Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 21
018. Um ombro amigo (presencial)


Notas iniciais do capítulo

Leiam as notinhas finais, por favor!



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Meu lugar não era com o sol. Melhor dizendo, eu não fui feita para lutar por um filete de sol; não enquanto estivesse perdendo o que o outono poderia me oferecer de melhor. Então, dei meu adeus silencioso ao sol.

───── 18 ─────

Por um minuto, permanecemos apenas nos encarando. Assimilando-nos. Estivemos tão perto um do outro e, ao mesmo tempo, tão longe! Ele mal consegue me olhar nos olhos, mal consegue falar comigo. Não era para isso que existia Nora, afinal de contas? Para “traduzir” o que eu dizia? Reid podia muito bem me incluir nas conversas, mas a quem ele ouvia era Nora. Eu não passava de amiga dela e amiga de Elio, em sua concepção. Deveria ser extremamente difícil para ele agora ter de realocar as coisas. Sua musa inspiradora não era quem dizia ser.

E quanto a mim? Bem, eu sempre soube que Reid era incrível. Mas agora que ele também era T. Kyrell, as coisas mudavam de perspectiva. Eu já havia abandonado meu sentimento platônico por ele há tempos, e certamente não havia resquício dele enquanto eu estudava sua fisionomia. Ainda assim... Durante alguns anos, T. Kyrell foi a única pessoa além de Nora para quem eu podia contar em todos os momentos. Ele sabia muita coisa de mim e eu dele. Todas as conversas que tivemos giravam em meu cérebro como água parada num dia de verão. Em breve, tudo lá dentro apodreceria.

— Eu... Entre, por favor — Reid quebra o silêncio com um pigarro desconfortável, mas ainda assim abre mais a porta para que eu entre em seu apartamento. Assim eu o faço, apesar de sentir a massa do clima pesado se fechando acima da minha cabeça. — Tá com fome?

Nego com a cabeça. Não, Reid, meu estômago está se embrulhando. Não estou nem um pouco a fim de vomitar na sua sala de estar, muitíssimo obrigada. Ele devolve o meu gesto com um meneio de cabeça, mas não recusa se presentear com uma xícara de café preto que provavelmente foi passado agora. Procuro analisá-lo o máximo que posso. No momento, ao contrário de Nora, ele não apresenta nenhum traço de quem andou chorando.

— Então... Era sobre isso que se referia sobre a sua... Falta de sinceridade na entrevista? — Reid riu fraco, sentando-se ao meu lado no sofá. Ao passo que assinto, ele suspira. — Faz... Faz bem mais sentido agora. Eu flertei com Nora com uma piada interna pensando que ela me reconheceria, mas...

É claro. Então, sinalizo para que ele me arranje um pouco de papel e caneta – o que, para alguém que escreve poesia, não é grande coisa. Com os dedos trêmulos, arranjo uma resposta. “Não é culpa dela. Toda essa história começou quando eu disse que não queria me expor. Então, Nora disse que se fosse para eu perder uma grande oportunidade por vergonha, ela poderia assumir o meu rosto. E eu aceitei. Ela é uma boa amiga, Reid”.

— Sei disso — Reid engole em seco, lembrando depois que tinha seu café. Seu tom de voz é permeado por rancor. Ainda que ele estivesse tentando disfarçar ou controlar, era palpável seu desconforto. Reid sentia-se traído por mim, mas ainda mais por ela. — E você também, pelo visto.

Sinto minhas mãos tremendo igualmente. Minhas mãos sempre tinham sido minha voz, porém isso se agravava no momento: ao passo que ele podia controlar o tom de voz, eu não poderia controlar minhas mãos.

“Não. Eu não sou uma boa amiga. Acabo de estragar o relacionamento da minha melhor amiga. Acha que não estou me sentindo culpada? Aliás: se não estivesse me sentindo culpada, acha que eu estaria aqui?”.

— Desculpe. Eu... Desculpe. Não estou sendo justo, estou...?

Mordo meu lábio com indecisão. É tão difícil...! Para aliviar sua barra, eu dou de ombros de maneira neutra.

— Me perdoe, Diana. Eu... Acho que posso te dar o benefício da dúvida, certo...?

