A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 6
O lobo e a garota




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As folhas passavam pelo rosto da garota enquanto eles se embrenhavam cada vez mais profundamente no bosque. Já fazia quase uma hora e meia que eles deixaram a pequena estrada pavimentada de pedras e se enfiaram pelo atalho de Shura. Enquanto o homem vai a frente quebrando alguns galhos maiores com as mãos, a garota, a protestos, ia atrás afastando de si os que sobravam.

— Tem certeza de onde a gente tá indo? – Pergunta ela impaciente, seu ânimo para aventuras selvagens acabara nos primeiros dois passos para fora da estrada.

— Sim, - retruca Shura sem prestar muita atenção na garota – perdemos tempo parando em Shangri-la por uma noite, além do mais andar pela estrada nos tornaria alvos fáceis para alguém de dentro do bosque, esse é o melhor jeito.

Ela assente desgostosa com a lógica da situação, o homem sentia seu descontentamento mesmo que não pudesse vê-la.

Eles continuam em silêncio por mais algum tempo, ambos preocupados com os arredores, olhando sistemática e paranoicamente para todos os lados, esperando que qualquer movimento possa indicar um ataque inimigo, mas como nas primeiras horas, nada parece mudar: apenas os sons da floresta com seus animais e balançar de folhas ao vento parece os cercar. Com o tempo Mariah deixou de olhar com tanto esmero para seus flancos, a calmaria monótona da floresta e o tédio da situação mesmo que perigosa fazia sua noite mal dormida pesar sobre si. Suas pálpebras por vezes teimavam em querer fechar, mas ela se esforçava para continuar alerta.

Mariah ainda tinha dúvidas latentes em si e como não parecia haver perigo os espreitando, ela tem a fatídica resolução de tentar se manter acordada trocando informações ainda nebulosas com Shura.

— Ei Shura – chama ela tentando se aproximar um pouco dele.

O semideus inclina a cabeça levemente para trás em um sinal silencioso de atenção enquanto parece mais interessado em um galho que acabava de quebrar a sua frente.

— Bom, eu estava pensando, você disse que são muitos semideuses por aqui, pelo que eu me lembre as cinco mitologias são gigantescas, são tantos assim lutando por aqui?

— Não exatamente, – responde ele sem nenhum ânimo, mais preocupado em fitar o seu entorno – alguns semideuses que possuem efeitos semelhantes na verdade podem ser a mesma pessoa, mas vista pela ótica de uma mitologia diferente. O que também entra no caso que conversamos ontem, sobre haver uma interferência mútua na escolha de nomes.

— Está me dizendo que por exemplo Zeus e Thor são as mesmas pessoas!? - A garota indaga arregalando os olhos e imaginando Odin sendo um tipo de pai para Zeus sendo que ambos são generais divinos.

— O quê? Não, não, - ele nega enfaticamente sacudindo a cabeça de leve enquanto pula um tronco caído – Thor é um semideus como eu, está lutando por aí em algum lugar, pensou isso por ele controlar as tempestades?

— Bom, sim... – a garota responde em um tom envergonhado.

— Tem sua lógica, mas não é assim que as coisas funcionam, é um pouco... – ele procura as palavras – um pouco mais complexo que isso. Por exemplo, Hades e Anúbis possuem funções parecidas em suas mitologias a de gerencia, por assim dizer, o submundo e julgar os mortos, porém por aqui eles desempenham funções parecidas de modos diferentes: enquanto Anúbis coleta as almas das pessoas em seu leito de morte e as seleciona, Hades encaminha para o Mundo Inferior aquelas que não são compatíveis com nenhum semideus. Já outros semideuses menores são na verdade a mesma pessoa, então sim, existem muitos por aqui, mas não, não são centenas como possam parecer. O próprio Thor como tinha perguntado, é análogo a Fujin e Raijin, os deuses do raio e do trovão da mitologia japonesa.

— Entendi... – não satisfeita, ela dispara outra pergunta – e você disse que Thor está por aí, como pode ter certeza?

