Sete-Estrelo escrita por sabrinavilanova, Nathymaki


Capítulo 5
Capítulo Cinco - When The Sun Goes Down




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Na noite seguinte a partida, os marujos se encontravam reunidos no convés, agrupados ao redor de uma lamparina cuja luz bruxuleava inconstante com o movimento do navio a cortar as ondas. Sua missão era fazer a vigília até o próximo turno para então poderem cair nas redes e apagarem por completo até que a manhã chegasse. Entretanto, ali estavam eles, negligenciando suas tarefas em prol de uma garrafa de rum escondida e do prazer que era narrar antigas histórias para expor os medrosos e indignos.

Shouto não sabia como havia ido parar ali, mas agradecia qualquer oportunidade que fosse de conseguir um pouco de tranquilidade, um tempo apenas para observar a lua refletir seu brilho no mar e não pensar em mais nada. Entretanto, não tinha como não interromper a sua própria atividade para deixar que os olhos observassem o homem mais velho que ele jogando os pés nas pernas de alguém, enquanto apoiava-se em um dos bancos de madeira espalhados por aquele lugar. Podia notar as linhas de expressão na testa do rapaz castigado pelo tempo, as bochechas eram finas, ossudo, diferente do companheiro no qual se apoiava, que era rechonchudo e jovem, talvez alguns anos mais velho que o próprio Todoroki. 

O homem mais velho segurou a lamparina em sua mão e arregaçou as mangas, como se estivesse prestes a contar algo importante, não conseguia olhar em seus olhos do ponto onde estava, mas podia ver expressão séria, cansada por ter passado o dia inteiro trabalhando. Ainda assim, quando a luz oscilou pelo seu rosto, havia um quê de humor sombrio estampado na curva do lábio que se erguia em um sorriso malicioso.

― Bem antes de eu parar nesse navio… ― começou o homem em um tom rouco. ― Quando a maioria de vocês ainda não passavam de pequenas e irritantes crias agarradas às saias da mãe…

― Qual é! ― um dos outros interrompeu com uma risadinha. ― Não somos tão novos assim!

― Calado! Quem está contando a história sou eu! ― pigarreou e retornou ao tom abafado que estava usando anteriormente. ― Havia um navio, um belo e poderoso navio encomendado diretamente pelo rei a um famoso e anônimo construtor como um presente a marinha portuguesa por seus serviços. ― Um coro de vaias se ergueu, mas logo foi silenciado por um olhar irritado daquele que falava. ― Diziam os envolvidos que aquele navio era a obra prima do construtor, sua maior criação e que nenhum dos demais barcos se igualaria a ele em termos de velocidade. Ele o batizou de Plus Ultra e o apresentou ao Rei como fora pedido, desaparecendo sem deixar rastros logo em seguida. Alguns dizem que morreu, outros ainda que tirou a própria vida, tomado pela certeza finda de que jamais faria outra obra tão grandiosa. 

“Na marinha, o navio prosperou, rápido e implacável, e logo dominou os mares com sua supremacia. Foram tempos negros para os piratas da época, seus frágeis navios não eram páreos para a grandeza do Plus Ultra. Até que um deles decidiu não mais se submeter. Conhecido pela sua crueldade, de aparência tão horrenda quanto o coração negro em seu peito, o Marquês que supervisionava a tripulação — e no fundo guardava muitos anos de rancor contra a coroa e seus integrantes — organizou um motim, abordando cuidadosamente os membros tão cruéis quanto si e reunindo-os para o ataque em uma noite silenciosa.”

“Foi um massacre. Dizem que os gritos das vítimas ecoaram pelos Sete Mares em um coro torturante e infindável, que os líderes foram torturados de tal forma que era impossível reconhecer seu corpo mesmo que houvessem sido achados, e que muitos enlouqueceram ao assistir tais atrocidades e imploraram por dias a fio antes que fosse lhes concedido o doce alívio da morte. O Marquês tomou o navio para si, bem como um novo título: Mestre das Facas."

― Vocês tem que parar de acreditar em besteiras infundadas ― uma voz interrompeu, baixa, porém num tom gélido que faria qualquer um arrepiar. ― Essas são histórias para crianças. Plus Ultra era uma navio de carga que foi roubado no meio de uma viagem até a França. Foi tomado por piratas espanhóis e perdido numa partida de pôquer para um velho holandês. E aí, chegou às mãos do nosso capitão. 

A imediata jogou um saco no meio dos homens, de dentro dele, caíram outros menores. Shouto semicerrou os olhos, colocando a ponta do chapéu para baixo, a brisa noturna lhe dava sono e ele não reclamaria se pudesse deitar agora. 

― Sua parte das pilhagens ― ela falou. ― Está dividido exatamente do mesmo modo para cada um. Preparem-se para dormir, logo chegaremos ao nosso destino. 

― E qual seria este? ― Shouto finalmente deixou que a voz saísse. ― Por que há tantos segredos em relação a onde vamos? 

Os lábios repuxaram no rosto marcado e um sorriso frio lhe foi lançado. Uraraka piscou pacientemente e então suspirou, mandando um olhar desafiador para o rapaz. Viu-a lamber os lábios, o vento bagunçando os cabelos curtos, a bandana preta folgada na cabeça. 

― Você saberá amanhã ― murmurou de forma quase inaudível. ―, marujo. 

