Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 13
011. Luvas de pelica


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, boa tarde, boa noite! Como vão vocês? Mais um fim de mês e mais um capítulo, trazendo procês a continuação desse passeio entre o casal e as velas, hehe. Sem mais, espero que gostem ♥



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Passamos a tarde inteira fazendo juras um ao outro. Já sabíamos como reagir da próxima vez que nos encontrássemos, então não haveria perigo de ambos passarem pelos mesmos conflitos iniciais de identidade. Até amanhã, ele despediu-se quando enfim se pôs. E eu, que já estava a tanto sentada na mesma posição, me vi obrigada a baixar as mangas e esticar as pernas dormentes antes de retornar para casa.

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Opto por guardar meu novo livro na bolsa, para não despertar perguntas atravessadas da parte de Nora. Ela é minha melhor amiga maravilhosa, mas o passeio em casal foi feito para ela e Reid hoje.

Elio se levanta logo após mim, porém não nego ajudá-lo com uma mão. Percebo que foi uma decisão equivocada quando quase tropeço para trás pelos pesos serem consideravelmente diferentes, então no final das contas foi um emaranhado confuso de mãos e risos unilaterais. Elio se desculpa com um “eu sou um estabanado”, e posso ver Reid segurando a risada fingindo estar muito interessado em algo em suas unhas.

Todos nós estamos saturados de calor, no entanto a promessa de comida com gostinho de casa nos aguarda. Nora é a que está mais animada, porquanto que salta para dentro do táxi já cumprimentando Paolo com um buongiorno mais que acentuado. Elio vai ao banco da frente e Reid sorri sozinho, ao passo que o taxista sorri com os bigodes.

— Boa tarde, bambini! Como vão hoje?

— Muito bem, obrigada! A propósito, estes são meus amigos Reid e Elio. E o senhor, como vai?

— Bem, bem! Minha querida Francesca teve um filho semana retrasada, está diante de um avô de primeira viagem!

Ao dizer isso, as bochechas de Paolo ficam inflamadas de alegria e todos nós somos inflamados pela mesma energia. Reparo no ambiente total do táxi enquanto ele dá a partida, então gesticulo para que Nora transmita o que estou falando.

— Diana está perguntando se o senhor tem alguma fotografia do bebê?

— Ah! Sì, ela está aí no porta-luvas. Pode pegar para mim, meu rapaz?

Elio confirma com um sorriso, analisando a foto em formato Polaroid da nova família. Perco-me um tanto observando suas expressões faciais – primeiro, ele franze a testa. Depois, ela suaviza o rosto e até se permite sorrir, passando a foto para que nós a olhemos também. O bebê em questão – desculpe-me, o pequeno Salvatore – é adoravelmente rechonchudo. Ele sorri para a foto, e parece que está sorrindo diretamente para mim.

— É uma gracinha — Reid contribui para os elogios, devolvendo a foto para Elio. Logo o bebê Salvatore volta a ser um alento para o porta-luvas. — Meus parabéns, senhor.

Paolo sorri para ele, voltando a se concentrar no caminho. Pelo caminho, atravessamos o rio Arno e passamos pela Porta Romana que protege os Jardins de Boboli, e para mim é impossível não reverenciar o monumento tão bem preservado. Ao meu lado, Nora e Reid conversam sobre planos de visitarem os Jardins depois. Em algum momento, perguntam a mim e a Elio se concordamos com os planos, e pela animação que os dois compartilham é praticamente impossível dizer não.

Quando chegamos à Trattoria da Ruggero, primeiro presto atenção ao cardápio da semana escrito em giz à mão, então sou a primeira a me derreter com a familiaridade do ambiente. Nora tem de me cutucar para que eu saia do táxi, porque nossa parte do dinheiro está na minha bolsa, então pago a corrida com um sorriso amarelo. Paolo, por sorte, parece esperar que eu me encante, porque só acena de volta para mim abaixando um tanto sua boina.

— Ele é um senhorzinho muito simpático — Nora comenta, assim que nos localizamos de volta ao plano “estamos com fome”. Ouço minha barriga roncar, daí Elio ri disfarçadamente da minha desgraça. Mas que inferno... — Sabe que estou até começando a gostar de vinho?

— Que bom, aqui o vinho é praticamente água — Elio dá de ombros, bem-humorado.