Assinto com a cabeça, me encostando ao sofá de sua sala de estar. Como os móveis foram escolhidos majoritariamente pelos moradores anteriores, faz sentido que os apartamentos sejam decorados de acordo com gosto pessoal – afinal, apenas as bases das construções são iguais –, porém agradeço o fato de que aquele é um sofá muito mais confortável do que o temos em nosso apartamento. Conforme vou escrevendo, sinto os olhos de Reid repousados sobre mim. Não é algo que me conforta, mas procuro me lembrar de que ele ainda pode ser considerado meu melhor amigo e confidente.

“Reid, eu que peço perdão. Após nós conversarmos naquela madrugada, e você me disse que a sinceridade era a melhor das identidades, eu fiquei reflexiva ao extremo com isso. Eu sabia que precisava resolver as coisas, mas logo no dia seguinte a editora publicou a entrevista. Nora ficou insegura, eu fiquei insegura. Já era nosso plano e ainda é. Eu JAMAIS iria imaginar que você estivesse perto a esse ponto. E imagino que VOCÊ também estivesse esperando para fazer uma surpresa dupla. Por isso, sou eu quem sente muito. Pela quebra de expectativa. Pela decepção. Pela mentira. Mas nossa intenção nunca foi mentir para você. Eu perdi a conta de quantas vezes eu disse para a Nora de que você gostava dela por ela ser a Nora, e não a Artemis. E acredito que você vai ter que concordar comigo, não é?”.

Após sua leitura, Reid me observa com atenção e assente com a cabeça com lentidão. Não posso decifrar o que ele está pensando com exatidão – e quem é que consegue? –, porém consigo ver que ao menos mexi com sua cabecinha. Graças aos céus.

— Eu até esqueci que o seu poder secreto é escolher as palavras certas — Reid ri um pouco mais descontraído, ainda assim ele escolhe suas palavras com cuidado. — Você tem razão... Eu acho que só... Não sei explicar. Eu acho que é isso que você disse, eu... As minhas expectativas foram esmagadas. Nora não merecia isso de mim, eu sei. Se você parar para pensar, eu fiz a mesma coisa. Eu também me escondi de você, não foi...?

Ergo a cabeça, sustentando nosso olhar. Estremeço ao sentir a vontade de chorar sobre todos os meus problemas em seus braços, porém ele não me impede de fazer isso. Reid é pouco mais velho do que eu, mas ao conseguir associar a imagem à pessoa, isso me fez sentir com dezesseis anos novamente. Mais uma vez, eu sou uma garotinha que está buscando refúgio na escrita e que encontra um amigo – mais do que um flerte ocasional, um amigo. Para o que der e vier. E Reid parece se dar conta disso quase no mesmo instante.

— Venha cá — ele convida, com o carinho que estou tão acostumada a ler. Sem pensar duas vezes, me aconchego em seus braços e permito que eles me aconcheguem também. — Eu nem sei como você está se sentindo. Pior: eu nem sei como eu estou me sentindo. Mas eu... Estou aqui, se quiser. Aliás... Mesmo se não quiser, eu vou estar aqui. Ah, quer saber, acho melhor eu ficar quieto.

Consigo rir um pouco, apesar de as lágrimas descerem quase como a enxurrada de Veneza. Reid permanece em silêncio, tomando a parte de me sustentar enquanto todas as minhas tristezas abalam as paredes do meu corpo. Para quem tem tanto medo de tempestades, eu estou bem para tempestade ambulante.

Está difícil ser a poeta da vez. Se Reid conseguisse ler minha vez, tenho certeza que estaria chorando em shakespeariano. Ou byroniano?

— Então... — depois de eu me acalmar um pouco, pobre coitado, Reid se pronuncia. — Você disse que queria se consertar com isso?

Assinto com a cabeça, me apartando dele. Enxugo meu nariz com muito pouco heroísmo. Tenho certeza de que eu jamais iria se inspirar em mim para compor qualquer estrofe que fosse...

Resgato o bloco de notas para poder lhe dirigir uma resposta. “Eu nunca falei de você pra Nora. Digo, como Kyrell. Primeiramente, você acha que eu deveria?”.

