A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 27
Poder interior




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Eyria lutava para sair debaixo do martelo prateado que parecia pesado demais para seu tamanho, suas costas doíam e ela temia por sua vida e tentava levantar, mas um suor frio escorreu de seu rosto quando ela viu os olhos dourados de ganância pousarem sobre os seus. O rosto boquiaberto da máscara do semideus parecia agora gargalhar de uma forma amedrontadora. Com um movimento de mão a pressão nas costas da mulher sumiu, mas com outro o martelo desceu com todo seu peso desproporcional atingindo-a novamente. O processo era repetido com um olhar doentio do jovem por alguns segundos, até que ele pareceu se cansar.

Com passos calmos e lentos ele se aproxima da mulher caída e retira o martelo de cima dela sem nem mesmo o tocar, agachando em sua frente e levantando seu rosto com a mão.

— Você é uma mulher bela Eyria, é ungida por Éris, não é? – diz ganância a olhando no fundo dos olhos com um ar de galanteio, Eyria sem pensar duas vezes cospe em seu rosto, cobrindo a faixa entre os olhos e o nariz. Retesando seu ódio, Ganância parece evaporar o cuspe da mulher antes de abrir os olhos e voltar a falar – é quase uma pena manda-la para o esquecimento.

Eyria não tinha forças para responder, mas viu por um lampejo a arma que aparece nas mãos do inimigo. Ela conhecia o martelo.

Ele golpeia a lateral da cabeça da mulher com o martelo, fazendo com que ela role de lado. Sangue agora descia por cima de sua máscara. Eyria tenta se levantar com dificuldade, mas é atingida na lateral estômago, o que faz com que ela caia de lado, apoiando-se por um dos braços e de olhos cerrados pela dor.

— Sabe – diz ele – não é tão divertido quando vocês não reagem...

Faíscas azuis começam a envolver o martelo assim que o olhar de Ganância se torna, ao contrário do que parecia possível, mais sombrio e a ficha de Eyria finalmente cai, era o Mijönir, martelo de Thor, ele havia realmente sido derrotado. Eyria ainda teve tempo de invocar um de seus leques para defender o golpe frontal com o braço que pousava sobre a barriga atingida, o leque parou o ataque físico, mas a onda de choque arremessa a mulher alguns metros e tira a arma de sua mão. Ganância arremessa o martelo que faiscava uma luz azulada e esse atinge o peito de Eyria, que estremece com a eletricidade passando pelo seu corpo assim que o martelo parece grudar em sua pele. Ela suprime um grito de pânico e dor serrando os dentes, não queria dar esse prazer à Ganância, mas ela estava prestes a desmoronar, sentia isso.

O garoto chama novamente o martelo, que obedece, pairando até ele e os golpes continuam, Shura assistia a tudo tentando se libertar e gritando por Eyria que era golpeada, mas nada poderia fazer.

Mariah, desesperada, procurava em sua mente opções, mas nada lhe ocorria. Seus arredores nada lhe davam em tronca de seu olhar marejado. Desde que se escondera novamente depois que sua ideia dera errado, ela vira tudo o que acontecera em segundos de seu esconderijo.

Sua boca estava amarga, não sabia dizer se de sangue coagulado do nariz ou de culpa por ter deixado os semideuses naquela situação, mas algo gritava em sua mente para que ela tentasse algo. Olhando mais uma vez para seus arredores, enquanto tentava anular os gritos de ira de Shura e os de dor de Eyria que agora irrompiam pela mata, a garota vê a lança quebrada quase que pela metade da semideusa morta começando finalmente a se desfazer e sem que pudesse perceber seu corpo já se movendo como se previsse o que estava por vir, uma ideia louca lhe passa pela cabeça.

Sentindo como se o mundo se calasse ao seu redor, Mariah corre na direção do que restou da lança de Huo, caída ao flanco de Ganância, do lado oposto de Shura e Eyria e a alcança, sentindo novamente o formigamento nas mãos, dessa vez atenuado pelo desespero e pela adrenalina corrente em suas veias. Usando toda força que restava em seu corpo, a jovem investe como um samurai contra o semideus que parecia distraído brincando com a vida da mulher que perdia a consciência com a dor das descargas de uma energia altíssima.

