seu lábios tremeram e ela parecia prestes a cair no choro, mas foi forte o suficiente para controlá-lo. Apesar da aparência frágil e a evidente gentileza, Alyssa é uma das pessoas mais fortes emocionalmente que conheço. 

— Nada importa mais do que nossa amizade — ela repetiu. Mas, mesmo assim, ela não me contou o que estava escondendo.

~x~

Na manhã seguinte, Derek me convidou para andar a cavalo. Eu nunca havia montado um sozinha e sequer tinha roupas de montaria, então ele apenas decidiu me levar para um passeio pela propriedade, eu sentada na frente e ele atrás, guiando as rédeas. Durante o caminho, conversamos e rimos muito. Era engraçado como eu não conseguia sentir nenhuma atração por ele, física ou romântica, mas ainda assim adorava sua companhia. Eu estava determinada e evoluir nossa amizade para amor, e eu sempre dizia a mim mesma que não poderia ser difícil amar um homem com tantas qualidades e que me fazia bem. Mas meu coração não parecia achar a mesma coisa.

Nenhum de nós citou o beijo desde que aconteceu. Fiquei aliviada por isso, já que havia ficado preocupada que ele pudesse entender minha atitude como um sinal de que ele poderia me beijar quando sentisse vontade, mas ele não fez isso. Nem mesmo me perguntou se poderia. Derek agiu como se o beijo nunca tivesse acontecido, e eu nem me perguntei o motivo, já que estava disposta a fazer a mesma coisa. Eu não poderia beijá-lo de novo, não ainda. Não até que conseguisse sentir algo por ele que fosse além de amizade.

— Então você tem três irmãos — ele constatou, prosseguindo com nosso assunto. Estávamos falando sobre nossas famílias e nossa infância. 

— Duas mais velhas e um mais novo — afirmei. — Leah e Aysha já estão casadas, e Alex ainda é um bebê. Gostaria muito que você o conhecesse, ele é a coisa mais adorável que existe! Difícil acreditar que ele vai ser rei daqui alguns anos, quando a única coisa que ele sabe fazer bem é chorar e enfiar qualquer coisa na boca quando ninguém está olhando — eu contei entre risos.

— Tudo bem, ele vai aprender. Na idade dele, eu também só sabia chorar, espernear e colocar qualquer coisa na boca. E comer terra — ele contou, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Eu gargalhei.

— Você comia terra? — perguntei, minha voz uma mistura de diversão e incredulidade.

— E destruía as rosas do jardim — ele prosseguiu, dando de ombros, mas sua voz estava risonha também. — Você pode imaginar como minha mãe ficava louca quando via que eu estava mexendo na terra, nas rosas e me furando com os espinhos. Mas veja pelo lado bom, acho que isso me deixou mais resistente.

— Certamente — eu concordei com ironia, e ele olhou para mim com uma falsa mágoa, o que me fez sorrir ainda mais.

— E você, também gostava de comer terra? — ele perguntou entre risos, e eu neguei com a cabeça, rindo também.

— Não. Eu era muito tranquila, na verdade. Gostava que lessem para mim, brincar com as minhas bonecas e principalmente deitar na grama e olhar para o céu. 

— Completamente diferente de mim e da Tracy — ele pontuou, e fiquei atenta quando ele citou a irmã. — Tracy sempre foi… Peculiar. Não sabia ficar quieta, subia nos móveis e gostava de brincadeiras consideradas masculinas… Mas eu adorava. Nós tivemos nosso próprio navio pirata de mentira; ela juntou caixas de frutas que eram descartadas na cozinha e disse que era a capitã Caolha. Fez até um tapa-olho, com pedaços de tecido de um vestido preto dela. A maior parte ela improvisou um como bandeira, e uma pequena tira usou para amarrar com linha e colocar em um dos olhos.

Parecia algo que ela faria, e eu ri imaginando uma pequena Tracy rasgando um vestido para improvisar uma brincadeira que não era nada apropriada para meninas. 