E girou os calcanhares, ignorando os olhares curiosos de todos os outros, e saiu a passos silenciosos. As velas balançaram conforme os ventos ficaram mais intensos e o ar ficou mais denso para todos ali. Algo estava errado, sabia. Algo estava sendo escondido. E Shouto descobriria. 

Seus pensamentos foram interrompidos pelo tocar de uma mão em seu ombro, mas Todoroki sustentou o olhar no ponto para onde ela havia partido. Até que os fios claros dos cabelos de Kaminari entraram em foco em seu olhar e  percebeu que ele havia tomado à sua frente. Porém, não era o sorridente e tagarela Kaminari que lhe falava e sim um homem totalmente diferente. Tinha os mesmos cabelos loiros bagunçados, entretanto estes eram cortados por duas franjas que caiam nas laterais do rosto fino, destacando a barba rala que despontava no queixo. Os olhos afiados encararam os seus e ele se sentiu avaliado naquele instante.

― Você tem uma língua muito grande, meu amigo. Dia desses pode perdê-la ― avisou-o. ― Tome cuidado com essa imediata, ela é perigosa. 

― Não tenho medo dela. 

― Não é sobre medo, mas sim autopreservação ― resmungou, empurrando algo contra o peito de Shouto. ― Aqui, essa é a sua parte da pilhagem. 

― E quem seria você?

― Apenas um humilde marujo que vive com a cabeça nas alturas. ― E sorriu, galante, enquanto olhava diretamente em seus olhos. As pessoas não costumavam olhar muito para os seus olhos, afastadas pela disparidade que ali encontravam. ― Espero que você não seja tão inconstante como a cor dos seus olhos, meu caro. 

E piscou ao seguir para a porta, batucando com os dedos nas paredes de madeira do navio. Shouto sentiu o estômago revirar, as mãos suaram e ele cerrou os punhos. Perguntando-se o que havia de errado com as pessoas daquele navio, levantou para seguir os demais rumo ao tão merecido descanso. 

⚙⚙⚙

Quando Shouto abriu os olhos, o Sol ainda não se levantava na linha do horizonte, mas o céu já estava claro e as nuvens brancas e grandes se afastavam cada vez mais, o que significava que aquele seria um dia ensolarado. O rapaz pegaria o primeiro turno de vigília naquela manhã, coisa que o agradou, já que ele sempre acordava àquela hora. 

Atravessou tranquilamente o convés, certificando-se de que todas as cordas estavam bem presas a balaustrada, olhos fixados no céu, com o vento leve batendo em seu rosto. Ele apoiou-se na borda do navio e parou para estudar o fraco movimento que se via àquela hora, deixando que o olhar recaísse sobre a porta da cabine nos fundos da embarcação: a cabine do Capitão. O diálogo do outro dia e a retirada súbita deste ainda pairava em sua mente, deixando-o cada vez mais curioso sobre aquele homem estranho. Shouto sabia bem que deixar-se levar por lendas não traria resposta alguma, no entanto, podia ver em vivas cores a estranheza que as fundava e, se não fosse incrédulo quanto a estas, podia acabar se convencendo que eram verdadeiras.

Uma risada animada cortou o ar silencioso e uma imagem saltitante fora vista pelo canto dos olhos, o loiro fosco e o sorriso triunfante fizeram Shouto perceber que aquele cara sabia quem ele era. E mais, ele sabia que o rapaz ruivo o observava. Todoroki rapidamente desviou o olhar, mas não era como se ele fosse perdoá-lo. 

ㅡ Bom dia, língua solta ㅡ disse e Shouto se perguntou se ele estava falando consigo. ㅡ Como foi sua noite? 

A expressão que acompanhou a pergunta lhe deu vontade de responder com uma careta e expulsá-lo dali com um de seus olhares rabugentos. Infelizmente, ele não parecia ser o tipo que se intimida fácil. Além disso, aquele que o acompanhava não retirava os olhos de si, avaliando-o friamente, e pela postura altiva, Shouto sabia que deveria ser alguém importante. 

ㅡ O melhor que se pode conseguir em uma rede ㅡ rebateu. 

ㅡ Não disse a você, Dabi. O novato tem uma língua comprida. ㅡ Olhou para trás, esperando o homem moreno chegar a passos lentos. ㅡ Venha logo, homem, você não precisa andar como uma lesma. 

ㅡ Hm ㅡ ele respondeu. ㅡ Ele parece você. 

E ficou em silêncio. Shouto sentiu no silêncio o impacto que a gargalhada animada do outro lhe causava. Era como se fossem uma chama ardente e sua contenção. 

ㅡ Desculpe, mas eu não sei o seu nome ainda. E me parece injusto dado que você já parece saber tudo sobre mim. ㅡ As sobrancelhas se ergueram acompanhando o tom de desafio que seguiu suas palavras. ㅡ Duvido muito que ‘aquele que vive com a cabeça nas alturas’ conte como nome.

ㅡ Ora, ora, garoto, não é que você tem colhões? ㅡ Os olhos afiados se estreitaram nos cantos e logo sua cabeça desceu em uma graciosa reverência. ㅡ Me chamam de Hawks da gávea, a seu humilde dispor. E este homem de poucas palavras é o contramestre deste navio, diga olá para ele, Dabi. ㅡ Dabi o encarou, com aquele olhar cortante e íris tão azuis quanto as águas do oceano. Tão azuis quanto as de Endeavor. Nelas brilhava a ameaça oculta, de que antes de fazê-lo, Dabi o faria engolir suas próprias palavras. E aquilo o fez arrepiar. ㅡ Bom ㅡ O loiro deu de ombros, nem um pouco surpreso. ㅡ, não custava nada tentar. 

