O prazer de te amar - JDD escrita por Beykatze, Leonardo Alexandre


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

História participante do Jogo do Desafio Duplo com o Leo :D
Espero que gostem ♥
Boa leitura :)



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Laís sentou o corpo dolorido na cadeira acolchoada da cozinha. Vendo no relógio tiquetaqueando na parede que Cinthia logo chegaria em casa, começou a descascar os legumes para o jantar. Com a faca afiada foi puxando as peles soltas das batatas cozidas e picando o alimento em um prato ao lado.

— Jon Jon, nosso purê vai ficar uma delícia - Confidenciou ao fiel cão, Jonathan, que sentava ao seu lado esperando ela terminar as tarefas para lhe coçar as orelhas felpudas.

— Au! – Respondeu arrancando um riso de Laís. O riso, repentinamente, se transformou em um gemido de dor quando sua mão contraiu os dedos involuntariamente e de maneira dolorosa e derrubou a faca no chão, assustando Jon Jon que fugiu com um ganido.

Com um engasgo, a jovem mulher agarrou a mão que doía, na tentativa de fazê-la parar, mas apenas sentiu uma pontada semelhante no comprimento do braço e então a cozinha iluminada escureceu e Laís ouviu, muito ao fundo, um baque surdo do impacto do seu corpo pálido atingindo o chão frio.

***

Os dedos escuros de Cinthia corriam pelos cabelos castanhos e lisos da esposa, que repousava suavemente na cama limpa e clara do hospital. Lembrou com um arrepio na espinha o momento em que entrara em casa depois de uma aula cansativa e vira sua amada caída no chão convulsionando e Jon Jon ao seu lado cutucando sua cabeça com o focinho. Desesperada, ligou para a ambulância apenas para, ao chegar ao hospital, receber notícias horríveis da médica de plantão: Laís tinha a Doença de Dofh, uma enfermidade ainda em estudo que causava fraqueza, espasmos, convulsões e lapsos de memória, pois, segundo a profissional, a doença “desligava” algumas células, causando os mais variados problemas e sintomas.

Mas essa nem foi a pior declaração; o que deixou a professora sem chão foram as palavras “ela não tem muito tempo de vida”. Enxugou as gotas salgadas que escaparam por seus olhos castanhos. A doença não tinha tratamento, Laís podia tomar remédios para dor e esperar o fim, apenas isso e nada mais.

Com duas batidas na porta, Cinthia se sobressaltou e virou para ver quem chegava.

— Oi, mamãe - Cumprimentou a mãe, uma mulher negra, com os cabelos escondidos por uma bandana florida, pele clara e olhos amáveis.

— Oi, Café - A mulher entrou no quarto e sentou na poltrona remanescente, apoiando a mão carinhosa no ombro da filha.

— Mamãe, ela não vai ficar bem - Deixou escapar por seus lábios a sentença, sendo tomada por lágrimas - A médica disse que, pelos sintomas, a Laís não tem nem uma semana de vida. Essa desgraçada deve ter me escondido as tremedeiras e as dores por meses! Meses, mamãe! Pra estar assim agora!

— Calma, minha filha - Recomendou vendo que a mulher se exaltava. Seus sentimentos eram um misto de raiva da situação, medo da perda e imponência - Às vezes, os médicos dão uma previsão pessimista que é pra não criar esperanças. Quando você ver a Laís vai estar há dois anos vivendo a mais do que esses sabe-tudo falam.

— Eu não acho que vai ser assim - Confidenciou engolindo o choro e limpando o rosto com uma toalha que sua mãe, Sandra, estendia.

— A gente não sabe dessas coisas – Concluiu - Não bota ponto final onde ainda cabe uma vírgula.

— Esse conselho é muito tosco - Cinthia falou rindo. Seus olhos puxados voltando a brilhar.

— Quem é tosco? - Laís indagou confusa piscando as pálpebras muitas vezes e tentando focar no rosto das pessoas ao seu lado.

— Nada, meu amor - Cinthia levantou preocupada - Está com dor? Quer que eu chame a enfermeira? O travesseiro está bom?

— Para de sufocar a menina, Café - A mãe falou dando um tapinha leve em sua mão.

— Obrigada, dona Sandra - Laís riu - Eu estou bem, não precisa chamar ninguém.