— Ela sempre foi a líder, e eu o imediato. Não consigo enxergar isso sendo diferente daqui alguns anos, quando eu for rei. Tracy nasceu para liderar.

Não havia uma única pontada de inveja na voz de Derek, e eu percebi como ele amava a irmã mais velha profundamente. Desejei por um momento que eu tivesse a mesma conexão com as minhas irmãs, mas a verdade é que quando eu nasci elas já eram adolescentes e não viam a menor graça em brincar comigo. Sempre fui muito distante delas e tentava compensar com Alex. Não queria que ele me visse como uma irmã afastada como as mais velhas eram.

— Minhas irmãs e eu não tínhamos o mesmo que você e Tracy — eu confessei. — Mas eu tinha Alyssa, somos amigas desde muito meninas.

Derek parou o cavalo e desceu, me segurando pela cintura para me ajudar. Havíamos adentrado o bosque de camélias, e o perfume das flores invadiu minhas narinas. Eu ainda não havia visitado aquele lado da propriedade, me limitando apenas aos arredores do castelo, mas hoje o príncipe decidira se aventurar um pouco mais.

— Ela não parece ser do tipo que monta navios de caixas e rasga vestidos — ele provocou, e eu ri.

— Não, jamais! — exclamei, sentando-me entre as árvores floridas. Admirei a paisagem e tentei capturar cada detalhe com minha memória, tentando criar uma pintura mental para não me esquecer de tanta beleza. — Alyssa sempre foi muito discreta, recatada e principalmente correta. Nunca quebrava regras, sempre falava pouco e apenas o necessário. Quando a conheci, ela só olhava para baixo e falava para dentro.

— Ela é assim com todos que não são próximos dela? — perguntou Derek, e eu o encarei. — Quero dizer, tentei falar algumas vezes com ela — ele gaguejou, e eu arqueei uma sobrancelha. — Ela não olha nos olhos e é muito formal.

— Ela não se sente no direito de olhar para você de igual para igual — falei suspirando. Sabia que era o jeito dela, já que na hierarquia ela estava muito abaixo da realeza. — Ela é uma das pessoas mais incríveis que conheço, com os melhores conselhos e o coração mais bondoso que você vai ver na sua vida. Ela merece muito mais do que realmente tem.

Passei a mão sobre a grama, sentindo-a pinicar minha pele. Quando pensava sobre a condição de Alyssa, meu coração se enchia de tristeza. Ela fora incubida de uma responsabilidade que não era dela, já que, quando ela nasceu, o nome da família Velmon já estava na lama e afundado em dívidas.

— Como assim? — ele perguntou, e parecia realmente interessado na história. Me lembrei no meu primeiro dia aqui, quando ele me confundiu com Alyssa, e me perguntei se havia algum interesse da parte dele de conhecê-la desde então.

— A família de Alyssa é nobre, mas apenas de título — eu contei com a voz baixa, hesitante sobre revelar aquela história. Mas Derek era gentil e jamais zombaria ou desdenharia dela, por isso resolvi arriscar. — O que eu sei é que faz anos que eles estão afundados em dívidas, por isso Alyssa trabalha como minha dama. É uma forma de ajudar os pais, e também de sustentar a si mesma. Mas não é o suficiente para eles.

Derek parecia verdadeiramente chocado com aquela informação, olhando-me como se eu tivesse acabado de atirar uma garrafa contra ele. Ele mordeu o lábio e sua expressão era indecifrável, mas se pudesse apostar, diria que seria algum tipo de revolta interna que ele estava tentando conter. Não o culpei, afinal também me sentia assim sobre os Velmon.

— Eles querem que ela arrume um bom casamento — ele palpitou, e eu concordei com a cabeça tristemente. — Alguém que vá pagar todas as dívidas que reconstruir o nome da família.