O contramestre retomou sua caminhada, passando por Shouto como se ele nem mesmo estivesse ali. Aquilo o aborreceu e por um minuto ele cogitou chamá-lo de volta, provocá-lo com quaisquer palavras que fossem apenas para enfrentar aqueles olhos estranhos e ao mesmo tempo tão familiares. Cerrou os punhos e manteve-se no lugar enquanto Hawks o seguia após bater com a mão em seu ombro como havia feito na noite passada.

ㅡ Não se importe com isso, ele faz o tempo inteiro. Deve estar ansioso pela reunião com o Capitão e o tão esperado destino. ㅡ E apressou-se em seguir o companheiro. ㅡ Nos vemos por aí, língua solta!

E ele partiu, assim como o outro. Shouto esperou, até que o som das botas não fosse mais escutado e suspirou irritado. Ele definitivamente não havia sido de seu agrado. Aquele homem era o tipo de pessoa que tinha muitos segredos e delas, Todoroki ficava longe. Riu amargo então, percebendo a ironia da situação quando nesse exato momento se encontrava obcecado em descobrir que cadáveres ocultos o Capitão escondia por detrás de suas portas. E, segundo Hawks, era exatamente onde eles estariam dentro de algum tempo.

Porém, aquele pensamento foi cortado pelo cantarolar de alguém ao longe e o rapaz semicerrou os olhos antes de ver a cabeleira amarelada chegar. As botinas batiam no chão, fazendo um som alto o suficiente para que todos naquele convés escutassem, ou seja, ele próprio e o marinheiro que ficara com o turno noturno, preparando-se para tirar seu descanso. Denki sorriu animado quando seus olhares se encontraram e a cantoria aumentou. Naquele momento, Shouto pensava como aquele rapaz conseguia energia. Não era possível que aquilo fosse produto de poucas horas de descanso. 

Ao se aproximar, Kaminari assobiou, piscando um dos olhos para si, enquanto escondia as mãos nos bolsos, obviamente seguindo a orientação para que não exagerasse nos toques em sua pessoa, porém ignorando totalmente a que dizia respeito ao seu tagarelar incessante. Todoroki esfregou as duas mãos, espantando o suor acumulado ali e mexeu em uma das orelhas, puxando o pequeno brinco de ouro que tinha. 

ㅡ Estressado a essa hora da manhã, Alteza? Os leitos da plebe não foram bons o suficiente?

Tsc. ㅡ Shouto optou por ignorar o comentário afiado e retornou ao seu ponto de observação sentindo a inquietação pulsar por todo o seu corpo. Por mais que tentasse controlar, seus olhos teimavam em vagar para os aposentos do Capitão, antecipando o momento que aqueles dois se juntariam a ele em sua aparente reunião secreta. Outra merda de segredo se empilhado sobre os já existentes, enquanto ele permanecia ali, à mercê e impotente.

ㅡ Entendo. ㅡ E Kaminari continuava o seguindo. ㅡ Fazendo sua checagem matinal do Capitão, então? Lamento desapontá-lo, mas ele não está em seus aposentos caso esteja pensando em invadi-los e tentar algo.

ㅡ E como você sabe? ㅡ questionou, tentando não demonstrar o interesse que sentia.

ㅡ Porque eu o vi. No depósito. De certo surrupiando alguma coisa para o desjejum. ㅡ Os ombros se ergueram, casuais, e ele pescou algo no bolso e a arremessou para si. Uma laranja. ㅡ E antes que pergunte o que eu estava fazendo lá, bom, tivemos a mesma ideia. ㅡ Sorriu brincalhão descascando a fruta e acenando para que Shouto fizesse o mesmo. 

ㅡ Bom, se você sabe tanto sobre as coisas desse navio… ㅡ ele começou, surrupiando a faca que estava entre os dedos do outro. ㅡ Ouviu falar de uma certa reunião que acontecerá com o Capitão e seu contramestre? 

ㅡ Hm, reunião. ㅡ Franziu o cenho. ㅡ Disso eu não sabia. Qual o assunto dessa reunião? 

ㅡ Aparentemente, o nosso destino. 

ㅡ Se é apenas isso, por que está tão interessado? ㅡ questionou, pegando a faca de volta e a enfiando no espaço da bota, enquanto seguia o olhar de Shouto que se voltou novamente para as portas cerradas da cabine. 

ㅡ Apenas um pressentimento.

ㅡ Um pressentimento, hã? ㅡ Riu, bagunçando os cabelos. ㅡ Eu sei bem quem te dá esse pressentimento. ㅡ Todoroki mordeu a língua, contendo a resposta que gostaria de dar. ㅡ Muito bem ㅡ Kaminari bateu as mãos na calça, afastando os restos invisíveis de sua refeição. ㅡ, como não suporto continuar olhando para essa sua cara de cachorro que foi chutado pelo dono, vou te ajudar. 

ㅡ Me ajudar? ㅡ Foi a vez de Shouto o encarar com um olhar confuso.

ㅡ Sim, é claro, querido. ㅡ Piscou um dos olhos mais uma vez e o puxou pelo braço, levando-o de maneira silenciosa até o espaço abaixo da escada. ㅡ Vamos esperar ㅡ explicou quando percebeu que a confusão ainda existia em sua expressão. 