— Ah, está bem - Concluiu encarando a esposa com cautela, qualquer resmungo ia correr buscando um médico ou qualquer criatura vestindo jaleco e com cara arrogante, mas Laís não demonstrava nada além de apertar os olhos e suavizar novamente - Está com dor, não está?

— Amor, eu estou com dor há dois anos, isso não é nada.

Cinthia encarou a mulher branca na cama alguns segundos antes de sair pisando duro e bufando pelo corredor. Laís recostou-se no travesseiro e olhou a sogra com um sorriso sofrido.

— Ela não está bem com isso - Sussurrou.

— Devia ter contado a ela - Sandra respondeu - Ela está chateada pelo silêncio.

— O que eu deveria ter feito, dona Sandra? - Laís questionou - Ter preocupado ela desde o começo com uma doença fatal e sem cura?

A mulher mais velha suspirou e segurou a mão da outra, puxando para um beijo carinhoso.

— Eu não sei, mas conversa com ela. Não magoa minha filha.

— Isso é inevitável - A voz mal saiu.

— Sai daqui - Sandra levantou o rosto com um sorriso animado e esperançoso - Vai pra praia, leva ela. Vivam o amor de vocês de novo, lembra ela porque ela tem que viver depois que você se for.

Laís sorriu tristemente.

— Eu tenho tanto medo dela não querer mais viver sem você - A mãe preocupada confidenciou entre sussurros e lágrimas.

***

Após algumas horas e mais exames, a médica liberou Laís Vargas e a mulher retornou para sua casa com sua esposa e sua sogra. Chegando em casa, Jon Jon aguardava ansiosamente as mães para lhe fornecerem carinho, atenção e comida.

— Oi meu bebê - Laís apanhou o cachorro de pequeno porte, carregando-o pela casa e recolhendo seus brinquedos- Vamos arrumar a mala, querida.

— Oi? Você não ouviu a médica?

— Sim - A mulher parou na frente da outra, uma mão cheia de bolinhas e bonecos babados apoiada na cintura e a outra agarrada no animal - E você não me ouviu? Vamos viajar, vamos aproveitar nosso atestado de duas semanas - Riu guardando as coisas em uma mochila surrada.

— Laís...

— Café - Sandra entrou na discussão buscando a mochila surrada com as tralhas de Jon Jon - É uma boa ideia. Só... Conversem. Vou ficar com o cachorro duas semanas de qualquer forma.

Com o cão e a mochila, Sandra deu dois beijos em cada uma e saiu, indo para casa e deixando Cinthia e Laís sozinhas na casa grande e silenciosa.

— Vamos aproveitar - A branca instigou segurando a mão da esposa - São só duas semanas, que mal vai fazer?

— Duas semanas que você deveria estar de repouso - Resmungou contrariada.

— Estarei de repouso... Em um hotel, na beira do mar - Falou se aproximando para um abraço - Com você e o vento marítimo.

Cinthia não retrucou, apenas puxou Laís para um beijo apaixonado. Sentiu lágrimas escorrendo pelas bochechas, mas não soube dizer de qual das duas elas vinham.

***

No dia seguinte, a brisa refrescante que vinha do mar e entrava no restaurante fazia esvoaçar os cabelos soltos de Laís, que ria com a bagunça.

— Essa comida está maravilhosa - Comentou, vendo que Cinthia apenas a olhava apoiando o queixo nos dedos longos.

— E você também - Admitiu. O vento jogava sua blusa regata amarela para todos os lados, causando mais riso na esposa.

— Ei- Chamou. O brilho da lua iluminando seu rosto - Você nunca me explicou porque sua mãe te chama de Café.

— Longa história - Disse com um aceno de cabeça.

— Temos tempo - Falou engolindo as palavras seguintes “mas não muito”.

— Bom, minha mãe tem a pele clara - Cinthia contou entre uma garfada da comida e outra - E quando eu era pequeninha eu não entendia porque eu era tão escura e ela tão clara.

—Seu pai tinha a pele escura? – Laís questionou curiosa.

— Sim, mas como eu não o conheci, não sabia disso. E, vez ou outra, os meus coleguinhas na escolinha me perguntavam isso e, como nem eu sabia a resposta, acabei inventando. Disse a eles que, durante a gravidez, minha mãe tomou muito café, por isso eu nasci pretinha.