— Sim — confirmei. — Eu acho um absurdo que coloquem essa responsabilidade nas costas dela, sabe? Não é culpa dela! — falei chateada. — Querem empurrar todo tipo de velho rico para ela, viúvos tarados que apenas vivem em busca de menininhas jovens e bonitas. A única coisa entre Alyssa e um casamento arranjado com um nobre velhaco e nojento, sou eu. Eles não tem coragem de me desafiar, então como princesa acabo me aproveitando do meu título — confessei, um tanto envergonhada. — É uma coisa horrível de se fazer, me aproveitar da minha posição para conseguir algo...

— Claro que não! — ele discordou prontamente, sua expressão revelando claramente a revolta que sentia. — Você faz o que precisa fazer, Tianne. Alyssa é sua amiga e você quer o melhor para ela. Esses… Velhos tarados não são uma boa opção de casamento para ela. Não a tratariam como ela merece.

Eu concordei com a cabeça e respirei fundo. Derek fungou como se tentasse reprimir a raiva, e puxava grama entre seus dedos.

— Ela tem esperança de conseguir um casamento melhor aqui em Savian — eu contei a ele. — Como aqui sempre tem bailes e vários nobres solteiros em busca de uma esposa, eu acho que é a melhor oportunidade dela de conhecer alguém que ela goste e, consequentemente, pague as dívidas da família dela.

Derek não respondeu de imediato, mas acho que ele também não gostou muito daquilo, o que me deixou ligeiramente confusa. Ou talvez eu estivesse vendo coisas demais, afinal de contas que motivos ele teria para que Alyssa não conhecesse alguém de Savian? Eu definitivamente estava louca.

— Acha que consegue apresentar alguém para ela no próximo baile?

Ele olhou pra mim com os olhos arregalados, como se eu tivesse acabado de pedir para que ele engolisse um caranguejo vivo.

— O quê?

— Alguém apropriado para ela. Algum amigo seu — eu pedi esperançosa, com a certeza de que aquele era um bom plano. Derek provavelmente saberia indicar um pretendente adequado, alguém que fosse estupidamente rico como a família dela queria, e que seria bom para Alyssa. Alguém por quem ela pudesse se apaixonar e ter um casamento feliz. Era tudo o que eu mais queria. — Você deve conhecer vários jovens ricos e solteiros em busca de uma esposa. Posso jurar que Alyssa é mais do que uma pretendente adequada, até mais do que eu! — eu afirmei, convicta. — Ela não é só bonita, tem muitos talentos e é uma companhia agradável. Qualquer homem seria um sortudo em se casar com ela.

Derek me olhava com a mesma expressão, e parecia cada vez mais acuado a medida que eu descrevia as qualidades de Alyssa. Julguei que era por eu estar tão enérgica quanto a isso, implorando por sua ajuda para que minha amiga resolvesse logo aquela situação e também fosse feliz no processo. 

— Eu… Eu conheço, claro. Mas…

Eu juntei as sobrancelhas, esperando o que viria em seguida. Mas a frase ficou no ar e ele não disse mais nada, apenas soltando um suspiro derrotado e —  posso jurar — um pouco contrariado.

— Esqueça. Sim, é claro que posso ajudar — ele concordou, e eu abri um sorriso. — Irei apresentá-la a alguns amigos meus no baile da semana que vem.

É claro, já aconteceria outro baile. Eu não conhecia um reino que gostasse mais de festas do que Savian. 

— Muito obrigada! Ela vai ficar tão feliz quando eu disser a ela.

Ouvimos o trotar distante de um cavalo se aproximando. Curiosa, me levantei para ver do que se tratava, e meu coração disparou dentro do peito quando notei que era Tracy que cavalgava em nossa direção e, ainda por cima, já havia nos visto. Torci para que ela passasse reto, mas é claro que ela não fez isso. Tracy olhou para mim e me senti horrível por ver mágoa em seus olhos, mágoa direcionada a mim. É claro que ela estava se sentindo assim, afinal eu vinha a evitando sem dizer o por quê.

— Ei — ela cumprimentou o irmão assim que puxou a rédea para parar o cavalo. — Espero não estar interrompendo.

— Claro que não, Tracy — ele sorriu para a irmã, mas era um sorriso muito simples e sem muita alegria.