— Eyria! – Grita Shura desesperado, antes de perceber um vulto indo em direção ao garoto. Sentindo seu peito pesar ao perceber que era sua protegida, o homem tenta adverti-la, enquanto se debatia mais ferozmente que antes – Não! Não! Não!

Como se percebesse o movimento, o garoto se vira para Mariah e deixa com que a lança o acerte, com toda a força da garota, mas ela apenas se estilhaça no metal de sua armadura. Aproveitando o movimento, com a mão livre Ganância agarra o pescoço da garota, ainda atônita pela arma ter evaporado em suas mãos, a levantando acima de seus ombros. Sem os comandos do seu usuário, Mijonir desaparece em uma névoa azul e Eyria, pressionada pelos múltiplos ataques a ficar de joelhos, cai de rosto no chão, exausta. Toda sua energia fora drenada e por isso sua transformação também a deixa, voltando para suas vestes normais. A sua volta uma pequena poça de sangue se forma, aumentando de tamanho gradativamente.

Mariah se esforçava para soltar a mão de Ganância de seu pescoço. Ela tinha passado por essa situação anteriormente, mas nesse caso ser uma humana não mudaria seu destino. Shura assistia a cena desesperado tentando se livrar das correntes, mas seu esforço era em vão.

— Humana tola – diz Ganância em um tom calmo, mas carregado de ódio enquanto a observava com desdém por debaixo da máscara – como acha que pode derrotar um semideus, o ser mais próximo de um general divino com uma arma quebrada?

— Por que... você faz isso? – Pergunta ela ignorando o que o garoto tinha acabado de falar e se esforçando para respirar – Por que você mata outros para... pegar as armas deles? Não pode se... contentar com a sua?

Um silêncio tenso se forma enquanto o olhar de Ganância começa a ser tomado por ódio. Mas Mariah também conseguia perceber certa tristeza o percorrer.

— Já tiraram tudo de você? – Pergunta o garoto aproximando o rosto da garota ao seu – Até mesmo sua comida?

Mariah estava assustada, mas ela ouvia com atenção agora que o aperto em seu pescoço havia diminuído.

— Quando eu era vivo e tinha apenas alguns anos de vida, meu pai era um milionário, eu tinha tudo o que queria, tudo que precisava, na hora que precisava – ele cuspia-as nostalgicamente, mas sua expressão logo muda – até que com 13 anos meu pai faliu. Apostou tudo em um investimento furado de uma empresa fantasma e minha família foi à lona, rapidamente empobrecemos e o que o covarde fez? Se matou! – sua máscara, antes congelada em um sorriso agressivo, agora se contorcia lentamente em uma expressão de tristeza - Minha mãe... tentou se manter... dormindo com outros colegas de negócios de meu pai. Ela estava desesperada, mas eles apenas a usavam e descartavam, um após o outro, ainda mais com dois filhos. Um ano depois, no meu aniversário de 14 anos, ela demorou para chegar em casa, passou o dia fora como o de costume, mas não voltara ao entardecer. Eu deixei meu irmão em casa e fui procurar onde ela deveria estar, então eu vi...

O rapaz olha para o chão em silêncio. Seus olhos arregalados escorriam lágrimas, Mariah sentia uma mescla de compaixão e medo pelo garoto. Ele a solta e coloca as mãos no rosto, como se estivesse esquecido que estava de máscara. Mariah cai sentada e tossindo, passando a mão pelo pescoço dolorido.

— Ela... ela... ela estava... – ele soluçava – ela estava lá, caída, ela foi assaltada e como não tinha nada foi esfaqueada até a morte. Mas... mas ninguém a via, ninguém a ajudava. Ela estava na calçada! Na porra da calçada! No meio da maldita cidade! Mas ninguém ajudava, ninguém chamava ajuda, apenas apontavam e culpavam ela por ter se vendido ao dinheiro! E diziam que foi um bom fim para ela.