— Eu não acredito - A mulher explodiu em gargalhadas - Que coisa mais fofa. E seus colegas?

— Ficaram chocados - Cinthia riu junto - E um deles, um menino bem branquinho, contou que a mãe dele tinha dito que ele era daquela cor porque ela tomava muito leite! Depois disso todo mundo acreditou na minha história.

— Ai meu Deus - Laís limpava as lágrimas que borravam o canto da sua maquiagem.

— E, assim que minha mãe me buscou aquele dia eu perguntei porque eu era escura e ela não, ai sim que ela me explicou que era por causa do meu pai e perguntou o porquê do meu questionamento, ai que eu contei minha teoria.

— E ela? – Indagou ansiosa.

— Riu muito e o apelido pegou. Minha avó só me chamava assim.

— Eu não fazia ideia de que era por isso – Concluiu - Onze anos de casada e eu não sabia a origem do apelido.

— E o que a senhora andou me escondendo nesses onze anos? - Cinthia se inclinou pela mesa, encarando a esposa nos olhos.

— Hum – Refletiu - Eu já disse que um siri beliscou meu dedo no mar quando eu tinha oito anos? E por isso não quis ir pra praia por ANOS?

— Olha ai - Apontou o dedo para a mulher entre risos- Eu sabia que você me escondia alguma coisa!

— Eu estava com a minha mãe e meu pai - Sua expressão mostrou um semblante triste, mas que logo foi afastado - E o mar estava calmo, a água bem limpa...

— Onde isso? – Perguntou com um sorriso nos lábios pintados.

— No Rio de Janeiro, uma irmã do meu pai morava lá. Enfim, eu estava lá, olhando meus pezinhos através da água quando vi um bichinho correndo muito rápido na direção dos meus dedos. Eu gritei e chutei ele e foi ai que ele me beliscou.

— Que malvada – Riu - Bem feito!

— Ei! Eu tinha oito anos, ok?

— Cruela Devil - Cinthia acusou com humor.

— Sem julgamentos! – Exigiu apontando o garfo para a esposa, que roubou o salmão espetado nele- Ei!

Uma luta épica de garfos foi travada em cima da mesa, que acabou terminando com risadas e olhares tortos das outras mesas.

Enquanto recuperavam o fôlego, Laís controlou sua mão e seu corpo, combatendo suas tremedeiras e dores tentando não esboçar nenhuma expressão.

— Você está bem? - Cinthia perguntou.

— Sim, minha cabeça só está doendo um pouco – Mentiu - Acho que não dormi bem noite passada.

A mulher sentiu lágrimas de dor brotando em seus olhos pela força com que seu ombro parecia estar se rasgando e se desprendendo do corpo, mas piscou até que elas fossem absorvidas.

— Que gostosa a brisa do mar - Laís comentou tentando tirar o foco de Cinthia das dores dela.

— Bastante - A negra fechou os olhos e aproveitou a forma como o ar parecia beijar seu rosto. Torceu para que ele levasse suas preocupações para longe quando ouviu uma melodia que aqueceu seu coração.

“Eu não quero confessar
Eu sei não quero me entregar tão fácil
Mas você chega devagar”

— Ei - Da testa de Laís brotavam gotículas de suor quando Cinthia olhou seu rosto doce - Está bem?

— Sim, é só a cabeça.

“Com esse jeito de me olhar bem fundo
E a minha timidez vai embora, eu sei
Que eu te quero pra mim”

— Vamos dançar? - Cinthia convidou.

— Mas não tem ninguém dançando - Laís reparou sentindo a dor diminuir e se dissipar lentamente.

“Não dá pra resistir ao seu amor
Você me olha assim, baby eu vou
Teus beijos só pra mim e teu sabor
Não dá pra resistir, preciso ter o seu amor”

— Não vão nos achar mais malucas do que já acham - Concluiu dando de ombros e buscando a mão da mulher, levando-a para a pista distante da mesa e perto de um bar, girando seu corpo e juntando-o do seu, colando suas testas.

“Nos meus olhos, nos meus sonhos
Minha fantasia é ter você
E quando você está aqui”

— É a nossa música - Laís sussurrou.