— Isso quando não é água com gás e limão! Ah, se eu soubesse que iria ter tanta comida boa e calorosa, teria feito um regime de um ano.

— Não se preocupe, Nora. Você é um saco sem fundo.

Nora dá a língua para mim, depois traduz para Reid o que disse, então é a vez dele gargalhar. Sinto-me muito orgulhosa de poder ser a palhaça do grupo, e não ligo de ser a vela entre os dois. Por quê? Simplesmente porque esses dois formam um casal com uma química quase palpável, e em momento algum os dois deixam a mim e Elio de fora. Até mesmo os garçons parecem envoltos na aura dos dois, o que me faz pensar que somos os planetas orbitando ao redor de uma estrela em formação.

Apesar de estarmos todos sorrindo e felizes, após o fim do almoço Elio me cutuca por baixo da mesa com cuidado. Olho para ele um tanto quanto perdida, mas logo ele se inclina para mim e indaga num tom que os dois não posam escutar:

— O que acha de deixarmos os dois em paz?

Engulo em seco e confirmo com a cabeça com um sorriso de escanteio. Não é exatamente um convite e não tem nenhuma mensagem nas entrelinhas em suas palavras, mas me deixa animada para dar um pouquinho mais de felicidade para Nora. Então, quando ela e Reid pedem suas sobremesas, nos despedimos com uma cara de pau sem tamanho. Damos meia-volta e rimos horrores de nossa própria façanha.

— Nossa, a gente tem quantos anos, 13? — Elio se recompõe, apesar de ainda estar rindo pelas beiradas dos lábios.

— Ah, pare. É divertido.

— Só um pouquinho. Não vou te dar o braço ao torcer, Diana.

Sorrio para ele com uma pontada de ironia. Elio revira os olhos de brincadeira e oferece o braço para mim.

— Um passeio nos jardins, srta. Davies?

— Sim, senhor.

Eu o respondo com uma mesura antes de aceitar o braço, como faria uma dama burguesa no século XVIII. Antes de irmos, me parabenizo silenciosamente por ter decidido usar o elevador e não as escadas hoje.

Nosso passeio, no final das contas, não foi grande coisa. Estávamos os dois suados e a caminhada que era para ser terapêutica ficou insuportável após um tempo. Quem diz que caminhar após o almoço ajuda na digestão é porque não come massas, isso sim. Apesar de estarmos com nossos humores afetados – Elio ainda parece particularmente afetado pela história da irmã e dos avós em Manhattan –, ambos nos deixamos no último andar dos prédios residenciais da Università, cada um com sua porta.

— Boa leitura — Elio sorri, apontando com a cabeça para minha bolsa. Assinto com a cabeça, sorrindo de volta de modo compreensivo. — E... Desculpe-me o mau jeito, mais cedo. Outro dia conversamos mais sobre isso, que tal?

— Não se preocupe.

— Obrigado, Diana. Até outro passeio...?

— Vou ficar esperando.

Elio suspira, então prefiro deixá-lo a sós com seus próprios pensamentos. Daí, giro nos calcanhares de volta para o apartamento. Meu primeiro instinto é o de pegar o livro para devorar, e o faço na hora. Mais uma vez, estou respeitando meu ritmo de escrita, ou como Nora diz, “procrastinando com elegância”.

Surpreendo-me com o estilo de escrita da autora, que aparentemente nos conta absurdos sociais com a naturalidade de quem conta uma história de família tradicional. A estratégia de conhecer as personagens principais desde a infância e acompanhá-las enquanto crescem e desenvolvem seus próprios problemas é uma ótima jogada, porque na mesma medida que nos afeiçoamos a elas podemos odiar algumas de suas ações e ainda assim saber o que as levou a cometer cada uma delas.

Apenas interrompo minha leitura quando me dou de cara com uma frase que me atinge como se alguém tivesse puxado o tapete dos meus pés. Tenho de relê-la para que o choque inicial passe e que eu recobre minha postura.

“Então eu era a segunda em tudo. E torci para que ninguém jamais percebesse”.

Sou transportada de volta para meu ensino médio. O que eu poderia fazer de diferente? Hakuna Matata ainda era meu melhor lema, mas certas coisas são esquecidas quando se atinge um limite de tolerância. É claro que eu não era – e não sou! – grosseira, e é claro que estamos falando de um limite mental de ignorância.