E naquele mesmo minuto, mais vozes se fizeram presentes naquele convés e Shouto não pôde não reconhecer aquele tom. A mesma voz que lhe havia sido dirigida, soando até desprezível para si. A imediata andava apressada, grunhido vez ou outra enquanto era seguida por Kirishima e só ele; Todoroki estranhou.  

ㅡ Mas o que você está fazendo? ㅡ sibilou, percebendo aonde ele o estava levando.

ㅡ Te levando para espiar a reunião, oras. Agora fique quieto, não vai querer ser pego pela Ochako, não é? ㅡ sussurrou, pondo a mão sobre a sua boca. ㅡ Acredito que ela esteja suficientemente irritada para jogar outra pessoa ao mar. E tenha a certeza de você não vai querer ser essa pessoa. 

E se calou quando as outras vozes ficaram mais altas, Denki estreitou o olhar, observando por entre os degraus daquela escada e arregalou os olhos com o que viu. Com quem viu. 

ㅡ O que foi? ㅡ Shouto murmurou ainda com a mão sobre a boca e Kaminari o olhou com nervosismo, implorando para que calasse a boca. 

“Capitão”, ele falou de forma muda. Todoroki se virou de forma brusca, o cotovelo esbarrando em uma das correntes ali penduradas e a derrubando com um estrépito. E se eles ainda não haviam sido pegos pelos sussurros baixos ㅡ ou não tão baixos assim ㅡ, aquele barulho certamente os entregaria. Kaminari deu um tapa em sua nuca e o rapaz ruivo reclamou, estalando a língua. Mas não desistiu do que faria. Voltou o olhar para quem vinha logo à frente e as íris verdes encontraram as suas, o que o fez arrepiar. Merda, pensou, mordendo o lábio. 

ㅡ Aconteceu alguma coisa, Capitão? ㅡ Kirishima perguntou ao vê-lo parar.

No entanto, diferente do que esperava, Midoriya não pareceu ligar ou até mesmo perceber. Devia estar enganado, já que o homem de cabelos esverdeados subiu a escada apenas balançando a cabeça com um meio sorriso, sem comentar. Tudo bem, estavam salvos, não precisava se preocupar. 

ㅡ Eu sei que pode ser difícil, mas você precisa se controlar. Nossos pescoços estão em jogo aqui ㅡ murmurou, largando Shouto e tornando a espiar pelas brechas certificando-se de que ninguém mais se encontrava a vista. ㅡ Vamos logo, não vai ficar vazio por muito tempo.  

ㅡ O que não vai ficar vazio?   

ㅡ Pela Deusa, como você fala! Será que não pode se calar um pouco? ㅡ Shouto engasgou com a coragem que ele, logo ele, tinha de lhe fazer aquele pedido. Franziu os lábios, irritado, e se contentou em apenas segui-lo, já que suas perguntas o incomodavam tanto assim. 

Ao menos, até se dar conta de onde iam.

ㅡ Essa não é…

ㅡ A cabine da imediata, é. 

Kaminari se curvou para a fechadura e mexeu nela por alguns instantes que pareceram se arrastar. Shouto espiou nervoso por cima do ombro, esperando que a qualquer instante Ochako aparecesse das sombras e desse suas vidas por encerradas ali mesmo. Um clique baixo chamou sua atenção e ele voltou o olhar para Denki que empurrava a porta agora aberta, inclinando a cabeça para que atravessasse primeiro. Decidido a não ceder à provocação, ultrapassou a soleira e adentrou o quarto ouvindo a respiração de Kaminari logo atrás de si, fechando novamente a porta.

O quarto em si não aparentava muitos luxos. Possuía apenas um tapete azul escuro sobre o qual estavam dispostas três cadeiras ao redor de uma pequena mesa sobre a qual repousava um conjunto de chá, uma cômoda encimada por um quadro sobre o qual passou os olhos rapidamente, e uma cama de ferro batido em um canto.

Parou de chofre ao notar que eles não eram os únicos ali. Esparramado no colchão se encontrava o explosivo marujo, Bakugou Katsuki. Com os cabelos bagunçados e o torso desnudo, ele tinha os olhos fechados aparentando estar em um sono profundo. 

Kaminari o empurrou, incentivando-o a avançar pelo quarto. Aproximou-se de uma das paredes e estendeu as mãos, fingindo não ver o olhar descrente que Shouto lhe lançava. Suas mãos tatearam a madeira com experiência, como se já houvessem feito aquilo mil vezes antes. A cada batida que seus nós acertavam na parede, Shouto se sentia um segundo mais perto da morte. Se a imediata por si só era assustadora, seus companheiros de certo não seriam pessoas mais sensatas.

ㅡ Quer parar com isso? Ele não vai acordar tão cedo.

ㅡ Como você sabe? 

Kaminari revirou os olhos.

ㅡ Bebida e uma boa foda é tudo que um homem precisa para desabar. E francamente, você viu aqueles dois? Como se eles fossem pegar leve. Ele deve estar esgotado.

ㅡ Dois? Como assim “eles dois”? 

ㅡ Francamente, você não notou mesmo?

ㅡ Não notei o quê? 