“Tudo o que eu quero é me entregar pra você
Deixar meu coração me levar pra você
Não quero mais parar”

— É a nossa música - Cinthia respondeu saboreando o momento e as lembranças.

Quinze anos atrás, Laís estava em um bar, afogando as mágoas em conhaque e se enfurecendo com cantadas podres quando Cinthia entrou no local, sua aura bela encantou Laís, que a convidou para dançar assim que a mais velha sentou ao seu lado. As duas dançaram ao ritmo da música entre risadas e, após a dança, a professora roubou um beijo da outra. Depois disso foram alguns meses de encontros que deram errado e de beijos roubados até Laís pedir a garota em namoro e, mais tarde Cinthia pedir a namorada em casamento, no qual dançaram a mesma música.

“Não dá pra resistir ao seu amor
Você me olha assim, baby eu vou
Teus beijos só pra mim e teu sabor
Não dá pra resistir, preciso ter o seu amor”

O perfume inebriante que Laís usava aquela noite encantava a esposa, juntando ainda mais seus corpos e dançando sua melodia favorita completamente fora do ritmo, sendo levadas por um som que batia em seus corações descompassados.

— Eu te amo - Cinthia sussurrou.

— Eu... - Laís arfou e se curvou no meio da resposta, seu braço inteiro tremendo sozinho, assustando a outra e fazendo com que as duas parassem de dançar - Podemos ir pro hotel?

***

Laís acordou com o sol cortando a cortina e tocando sua pele branca e com os cabelos castanhos e lisos tapando seu rosto, deixando-a incomodada. Assim que fez menção de bater as madeixas para o lado, uma dor insuportável atingiu seu peito, como se tivessem largado uma bigorna invisível sobre ela. Tentou levar o braço até o peito, mas o mesmo voltou a tremer e a sensação de que estava se rasgando do corpo também retornou, deixando a ela nenhuma alternativa se não chorar baixinho e esperar passar a sensação.

Paralisada com a dor, a mulher arfava e tentava suavizar a respiração para não acordar sua esposa que dormia suavemente ao seu lado. O peso no peito era tanto que Laís desejou morrer. Se sua hora ia chegar logo, porque não naquele momento? O peso estava se tornando cada vez mais insuportável se é que era possível, podia sentir seus ossos prestes a esmagar e quase ouvia suas costelas pendendo sob o peso, e, tão de repente como iniciou, a bigorna sumiu, permitindo que ela voltasse a respirar e que agarrasse seu braço espasmódico entre lágrimas. O episódio provavelmente tinha durado algo entre um minuto ou um minuto e meio, mas pareceram horas.

Já era a décima quinta ou sexta vez que sentia uma dor terrível como aquela, embora nunca tivesse contado à Cinthia. Na primeira vez que começara com os espasmos Laís já tinha ido ver um médico, que atribuiu o problema ao estresse e à falta de sono. Quando sentiu que suas pernas pareciam geleia, voltou a consultar, desta vez com outro profissional, que já conhecia a Doença de Dofh, e lhe contou tudo. A mulher ficara duas horas inteiras no consultório, apenas chorando e ouvindo as explicações detalhadas dos casos e dos tratamentos ineficazes. “Posso lhe oferecer um remédio forte para dor, é só no que posso ajudar” - o homem disse. Naquela noite, ela quis contar à Cinthia, mas não teve coragem. Cinthia era uma mulher cheia de vida, encantadora, bela e era o amor de sua vida. Não podia magoá-la daquele jeito e, assim, não conseguiu falar nada e conseguiu esconder a doença até o dia em que ela a levara para o hospital.

Suspirou na cama engolindo o choro e vendo que o braço suavizava a dor, sem realmente parar os espasmos. Não podia magoar sua esposa, não podia morrer, isso mataria Cinthia por dentro de tantas maneiras que a mulher nunca se recuperaria. Um medo avassalador de deixar a outra sozinha se apossou de sua mente e isso pesou mais que a bigorna.

***

Cinthia tateou a cama ao seu lado com os olhos cerrados e, quando sentiu que o espaço estava vazio e frio levantou com um sobressalto, ainda dentro dos sonhos.