Shura pondera por um instante, diminuindo a velocidade, respirando mais profundamente que de costume e olhando para cima como se pensasse, depois continua.

— Bom, - novamente ele se mostra seletivo e impaciente, o que chama a atenção de Mariah, ele aparentava realmente não saber de tudo por ali, mesmo tendo anos de existência naquele plano e pior, ele se sentia incomodado com isso – sabe o que vocês humanos chamam de impressão ou pressentimento? Temos algo parecido, se focamos em imaginar um semideus, sabemos se ele está vivo ou não de forma parecida, mas isso se limita a uma sensação que aprendemos a identificar, também podemos sentir quem o derrotou como se a energia dos dois viessem do mesmo local, mesmo que eu não seja capaz de onde vinha.

— Nossa, eu não esperava que vocês fossem tão sensitivos assim, eu só acho que...

— Mariah – ele a corta abruptamente enquanto se vira, a garota assustada ergue a cabeça em direção ao rosto do homem e encontra olhos impacientes, ele continua – eu sei que é tudo novo para você, mas temos que continuar andando em silêncio, se um semideus nos atacar em um momento de vacilo pode ser nosso fim.

— Eu sei disso, eu só estava tentando entender um pouco mais disso tudo. – Ela responde com um certo tom de mágoa em sua voz.

— Eu entendo, só que agora não é uma boa hora, se você continuar me tirando a atenção eles podem me atacar, agora vamos.

— Okay.

Shura volta a caminhar com a garota emburrada logo atrás de si, Mariah se sentia ofendida, mas estava sem reação para reagir a altura no momento, então se colocou a seguir o homem em silêncio por algum tempo. Ao largo dos dois, uma sombra os seguia sem que eles percebessem, saltando quase que sem som algum por entre as árvores, esperando o momento correto de atacar.

Os dois agora já andavam a quase quatro horas em silêncio para dentro do bosque, se sentiam casados e a sensação de estarem perdidos era inevitável e crescia a cada passo, até um leve barulho de água chamar a atenção de ambos, o homem olha para a garota de forma discreta por cima do ombro e percebe que ela olhava para a mesma direção que vinha o barulho. Já fazia um bom tempo que eles estavam andando, então era de se esperar que ela estivesse com sede.

— Quer um pouco de água? – pergunta ele.

— Adoraria – responde ela sem muito entusiasmo na voz, mas engolindo seco – sabe onde é?

— Sei sim, é um pequeno lago aqui perto, deve matar a nossa sede.

Ela assente. Shura e Mariah mudam sua trajetória e rumam para a direção de onde vinha o barulho de água, ainda sem trocar nenhuma palavra por mais que o cansaço tomasse conta da garota cada vez mais. Chegar ao curso da água foi gratificante, Mariah sentia seu corpo agradecer pela água, tanto derramada em sua pele para diminuir o calor que sentia quanto a que ela tomava, até mesmo o sono passara um pouco depois de ela jogar a água fria e cristalina no rosto.

Por fim a garota se senta junto a uma árvore a meia distância de Shura. Ela observa novamente o lugar e a vontade de desenhar novamente a ataca, como não tinha nada de desenho consigo ela se limita a registrar tudo em sua memória: o lago era formado ao pé de uma pequena queda d’água e tinha uma água esverdeada em um tom cristalino translúcido, dentro dele peixes multicoloridos nadavam apressadamente de um lado para outro, mudando de curso de forma abrupta assim que sentiam vontade, sobre ele árvores projetavam uma sombra agradável e aconchegante, a pequena praia formada a seu redor tinha uma areia branca e morria em um punhado de grama e musgo que forrava o chão, era uma visão linda no fim das contas.

— Meia hora e partimos – ordena o homem, ela acena que entendeu com o dedão, sem o olhar diretamente, ele não fala nada, apenas fita o lago uma vez mais.

Mariah sente seu corpo amolecer enquanto abraça os joelhos, sua cabeça, como um pêndulo, maneava de um lado para o outro, queria apenas uma boa hora de sono para se recuperar.


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