— Você pode voltar na frente, Derek? — Tracy pediu, e voltou seu olhar para mim, seu olhos penetrantes quase me fazendo vacilar sobre minhas pernas e cair. — Eu quero conversar a sós com a Ti. Eu vou levá-la de volta exatamente do jeito que você deixou — ela brincou.

Derek olhou para nós, confuso.

— Tudo bem. Vejo vocês no almoço? — ele perguntou, e nós assentimos. Derek pegou minha mão, depositou um beijo casto e então subiu no cavalo, trotando para longe de nós.

Me deixando sozinha com Tracy. E sem ter como fugir dela.

A princesa desceu do cavalo castanho e andou em minha direção em passos firmes, seus olhos jamais desviando-se, diferentemente de mim, que me encolhi e olhei para o chão, envergonhada e acuada, já tentando formular desculpas em minha cabeça. Mas era inútil, eu não fazia ideia do que deveria dizer a ela que pudesse justificar porque eu estava há uma semana sem falar com ela.

— Bem, eu não gosto de fazer rodeios. Então vou direto ao assunto — ela falou com firmeza, cruzando os braços e me encarando. — Por que você vem me evitando?

Inventar uma mentira assim, tão rapidamente e que fosse convincente, era impossível. Primeiro porque sou uma péssima mentirosa, e segundo que eu não tivera tempo de inventar nada. Comecei a gaguejar, me embolando em minha própria voz, sem conseguir falar nenhuma palavra que fizesse sentido e que mais parecia uma língua exótica e desconhecida.

— Ah.. Eu… Eu… 

— Tianne, apenas pare! — Tracy falou perdendo a paciência, esfregando as têmporas e com um ar cansado. — Eu não quero ouvir mentiras, eu só quero saber o que aconteceu. Se eu fiz algo que te incomodou, eu preciso saber para poder me desculpar apropriadamente. — Ela pausou, e olhou para mim com uma decepção misturada a vergonha que me destruiu por dentro. — Ah. É por causa das minhas preferências…

Fiquei atônita por um segundo, sem ter ideia do que ela estava querendo dizer. Então me lembrei que, na mesma noite que eu a vi beijando Myrella e descobri sobre sua preferência por mulheres, foi a noite que ela me beijou e que a venho evitado desde então. É claro que ela acabou chegando àquela conclusão; achou que eu estava enojada e não queria mais sua companhia por isso.

— Sabe, não é algo que eu tenha controle. Se eu pudesse escolher, seria como você ou como qualquer outra mulher. Mas eu não sou, eu sinto atração por mulheres, mas isso não deveria significar que…

— Não! — eu exclamei, horrorizada com a ideia que ela pensasse que eu poderia ter me afastado dela por causa disso. — Tracy, eu jamais me afastaria de você por causa de algo que você não pode evitar, e que faz parte de quem você é. Além disso, embora esse tipo de preferência seja vista com maus olhos, é algo que não prejudica ninguém. Como é o caso das rainhas em Nibelium — eu a lembrei. O reino completamente separado dos outros, ladeado pelo mar, um reino num arquipélago enorme e poderoso, mas que tinha costumes considerados escandalosos para nós do outro lado do mar. Atualmente, duas rainhas estavam casadas e governavam juntas sem nenhum problema. Para eles, era completamente normal.

— Às vezes eu gostaria de ter nascido lá — confessou Tracy, tristemente. Mas logo se recompôs e voltou a me encarar. — Se não foi por isso, então por quê? Ti, eu estou ficando louca sem entender. Você foi a única amiga que eu tive em anos, a única que se diverte comigo e não me julga por eu ser como sou. Outras damas, apesar de fingirem ser amigáveis comigo, sinto a falsidade de longe e como me odeiam. A única exceção vive num continente muito longe daqui e faz anos que não a vejo. — Ela me olhou magoada, me meu coração parecia ter sido esmagado. Ela realmente estava sentindo meu desprezo, e eu me senti muito mal por isso. — Então o que eu fiz? Por favor, eu posso reparar e pedir desculpas. Eu só não quero mais que você me despreze.