Os cabelos escuros e alisados estavam bagunçados pelo rosto bem desenhado, as mãos delicadas apalpavam a cama, ainda sem pensar o suficiente para entender que a esposa tinha se levantado. A única coisa que sua mente pensava era “Eu perdi ela”. Um pavor se apossou e suas bochechas negras adquiriram um rubor nervoso quando ela se ajoelhou na cama e começou a buscar por uma Laís perdida entre os lençóis limpos.

Por mais que cavasse com as unhas na cama, não encontrava nem a sombra nem as roupas da esposa e o medo a dominava mais e mais. De seu rosto caiam lágrimas que batiam ferozmente na cama e, entre grunhidos assustados, Cinthia murmurou:

—Cadê? Onde está?

Aos poucos, sua mente despertava daquele momento meio sonambulo entre o total despertar e o sonho ruim, mas ainda assim ela não conseguia atinar a parar sua busca sem razão.

— Cinthia? – Uma voz conhecida arrancou a mulher do seu pesadelo acordado e ela buscou a dona do som, encontrando Laís parada na sacada a olhando como se ela fosse maluca. Com um pulo alegre, a mulher a abraçou firme, acordando finalmente.

— Eu tive um sonho horrível – Contou - Eu não te encontrava e... – Os soluços cortaram sua fala desesperada - Eu não te encontrava!

— Está tudo bem agora, amor - Laís a acalmou acariciando seus cabelos e engolindo as lágrimas pela comoção - Vamos tomar um café e ir pra praia, está bem? A água do mar cura.

— Eu tive tanto medo de te perder.

— E eu tenho muito medo desse teu medo - Laís confidenciou saindo do abraço e olhando nos olhos da esposa.

— Me desculpa - Pediu engasgando e negando com a cabeça - Eu queria não ter tanto medo, mas eu não vejo a minha vida sem você. Eu não consigo ver a nossa casa sem você. Eu não consigo me ver sem você.

— Você precisa, Cinthia.

— Eu não consigo - Resmungou como uma criança mimada.

— Eu já sabia da doença há dois anos e não contei por medo de como você reagiria - Expeliu a informação rapidamente. Não teria nunca um bom momento para contar, sabia disso, então aquilo simplesmente saiu de seus lábios sem autorização.

— Você...? - Cinthia olhou para ela como se não estivesse ouvindo bem.

— Eu não descobri anteontem. Eu já sabia há dois anos, mas não tive coragem de te contar. Eu sabia que você teria medo, então me apavorei e não consegui contar.

— Como ia ser isso, Laís? Um dia eu acordaria com o seu cadáver ao meu lado, é isso? E eu nunca saberia a razão!

— Eu contei pra sua mãe e ela...

— CONTOU PRA MINHA MÃE? – Indagou exasperada.

— Ela... Ela é o mais próximo que eu tenho de uma mãe – falou - Eu tive tanto medo de te magoar que não consegui falar nada...

— Laís - Suspirou engolindo o nervosismo.

— Eu não quero te magoar, eu não quero nunca partir seu coração, mas é isso que eu vou fazer, eu vou te quebrar por dentro e não tem nada que a gente possa fazer - Gemeu entre dentes sentindo o choro voltando com tudo e caindo sem pedir permissão.

— Você não vai...

— Eu vou sim, porque eu te conheço e porque se acontecesse contigo eu reagiria igual - Avisou, a pele vermelha estava marcada pelas lágrimas - Eu não quero, eu não quero te magoar.

***

— Oi, mamãe - Cinthia falou pelo telefone - Mais uma vez, muito obrigada por emprestar o dinheiro para essa viagem.

Café, mais uma vez, não tem de que. Não é como se eu fosse viajar pelo mar no caribe com uma mulher linda ao lado — Brincou.

— Boba - A filha retrucou - Como estão as coisas ai?

Eu e o Jon Jon estamos vendo Ana Maria Braga na TV. E vocês?

— A Laís me contou, mãe. Me falou que ela já sabia da doença.

Cinthia estava sentada em uma cadeira, embaixo do guarda-sol, só estavam ela e Laís naquele local. Seus pés com unhas bem feitas afundados na areia fofa e os olhos cravados na esposa que entrava cautelosamente no mar. Volta e meia Cinthia notava que a mulher se agarrava em seu próprio braço, como se o mesmo estivesse na iminência de despencar do corpo e se perder na água. Achou melhor não pensar naquilo, pois as duas haviam ficado um bom tempo conversando e discutindo seus medos até que se acalmaram e conseguiram sair. Agora, Cinthia tentava não ser tão medrosa para não assustar Laís com a possibilidade dela surtar quando a esposa morresse.