— Não — ele responde de prontidão. — Não, ainda é... Algo muito particular. Nós dividimos coisas que acredito que merecem ficar apenas entre nós.

Ele tem toda razão.

“Certo. Mas você precisa me prometer que vai fazer as pazes com a Nora. Se quiser, podemos trocar de apartamento por hoje. Eu me faço de doida!”.

— Acredito que ficar com o Elio também seja uma das opções? — Reid ergue uma sobrancelha, e o seu tom divertido me conforta. — Quer dizer, supondo que ele seja o cara de quem você estava falando nas mensagens?

Rio completamente constrangida, sentindo minhas bochechas pegando fogo. Aquiesço com a cabeça, porque... Que outra opção me resta a não ser a sinceridade?

— Ah, que bom. Porque ele é louquinho por você. Se não fosse eu mesmo tiraria um tempo para te fazer umas ameaças.

“Por favor, só carinho por aqui.” E, depois de hesitar alguns segundos, complemento a frase. “Acha que ele vai ficar bravo comigo por ter mentido?”.

— Acredito que não... Mas é bom contar para ele antes do nosso plano de reparo, não acha?

Ergo uma sobrancelha, traduzível universalmente como “nosso?”.

— É! Eu já disse, estou com você nessa, dona Lua. Se você está dizendo que quer se consertar, eu vou ajudar, é claro!

Nessa hora, eu não sabia dizer mais o que havia me deixado tão preocupada. Com um sorriso feliz, nós nos sentamos lado a lado e, como a boa dupla dinâmica que éramos, bolamos um plano com cronograma para que tudo corresse ao menos com decência.

 

Para um poeta, Reid poderia facilmente passar-se por um grande romancista. Quando finalizamos nosso organograma – afinal, como todo o enredo que eu arquitetei era complexo, nós precisamos de um contra-ataque à altura –, já era quase tarde e decidimos seguir nossas próprias recomendações. Após a peleja com o elevador, combinamos que o plano para se caso fôssemos expulsos de nossos respectivos destinos seria retornar para o apartamento dele, por via das dúvidas. Evitava situações constrangedoras, e me garantia a probabilidade de dormir num sofá gostoso.

Positividade, Diana.

Então, heroicamente, no último andar, respiramos fundo e batemos à porta. Não ao mesmo tempo, é claro. Reid me empurra em sua frente e se esconde nas escadas enquanto aguardo Elio me atender. Quando olho para trás, a única cena presenciada é a dele fazendo um joinha encorajador.

Se Nora não o matar, eu mato.

— Já estou indo! — a voz de Elio faz-se ouvir lá dentro. Como sempre, eu me derreto com isso. Quando ele aparece à porta, sinto meus joelhos bambearem. — O-oi! Diana! Oi!

Seguro a risada e lhe ofereço um sorriso animado. Não o julgo por sua confusão, são quase nove da noite e eu sugeri que deveríamos ir devagar. Agora, cá estou eu, batendo à sua porta, sem aviso. Sorrio de lado, aliviada por poder comunicar-me como de costume.

Eu! Oi! Preciso te contar uma coisa.

— A-ah! Claro, vamos entrar?

Confirmo com a cabeça, engolindo em seco. Torço para que Reid não esteja observando a cena, porque seria duplamente humilhante. Sigo-o apartamento adentro, notando os livros e cadernos espalhados pelos cômodos. Elio foi logo se explicando, apesar de eu já ter uma ideia do que está acontecendo:

— Eu consegui pensar num rascunho — isso e um sorriso adorável. — Estava trabalhando nisso. Olha, eu me esqueci de jantar. Vai uma macarronada aí?

Eu seria muito estúpida se recusasse uma macarronada de um meio italiano, não seria?

— Beleza. E então, o que... Hum... O que é que você veio me dizer?

Que eu sou Artemis. E isso não é uma piada, é o que estou querendo dizer de verdade.

Elio estava prestes a abrir o pacote de macarrão, mas interrompeu o gesto para me olhar com uma expressão que não consigo decifrar. Parece um misto de confusão e... Deferência?

— Ah, isso explica muitas coisas!

... O quê?