ㅡ Para que você usa seus olhos mesmo? ㅡ perguntou em um tom debochado. ㅡ Não vê que eles são um par? Ou melhor, um trio? ㅡ Os olhos arderam com aquela chama divertida antes que ele os desviasse pelo quarto, em busca de algo. Aproximou-se da cômoda, quase como se estivesse sendo atraído e estendeu os dedos para tocar a moldura do quadro sobre ela.

ㅡ Isso é sério? ㅡ falou, preferindo mudar de assunto. ㅡ Esse não é, tipo, aquele Cesto de Frutas de Caravaggio? 

Kaminari riu. 

ㅡ Não sei do que fala, Alteza. Você que é o menino letrado aqui. ㅡ Shouto revirou os olhos, logo tocando a tela e contornando as frutas. 

ㅡ Cale a boca ㅡ resmungou. ㅡ Eu tinha visto esse quadro num dos livros do meu pai, só isso. Deve ser uma réplica. 

ㅡ Espero que esteja certo, pois você vai me ajudar a tirá-lo daí. ㅡ Ele arqueou as sobrancelhas, perguntando-se de onde Denki tirava aquelas ideias malucas. 

ㅡ Não tem por que tirá-lo, não vamos a lugar algum até a próxima parada. 

ㅡ Minha Deusa, não vamos roubá-lo. ㅡ Suspirou. ㅡ Vamos, me ajude a colocá-lo no chão. 

Cansado de se sentir um idiota, ele apenas assentiu e segurou na lateral direita da moldura enquanto Kaminari suspendia a esquerda e juntos eles baixaram o quadro o mais silenciosamente que conseguiram. Prenderam a respiração ao ouvirem uma movimentação vinda da cama e soltaram o ar aliviados quando constataram que não passava de Bakugou mudando de posição. Kaminari se ergueu e tocou a superfície onde o quadro havia estado com um sorriso satisfeito.

ㅡ Previsível. ㅡ Os dedos contornaram uma das tábuas que a Shouto não parecia ter nada de especial, e se fincaram em suas laterais. O jovem assistiu com crescente surpresa o outro aplicar a quantidade de pressão exata e puxar a madeira para fora, expondo uma pequena abertura com mais ou menos dois palmos que se abria direto para… a cabine do Capitão! Voltou os olhos arregalados para um Denki que sorria largo e lhe fez uma reverência. ㅡ De nada, Alteza.

ㅡ Como você sabia?

ㅡ Depois. ㅡ E apontou para do colchão onde o loiro explosivo ainda dormia para o tremeluzir de uma lamparina visível pelo buraco. ㅡ Por agora, vamos apenas aproveitar o espetáculo.

Shouto assentiu, distraído pelo ruído fraco que as vozes emitiam no outro cômodo. Em um acordo mútuo, esticaram-se o máximo que podiam sobre a cômoda e alinharam a cabeça na abertura, espiando o ambiente que se revelava. Ao que tudo indicava, a abertura se encontrava oculta por vários tecidos que caíam suntuosos do teto. Um pouco mais afastados, dispostos ao redor de uma mesa circular com a luz das lamparinas a dançar-lhes pela face, quatro se reuniam com os olhos fixos em uma silhueta mais afundada nas sombras.

Quando as vozes recomeçaram, eles prenderam a respiração e assistiram em silêncio.

ㅡ Não tem como cruzarmos aquela ilha sem que eles nos persigam. ㅡ Uma voz distante ressoou, alguém que ainda não conseguiam ver. ㅡ Monoma me disse que a marinha está posicionada naquele lugar, só esperando por nós, Capitão. 

ㅡ Com certeza estão, Dabi ㅡ Uraraka respondeu. ㅡ Não é como se Izuku não soubesse que aquele homem ainda está atrás dele. Por favor, nos traga algo melhor além de besteiras. 

ㅡ Dabi está certo, temos que ser cautelosos ㅡ rebateu Kirishima. ㅡ Não podemos simplesmente enfrentar a marinha. Não podemos nos arriscar com esses caras outra vez, não como da última. 

ㅡ Você tem algum plano? Porque eu, com certeza, não tenho. ㅡ A voz de Hawks cruzou o cômodo, enquanto este olhava as próprias unhas para depois roê-las. ㅡ Não vamos àquela ilha há tanto tempo que mal lembro onde escondemos o rum. Uh, aquele rum era maravilhoso. 

ㅡ Não é hora para piadas, Hawks ㅡ Dabi resmungou, andando até a mesa de madeira e deixando, finalmente, que Shouto e Kaminari o vissem. ㅡ Nós realmente precisamos de uma estratégia. Aquela pedra não virá sozinha a nossas mãos. 

Hmmm. Tive uma ideia. 

Ele teve uma ideia? ㅡ Ochako ironizou. ㅡ Devemos comemorar esse grande feito? Vamos, Keigo, nos agracie com a sua maravilhosa ideia. Não podemos deixar esse milagre passar. ㅡ E sorriu ao cruzar os braços em uma estranha calma. 

ㅡ Você é tão meiga, como sempre, querida Ochako. ㅡ Ele devolveu o sorriso de forma debochada. ㅡ Mas… claro! Vou dividir o que passa em minha humilde  imaginação de rapaz da gávea. Dabi disse que o tão precioso objeto não viria às nossas mãos se não fossemos até lá, não é? Pois bem. E se não formos até lá? 

ㅡ Como? ㅡ Kirishima arqueou as sobrancelhas. 