Oh. E como foi?— A mãe indagou baixando o volume da televisão.

— A gente conversou um pouco, mas ainda precisamos falar muita coisa - Suspirou cutucando uma concha com a mão livre.

Sem querer ser estraga prazeres, mas conversem logo então — Recomendou - A previsão do médico era... Otimista...

Seu olhar amedrontado buscou Laís no mar, mas não viu sua cabeleira brilhante acima das ondas. Sem sentir seus movimentos, o celular caiu de sua mão no chão e ela correu pela areia quente o mais rápido que conseguiu.

Se corrermos o mesmo tempo na areia e em uma superfície lisa, na areia percorreremos menos metros e, quando você está desesperada isso é ainda mais assustador. Cinthia adentrou a água gelada e, antes que pudesse alcançar a esposa, a mesma imergiu cuspindo água.

— SUA BRUXA! - Cinthia gritou jogando água na esposa - Não pode fazer isso comigo!

— Eu só mergulhei - Comentou confusa.

— Um minuto você estava aqui e no outro não?! E achei que você estivesse se afogando!

— Desculpa - Pediu quase achando graça da situação.

— Droga, Laís!

— Calma, poxa - Pediu abraçando sua esposa na tentativa de tranquilizá-la.

Não contaria à Cinthia, mas não tinha realmente mergulhado. Suas pernas tinham amolecido, como se derretessem feito manteiga, cedendo sobre seu peso e derrubando-a no mar para ser absorvida pelas ondas, entretanto, não via motivo para mencionar aquilo, sem ser para assustar ainda mais a mulher.

— A gente devia entrar - Laís sugeriu ainda sentindo uma dormência latejante nos membros.

***

— Faz dois anos que eu tenho medo de não acordar e não ter contado para você - Falou. As duas estavam sentadas, de banho tomado e cabelos úmidos, na cama do hotel em que estavam hospedadas, à beira mar - Me desculpa não ter dito nada antes.

— Eu te perdoo porque entendo - Cinthia suspirou passando a mão pelo rosto cansado - Mas ainda sinto essa mágoa.

— Eu sei - Beijou sua mão - E não briga com a sua mãe por ela não ter dito nada, tá bem?

— Aquela velha mentirosa – Praguejou - Mas não vou brigar com ela. E não fala assim comigo, ainda vamos ter muitos meses até que... Sabe...

O olhar de Laís adquiriu um tom triste quando ela tocou sua testa na de Cinthia.

— Meu amor, o médico não chutou baixo. Essa é a previsão de verdade...

Cinthia não contestou, apenas abraçou a esposa e as duas choraram copiosamente por longos e molhados minutos. Assim que os ânimos se acalmaram, se envolveram em um abraço apertado e trocaram beijos e caricias com sabor de saudade.

***

— Bom dia, meu amor - Cinthia sussurrou despertando Laís. As duas, no dia anterior, choraram e conseguiram encontrar uma maneira, em seus corações, de acalmarem seus nervos exaltados e, depois disso, aproveitaram a companhia uma da outra vendo filmes que sempre deixavam para mais tarde e comendo todas as guloseimas deliciosas que encontravam pelo quarto e pelo serviço; passaram o dia apenas curtindo seu amor e fazendo coisas que sempre quiseram fazer.

— Bom dia - Laís respondeu com um sorriso sentindo os lábios da esposa sobre os seus. Uma dor lancinante atingiu seu peito e ela deixou escapar um grunhido alto, assustando a outra.

— O que foi isso? - Indagou assustada, com os olhos castanhos arregalados.

— Nada de mais - Um sorriso triste passou pelo rosto belo de Cinthia, que aceitou a resposta e levantou da cama.

— Tem alguma coisa que eu possa fazer?

— Não.

— E o olho?