Eu suspiro sozinha no apartamento. Após tanto tempo sendo chamada de “a irmã da Donna” e “a amiga da Nora”, achei que bastava. Talvez meu único momento de coragem aos dezessete anos foi escrever permanentemente em meu bloquinho “eu tenho um nome, sabia?”. Apesar de ser um ato pequenino, senti um pouco mais de respeito entre os alunos. Ao menos... Parei de ser esnobada, um pouco.

Dou uma pausa benéfica na leitura, por pelo menos dois dias. No nosso segundo encontro coletivo na cobertura do prédio residencial, eu e Nora contribuímos com o café – que ela faz, porque eu já desisti – e com o livro a tiracolo. Sei que ninguém irá se incomodar de conversar comigo de qualquer maneira, então posso escutar as conversas de escanteio, por assim dizer.

Acomodo-me em meu canto do telhado, confortavelmente. Mabel abre um sorriso adorável, e toda sua aura calma me faz ter vontade de deitar ao seu lado e pedir para que ela me conte o segredo de sua calmaria divina. Já Nora senta-se ao lado de Kiera, que a cumprimenta com um abraço muito pouco delicado. Mas, afinal, desde quando Kiera é delicada? Prince, como sempre, é recepcionado por ela com um revirar de olhos que até hoje não sei se é sério ou se Kiera não o suporta.

Sariyah e Reid chegam juntos, conversando animadamente sobre algo de poético que Reid captou em algum comentário aleatório que ela fez. Dessa vez, seu cabelo está coberto pelo hijab, e é nítido que Sariyah está mais confortável assim. Capto um sorriso de escanteio da parte de Nora, então julgo ser essa a minha hora de enfiar meu nariz atrás de A amiga genial.

Elio, como sempre, é o último a chegar. Seu cabelo está em pé, o que me faz pensar que acabou de levantar e que provavelmente esqueceu-se do convite do café no telhado. Imagino que ele seja do time dos que só não se esquecem da própria cabeça porque ela está vinculada ao pescoço. O pensamento me faz sorrir sozinha.

— Foi mal, galera — o ítalo-americano sorri, sem-graça. — Trouxe cannolli.

— Perdoado — é o veredito automático de Kiera, que sinaliza um lugarzinho para que Elio possa se sentar. Apesar do atraso, ninguém dispensa doces. — Esse menino é mesmo um anjinho. Depois da Mabel ali, é claro.

Mabel faz beicinho, concordando com a primeira fala da amiga. Já Elio ri nervosamente, fazendo um gesto com a mão de quem diz “ah, pare com isso”. Daí, ele se senta no canto oposto ao meu no telhado. Ergo minha cabeça apenas um pouquinho para que ele veja que reconheci sua presença.

— Afinal, por que ela vem com a gente mesmo? — Prince indagou retoricamente, para ninguém em específico.

Percebo que ele está falando de mim, então gesticulo mostrando meu livro. É a linguagem universal de “estou lendo”. Kiera ergue uma sobrancelha para ele, pronta para fazer uma defesa em meu nome, mas faço um sinal para que ela espere um tantinho. Saco meu bloquinho de notas e escrevo um singelo “ela vem com a gente porque não tem ninguém que se incomode com o silêncio dela” e o jogo para ele. Não fico de cabeça erguida para ver o estrago, mas pela risada que Kiera dá sei que fui bem sucedida em meu primeiro tapa com luvas de pelica.

— Bem, Prince, nós também não sabemos por que vem às vezes conosco, mas ainda assim estamos aqui — ela comenta num tom de voz angelical. Tenho vontade de dizê-la “quero morrer sua amiga”, mas guardo o comentário para mais tarde quando Nora puder traduzi-la.

Prince resmunga, e posso jurar que não ouvi sua voz pelo resto do dia. Elio sorri para mim, e não me passa pela cabeça como eu sei disso com o nariz enfiado atrás das palavras hábeis de Elena Ferrante.


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Notas finais do capítulo

Diana é uma dama e não esperamos nada além disso dela, não? Uma dama paciente, porque agora veio a certeza de que o Elio tem algum conflito familiar que vai ter que ficar pra outro dia...



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