Fiquei encurralada. Como poderia dizer a ela do que se tratava? Como poderia dizer em voz alta todos os sentimentos conflitantes dentro de mim, coisas que eu fingia que não existiam e não queria admitir nem para mim? 

Tracy continuava a olhar para mim, esperando uma resposta, e sua expressão ferida me cortou o coração. Eu detestei magoá-la daquela maneira, e ela merecia uma resposta, mas eu não sabia como colocar em palavras. Qualquer coisa que eu dissesse ou fizesse tornaria tudo real, então eu estava encurralada. 

Respirando fundo, reuni toda coragem dentro de mim e caminhei em sua direção em passos rápidos e decididos. Não me dei ao luxo de pensar duas vezes antes e passar meus braços ao redor de seu pescoço, puxando-a para mim e tomando seus lábios com os meus, algo que eu desejava há dias. E quando senti novamente sua boca pressionada contra a mim, um sentimento de alívio percorreu meu corpo inteiro e eu me permiti não pensar. Apenas me entreguei.

Senti a confusão e a relutância de Tracy a princípio, e por um momento fiquei apavorada com a ideia que ela fosse me empurrar e me encarar com desprezo, mas logo senti um suspiro abafado vindo dela entre nossos lábios, e seus braços envolveram minha cintura e me puxou para perto. A reação dela me encheu de alegria, e havia um desespero de nós duas naquele beijo, uma necessidade absurda, a ponto de Tracy me empurrar para trás, contra o tronco de uma das árvores, pressionando meu corpo contra o seu, sua língua invadindo minha boca, e a minha invadindo a dela.

Estávamos as duas desprovidas de qualquer senso de realidade; percebi isso quando ela arrastou os lábios para meu queixo, desceu pelo meu pescoço e começou a mordiscar minha pele, levando arrepios por todo o meu corpo, e meus dedos agora se enterravam em seus cabelos escuros, bagunçando completamente seu coque, puxando os fios entre os dedos e a trazendo para perto de mim, gemendo enquanto seus dentes arranhavam meus ombros.

Mas então ela se afastou de repente, saltando para trás e me encarando, perplexa, como se não acreditasse no que havia acabado de acontecer. Assim como eu, Tracy respirava com dificuldade devido ao beijo, mas parecia aterrorizada. Abriu a boca e a fechou várias vezes, como se estivesse sem palavras, e começou a andar de um lado para o outro, inquieta.

— Meu Deus… Meu Deus… — ela resmungava consigo mesma, e não olhava para mim. Eu quis me esconder dentro de mim mesma e chorar, sem ter certeza se era por ela estar reagindo daquela forma, ou por saber que agora tínhamos um problema enorme em nossas mãos.

Ela era a irmã do meu noivo, e aquilo que estávamos fazendo era traição da pior estirpe. 

— Tracy… — eu chamei, e ela finalmente me encarou. As lágrimas começaram a encher meus olhos.

— O que foi isso, Ti? — ela me perguntou, apavorada. — Por que você…?

— Porque você me beijou primeiro! — gritei entre lágrimas. Tracy se calou, me encarando com os olhos arregalados, como se não acreditasse no que eu estava falando.

— O quê…? — ela sussurrou, e negou veementemente com a cabeça. — Não! Meu Deus, eu lembraria se… — Ela se calou, os olhos se arregalando ainda mais e a boca se abrindo em choque, enquanto levava uma das mãos à têmpora quando a verdade se chocou contra ela como um saco de farinha pesadíssimo. — Ai, não…

— Na noite do baile — eu a relembrei, mesmo sabendo que ela já havia entendido isso por si mesma. — Você estava caindo de bêbada, chateada porque Myrella havia rompido com você. Eu te perguntei como era a sensação de beijar uma mulher, e aí…

— Eu te beijei — ela completou, fechando os olhos, jogando a cabeça para trás e mordendo os lábios com uma expressão de culpa. — Merda, eu te beijei…

— E sabe o que é pior? — eu perguntei, secando os olhos e o nariz com as costas da mão. — Eu gostei, Tracy. E esse é o problema, o motivo pelo qual venho te evitando. Porque fiquei assustada demais lidando com meus próprios sentimentos, sensações, e venho tentando esquecer. 