ㅡ Digo, chamamos tantos marujos novos da última vez que paramos…

ㅡ Pela Deusa! Não. Vamos. Mandá-los. Dessa. Vez. ㅡ Ochako falou, pausadamente. ㅡ Eu acho bem excitante colocarmos três ou quatro patifes daqueles para pegar o que queremos. Mas sabemos que eles voltarão de mãos vazias ou até sem mãos! 

Dabi suspirou, deixando os ombros caírem. 

ㅡ E o que você sugere? Mandar o Capitão com eles? Ou você?

ㅡ Não quero servir babá. ㅡ Ela fechou a cara, lançando um olhar mortal ao contramestre. ㅡ Por que não vai você? Não acredito que está concordando com esse plano maluco dele. Logo você! O cara do não-mate-pessoas-inocentes. Eu te conheço, Dabi. Você se cagaria no primeiro instante que pisasse naquela ilha, não ache que eu esqueci. 

ㅡ Se acalmem, vocês dois ㅡ Kirishima interviu e pousou uma mão no ombro da imediata, puxando-a da posição inclinada que ela nem mesmo notara que estava mantendo. ㅡ Espero que não se esqueçam que não estamos negociando vidas aqui. E certamente precisamos de uma estratégia mais confiável do que apostar tudo nas mãos da sorte. 

ㅡ Temos o mapa, podemos chegar lá antes que eles nos alcancem. 

ㅡ Quão boba você pode ser para achar que eles já não estão lá? ㅡ Hawks deixou que a mão pousasse sobre a mesa. ㅡ Alguém revelou nossa posição, eles sabem da ilha, sabem da pedra, sabem que nós iremos para lá. Não seja insensata, Uraraka. Apesar de que não acho que dê para mudar algo que já faça parte de você. 

ㅡ Eu sou a insensata? Acho que devo lhe lembrar que foi você que sugeriu a porra do último saque que levou metade da nossa tripulação ㅡ esbravejou ela, esmurrando a mesa. ㅡ E você é o sensato? Pela Deusa, cale a boca antes que eu mesma arranque a sua língua. 

Ele se voltou para Kirishima, que sorria tranquilamente em meio àquela situação. 

ㅡ Não olhe para mim, você mesmo armou a corda para se enforcar.

ㅡ Eu…

Hawks tentou falar, mas foi interrompido pelo arrastar da cadeira à cabeceira. Os dois pés, que antes estavam em cima da mesa, foram soltos bruscamente no chão, chamando a atenção de todos ali presentes. O Capitão Midoriya se pôs de pé, retirando o chapéu ao estalar o pescoço. 

ㅡ Eu quero que vocês entendam, meus caros ㅡ ele falou, a voz acariciando as sílabas com uma lentidão deliberada. Mesmo com uma parede separando-os, os dois que assistiam escondidos sentiram-se presos pela autoridade que emanava daquelas palavras. ㅡ Vocês não são galos no meio de um ringue. Espero que não estejam se confundindo com animais de briga. 

Ochako engoliu em seco. 

ㅡ Quando os chamei para essa reunião, esperava encontrar um ambiente melhor para planejar estratégias. ㅡ Observou a própria mão, antes de colocá-la com leveza sobre a mesa de material espesso. ㅡ Não reclamo da ausência de Bakugou, sei que ele faria isso tudo ficar mais… explosivo. Mas vocês são as pessoas mais espertas nesse navio, então, espero que mantenham a calma.

Eles assentiram, recuando um pouco para abrir espaço ao Capitão que se inclinava sobre a mesa, estudando o pergaminho aberto sobre ela. O mesmo que eles haviam retirado do túmulo e que Ochako lhes roubara ao resgatá-los. 

ㅡ Bom, vocês são sempre assim ㅡ Kirishima suspirou. ㅡ, mas esquecem que a decisão final não é nossa. O que nos diz, Capitão? Quais vão ser as suas ordens?

Como o ardiloso que era, o destino escolheu aquele momento para enviar-lhes a percepção dos ruídos vindos da cama. O xingar deliberado lhes deu a certeza. Bakugou estava acordando e se eles não saíssem logo dali, seriam homens mortos. Com o coração martelando no peito e a irritação pelo momento tão auspicioso perdido, Kaminari recolocou a tábua solta no lugar e se juntou a Shouto para erguer o quadro e posicioná-lo em seu lugar de origem. Abaixando-se o máximo que podiam, eles rastejaram pelo quarto de volta a porta, torcendo para que não houvesse ninguém que lhes flagrasse saindo. Ou pior, que a reunião desse por acabada naquele momento e a imediata saísse e os pegasse ali.

Ao que parecia, a Deusa ainda os agraciava o suficiente para que suas preces tão arraigadas fossem atendidas. Escorregaram para fora do quarto e Kaminari deslizou a porta com cuidado para a posição que se encontrava inicialmente. Certos de que tudo estava no devido lugar e com os barulhos do despertar caótico de Bakugou se intensificando mesmo através da madeira, eles correram para longe procurando ao máximo evitar que as botas fizessem ranger as tábuas do piso, somente parando quando haviam alcançado a proa.

Ali, sobre a figura da sereia em sua pose majestosa a cortar as ondas, eles pararam para recuperar o fôlego. Seus olhos se encontraram e eles souberam. Para onde quer que estivessem indo, seria sua perdição.