— Nossa, é incrível que você não precisa dizer nada, o seu rosto é completamente expressivo — Elio comenta com carinho, vindo sentar-se ao meu lado. Agora é nítida sua empolgação. Sinto vontade de chorar, e olhe que ele sequer tinha terminado de se pronunciar. — Depois das coisas que você disse em Veneza, parecia muito com as coisas que a Artemis escreve... Eu... Confesso que tinha lido só o conto do concurso, mas... Ah, a sua escolha de palavras tem um estilo único, Diana. Você... Está me olhando assim porque achou que eu ficaria bravo ou o que...?

Então, sem que eu me dê conta, passo os braços ao redor de seu pescoço e o abraço como se eu o conhecesse há séculos. É uma sensação tão... Libertadora. Saber que posso ser Diana Davies ou Artemis e Elio ainda estará lá me fazendo elogios tão originais quanto um singelo bolo de cartas trocadas pelos avós que sobrevive em nome do amor e do respeito das gerações futuras. Elio ri surpreso, me sustentando nos braços.

Tomara que eu morra de amores.

— Eu... Não sei exatamente como devia reagir, mas... Obrigado?

É minha vez de desejar escrevê-lo com os olhos e o coração. Portanto, me afasto alguns centímetros e o seguro pelas bochechas para dar-lhe um beijo caprichado de olá/boa noite/obrigada. Elio ri abafado, mas corresponde ao meu gesto com doçura. Então, me inflando com toda coragem que consigo reunir, olho bem no fundo de seus olhos castanhos e articulo a frase com os lábios:

Eu amo você. Obrigada.

Elio arregala os olhos, e só consigo pensar que agora estou perdida. Desta vez eu me precipitei. Quando estou prestes a me fazer de desentendida, ele abre um sorriso enorme e cheio de emoção.

— M-mas que coincidência! — suas bochechas colorem-se de vermelho escarlate, e eu preciso me conter para não enchê-lo de beijos ali mesmo. — Sabe que eu também?

Meu coração dá aquele pulo prometido, e... Francamente?

Eu não me importo.

— Por que você me contou isso agora...?

Sua pergunta me desperta do torpor que sua declaração em retorno me colocou. Mordo o lábio, optando pela resposta mais sincera.

Porque eu quis!

— Ah, é? E aquele negócio todo de “devagar e sempre”? — ele faz troça erguendo uma sobrancelha.

Finja que eu nunca disse isso!

Nós dois trocamos um riso aliviado, para logo depois protagonizarmos uma ceninha com alguns beijos no sofá. Após o que pareceu uma eternidade – e, com isso, quero dizer no máximo dez minutos –, Elio suspira e ajeita um cacho rebelde que insiste em ficar entre nós.

— Mas... Então. Eu acho que você não veio aqui só para jogar essas bombas e deixar por assim, veio?

Eu nego com a cabeça e, após respirar fundo, aponto para um de seus cadernos. Não preciso fazer mais do que isso para que ele entenda meu pedido.

Por mim, por ele, por Reid e por Nora, eu faço o que sei fazer de melhor – modéstia à parte.

Eu escrevo.


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Notas finais do capítulo

É o amooooooor ♪

Enfim! O aviso que eu gostaria de dar é que provavelmente não conseguirei postar o capítulo do mês que vem. Vou tentar ao máximo deixar dois capítulos prontos para postar em novembro, mas talvez isso não aconteça, tá bom?
O que acontece: Esse mês, meu coelho ficou doente, então estou dando o máximo de atenção de consigo para ele. Sobrou muito pouco tempo para adiantar algum capítulo para o mês. "Ah, tia Camellia, por que então você não escreve no próximo mês?" Para quem já está no Nyah há algum tempo sabe que em outubro rola o Desafio Drabble, e esta autora que vos fala é uma participante. Quem participa sabe que, apesar de serem histórias curtas, a gente gasta muito tempo trabalhando tanto nelas quanto lendo as outras histórias.
Então... é isso! Vou deixar esse aviso em todas as minhas histórias em andamento, então se topar com esse aviso duas vezes saiba que é apenas preguiça de um aviso personalizado em todas. Muito obrigada pela paciência e a gente se vê em novembro!
(ou em outubro, caso se você for ver o que vou aprontar esse ano xD)



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