Ele agora gritava em ódio em meio às lágrimas, parecia mais transtornado que antes. Ele olha Mariah com os olhos cheios de dor e avança sobre ela novamente, agarrando seu pescoço e seu braço pressionando-os contra o chão enquanto ele a montava.

— Mariah! – Grita Shura em outro ataque de espasmos tentando se livrar as correntes.

— Eu morri de fome dois meses depois disso! – Ele gritava com o rosto a centímetros da garota, que agora tentava espernear e arranhar sua armadura, sufocando sem ar -Fui levado a um abrigo fugi de lá um pouco depois, aquele lugar de monstros era pior que o inferno! Internos mais velhos machucavam as crianças por pura inveja, já que eram velhos demais para serem adotados, aqueles lixos humanos... eu perdi meu irmão nos meus braços depois de terem colocado veneno para rato em sua comida, só depois fiquei sabendo eu ele seria adotado no mesmo dia... – o peito de Ganância se comprime em pura dor em meio a um soluço - ninguém quer uma criança vadia e velha, então se as mais novas não existirem... – a dor em seus olhos se tornou ódio em suas mãos ao apertar a garganta de Mariah mais forte – por isso agora eu quero tudo, quero a vida que me tiraram, quero as coisas que me privaram e principalmente, quero reviver meu pai para mata-lo e quero reviver minha mãe para dar a ela a vida de rainha que ela merece. Só vou conseguir isso sendo o único sobrevivente e tendo o poder de todos aqui.

Agora Mariah entendia, Ganância não passa de uma criança que quer o que o outro tem, pois perdeu tudo o que tinha, ele só queria ver sua mãe novamente e nunca mais se sentir sozinho. Assim como ela queria ver seus pais de novo. Mas ele sofrera muito e enlouquecera por isso, agora ele não via as coisas boas, os lados bons, era na verdade muito triste a situação dele.

Ganância, após uma pausa observando a garota sem nada dizer, com a saliva e as lágrimas pingando dos orifícios da máscara direto no rosto vermelho da garota que agora se debatia um pouco menos, volta a seu semblante frio. Ele sorri.

— Agora vou pegar sua vida para mim, humana – diz ele friamente enquanto se acalmava assustadoramente rápido.

O rapaz solta o braço de Mariah e posiciona as duas mãos no pescoço da garota apertando mais forte lentamente, ela grita o mais forte que pode enquanto consegue, mas logo sua voz começa a ser abafada pela falta de ar. Mariah tenta se debater e chutar o garoto, mas ele não se move ou muda expressão, apenas se diverte com seu desespero. Mariah perdia a consciência rápido, logo não conseguiria mais lutar.

— Shura... – Ela chama quase que em um sussurro antes de perder a consciência.

Mas enquanto seus olhos se fechavam, o mundo se torna lento e uma explosão toma conta de tudo ao seu redor.

Um dos nós da corrente de Izanagi passa voando entre Ganância e Mariah. O jovem olha para o lado e um soco quente como uma fogueira no deserto atinge sua máscara em cheio. O barulho de madeira se quebrando é a última coisa que Mariah escuta antes de desmaiar.

Ganância rola de costas e para sobre os joelhos e as mãos, ao olhar para o chão ele vê a madeira de sua máscara cair em pequenos fragmentos e fumaça lhe preenche o nariz. Ele se desespera e olha para frente, Shura vinha em sua direção envolto por uma bola de fogo. Parecia que sua roupa e pele iriam se queimar a qualquer momento. As marcas entalhadas do lobo estavam incandescentes e de sua boca que agora mostrava os protuberantes caninos completamente, escorria algo que ao mesmo tempo parecia sangue e lava quente. Tudo que era vermelho em sua vestimenta estava brilhante como chamas de uma fogueira e sua pele se assemelhava a carvão incandescente nas pontas dos dedos.

A visão amedrontaria qualquer um, mas ver aquilo indo contra você era especialmente desesperador para Ganância.