⚙⚙⚙

 

Esquisito. Era primeira palavra que vinha a sua mente quando seu coração apertava daquela maneira. Era extremamente esquisito ainda sentir as cicatrizes arderem mesmo depois de curadas. Minimamente estranho que sua mente ficasse estagnada em um mesmo lugar e ao mesmo tempo saísse de órbita, ou até mesmo quando escutava aquele zunido na orelha esquerda com o barulho das ondas do oceano batendo no casco do navio. Mas a maior esquisitice de todas naquele navio, era a forma como ele o acolhia, engolia todo o seu corpo naquelas noites vazias no convés, quando decidia que era uma boa hora ficar na proa, esquecendo totalmente que tinha que dormir. Ou melhor, quando o sono esquecia de aparecer. 

Não via um céu tão belo como aquele desde que haviam saído daquela cidadela, a primeira vez que subira naquele barco e sentiu ali todo o peso do mundo ser tirado dos ombros, mesmo que esses ainda doessem pelas escoriações. Não reclamaria por fazer bobagens como aquela, uma troca de turno mesmo que naquela manhã já tivesse feito o seu próprio. Não precisava descansar quando podia passar as noites jogado no convés, sentindo o ar fresco preencher os pulmões e as estrelas iluminarem o seu caminho até que o Sol tomasse sua vista. Não reclamaria se ficasse mil noites como aquela, ali fora, sozinho, enquanto o vento assobiava em seus ouvidos e a madeira do navio rangia, fazendo com que seus olhos ficassem abertos. 

Era um sentimento pacífico demais para um coração perturbado como o seu. Uma leveza da qual jamais experimentou. Entretanto, ali estava ele, naquele convés, com as botas jogadas em algum canto enquanto observava o movimento das águas no mar. E o silêncio era tão presente que podia escutar as batidas do próprio coração, enquanto a Lua navegava imperiosa nos céus. Aquele som não o incomodava tanto como antes, quando o ato de respirar era tão pesado que mal conseguia se mover, aquele barulho em seu peito estava lá para lembrá-lo que estava vivo. Que não precisava se preocupar. 

Era assim que o sabor da saudade tomava seu lábios, deixando um gosto amargo demais na boca. Porque sentia falta do seu lar. Mas como poderia sentir saudades de um lar quando nunca tivera um sequer? Era o que pairava em sua mente todas as vezes que aquela sensação tomava o seu corpo de forma calorosa. E a única coisa que Shouto queria fazer era se jogar ao mar, para que esfriasse tudo. Para que a temperatura baixasse tanto que ele nunca poderia sentir aquele calor outra vez. 

E era daquela maneira que ele se sentia, sentado na balaustrada, segurando umas das cordas grossas. As velas pretas estavam abertas, o que dava mais um aspecto pirata para o resto da embarcação tão comum que poderia se passar por um navio mercante se não fossem  elas. Os olhos heterocromáticos se sustentavam na visão advinda do céu, a Lua tão brilhante, puxando toda a atenção para si. Porém não pôde não se mexer ao escutar o ranger da madeira no chão. Um evento comum para um navio, mas que não poderia passar despercebido pelos ouvidos de quem vigiava. 

Acima do convés, perto da cabine do Capitão, botas de um couro marrom se fizeram presentes. Shouto reteve a surpresa de ver aquelas portas se abrirem, ainda mais àquela hora da madrugada. No entanto, de alguma forma, isso fazia sentido. Os únicos momentos em que o Capitão poderia se aproveitar da solidão envolvente que a noite trazia eram esses em que havia apenas o ronco daqueles que dormiam sob o convés. A silhueta virou-se de lado, não percebendo sua presença ali. O luar refletiu-se no tom incomum dos cabelos, causando naquele que olhava um súbito engasgar. 

Todoroki enfurnou-se mais nas sombras, puxando os pés para dentro e deixando para trás os respingos que antes lhe acalmavam a alma. Não podia ignorar aquela oportunidade. Não podia deixá-la passar. Não quando seus olhos não conseguiam se desviar da figura que era o Capitão envolto em seu sobretudo caminhando em direção ao leme. Não quando os cabelos, aquela massa de cachos que lhe caiam nas laterais do rosto, agora lhe tomavam as costas.

Esfregou os olhos, imaginando que o período sem dormir houvesse afetado seus sentidos. No entanto, ao piscar novamente, a forma continuava lá. O sobretudo ondulando ao vento que perpassava seus cabelos. Os cabelos longos levados com ele. Tinha de ser um engano. Porém nenhum outro membro da tripulação possuía tal cabeleira. E a cor… não haviam dúvidas. Só podia ser o Capitão. 

Tomou sua decisão antes mesmo que pudesse pensar com cuidado nela. O resultado das práticas impulsivas feitas durante o dia em companhia de Kaminari lhe toldando o bom senso que o alertava quanto ao perigo. Mas era em vão. A decisão fora tomada antes mesmo que tivesse ciência de que havia uma escolha. De pés descalços, seguiu o Capitão. 

Subiu os degraus tão silencioso quanto jamais havia sido. Daquele ponto podia ver melhor, e se ainda lhe restavam dúvidas quanto a real identidade do caminhante noturno, elas não mais existiam. O corpo paralisou, permitindo os olhos beberem daquela forma, analisando os detalhes que a distância não permitia perceber. Havia mais além dos cachos longos que se agitavam com a brisa. Havia suavidade na forma do rosto. Havia curvas envolvendo o corpo, seios encobertos sem muito cuidado pelo grosso casaco. Havia delicadeza. Algo que nunca associaria ao Capitão e ao modo intimidante que tanto o prendia. 