Eu nunca pensei um dia veria Tracy tão frágil, já que ela estava sempre tão segura de si mesma e parecia nunca se arrepender de nada. Mas naquele momento ela parecia prestes a chorar e bater a própria cabeça contra as árvores, e eu sabia que ela estava pensando exatamente a mesma coisa pela qual estava me condenando desde que ela me beijou no meu quarto: como podíamos ter traído Derek desse jeito?

— Não podemos fazer isso — ela disse-me, completamente tomada pela culpa. — Com Derek. Eu não poderia…

A rejeição doeu, mas eu sabia que ela estava certa.

— Você acha que eu não sei disso? — cruzei os braços, fungando e tentando recobrar a postura. — É por isso que venho te evitando desde então. Eu me sinto horrível em saber que não consigo sentir um pingo de atração por Derek, mas penso em você o tempo todo. — Eu puxei o ar para os meus pulmões, soltando um suspiro pesaroso. — Eu quero amar Derek, mas ao invés disso…

— Não — ela me cortou, com os olhos fechados e negando com a cabeça, incapaz de me encarar. — Não diga. Desculpe Ti, mas isso… Ele é meu irmão. E seu noivo — ela relembrou, e eu me encolhi mais uma vez diante da sua rejeição. Me controlei para não sair correndo dali e poder chorar sozinha. — Eu posso ser várias coisas, mas jamais faria Derek de bobo dessa forma. Ele não merece.

— Ah, então os maridos das mulheres que você vem se relacionando merecem? Hasuran merece ser feito de bobo? — eu provoquei, sem conseguir controlar a pitada de ciúmes em minha voz. Meu lado racional me dizia para parar, que Tracy estava certa em sua decisão e que deveríamos nos afastar. Mas agora que eu havia colocado tudo para fora, era difícil recolher novamente e enterrar.

— Não é a mesma coisa… — ela começou, olhando para mim como se eu a tivesse ofendido.

— Olhe, eu sei que é o melhor. E é por isso que venho te evitado todo esse tempo. — Respirei fundo. Aquele tipo de atitude não parecia ser naturalmente minha, e eu estava chocada por simplesmente não ter me encolhido e começado a chorar como uma garotinha. — Mas não é só por causa de Derek que você não me quer. Você gosta da Myrella. — Não consegui evitar o ciúme que transpareceu em minha voz.

Tracy me fitou, atônita.

— Myrella não tem absolutamente nada a ver com…

— Tem, sim! — eu a cortei em um tom de voz que foi quase um grito. — Tracy, você pode fingir ser a pessoa mais desapegada do mundo, que não se importa e que apenas “aproveita as oportunidades” — fiz aspas com os dedos —, mas sabe o que eu acho de verdade? Que você tem medo de amar alguém! Aquela noite você praticamente admitiu que estava apaixonada por ela, e que bebeu daquele jeito para esquecer que ela havia te dispensado! Além disso, defendeu ela na mesa na manhã seguinte. Admita, Tracy, você gosta dela e está aí fingindo que não porque odeia parecer fraca.

Foi como se eu tivesse acabado de acertá-la com um golpe de foice. Por um momento senti uma pontada de satisfação por conseguir fazer ela sentir o que eu estava sentindo, mas passou muito rápido quando percebi que, mesmo sem admitir a verdade de todas as minhas palavras, sua linguagem corporal a entregava. Tracy respirou fundo e olhou para o lado, a culpa estampada nos olhos, apoiando as mãos no quadril e tentando recobrar uma postura austera, como se estivesse por cima. Mas ela não estava e nós duas sabíamos disso.