Estendendo seu braço, o garoto faz o escudo de Hichman aparecer no espaço entre o homem e ele, mas Ganância pôde apenas observar paralisado enquanto ele era partido em dois pela lâmina avermelhada de um dos discos do caos de Shura. Socando o ar, o semideus faz o arco aparecer de sua névoa, atirando uma flecha que seguia certeira para o rosto de Shura, mas este, diminuindo o ritmo do passo, lança o segundo disco, que corta a flecha em duas e arrebenta a corda do arco no mesmo movimento, lançando uma onda de calor forte o suficiente para aquecer o braço do garoto por debaixo de sua armadura leve. A cada passo de Shura, Ganância via seu fim se aproximar. O desespero do garoto aumentava com cada arma celestial que o homem destruía com sua ira, em pouco tempo escudos, martelos, cajados e espadas foram sendo quebrados um após o outro, em estrondos, clarões e migalhas coloridas.

Em uma manobra desesperada o garoto usa a luz da lanterna de Apolo para criar um clarão momentâneo como distração e ataca Shura com as armas de Athena. Em meio a claridade ele sente seu golpe o atingir, mas sua mão fica presa. Quando a luz acaba, ele pôde vislumbrar o que acontecera: O lobo da máscara de Shura tinha abocanhado sua mão, mas seus olhos estavam cravados em Ganância, ele nunca tinha visto isso antes. Os olhos de Shura estavam totalmente brancos, como se não houvessem írises. Com um movimento de cabeça, o lobo fecha a mandíbula e arranca a mão de Ganância, que grita de dor andando para trás atordoado.

— Isso é pelo que fez com Eyria – diz Shura em um tom morto, sem a mínima emoção, ecoando em tons diferentes por detrás da máscara que já engolia a mão do jovem.

Com a corrente de Izanagi que pendia de sua mão esquerda, Shura laça a lanterna de Apolo que planava no ar e atinge o rosto do inimigo, queimando sua máscara e parte de seu rosto. O garoto cai de joelhos ainda sem entender o que acontecia, atônito por tanto poder repentino.

— Isso é por Mariah – diz Shura ainda sem mudar o tom de voz.

O semideus então passa ao lado de Ganância segurando as duas extremidades da corrente, deixando que ela se enrolasse em seu pescoço, o levantando do chão o suficiente para que seus pés não alcançassem o solo e suas costas encontrassem as de Shura. Com a mão que lhe sobrou, Ganância quase morto tenta se soltar da corrente, arranhando seu pescoço em um esforço inútil de soltá-la, mas seu destino estava traçado.

— E isso é pelos vinte e cinco deuses que você assassinou a sangue frio – Shura fala, por fim. – Desapareça.

Com um puxão em sua direção por cima do ombro, assim como se ajeita uma mochila pelas cordas, Shura sente o seu inimigo grunhir e se debater sob o aperto da corrente pesada que queimava suas mãos, mas pouco tempo depois um estalo abafado seguido de um barulho estranho e molhado faz o peso em suas costas diminuir.

O que restara do corpo decapitado de Ganância atinge o solo, estava acabado.

Shura cai de joelhos e seu corpo esfria vagarosamente, soltando ar quente e fumaça como um motor. Esse foi um dia complicado, pensa ele em sua simplicidade, voltando a si completamente. O cheiro de pele, roupa e madeira queimada atinge seu nariz e o mundo rodopia ao seu redor. Olhando por cima do ombro uma última vez, ele observa Mariah e Eyria, observa seus corpos subirem e descerem discretamente com a respiração, observa o rastro de armas quebras começando a desaparecer e observa um volume apoiado em uma árvore, com um olhar bobo e perdido escondido por meia máscara.

Um peso muito grande cai sobre o homem, ele sente suas mãos sujas como nunca estiveram, mas o alívio de ver as duas mulheres atrás de si respirando, o traz algum consolo. Perdendo a luta contra o cansaço, Shura sente seus olhos rolarem para cima e suas pálpebras se fecharem. Ele estava desmaiado antes mesmo de cair no chão em um estrondo abafado.


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