Não sabia quanto tempo havia se passado, nem sequer se importava. Tudo que havia era o mar, o vento e aquela figura tão diferente, mas de algum modo tão parecida...

― Suponho que a essa altura o fascínio inicial já deva ter passado ― a voz anunciou, nítida e clara contra o sussurro das ondas. ― Então, eu me pergunto, por que ainda está olhando? 

Foi nesse instante que tudo aconteceu.  Aqueles olhos verdes desviaram-se das constelações brilhantes no céu e se voltaram para si parecendo ainda mais profundos e penetrantes do que jamais havia visto. Arrepios tomaram sua coluna e ele se sentiu paralisado no lugar pela força daquele olhar. Assim, frente a frente, ele podia ver ainda mais claramente as diferenças. Porém, a sede assassina em seu olhar o fez engolir em seco. Quaisquer palavras que pretendesse dizer, escaparam de sua boca. 

― O gato comeu a sua língua, meu caro? ― falou Midoriya, apontando-lhe um objeto pontudo que Shouto identificou como sendo a faca que ele havia arremessado contra Kaminari no dia em tudo havia acontecido, o dia em que sua vida havia mudado para sempre. ― Acredite que se não foi isso, eu posso fazê-lo agora mesmo. 

― Não mesmo, senho… ― A língua enrolou com o nervosismo e Midoriya riu em divertimento. ― ...ra? 

― Então, isso é tudo que tem a oferecer? ― Os olhos faíscavam, ganhando força com o luar. Investigou a fundo aquelas íris e suas cores diferenciadas, buscando nelas a rejeição, o julgamento que acompanhava a descoberta. No entanto, não havia nada. E mesmo assim, ele continuava lhe fitando como se fosse a maior das miragens. ― Um punhado de palavras gaguejadas? 

― Não é minha intenção ofender ― Shouto murmurou, acompanhando a mudança em sua postura ao ouvir tal declaração. Izuku jogou a cabeça para o lado, franzindo o cenho, enquanto perguntava-se brevemente se aquele rapaz valia o seu tempo. E então gargalhou, deixando que os ombros caíssem e os olhos fecharem pouco a pouco ao acompanhar o sorriso. 

―  Você parece um animalzinho abandonado, morto de fome. ― Gesticulou, movendo a faca de um lado para o outro ainda perto do pescoço de Shouto. ― Não parece nada com o moleque desafiador que conheci há semanas.  

― Não é a primeira vez que me dizem isso hoje.

― É porque deve ser verdade então. ― Ajeitou o chapéu sobre a cabeça e bateu no próprio pescoço ao sentir o incômodo da mordida de um mosquito ali. 

Shouto ensaiou um careta, e decidiu que aquele era o máximo de papel ridículo que estava disposto a prestar. Beliscou a parte interna do pulso e avançou um passo, decidido.

― O que faz aqui? Depois de semanas sem sequer sair de sua cabine, era de se imaginar que fosse permanecer nela ― confrontou-a, explanando enfim a questão que lhe atormentava durante todo esse tempo.

― Toda e qualquer alma nesse mundo precisa da brisa da noite em seus pulmões, rapaz. ― Lambeu os lábios. ― Até mesmo eu. 

― Não respondeu a minha pergunta. ― Manteve-se firme.

― Você não precisa saber da resposta. Ou talvez você a tenha e apenas não é capaz de ver. O mar é um lugar traiçoeiro e de muitos segredos, alguns agradáveis e outros tão terríveis que nem mesmo seu pior pesadelo pode concebê-los. ― Ela jogou os cabelos que lhe voavam no rosto para trás. ― Devia ser grato pela ignorância que tem.

― Mas…

― Vá descansar, garoto, enquanto ainda é noite. Ninguém mais é necessário além de mim para essa vigília. É meu desejo ficar sozinha. ― Shouto engoliu em seco e a viu afastar a adaga de seu pescoço, agradecendo à Deusa por ter tido piedade de si daquela vez. 

― Eu optei vir para cá pelo mesmo motivo ― explicou, ajeitando a camisa sobre o colar que ainda ali estava. 

― Não ligo ― falou, amargurada. ― Vá, antes que eu mesma arraste seu corpo até lá.

 Ela girou os calcanhares, preparando-se para seguir o seu próprio caminho até o convés. Mas ele a parou por um instante ao chamá-la pelo nome. A Capitão franziu o cenho, esperando para saber o que ele tanto queria. 

― Como eu devo te chamar? ― ele perguntou, com os ouvidos atentos ao que Midoriya pudesse falar. 

― Me chame como quiser, garoto. ― ela disse e então partiu, recolocando a lâmina na bainha escondida às suas costas. 

Shouto a fitou desaparecer pela escada e então ergueu os olhos para o céu que minutos antes havia considerado tão imenso e tranquilo. A percepção abateu-se sobre si.

Era aquele o segredo que tanto buscava.


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Notas finais do capítulo

Hellow pessoas!
Então, o que acharam do capítulo?
Nosso pirata Shouto segue em sua insensatez enfrentando o povo que não deve e, mais, sendo o maior lerdo de todos.
E o que acharam desse final? Teorias?
É isso que temos para hoje.
Até o próximo capítulo!!



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