— O que importa isso agora? — ela perguntou, com uma calma fria que me fez ter vontade de chorar. — Desculpe por te magoar assim, Ti, mas não posso. Derek é quem mais importa para mim. 

Eu a encarei e neguei com a cabeça, a expressão carregada de ceticismo.

— Sabe, eu sinceramente não entendo você. Quando me beijou bêbada, você achou que eu fosse ela? E agora, correspondeu ao meu beijo pensando nela também? — perguntei, e ela me olhou irritada e magoada. — Eu não passo de uma piada pra você, Astracyane? Se não fosse por Derek, continuaria me beijando e pensando nela? 

— Você pensa realmente tão mal de mim? — ela perguntou magoada, mas notei a culpa estampada nos seus olhos.

— O que eu devo pensar, então? — Joguei os braços para o alto, exasperada. — Você correspondeu, Tracy! Mas não sente nada por mim, é ela que você quer. Se eu não fosse noiva do seu irmão, me usaria como distração para curar as feridas que ela e a rejeição dela deixou em você?

— Pare! — ela exclamou, e eu dei um passo inconsciente para trás, como se tivesse acabado de levar um golpe. — Eu realmente me importo com você. Sinto muito por ter desencadeado esses sentimentos, mas simplesmente não podemos! Derek é meu irmão, e eu não quero enganar você. Me desculpe, Ti. Tenho um carinho profundo por você, e estimo muito nossa amizade…

— Pro inferno a nossa amizade! — esbravejei, cansada daquela situação, e virei as costas para caminhar para longe dela, e então comecei a correr.

Eu não fazia ideia do caminho para o castelo, mas simplesmente não suportava mais ficar perto dela. Estava com raiva, magoada, envergonhada, uma mistura de sentimentos ribombando dentro de mim a ponto de me deixar com dor de cabeça. Estava com raiva de Tracy por ter feito eu me apaixonar por ela e agora apenas pedir desculpas como se aquilo resolvesse alguma coisa. Magoada por não ser eu quem ela queria, e envergonhada por ter me declarado para minha futura cunhada. 

Escutei o cavalo trotando atrás de mim, e logo Tracy estava ao meu lado.

— Ti, o que está fazendo? Não vai conseguir voltar sozinha!

— Não importa! — gritei, ainda correndo. Minhas pernas começaram a reclamar, já que eu não era dada a exercícios físicos.

— Me deixe levar você.

— Não!

— Tianne!

Ela virou o cavalo para que ele se jogasse na minha frente, bloqueando minha passagem e me fazendo cair para trás, sentada na grama. Tracy desmontou, seu olhar carregado de tristeza, indo em minha direção para me estender a mão.

— Me perdoe, Ti… — ela pediu, a voz envergonhada. Não sabia se estava pedindo desculpas por ter me derrubado ou por ter me iludido.

Não respondi, e também não estendi a mão para segurá-la. Tracy não foi embora mesmo assim, ao invés disso se ajoelhou ao meu lado e passou a mão pelos meus cabelos com cuidado, como se estivesse me consolando mas sentisse medo de me tocar. Quando me dei conta, eu estava chorando de novo.

— Eu sei que não tenho direito de te pedir desculpas, que você tem motivos para não querer mais olhar na minha cara — ela sussurrou, ainda acariciando meus cabelos. — Me sinto horrível, acredite em mim. Jamais iria querer ferir você.

Se tivessem me dito que o amor era uma coisa tão difícil de lidar, eu teria evitado de toda forma. Nos livros o romance sempre tem um final feliz, sentimentos recíprocos e flores. Mas por que eu me sentia tão mal? Por que amar para mim tinha que ser uma coisa tão tenebrosa, cheia de obstáculos e espinhos? Seria mais fácil se eu tivesse me apaixonado por Derek e não por Tracy?

Vendo que eu não estava respondendo, ela prosseguiu.

— Vamos… Eu vou te levar de volta.

Não respondi. Apenas sequei as lágrimas e me coloquei em pé, aceitando a ajuda dela para subir no cavalo. Durante toda o caminho, não trocamos uma única palavra.


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