— Ainda na mesma - Sussurrou quando outra onda trespassou seu corpo. No dia anterior, tinha tido quatro episódios além do da praia: o braço que tremia como uma britadeira, o peito que parecia ser o sambódromo de uma família de elefantes, as pernas que perderam a força (e o pé esquerdo ainda não se movia) e o olho esquerdo que parou de enxergar e não havia retornado. Laís sabia que não voltaria, assim como o movimento dos dedos anelar e indicador da mão direita que estavam parados há dois meses.

— Quer café? - Perguntou com um dar de ombros, se não podia fazer nada, talvez alimentá-la fosse uma boa ideia.

— Seria ótimo - Deu uma piscadela e, vendo a esposa sair do quarto para pedir a comida para o serviço de quarto, se permitiu fazer todas as caretas de dor que queria para externar aquela sensação.

Cada pontada era um resmungo que ela tentava reprimir, mas que escapava por seus lábios trêmulos e levemente arroxeados. De repente, paralisou realmente apavorada com o que acontecia com seu corpo: no peito ela tinha os órgãos vitais: pulmão, coração, e se não fosse simplesmente o seu peito que doía e sim um daqueles pedacinhos preciosos de músculo? Se algo ali dentro parasse de funcionar ela estava ferrada, para ser mais exata, estava morta. Uma onda de desespero se agarrou em cada um dos poros de Laís enquanto ela refletia sobre o que deixara de dizer a Cinthia, o que deveria ter dito mais vezes, como que a amava, mesmo quando chegava furiosa com algum aluno ou quando brigavam. Que a achava a mulher mais bela de todo o mundo mesmo após onze anos de casamento. Que amava suas curvas e suas cores como e ela era tudo para si. Esqueceu de dizer que a amava naquela manh...

***

— Amor, eles tem croissant, mas nenhum bolinho, pode ser? – Cinthia indagou com o telefone do hotel na mão. Espiou o quarto e viu que Laís ainda não tinha saído da cama – Laís - Chamou ainda do corredor, sem adentrar o quarto – LAÍS - Repetiu vendo que ela não havia se movido. Devia ter pego no sono de novo - Só um minuto - Pediu ao telefone e desligou, largando-o em uma mesinha.

Se aproximou da cama ainda com o sorriso no rosto de quem acordaria uma pessoa com preguiça e dorminhoca, mas, quando mais se aproximava dos lençóis claros, mais a pele negra empalidecia.

Embora não entendesse por completo a situação ainda, seu subconsciente já tinha noção do que via: o corpo morto de sua esposa e companheira de quinze anos, que escondera por dois anos uma doença fatal e incurável com medo da reação de Cinthia. O corpo do amor de sua vida.

— L-Laís - Chamou seu nome cautelosamente, as lágrimas começando a brotar nos cantos dos olhos. Sentou na cama, arrastando o corpo incrédulo para perto da mulher: seus olhos estavam semi abertos e sua boca estava de um tom mórbido de lilás.

Cinthia sentiu o peito rasgando, a pele abrindo e o coração pulsante saindo para fora, pois ele pertencia à Laís, não era dela. Subitamente, a compreensão correu pelas veias, desabando seus ossos sobre a mulher na cama, à qual se agarrou como se fosse uma boia em alto mar, e chorou. As gotas salgadas correndo pelos olhos e a boca desenhada gritando seu nome incansáveis vezes contra o pescoço que esfriaria.

— Eu te amo. Eu te amo, por favor - Pedia desesperadamente - Eu ainda não disse, eu te amo!

Buscou uma pequena caixa no bolso da calça caída ao lado de cama e a abriu para que o rosto frigido pudesse ver.

— Eu ia dizer o quanto eu te amo hoje - Lamentou, sua voz era quase gritada - Porque eu te amo. Laís, eu te amo e eu ia te pedir em casamento de novo, porque eu quero renovar os votos. A morte não pode nos separar.

Agarrou mais uma vez a cabeça da mulher e a abraçou contra seu coração que batia descompassado, sem entender porque seu par não batia também.

— Eu te amo, Laís. Eu te amo mais que tudo. Eu te amo tanto que eu não sei nem mesmo dizer o quanto - Urrava para o quarto vazio e silencioso - Por favor. Por favor.

Mas Laís não respondeu.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :D
Deixem um comentário ai contando sua experiencia, se fiz vocês chorarem ou se só acharam uma bosta :D
Não se esqueçam de conferir a história do Leo
Até uma próxima ♥



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